CAPÍTULO II – DO PODER MINISTERIAL PARA INVESTIGAR INFRAÇÕES PENAIS
Atualmente, há grande discussão entre os operadores do direito brasileiro quanto à existência, ou não, de legitimidade no M.P. do Brasil para investigar ilícitos penais.
Analisando detidamente a questão, não há outra saída a não ser concordar com a idéia de que o Parquet é um órgão dotado de poder para realizar tal atribuição.
Para comprovar a afirmação acima descrita, utilizar-se-á o que preconiza a C.F./88, tanto o que consta expressamente em seus artigos, como o que preceituam seus princípios, bem como normas infraconstitucionais, que só vêm a confirmar o que determina a Lei Maior.
Antes de ir diretamente ao texto de lei, é de grande importância fazer uma abordagem da conjuntura jurídico-social que envolveu a promulgação da C.F./88, por ser fundamental para o embasamento da idéia do presente trabalho.
Como bem analisam Lenio Streck e Luciano Feldens [11], o conceito de Estado e de direito no Brasil, assim como em o todo o mundo, passou por uma evolução no decorrer dos tempos. Primeiramente, existia um Estado Liberal, que ostentava uma função reduzida, cabendo ao direito a subsidiária função ordenadora. Já no Estado Social, nascido como resposta ao Liberal e marcado pelo perfil intervencionista, o direito passa a ter uma função promovedora. Novamente em resposta a essas duas formas de se posicionar diante dos reclames da sociedade, surge o Estado Democrático de Direito, cujos pilares de sustentação são o respeito à democracia e aos direitos fundamentais-sociais. Nessa nova fase, as funções ordenadora e promovedora do direito unem-se numa só, a função transformadora.
Nas referidas fases atravessadas pelo Estado, verifica-se a predominância de seus diferentes Poderes em cada uma delas. Dessa forma, no Estado Liberal observa-se uma maior atuação do Poder Legislativo, pois as leis tinham grande valor. No Estado Social, por sua vez, notadamente intervencionista, é o Poder Executivo quem ganha campo, em face da necessidade de se implementar políticas públicas, marcando essa fase com alta dose de autoritarismo. Finalmente, no Estado Democrático de Direito, nota-se uma maior força do Poder Judiciário, que deu espaço para busca do que hoje se entende por justiça social [12].
Como bem explanado por Marcos Kac, Estado Democrático de Direito pode ser entendido da seguinte forma:
(...) por Estado Democrático deve ser entendido aquele em que seus cidadãos tomam as decisões políticas e traçam as linhas mestras de atuação de seus governantes. Este se funda no princípio da soberania popular, impondo participação efetiva do povo na coisa pública, visando, assim, realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana. A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social em uma sociedade livre, justa e solidária, em que o poder emana do povo e em seu nome é exercido, diretamente ou por representantes eleitos, envolvendo a participação popular no processo decisório, respeitando a pluralidade de idéias, culturas e etnias. O Estado Democrático tem por fundamentos a soberania, a cidadania e dignidade da pessoa humana, os valores éticos e sociais, vigorando o trabalho e a livre-iniciativa, e, ainda, o pluralismo político. [13]
2.2. Da Inserção do Ministério Público na atual conjuntura jurídico-social
Como cediço, o legislador constituinte nada mais é que um representante do povo e, em sendo assim, está ele inserido na mesma conjuntura que envolve a coletividade, sentindo as mudanças da mesma forma que ela e desejando as mesmas transformações.
É também de conhecimento geral que cabe aos aplicadores do direito corresponder às expectativas da sociedade, representadas nas leis criadas pelos legisladores.
