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Direito e História: Genny Gleiser, o anti-semitismo na era Vargas e o Habeas Corpus nº 25906/1935.

Um estudo de caso

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Agenda 29/09/2007 às 00:00

6) As Informações do Ministro da Justiça

Com data de 6 de setembro de 1935 foi encaminhado ao Supremo Tribunal ofício do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, assinado pelo Ministro, Vicente Rao, com o conteúdo que segue, e que explicita a posição do governo, no caso cujas proporções aumentavam:

"Em resposta ao ofício nº 330, de 23 do corrente mês, tenho a honra de transmitir a V. Exa. as informações que me foram solicitadas para instruir o julgamento do hábeas corpus impetrado em favor de Genny Gleiser. Para esse fim, por serem os mais minuciosos possíveis, reporto-me aos esclarecimentos prestados à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo pelo Sr. Dr. Artur Leite de Barros, Secretário de Segurança Pública do mesmo Estado. É o seguinte o teor desses esclarecimentos:

MOTIVOS QUE DETERMINARAM A PRISÃO

1º Quais os motivos da prisão de Genny Gleiser?

Genny Gleiser foi detida em virtude de sua atividade como propagandista de idéias subversivas. Há vários meses vinha-se notando intenso trabalho da Juventude Comunista, órgão auxiliar do Partido Comunista Brasileiro. Para melhor propagar-se entre os jovens, aquela organização promoveu o chamado Congresso da Juventude Proletária Estudantil. Este Congresso anunciou uma reunião para a noite de 15 de julho do corrente ano em sua sede, no palacete Santa Helena, nesta capital (S.Paulo), onde seriam tratados assuntos referentes ao fechamento da Aliança Nacional Libertadora e as medidas a serem tomadas contra esse ato do governo. Pois bem: essa reunião se instalou sob a presidência de Genny Gleiser. Ignorando a presença da polícia, Genny Gleiser convocou os circunstantes com esta frase textual: Sentem-se, camaradas. A reunião não demora. O momento era de grande agitação; os objetivos daquele congresso, francamente subversivos. A polícia teve, pois, que o dissolver. Genny foi detida nessa ocasião. Ela estava armada de revólver e acabava de expedir ao ‘camarada Artur’ um recado, escrito a lápis, o qual lhe determinava as tarefas a serem realizadas na quinta-feira próxima (dia 17), junto à Metalúrgica Matarazzo, isto é, a realização de um comício com operários daquela indústria, a fim de levá-los a greve. Esse bilhete, devidamente fotografado, foi junto aos autos do inquérito referente à expulsão da perigosa romena. Em seu poder foram encontradas duas cartas, provenientes de Recife, a ela enviadas por um conhecido comunista militante, das quais se depreende claramente que a mesma havia sido enviada para São Paulo pelo Partido Comunista. Nessas cartas, o remetente, que se revela grande admirador de Genny, lamenta que o Partido Comunista a tenha enviado para esta Capital e ao mesmo tempo lhe comunica haver escrito ao Partido para conseguir sua remoção para Recife. Essas cartas também foram juntas [sic] aos autos em cópias fotográficas.

