A Lei Federal nº 13.894, de 2019, acrescentando o Art. 14-A à Lei Maria da Penha (Lei Federal n° 11.340, de 2006), possibilitou à mulher vítima de violência doméstica e familiar a opção de “propor a ação” de divórcio ou de dissolução de união estável diretamente no Juizado de Violência Doméstica.
Sem nenhuma dúvida, a Lei nº 13.894, de 2019, trouxe significativo avanço na proteção da mulher vítima de violência doméstica, ao permitir a dissolução de seu doloroso casamento também no juízo criminal.
Entretanto, a Lei nº 13.894, de 2019, ao utilizar em sua redação a expressão “propor ação” (de divórcio ou de dissolução de união estável), está a nitidamente vedar a formulação do pedido de divórcio pela vítima em sede policial, no expediente das medidas protetivas de urgência.
O vacilante Art. 11, V, da Lei Maria da Penha, também desautoriza a autoridade policial encaminhar ao juiz o pedido de divórcio da vítima no expediente das medidas protetivas, preferindo que aquela se limite apenas a informar à ofendida sobre os serviços disponíveis de assistência judiciária para o eventual ajuizamento da ação de divórcio perante o juízo de família. Entenda-se, quilômetros, dinheiro de passagem e tempo que a mulher pobre da periferia não tem. O que poderia ser resolvido quando da lavratura da ocorrência policial na Delegacia, mediante simples pedido no expediente das medidas protetivas – assinalando-se um “X” –, deverá ser adiado em prol de fórmulas processais.
Ora, o Supremo Tribunal Federal decidiu aos 08/11/2023, em sede vinculante de repercussão geral, que o divórcio deixou de ter qualquer requisito, a não ser a vontade do cônjuge (Tema nº 1.053). Assim, todas as barreiras e condicionantes, temporais ou causais, ao rompimento do vínculo matrimonial foram eliminadas, ao encontro do que já determinava a Emenda Constitucional nº 66, de 2010.
Para a parte, agora o divórcio é um direito potestativo e incondicionado, viabilizada, assim, sua imediata decretação quando demonstrada a existência de relação matrimonial por meio de documento hábil (a certidão de casamento). Para a mulher vítima de violência doméstica, o divórcio é a liberdade, é a luz no fim do túnel, a esperança que desponta, e porque não, a interrupção do iter criminis naqueles casos de multifacetada violência doméstica psicológica, perseguidora e controladora.
Claro que esse pedido de liberdade (divórcio) da mulher vítima de violência doméstica, agora com mais razão a partir do Tema nº 1.053 do STF, também se traduz em medida assecuratória dos direitos da ofendida, de grande eficácia, que pode e deve ser veiculado no expediente da autoridade policial.
A Lei Maria da Penha já confere à mulher, na esfera policial, uma infinidade de medidas protetivas de urgência que atingem a liberdade, propriedade e vida familiar do agressor, com muito mais força e envergadura jurídica de que a simples e potestativa pretensão de divórcio.
A título de exemplo, a mulher vítima de violência doméstica poderá requerer na Delegacia de Polícia a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal, mediante a proibição temporária de celebração contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum (Art. 24, II). O que antes da edição da Lei Maria da Penha só poderia ser obtido no juízo de família ou empresarial via ação cautelar.
Nenhum prejuízo processual há de se verificar para o agressor doméstico com a possibilidade de formulação do pedido de divórcio pela vítima, no expediente da autoridade policial que contenha as medidas protetivas de urgência. A par das conhecidas medidas de proibição de contato, aproximação e frequentação dos mesmos lugares, também deverá ser intimado pelo oficial de justiça de seu novo estado civil: divorciado. À luz do Tema nº 1.053 do STF, lhe faltará interesse de agir para questionar a dissolução de seu casamento, aqui decretado pelo juizado de violência doméstica via medida protetiva de urgência.
Deve o Congresso Nacional, assim, aprimorar ainda mais a Lei Maria da Penha, permitindo à mulher vítima de violência doméstica formular seu pedido de divórcio dentre as medidas protetivas de urgência arroladas no texto legal, no expediente da autoridade policial, sem a necessidade de propositura de ação judicial autônoma, promovendo-se, assim, de modo célere e imediato o resgate de sua dignidade e bem-estar.