Neste diapasão, Paulo Rangel entende que:
(...) o povo tem a titularidade do Poder Constituinte, porém quem o exerce são seus representantes políticos, agindo em uma verdadeira representação constitucional. Ou seja, agem em nome alheio defendendo direito alheio: direito à criação de um Estado legítimo, editando uma nova Constituição. O Poder Constituinte, assim, é o legítimo direito natural que tem o povo de apoderar-se de um instrumento normativo ordenador do Estado (...) [14] O Estado Constitucional, portanto, pressupõe o poder constituinte do povo, ou seja, o direito do povo fazer uma lei superior (Constituição) da qual constem as razões públicas demonstrativas do consentimento popular de ser governado, sob determinadas condições. Trata-se de um mandato popular exercido pelo governo com o propósito nítido e exclusivo de submeter suas decisões ao império da lei, criando-se assim o Estado Democrático de Direito, onde as decisões emanam, diretamente, do Estado, mas tomadas, indiretamente, pelo povo. [15]
Assim, como no Estado Democrático de Direito, como já dito acima, novos princípios surgem, e uma mesma coisa, um mesmo fato, ou um mesmo direito, passam a ser valorados de forma diferente, pois a sociedade assim almeja, cabe a quem executa o direito trabalhar no sentido de proporcionar as alterações esperadas pela comunidade e, neste sentido, levando em conta o papel conferido ao M.P. pela C.F./88, não podem os responsáveis pela aplicação das leis dar entendimento diverso e, conseqüentemente, aplicação equivocada ao que a sociedade, através de seus representantes, almeja. Os constituintes pensaram em um M.P. forte, atuante junto à coletividade e defensor de seus interesses, não podendo os operadores do direito de hoje burlarem o invocado na Constituinte.
No contexto jurídico-social em que o mundo se encontra na atualidade, compreende-se com muita clareza o papel que o M.P. assume, pois, como bem dispõe a C.F./88, incumbe a ele o dever de zelar pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Ao Órgão Ministerial cabe a defesa do Estado Democrático de Direito, e não há como entender de outro modo, pois o que seria defesa da ordem jurídica e do regime democrático senão as bases do sistema que funciona neste Estado?
Neste sentido, Mazzilli argumenta que
(...) o constituinte de 1988 reconheceu que a abertura democrática não dispensa um Ministério Público forte e independente, que efetivamente possa defender as liberdades públicas, os interesses difusos e coletivos, o meio ambiente, o patrimônio público, as vítimas não só da violência como as da chamada criminalidade do colarinho branco – ainda que o agressor seja muito poderoso ou até mesmo quando seja agressor o governo ou governante. Atribuiu ao Ministério Público o zelo do próprio regime democrático. Enfim, a Constituição de 1988 assegurou à instituição novas atribuições e um relevo que jamais texto constitucional algum nem de longe conferiu ao Ministério Público, nem mesmo no direito comparado. [16]
Posicionando-se no mesmo sentido, Streck e Feldens [17] afirmam que na medida em que a Constituição de 1988 estabelece um novo paradigma no campo jurídico-político, exsurgindo o Estado Democrático de Direito como um plus normativo em relação às fases/dimensões estatais anteriores (Estado Liberal e Estado Social), torna-se absolutamente relevante que haja uma nova discussão sobre o perfil a ser assumido pelas instituições encarregadas da defesa da ordem jurídica a partir do que dispõe o núcleo político da Carta.
Assim, acreditam que novos paradigmas engendram novos olhares, clamam por novas interpretações. Como consectário lógico da transformação paradigmática havida na teoria do Estado e do direito, o Ministério Público, que tem sua raiz histórica predominantemente conectada ao combate dos crimes que colocam em risco os interesses das camadas dominantes da Sociedade (via de regra, a propriedade privada), recebe, inegavelmente, um novo delineamento jurídico-constitucional a partir de 1988. E não poderia ser diferente, na medida em que o próprio Poder Judiciário passa a ostentar um relevo nunca dantes alcançado, o que pode ser constatado pelos perfis intervencionistas assumidos pelos Tribunais Constitucionais surgidos nas democracias contemporâneas a partir do segundo pós-guerra.
Finalizam afirmando que, para esse desiderato – representado pelo compromisso das instituições de construir um Estado Social (que no Brasil foi um simulacro até então) – o poder constituinte brasileiro, na senda das preciosas lições dessa tradição inaugurada pelo (neo)constitucionalismo europeu, arquitetou, no plano institucional, um Ministério Público com garantias similares às do Poder Judiciário, alçando-o, demais disso, a guardião dos interesses transindividuais da Sociedade e do próprio regime democrático.
