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Lei nº 14.811/2024, art. 59-A e repercussões trabalhistas

O empregador pode demitir por justa causa o empregado cuja certidão de antecedente criminal seja positiva?

No dia 15 de janeiro de 2024, foi publicada a Lei n° 14.811, que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), e 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

O artigo Art. 59-A da citada Lei prevê:

“As instituições sociais públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes e que recebam recursos públicos deverão exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, as quais deverão ser atualizadas a cada 6 (seis) meses.

Parágrafo único. Os estabelecimentos educacionais e similares, públicos ou privados, que desenvolvem atividades com crianças e adolescentes, independentemente de recebimento de recursos públicos, deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores."

Tal inovação trará inúmeras consequências na esfera trabalhista, tendo em vista que aludido artigo não apresenta maiores informações sobre as questões inerentes as certidões de antecedentes criminais e qual a conduta do empregador para os contratos de trabalho em vigor.

O artigo 59 A da Lei n° 14.811 dispõe apenas sobre a exigência e manutenção das certidões de antecedentes criminais atualizadas de seus colaboradores, entretanto, não faz qualquer menção sobre a conduta a ser adotada pelo empregador no caso de a certidão ser positiva, em outras palavras, o colaborador ter antecedentes criminais, seja no processo de admissão ou no curso do contrato de trabalho.

O disposto no artigo 59 A sobre exigência de certidão de antecedentes criminais pelo empregador, no âmbito do Direito do Trabalho, seja para candidatos a emprego ou empregados já contratados, é um tema delicado devido à colisão de direitos fundamentais, como a intimidade e privacidade versus o direito à obtenção de certidões e acesso à informação, conforme previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

Entretanto, qual será a conduta do empregador quando no momento de atualização da certidão de antecedente criminal de seu colaborador, se essa se apresentar positiva? O empregador deverá dispensar seu empregado? Caberá dispensa por justa causa? Se o empregador mantiver esse funcionário nos seus quadros qual consequência disso? Estará o empregador descumprindo o disposto na Lei? A dispensa ensejará pagamento de indenização por danos morais?

Outra questão deverá ser suscitada no momento de admissão a certidão de antecedente criminal é positiva, contudo, o empregador efetiva a admissão, pois o delito praticado não envolve menores; ou, a admissão não é efetivada, mesmo que o delito constante na certidão não envolva criança e adolescente.

O artigo 59 A abrange um leque muito extenso de interpretações na esfera do Direito do Trabalho e suscita inúmeras dúvidas para os operadores do Direito.

Como os advogados trabalhistas deverão orientar seus clientes, visto que a intepretação do artigo abarca inúmeros entendimentos, principalmente com relação a reparação por dano moral.

Será todo e qualquer delito constante na certidão de antecedente criminal impedirá a contratação ou continuação do contrato de trabalho?

Muitas são as dúvidas e infelizmente o legislador não se atentou no momento da criação da Lei para as implicações que acarretariam na esfera trabalhista.

Salienta-se que mesmo que a pessoa seja absolvida do crime, sua certidão de antecedente criminal terá essa anotação. Fica a questão como será a conduta a ser adotada pelo empregador diante dessa situação?

No caso teremos algumas interpretações sobre aludido artigo, uma delas vai de encontro com o objetivo primordial da Lei, vez que, ainda que possamos observar que a lei não está falando que as certidões deverão ser “negativas”, é evidente que o intuito da lei é fazer com que os ambientes escolares sejam mais seguros e, portanto, blindados contra a presença de adultos que tenham antecedentes criminais, especialmente se os antecedentes envolvem práticas delituosas que possam representar riscos à comunidade escolar.

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Lado outro, o artigo 59 A está em desacordo com incentivo a inclusão de egressos prisionais no quadro funcional. A reinserção do ex-detento na sociedade tem como principal barreira o preconceito, essa discriminação se deve, em parte, a ineficiência do estado em ressocializar o preso.

Diante dessa realidade, foram criados vários projetos com intuito de ressocialização, um que se destacou foi do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou, em 2009, o programa “Começar de Novo”. O projeto promoveu ações para ressocialização de presos e egressos do sistema prisional, com a criação de oportunidades de trabalho e de reeducação social e profissional, visando a redução das taxas de reincidência criminal.

Portanto, o artigo 59 A estaria em desacordo com as politicas sociais, contudo, em contraponto citado artigo visa a proteção da criança e adolescente no ambiente escolar.

Outro cenário que apresentará inúmeros questionamentos se a instituição de ensino fica dentro de uma comunidade e tem como política social recrutar mão-de -obra da própria comunidade, com intuito de oportunizar o crescimento dessa comunidade visando a diminuição da criminalidade, além de proporcionar a aprendizagem de uma nova profissão com melhor salário e dignidade de vida.

Com a publicação da Lei 14.811 essa instituição terá que alterar toda prática já adotada e buscar mão de obra fora da comunidade, ou seja, vai na contra mão de todo intuito da criação da instituição dentro da comunidade. Além de afastar a comunidade da instituição.

Outra interpretação é cabível com base na citada lei, visto que , empregador poderá dispensar o empregado por justa causa que no curso do contrato de trabalho quando da atualização da certidão de antecedente criminal essa for positiva, com base no artigo 482 da CLT “m”: “"perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado", vez que, o artigo 59 A determina a atualização das certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, as quais deverão ser atualizadas a cada 6 (seis) meses. Levando em consideração o objetivo da lei que é a proteção da criança e do adolescente, o colaborador que tiver sua certidão “positiva” de antecedentes criminais não poderá permanecer como funcionário da empresa, pois estaria descumprindo uma determinação legal.

Contudo, caberá pedido de indenização por danos morais ao colaborador que for dispensado por justa causa devido a positivação de sua certidão criminal na vigência de seu contrato de trabalho? Se o delito cometido não tiver qualquer relação que envolva questões atinentes a criança e adolescente?

Percebe-se que muitas são as dúvidas dos empregadores quanto a aplicação da citada Lei e como deverão agir diante das várias situações que poderão ocorrer durante o contrato de trabalho e até mesmo no processo de admissão.

Conclui-se que a Lei 14.811/2024 trará inúmeros questionamentos na esfera trabalhistas para os quais não há nenhuma resposta. É enorme a insegurança jurídica para os empregadores diante das situações que ocorrerão após a publicação da Lei.

Cabe ao Poder Legislativo realizar uma análise mais profunda da Lei 14.811/2024 e suas implicações no Direito do Trabalho para oportunizar uma maior segurança aos empregadores para a aplicação desta.

Caso contrário os operadores do Direito do Trabalho e os empregadores ficarão a mercê de interpretações dos Tribunais, acarretando – reafirma-se – uma grande insegurança jurídica.

Sobre as autoras
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Tatiana Salim; COELHO, Maria Clara Duarte. Lei nº 14.811/2024, art. 59-A e repercussões trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7561, 14 mar. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108703. Acesso em: 21 nov. 2024.

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