PROPAGANDA EXTREMISTA

Ainda em poder de Genny foi encontrado um documento de sua autoria, que diz o seguinte: ‘Preparar uma reunião para 6 e 10 horas, discutir as questões da Fábrica Ítalo-Brasileira. Ligar-se com 2 membros da diretoria e resolver junto que a diretoria tire um manifesto e convide todos os que comparecerem a uma assembléia geral". Genny (...) foi operária da Ítalo-Brasileira; mas, de acordo com as instruções do P.C.B., ela devia ligar-se aos membros da diretoria do sindicato dos tecelões, para poder obter resultados práticos para o partido. Em poder de Genny foi encontrado mais o documento de sua autoria em três folhas de papel de jornal, sob o título ‘Por que motivo a ciência proletária é superior à ciência burguesa.’ Em uma carta dirigida a seu pai, datada de julho deste ano, Genny revela, ainda, nas entrelinhas, seu ideal e suas práticas comunistas. Finalmente, na residência de Genny a polícia foi encontrar tudo o que necessita o agitador comunista. Além de inúmeros volumes marxistas, documentos de indiscutível valor probante de sua atividade demolidora; boletins, jornais, folhetos extremistas, grande número de listas de subscrição em benefício do Partido, do Socorro Vermelho e da Juventude, e, o mais importante, material interno do Partido Comunista- o que revela a grande atividade subversiva da expulsanda, pois o ‘material interno’, que consiste em instruções fornecidas aos membros do Partido, sobre quais os métodos e práticas a serem seguidas, não se encontra senão no poder de membros de confiança daquela organização. Esses documentos todos, que bem revelam a atuação de Genny, constam do auto de apreensão e reconhecimento, então lavrado, e foram juntos [sic] aos autos. Entre os documentos pessoais de Genny, consta uma caderneta de Serviço Sanitário, a ela fornecida em 29.1.935, na qual declara nascida em 7.11.913 9(ter 22 anos, portanto). Em seu passaporte, no qual, porém, baseia a prova oficial de sua idade, consta ter ela 19 anos.

PROCESSO POLICIAL

Na sede do Congresso da Juventude Proletária e Estudantil a Delegacia de Ordem Social dói encontrar, na mesma data de 15 de julho, (...) documentação subversiva, que ficou constante em auto regular de apreensão, devidamente assinado por testemunhas. Tratando-se de um elemento altamente perigoso e nocivo à ordem pública, a Delegacia de Ordem Social de São Paulo, como lhe cumpria, instaurou contra Genny Gleiser o necessário processo, de acordo com as leis vigentes, apurando, de modo cabal, sua ação perniciosa não só junto às classes operárias como estudantinas, as quais, aliás, era completamente estranha, embora ligada pelos ideais comunistas através de seus companheiros infiltrados, em massa apreciável, na juventude de escolas e das fábricas, onde fácil se torna a propaganda, graças às promessas de amor livre e de uma utópica distribuição de fortunas. O processo policial apurou, de modo completo, o grau acentuado de nocividade dessa propagandista; e, com esses elementos, a polícia pediu e obteve fosse decretada a expulsão de Genny Gleiser. Expedido o decreto, impunha-se a detenção da expulsanda, de acordo com os dispositivos legais em vigor.

EXPLORAÇÕES

Foi o que se fez; e aí está o motivo por que Genny Gleiser se acha detida. Em torno disso, levantaram seus adeptos grande celeuma, procurando, por meio de toda a sorte de explorações, criar um caso político, apresentando-a, ao público, como vítima das maiores perseguições por parte da polícia, para o que se forjou um martirológico em torno de sua pessoa, fantasiando-se, até, uma odisséia a seu respeito.

2º Qual o local onde presentemente se encontra?

Encontra-se na Cadeia Pública da Capital, à disposição da Delegacia de Vigilância e Capturas, aguardando o cumprimento do decreto de expulsão.

3º Se essa menor se acha em prisão comum com outros detentos?

Genny Gleiser está ocupando, na Cadeia Pública da Capital, uma das prisões do pavilhão reservado a mulheres.

4º Há processo regular determinando sua expulsão?

Sim, por intermédio do Ministro da Justiça e Negócios Interiores.

5º Qual a autoridade judiciária que funcionou no processo?

Tratando-se de processo administrativo, de acordo com a lei, nenhuma autoridade judiciária funcionou no mesmo.

6º Quais os termos da promoção do Dr. Curador de Órfãos e qual a sentença do M. Juiz de Menores?

Não sendo Genny Gleiser menor de 18 anos, não está sob a jurisdição do M. Juiz de Menores.