Por sua vez, Marcos Kac sintetiza a atuação ministerial após a C.F./88 da seguinte forma:
(...) ao estabelecer que o Ministério Público é Instituição essencial à função jurisdicional do Estado, o constituinte de 1988 atestou sua indispensabilidade para a manutenção do regime democrático... foi o Ministério Público o grande beneficiado quando da outorga da nova Carta Política. Corrija-se, a sociedade restou fortalecida à medida que seu maior guardião teve suprimentos normativos nunca dantes verificados, e mais, a Instituição a partir daí só fez crescer suas responsabilidades e vem dando resposta concreta, firme, segura e adequada àqueles que a têm buscado para a preservação de seus direitos e garantias fundamentais. [18]
2.3 Do respaldo legal para a investigação criminal pelo Ministério Público
Após esse breve panorama do caminho percorrido pelas sociedades atuais para alcançar o momento em que vivem atualmente, bem como da função que o M.P. assume diante dessa realidade, cabe adentrar nos meandros constitucionais e infraconstitucionais que legitimam o M.P. a investigar na seara penal.
A C.F./88, dentro do Capítulo IV, reservado às funções essenciais à justiça, traz dispositivos relativos ao M.P. e, em seu art. 129, enumera algumas das funções institucionais que por ele devem ser desempenhadas.
Sem maiores esforços de interpretação, compreende-se que o rol trazido pela Carta Magna não é taxativo, pois, em seu último inciso [19], a C.F./88 abre caminho para que o M.P. desempenhe outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, restringindo-lhe, apenas, a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas [20].
Por sua vez, a L.C. 75/93 [21], obedecendo a C.F./88 [22] que, em seu art. 128, §5º, determinou que leis complementares da União e dos Estados estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada M.P., claramente institui, em seu art. 8º, inciso V, que para o exercício de suas atribuições, o M.P. poderá realizar inspeções e diligências investigatórias.
Assim, resumidamente, a C.F./88 determina que leis complementares estabeleçam as atribuições do M.P., ademais, posteriormente, permite que esse Órgão exerça outras funções que lhes sejam conferidas, além das expressamente enumeradas, desde que compatíveis com sua finalidade; e, de sua vez, a L.C. 75/93, em complemento, concede ao Parquet a atribuição de realizar inspeções e diligências investigatórias, ou seja, afigura-se a previsão legal conferindo ao M.P. o poder de investigar criminalmente.
Analisando detidamente os diplomas legais que tratam do M.P. (C.F./88, L.C. 75/93 e Lei nº 8.625/93), verificam-se em seus artigos outras possibilidades de interpretações condizentes com o tema em tela, porém, para não confundir o leitor com excesso de informações – e também porque alguns desses outros dispositivos legais serão mencionados mais adiante – opta-se por frisar apenas o preceituado nos arts. 128, §5º e 129, IX da C.F./88 e os arts. 5º, §2º e 8º, V, da L.C. 75/93, por entender que eles já bastam para comprovar a existência de legitimidade no M.P. para investigar criminalmente.
No intuito de impedir que o M.P. desempenhe a função de investigar ilícitos penais, inúmeros argumentos são criados pelos que não entendem dessa forma ou pelos que se sentem incomodados com essa atuação ministerial no âmbito criminal. Apesar de parecer bastante clara a real intenção do legislador ao criar as leis supra mencionadas, cabe agora contra-argumentar, um a um, os argumentos trazidos à baila pelos que acreditam não caber ao M.P. a função investigatória na seara penal.
Basicamente, existem dois argumentos que embasam a tese de que o Parquet não teria legitimidade para investigar criminalmente, são eles:
a)ausência de fundamento legal a respaldar tal atividade; e exclusividade da polícia na tarefa de investigar a prática de qualquer infração penal e sua autoria.
b)No tocante ao primeiro argumento, já fora acima demonstrada a existência de fundamento legal a amparar o desempenho da função investigadora pelo M.P., pois tanto a C.F./88 como a legislação infraconstitucional lhe dotam de tal capacidade.
A Lei Maior dispõe que pode o M.P. exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, e estatui que são as leis complementares que estabelecerão as atribuições de cada M.P. Por sua vez, a lei que trata do Órgão Ministerial no âmbito federal (L.C. 75/93), estabelece que cabe ao M.P. realizar inspeções e diligências investigatórias, donde se conclui que a função investigatória lhe foi conferida.
Diante do contra-argumento de que a lei confere poder ao M.P. para investigar, alguns tentam desvirtuar o que se entende por "investigar", utilizando-se de interpretações ilógicas para minimizar a atuação ministerial.
Razão não há para entender o sentido da palavra investigar diferente do que ela realmente significa, pois se utilizar de meios interpretativos para desvirtuar o verdadeiro conceito dessa palavra é, no mínimo, ilógico. Investigar é "indagar com minúcia; pesquisar; inquirir" [23], e não há como se entender de forma contrária!
