O que é bom para o cidadão
O epíteto acima bem explica os entulhos autoritários que têm sido despejados no seio da sociedade, nos últimos anos, pelo Parlamento Nacional, aparentemente, em nome do povo que o representa.
Esquecidos de que o Estado é meio, e não fim, os nossos legisladores têm elaborado, com freqüência cada vez maior, instrumentos normativos dos mais truculentos, que anulam e aniquilam por completo o Estado Democrático de Direito.
Para continuar alimentando o Estado paquidérmico – que, de regra, só serve aos detentores do poder, dentre os quais os obedientes parlamentares –, parece não ter fim a escalada da violência perpetrada contra os indefesos contribuintes, que não têm a quem recorrer, a não ser aos foros internacionais. É um verdadeiro horror, que nos faz lembrar a pranteada obra do poeta Castro Alves.
Depois da medida cautelar fiscal de arrolamento; da penhora on line; da indisponibilidade universal de bens (Detrans, Bolsa de Valores, Registros de Imóveis); protestos de certidão de dívida ativa; inscrição do nome do contribuinte no SERASA; responsabilização solidária de sócios de micro e pequenas empresas, sem culpa subjetiva; diminuição do prazo para ação de repetição de indébito tributário nos tributos de lançamento por homologação; impossibilidade de compensação tributária antes do trânsito em julgado da decisão em que se discute o tributo; edição de norma antielisiva geral etc. – estão em discussão no Congresso Nacional outras medidas aterradoras.
Uma delas é o Projeto de Lei nº 5615/05, de autoria do nobre Deputado CELSO RUSSOMANNO, que simplesmente abole a execução judicial, substituindo-a pela execução administrativa.
Ao que tudo indica, o projeto legislativo em tela deve ter contado com a ajuda de um doutor da Sorbonne. Como o Judiciário tarda para a efetiva cobrança do tributo, o nobre deputado encontrou um meio processual para agilizar essa cobrança. A Fazenda, que é parte na relação jurídico-tributária, faz o papel de cobrador e de distribuidor da justiça ao mesmo tempo. É bem mais simples e rápida. Cobrança armada seria, ainda, mais rápida e eficaz!
Felizmente, na última vez que verificamos o andamento desse malsinado projeto legislativo ele estava com o parecer da Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público da Câmara dos Deputados pela sua merecida rejeição.
Outra proposta estarrecedora é o Projeto de Lei Complementar de nº 75/03 apresentado pelo Deputado EDUARDO CUNHA, que altera os incisos IV e V do art. 151 do Código Tributário Nacional, a fim de condicionar a concessão de medida liminar em mandado de segurança ou de medida liminar ou tutela antecipada em outras espécies de ações judiciais ao prévio depósito do montante integral do tributo até o trânsito em julgado da decisão do mérito.
Ora, a medida liminar ou antecipação de tutela decorre do poder cautelar do juiz, ínsito na jurisdição, que se constitui em monopólio estatal do Poder Judiciário – donde decorre o absurdo jurídico da medida proposta, que tenta, em vão, aniquilar o remédio processual de natureza constitucional.
Contudo, o que é claro como a luz solar para alguns pode ser nebuloso, difícil e complexo para outros, quer por desconhecimento da matéria, quer por conveniência política.
O projeto legislativo em questão já passou pela Comissão de Finanças e Tributação, que opinou pela sua aprovação, encontrando-se, atualmente, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.
Se for para valer a denominação dada a essa Comissão, o parecer só pode ser pela rejeição da proposta, que atenta contra a cidadania. Mas, na Câmara dos Deputados tudo é possível acontecer, pois há o predomínio das paixões políticas fomentadas e estimuladas pelo Executivo. Lá, tudo é tolerado. Veja-se o episódio lamentável da prorrogação da CPMF contra a vontade soberana do povo brasileiro.
Esse projeto legislativo, além de representar um retrocesso legislativo da pior espécie, pois, o momento atual, em termos processuais, é marcado pela adoção de medidas tendentes à efetividade da jurisdição, carrega consigo o vírus da pior das endemias, pois, na prática, pode abolir o recurso heróico em matéria tributária. Ele atenta contra o art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal. Sem a medida liminar, nos casos de periculum in mora e de relevância jurídica da fundamentação aduzida no writ, o remédio constitucional previsto passa a ser uma letra morta, na conjuntura atual, em que o trânsito em julgado de uma decisão judicial leva mais de cinco anos.
É preferível pagar e submeter-se ao império da ilegalidade eficaz, e esquecer o princípio da legalidade tributária que a ditadura legislativa, praticamente, já aboliu.
Por fim há, ainda, um anteprojeto de lei, elaborado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, menos radical do que a proposta legislativa do Deputado CELSO RUSSOMANNO, que institui um sistema híbrido de cobrança de tributos. Provoca a dança dos processos de execução de uma repartição para outra, reservando ao Judiciário tarefas menos relevantes. O leilão de bens penhorados, por exemplo, independe de atuação do juiz, que, preocupado com a questão de justiça, poderia atrapalhar a rápida realização da receita pública.
Sobre esse projeto em gestação, já escrevemos inúmeras vezes, e apresentamos, inclusive, uma proposta alternativa incorporando a penhora como um pré-requisito da execução fiscal, de sorte a ir para o Judiciário apenas as execuções viáveis, devidamente aparelhadas, com o que, certamente, desaparecerá a queixa da Fazenda de que o Judiciário leva mais de doze anos para solucionar a pendência tributária.
Finalizando, é preciso exercer a cidadania, guardando na memória os nomes de parlamentares que conspiram contra a cidadania, que patrocinam projetos de interesse do governo e deles próprios em detrimento dos mais elementares direitos dos contribuintes, inclusive, os protegidos no âmbito de cláusula pétrea.