Cumpre-me acrescentar que a expulsão de Genny Gleiser, cujo verdadeiro nome, aliás, é Senidler Gleiser, foi ordenado por decreto de 21 de agosto do corrente ano, continuando a expulsanda na Cadeia de São Paulo à espera de embarque.

Reitero a V.Exa. os meus protestos de alta estima e distinta consideração.

O Ministro da Justiça e Negócios Interiores:

Vicente Ráo".

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Nos autos do processo de habeas corpus de Genny Gleiser há também cópia de relatório preparado pelo Gabinete de Investigações da Polícia em São Paulo. Os governos federal e estadual falavam no mesmo tom. Segue o referido relatório, também colhido do documento processual:

"Ao mesmo tempo em que se iniciavam nesta Capital as atividades da Aliança Nacional Libertadora, membros já identificados por esta Delegacia como militantes da Federação da Juventude Comunista Internacional, lançavam as primeiras bases para um Primeiro Congresso da Juventude Proletária, Estudantil e Anti-Guerreira de São Paulo. Seus iniciadores, que a princípio se contavam por reduzido núcleo, multiplicaram-se, desde logo, por uma numerosa Comissão Organizadora do Primeiro Congresso e a Delegacia de Ordem Social teve imediato conhecimento de que sob o rótulo desse Congresso se pretendia mascarar as atividades da Juventude Comunista. Obedecia, além disso, a organização desse Congresso à mesma concatenação de atividades desenvolvidas em torno a palavra de ordem das ‘frentes únicas’, desdobrando-se por todos os setores e dando a aparência e rótulo legal a todos os organismos do Partido Comunista e tendo, como espetacular fecho de abóbada, a Aliança Nacional Libertadora, já sobejamente desmascarada para que sobre ela ainda seja necessário falar. – Iniciados os trabalhos da organização do Primeiro Congresso Juvenil, nome porque ultimamente ficou sendo conhecida essa organização da Juventude Comunista, ficou-se logo sabendo que o Partido enviara do Rio alguns de seus membros jovens, como ‘técnicos de organização’ (entre eles o militante que aqui usou o pseudônimo de Nestor Contreras e que logo regressou para a Capital Federal, não dando tempo a que se identificasse) e recrutou em São Paulo mesmo outros jovens de destacada atividade, quase todos conhecidos desta Delegacia como militantes ou simpatizantes comunistas. Não se conseguia identificar, porém, um dos membros de ligação com o Rio que aqui ficara e conseguia, com muita habilidade, subterraneamente trabalhar. – Decretado o fechamento da Aliança Nacional Libertadora, a treze de julho, esta Delegacia recebeu também instruções no sentido de trancar as portas a todas as organizações irregulares a ele aderentes, muito especialmente as que haviam se prestado a camuflar atividades do Partido Comunista. – Escolheu-se a noite de quinze de julho, segunda-feira, para a diligência de fechamento do Primeiro Congresso, porque para esse dia se convocara para sua sede, no Palacete Santa Helena, desta Capital, uma reunião de adesistas. Não se conseguiram encontrar, no ato do fechamento do Congresso, os elementos de organização que ali deveriam estar. Assustados antes com o fechamento da Aliança, muitos deles prudentemente se conservavam afastados de atividades. – Entre os que ali se encontravam, porém, chamou desde logo a atenção, pela vivacidade de espírito e pelo conhecimento que revelava sobre táticas e tarefas do Partido, a expulsanda Genny Gleiser, que também se assina Seindla Gleiser, de nacionalidade romena, e vinda para São Paulo, segundo então declarou, sete meses antes. – Dada uma busca em sua residência, à Rua Riachuelo 59, desde logo se constatou, pela quantidade e pela qualidade do material comunista ali encontrado, que o elemento de ligação com o Rio, ainda não identificado, não poderia ser outro senão a própria Genny. – Embora terminantemente negue, em suas declarações, qualquer ligação com o Partido ou com a Juventude e confesse ser muito ligeiras [sic] suas ligações com o Congresso e com a