Ainda nesse sentido, e apenas para deixar mais nítida a intenção do legislador constituinte, a Constituição e o C.P.P. deixam claro que tem o M.P. poder requisitório (art. 129, incisos VI e VIII, da C.F./88 e art. 47 do C.P.P.), o que lhe garante o cumprimento de tudo que requisitar, de forma compulsória. Neste diapasão, Paulo Rangel afirma que "requisição é uma ordem que deve ser aceita, é exigência legal a qual a autoridade policial não pode se furtar de cumprir." [24]
No que tange à compatibilidade com a finalidade, não restam dúvidas de que o M.P. é uma instituição pública constitucionalmente comprometida com a defesa do Estado Democrático de Direito, o que, já daí, dá-lhe respaldo suficiente para desempenhar a função investigatória.
O Órgão Ministerial, apesar de ser o titular da ação penal, é uma Instituição que preza pelo fiel cumprimento da lei, lutando, a todo custo, pela aplicação da justiça. Assim, praticar atos para real elucidação dos casos concretos em nada se afasta da sua finalidade, até porque o M.P. não tem interesse pessoal na condenação de criminosos.
A obrigatoriedade da ação penal pública é o exercício de um poder-dever, conferido ao Parquet, de exigir do Estado-juiz a devida prestação jurisdicional a fim de satisfazer a pretensão acusatória estatal, restabelecendo a ordem jurídica violada. Trata-se de um munus público constitucional conferido ao Ministério Público pela sociedade, através do exercício do poder constituinte originário. Neste sentido, Mazzilli entende que:
(...) o Ministério Público é apenas parte processual, formal ou instrumental no processo... quando inicia a ação, produz prova, debate a causa ou recorre, é parte, no sentido técnico e processual. Sua imparcialidade somente poderia ser compreendida no sentido atécnico, no sentido moral, portanto (de objetividade, serenidade e fiscalização da lei, pois não tem um interesse material fora do processo contraposto ao interesse do réu) [25]
Como titular da ação penal pública, tem o M.P. direito de melhor informar-se quanto à ação que pretende intentar. Como já dito, é ele, acima de tudo, um fiscal da lei e, analisado como parte, o é apenas formalmente, sendo óbvio que, apesar de "autor" da ação penal, utiliza de suas atribuições para benefício da sociedade. O Parquet é uma Instituição que atua em nome da sociedade e serve a um Estado Democrático de Direito e, nesse diapasão, entendeu o Ministro do S.T.F., Sepúlveda Pertence, no voto proferido no M.S. 21.239-DF, quando asseverou que "o Ministério Público da Constituição de 1988 lança-se ao exercício de uma magistratura ativa na defesa da ordem jurídico-democrática."
Nesse sentido, Mazzilli afirma que:
(...) inexiste impedimento para que o promotor que investigou os fatos ou oficiou no inquérito policial possa ajuizar a conseqüente ação penal ou nela oficiar: ’é pacífico o entendimento segundo o qual a atuação do Ministério Público, na fase do inquérito policial, tem justificativa na sua própria missão de titular da ação penal, sem que se configure usurpação da função policial ou venha a ser impedimento a que ofereça a denúncia. [26]
Corroborando com a idéia de que o M.P. é imparcial, porque atua movido pelo princípio da legalidade, não exercitando direito subjetivo próprio algum, Paulo Rangel afirma que:
(...) a imparcialidade material do membro do Ministério Público não pode ser confundida com a parcialidade instrumental, ou seja, com a capacidade de ser parte, a legitimatio ad causam... se ser parte instrumental fosse ser parcial quanto ao direito material deduzido em juízo, não estaria o Ministério Público autorizado a opinar pela absolvição. A imparcialidade ministerial assim, ganha um novo contorno diante da análise do devido processo penal... a persecução penal exercida pelo órgão ministerial é feita muito mais em nome dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana do que em prol da obtenção, simples, do resultado favorável da pretensão acusatória. Não se visa única e exclusivamente à punição do indivíduo como bel prazer do Promotor de Justiça, mas sim sua proteção jurídica, a tutela de sua liberdade que, excepcionalmente, poderá ser cerceada... a atuação do Ministério Público, se for exercida através do devido processo legal em seu duplo enfoque (instrumental e substantivo), é garantia do acusado de que todos os direitos previstos na ordem jurídica constitucional lhe foram assegurados, com a certeza da imparcialidade não só do órgão julgador, mas também do órgão fiscalizador da lei. Assim, afasta-se da idéia de que o Ministério Público é órgão acusador e compreende-se seu verdadeiro papel constitucional de instituição guardiã da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. [27]
Quanto à exclusividade da polícia para investigar qualquer tipo de infração penal, os que defendem essa idéia se baseiam no §1º, inciso IV, do art. 144 da C.F./88, que estatui que a polícia federal destina-se a exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Novamente sem maiores esforços de raciocínio, pode-se compreender que o que quis o legislador constituinte foi diferenciar as atividades desempenhadas pelas diferentes polícias enumeradas no art. 144, estabelecendo que, dentre a polícia federal, a rodoviária federal, a ferroviária federal, as civis e as militares e corpos de bombeiros, cabe à polícia federal praticar as funções de polícia judiciária da União.
Neste diapasão, Marcos Kac [28] entende que não há como se falar em privatividade da atuação investigatória como sendo exclusiva da polícia judiciária, pois o inquérito policial demonstra que, ao contrário dos já aclamados princípios do Promotor Natural e do Juiz Natural, não há no procedimento administrativo o princípio da Autoridade Policial Natural, podendo a investigação ser procedida, inclusive, pelos membros do M.P.
Se assim não fosse, como compreender as investigações realizadas pelos mais variados setores do Estado? Alguns exemplos podem ser citados para demonstrar que tanto na prática, como expressamente disposto em diversas legislações, há investigações realizadas por órgãos que não a polícia federal.
No âmbito do Poder Executivo, pode-se citar a Receita Federal, que realiza com freqüência não só diligências investigatórias, como também operações para constituição de auto de infração e repressão a determinados delitos, sem falar na própria representação fiscal para fins penais, dirigida ao M.P. com informações que o levam a impetrar a ação penal pública, e, ainda, na existência de um órgão voltado para investigar, o E.S.P.E.I. (Escritório de Pesquisa e Inteligência).
Ainda na seara do Executivo, encontra-se o Banco Central, onde são efetuadas diligências que, para além de instruir o procedimento administrativo, terão como destinatário o M.P., para que proceda criminalmente contra os investigados. Sem contar com a existência de um Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros (D.E.C.I.F.) e de um Conselho de Coordenação de Atividades Financeiras que realiza, a seu modo, atividade investigatória, atuando como órgão do Governo, responsável pela coordenação de ações voltadas ao combate à lavagem de dinheiro [29].
Já na esfera do Poder Legislativo, encontram-se as Comissões Parlamentares de Inquérito, que, de acordo com o art. 58, §3º, da C.F./88, "tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas".
Ainda analisando o Legislativo, o art. 269 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados dispõe que se instaurará inquérito a ser presidido pelo diretor de serviços de segurança ou, se o indiciado ou o preso for membro da Casa, pelo Corregedor ou Corregedor substituto, quando nos edifícios da Câmara for cometido algum delito.
Além desses poderes conferidos no âmbito do Legislativo, aplicar-se-ão, nos dois casos acima descritos, os dispositivos contidos no C.P.P.
Finalmente, quanto ao Poder Judiciário, cabe rememorar que, de acordo com o art. 33 da Lei Complementar nº 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura –, compete a ele próprio (Poder Judiciário), e jamais à polícia, a investigação de Magistrados envolvidos em práticas criminosas e, tratando-se do M.P. não é diferente, pois de acordo com a L.C. 75/93:
(...) quando, no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por membro do Ministério Público da União, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá imediatamente os autos ao Procurador-Geral da República, que designará membro do Ministério Público para prosseguimento da apuração do fato.
Ainda no tocante ao Poder Judiciário, cumpre destacar o art. 43 do Regimento Interno do S.T.F., que prescreve que "ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro."
O M.P. não pretende afrontar e nem tomar a posição dos Delegados de Polícia, porém conceber a apuração de ilícitos penais exclusivamente pela polícia judiciária é um retrocesso inadmissível e deve ser repudiado para que se possa ver garantido o pleno exercício da titularidade da ação penal pública.