Aliança, é inegável, pela documentação apreendida, pelas contradições evidentes em que se emaranha e pela fragilidade dos álibis invocados, que a expulsanda desenvolvia nesta Capital grande atividade comunista, não limitando sua ação ao setor que se concentrava no Primeiro Congresso, mas estendendo-a, ainda, a trabalhos diretamente ligados a sindicatos e fábricas, atividade essa que o Partido denominava de ‘trabalhos de base’. Da documentação apreendida fizeram-se juntar exemplares muito eloqüentes a estes autos. Os documentos de números de 1 a 4 dizem bem da intimidade da expulsanda com o Primeiro Congresso e a ANL. Os de números 6, 10, 11, 12, 13 e 14 revelam o cuidado com que colecionava material de propaganda do Partido. – Apreenderam-se, ainda, com os documentos 7, 8, 15, 16 e 17, material que só se tem encontrado em poder de militantes responsáveis. Principalmente os de números 7 e 17, que são de alta reserva entre as fileiras do Partido. O documento intitulado ‘Como Receber na Federação um Jovem Novo’, evidentemente contém instruções a serem confiadas a alguém que forme na vanguarda de Juventude Comunista. O documento anterior (número 15) também é editado por esse mesmo organismo do PCB. De 18 a 21 poder-se-ão ver dois números de ‘A Classe Operária’, órgão oficial do PCB, o número 2 de ‘Juventude’, órgão do ´Primeiro Congresso’, sob a direção do comunista carioca Ivan Pedro de Martins, e um número de ‘L’Humanité’. – As cópias fotográficas documentaram exemplares de papéis apreendidos com Genny e todos por ela reconhecidos. Desmentem, com eloqüência, os tópicos de declarações da expulsanda quando procura se inocentar e mostrar-se alheia a qualquer atividade, quer do Partido, quer da Juventude Comunista, quer ainda do Primeiro Congresso ou da Aliança. – A primeira delas resume atividades partidárias a cargo de Genny, incluindo tarefas junto a grevistas da Ítalo-Brasileira. – A segunda dessas cópias é originária de um bilhetezinho cuja redação estava sendo elaborada quando da chegada da caravana policial à sede do Primeiro Congresso, não tendo podido, por isso, ser terminada.- As demais fotografias definem o que a expulsanda recusou confessar em suas declarações, e a carta assinada ‘Natal’, documento 25, destruiria qualquer dúvida relativamente à expulsanda, quando eloqüentemente não falassem, sobre sua ação partidária, os demais documentos já analisados. – A expulsanda, além disso, foi encontrada armada com um pequeno revólver marca ‘Gallant’ e desse fato dá, nas declarações de folhas, uma explicação evidentemente inverossímil. Agitadora precoce, de grande inteligência, e de notável cultura marxista, transformou-se em elemento nocivo à segurança do país. – Sua grande atividade, revelada pelo pouco que se conhece de sua vida de militante comunista, está a aconselhar medida enérgica e preservadora da ordem pública. Estrangeira que é, os interesses nacionais estão a pedir contra ela se aplique o ato de soberania facultado pelo artigo 113, nº 15, da Constituição da República. – Sobre a necessidade de ser decretada a expulsão da indiciada representamos, assim, ao Excelentíssimo Senhor Ministro dos Negócios do Interior e Justiça, a quem requeiro se faça remessa desse processo, para os fins de direito, através do Senhor Superintendente de Ordem Política e Social e Senhor Secretário da Segurança Pública deste Estado. São Paulo, 14 de agosto de 1935. (a) Lousada Rocha. Delegado Adido à Ordem Social".

Sobre o autor
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Professor universitário em Brasília (DF). Pós-doutor pela Universidade de Boston. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, Arnaldo Sampaio Moraes. Direito e História: Genny Gleiser, o anti-semitismo na era Vargas e o Habeas Corpus nº 25906/1935.: Um estudo de caso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1550, 29 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10474. Acesso em: 23 dez. 2024.

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