Além de toda a explanação e exemplos supra acerca da ausência de exclusividade da polícia para investigar, cabe destacar o que preceitua o C.P.P., em seu art. 4º, quando faz expressa ressalva à possibilidade da existência de inquéritos extrapolicias que visem, inclusive, dar suporte na apuração de infrações penais por outros órgãos que não sejam exclusivamente a polícia, desde que efetivados por autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma função investigatória:
Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma função. (grifo nosso)
Além dos contra-argumentos aqui trazidos, no intuito de ver sanada por definitivo a polêmica quanto à existência, ou não, de legitimidade no M.P. para investigar criminalmente, outros pontos merecem ser destacados.
Como notadamente cediço, e como dito acima, o M.P. é dotado de garantias constitucionais, dentre elas, a inamovibilidade, que lhe assegura o direito de, uma vez titular do respectivo cargo, somente ser removido ou promovido por iniciativa própria, nunca ex officio por qualquer outra autoridade. [30]
Assim, o membro do M.P. não sofrerá retaliação desse tipo em virtude de investigação realizada em nenhuma esfera ou contra qualquer agente do poder, diferentemente da polícia, que não detém essa garantia.
Através de noticiários, a imprensa veicula, periodicamente, casos de policiais que são, repentinamente, transferidos de suas comarcas, porque estão envolvidos com investigações por demais "políticas" e, em seus lugares, assumem profissionais completamente vinculados aos "grandões" do poder, normalmente os investigados, o que faz com que os autos sejam arquivados ou se "encontrem" culpados para os crimes.
Como exemplo do afirmado, pode-se trazer à baila o caso recentemente divulgado do vereador Jorge Babu, investigado em virtude de participação em briga de galo, onde policiais foram afastados do caso. [31]
Dentro desse contexto, resta evidente que a garantia da inamovibilidade conferida aos membros do M.P. pela C.F./88 lhes assegura ainda mais autonomia nas investigações, pois, se um membro do M.P., juntamente com a polícia local, investiga ilícito penal e, de repente, o Delegado for transferido, o Promotor/Procurador, em virtude da garantia constitucional da inamovibilidade, continuará na localidade, investigando e podendo vir a denunciar os verdadeiros culpados, mesmo com a presença de outro Delegado.
Neste sentido, Paulo Rangel assevera que:
(...) o mundo do crime, a cada dia que passa, conta com a presença cada vez maior de pessoas ilustres, detentoras de parcela do poder estatal, que, sob as vestes do cargo que ocupam, associam-se a delinqüentes (ou já estavam associados e assumiram o cargo) para garantir-lhes a impunidade e gerar riquezas indevidas e escusas. Nesse caso, a persecução penal por parte do Estado torna-se difícil, porque as diligências que deveriam e poderiam ser feitas acabam sendo intencionalmente frustadas, com o único escopo de prejudicar a ação da justiça, inclusive com a participação (criminosa) direta de determinadas autoridades policiais, peritos criminais e/ou comandantes da Polícia Militar (...) [32] a atuação do Ministério Público, na condução das investigações diretas, não pode se voltar única e exclusivamente para os crimes cometidos pelos administrados, mas sim, também, pelos administradores, integrantes do governo, que, por exercerem poder hierárquico sobre as atividades das autoridades policiais, muitas vezes, impedem que haja uma apuração isenta de qualquer conotação político-partidária. [33]
Outro ponto que merece ser destacado é a impunidade que atualmente vige no Brasil. É amplamente cediço que diversos crimes quedam-se sem punição devido à falta de provas, ou em virtude de Inquéritos Policiais recheados de provas mal produzidas. Assim, a atuação ministerial nas investigações mais uma vez beneficiará a sociedade, que poderá ter no Parquet uma "carta na manga" para melhor elucidação dos casos concretos, o que ocasionará um menor índice de impunidade no Brasil. Neste sentido, Kac assevera que
(...) a impunidade é um dos maiores males de nossa sociedade moderna. É em razão desta que a criminalidade vem se acentuando, cada vez mais, e se instalando em todo o corpo social... A investigação penal nos moldes atuais, demonstra, à saciedade, a iniqüidade destes procedimentos e atesta, sem sombra de dúvida, a falência dos órgãos investigativos. É anseio mais do que merecido de parcela significativa da sociedade que o Ministério Público tome as rédeas da investigação penal (mediante seleção de casos) para que os procedimentos possam, de alguma maneira, ser notabilizados por sensível melhora e que a ação penal a ser posteriormente proposta não esteja quase sempre fadada ao insucesso. [34]
Se já não bastasse o acima exposto, a Lei Orgânica do M.P., nº 8.625/93 (estabelece as normas gerais para a organização desse Órgão nos Estados), em seu art. 26, dispõe sobre os atos que o Parquet poderá praticar no exercício de suas funções. Dentre eles, encontra-se, respectivamente, nos incisos II, V, que poderá o M.P. requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processos em que oficie; e praticar atos administrativos executórios, de caráter preparativo.
A lei acima não diz em qual o procedimento que o M.P. pode requisitar informações e documentos para instruí-lo... Por que entender que procedimentos de caráter criminal estariam excluídos? O M.P. só pode agir nas investigações cíveis? Baseando-se em que essa idéia poderá prevalecer? Parece um tanto ilógico deduzir tal pretensão, pois espremer a lei para extrair-lhe o que for de interesse próprio não parece ser o mais correto.
Já no tocante ao disposto no inciso V, suscita-se outra questão: o que são atos administrativos executórios de caráter preparativo? Por que não compreender isso como um ato de investigação preparatório da ação penal pública? Realmente, a única coisa que se enxerga no discurso dos que são contrários à investigação ministerial criminal é que há temor nessa atuação, pois tenta-se, a todo custo, desvirtuar a real intenção do legislador.
Cabe destacar também que, se munido de informações consistentes capazes de suprir a ausência do Inquérito Policial, poderá o Parquet ingressar com a ação penal, fator que só confirma a legitimidade do M.P. para investigar. É o que estabelece o C.P.P., em seu art. 27 [35], pois o Inquérito Policial é uma peça de informação, legalmente dispensável, que pode vir a formar o convencimento do membro ministerial.
As peças de informação formam o gênero do qual o Inquérito Policial é espécie. São elas toda e qualquer informação que possui o M.P. acerca de um fato delituoso, obtidas através de uma notitia criminis, da representação feita pelo ofendido, nos crimes de ação penal pública condicionada à representação, ou pela providência do art. 40 do C.P.P.
Se o Órgão Ministerial pode oferecer denúncia sem Inquérito Policial, é porque a investigação policial pode ser substituída por outra investigação preliminar levada a cabo pelo M.P.
E, novamente, o Pergaminho Processual Penal só reforça a comprovação da tese sob comento quando, no §5º, do art. 39, dispõe que "o órgão do Ministério Público dispensará o inquérito se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal...", confirmando que o Órgão Ministerial é livre para propor a ação penal pública quando se convencer da materialidade e verificar a existência de indícios da autoria do delito.
Tendo por base a idéia de que o M.P. atua como parte formal, entende-se claramente que não há óbice legal de que o Parquet possa desenvolver as investigações criminais diretas que viabilizarão o curso regular do processo a que irá se submeter o réu. Inclusive, e como já dito, o M.P. pode dispensar o Inquérito Policial se tiver outros elementos que viabilizem o exercício da ação penal. Ou seja, pode dispensar o Inquérito para, de imediato, iniciar a ação penal, porque não poderia fazer a investigação que dará suporte à ação que irá propor? Quem pode o mais pode o menos.
Se a C.F./88 reconhece o M.P. como Instituição essencial à função jurisdicional, incumbindo-o de defender a ordem jurídica e conferindo-lhe a promoção privativa da ação penal pública, lógico que as investigações necessárias para formar sua opinio delicti são inerentes à obrigatoriedade da ação penal. Estão implícitas!
Paulo Rangel corrobora com essa idéia quando afirma que:
(...) na medida em que a Constituição legitima o Ministério Público a requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policias, claro está que, se tem o poder de determinar esta ou aquela diligência, possui também legitimidade para realizar, pessoalmente, as diligências que pode determinar. Seria um contra sensu, pelo menos assim nos parece, dar-lhe a legitimação para exigir que se faça, mas negar-lhe o direito de fazê-lo, pessoalmente. Em outras palavras, é como se disséssemos: "pode o Ministério Público fazer o mais, porém lhe é negado fazer o menos". Violaríamos as regaras comezinhas de hermenêutica jurídica se assim pensássemos. [36]
Kac também comunga desta idéia, asseverando que:
(...) quando o constituinte concede a determinado órgão ou instituição uma função (atividade-fim), implicitamente estará concedendo-lhe os meios necessários ao atingimento do seu objetivo (atividade-meio), sob pena de se ver frustrado o exercício do munus constitucional que lhe foi cometido. Nestes termos, se incumbe ao Ministério Público, privativamente, o exercício da ação penal pública, é tranqüilo concluir que estarão compreendidos entre seus poderes e prerrogativas institucionais o de produzir provas e investigar a ocorrência de indícios que justifiquem sua atuação na persecução penal preliminar, instaurando o procedimento administrativo pertinente, devendo assim proceder por dever de ofício e sempre que a atuação da Polícia Judiciária possa revelar-se insuficiente à satisfação do interesse público consubstanciado na apuração da verdade real. [37]
É um retrocesso desnecessário o fato de o Estado autorizar o M.P. a iniciar a persecução penal quando as informações que servirão de suporte à denúncia forem levadas ao seu conhecimento pelo particular, porém tal imputação penal carecer de legitimidade se forem as informações colhidas por ele mesmo.
Se, ao fim de investigações na seara civil, o membro do M.P. dispuser de provas que indiquem a prática de crime, devem esses elementos ser considerados imprestáveis para fins penais? Se a resposta for positiva, estar-se-á diante de um absurdo jurídico e prático, com afronta, inclusive, ao princípio constitucional da eficiência, que deve pautar a atuação de todas as esferas estatais.
Cabe, também, destacar dentro deste Capítulo, a diferença entre condução de Inquérito Policial e realização de diligências investigatórias. O que se quer é comprovar definitivamente que o M.P. pode realizar diligências investigatórias, direito conferido pela C.F./88, juntamente com as normas infraconstitucionais, utilizando-se, para isso, de suas atribuições, como, por exemplo, o poder requisitório, e não conduzir o Inquérito Policial, muito menos presidi-lo, pois aí, realmente, não há nenhuma legitimidade, até porque, se assim fosse, ele nem teria essa nomenclatura.
Fortalecendo esse entendimento, Alfredo Martins afirma que "a verdade é que o modelo processual penal brasileiro, desde há muito, vem confundindo a investigação criminal com o inquérito policial, quando, na verdade, este é apenas um aspecto daquela." [38]
Outra questão que merece destaque é em relação ao direito comparado. Com bem analisado por Marcos Kac [39], o mundo contemporâneo já recepciona o M.P. como Instituição com atuação na seara da investigação criminal, pois em muitos países – Estados Unidos da América, México, França, Itália, Espanha, Bélgica, Portugal, Alemanha, Colômbia, Peru e Paraguai, por exemplo - é assim que o Parquet se comporta.
Com isso, só fica mais latente que ao Órgão Ministerial Brasileiro deve ser, por definitivo, atribuída a função investigatória criminal, pois é assim que se procede no mundo moderno, ao qual o Brasil se enquadra.
Neste sentido, Kac conclui que:
(...) nos países com legislação investigativa mais avançada, a investigação penal preliminar é conduzida pelo Ministério Público. É inaceitável que nos dias de hoje no Brasil a investigação fique a cargo exclusivo da Autoridade Policial, seja ela estadual ou federal, sem que haja qualquer ingerência do destinatário final do lastro probatório mínimo na fase pré-processual a permitir a correta formação do opinio delicti e consequentemente a deflagração da persecutio criminis juditio. [40]
Importante, ainda, destacar que o M.P. não pretende usurpar as funções da polícia. Almeja-se dar por encerrada a polêmica quanto ao tema sob cogitação e ver-se conferida, definitivamente, a legitimidade ao Órgão Ministerial para investigar, podendo, inclusive, haver duplicidade de investigações, pela polícia e pelo M.P., o que, em nada, prejudicará a sociedade, ao contrário. Paulo Rangel comunga dessa idéia, pois, segundo ele:
(...) não estamos negando o exercício da polícia de atividade judiciária pelas autoridades policiais, através do inquérito policial, mas, sim, mostrando que há outro legitimado para tal investigação que, inclusive, pode ser feita em perfeita harmonia com a polícia de atividade judiciária com ganho exclusivo da sociedade. Não se trata, nem poderia assim o ser, de uma usurpação de função por parte do Ministério Público, mas sim, de uma união de forças institucionais em nome da segurança pública e da manutenção da ordem jurídica tão fragilizada pela conduta abusiva de determinados criminosos, em especial aqueles que integram a elite econômica de nosso País. A sociedade é a única que, efetivamente, irá ganhar com a investigação direta pelo Ministério Público e, conseqüentemente, a única que sairá perdendo se pensarmos diferente. [41]
Essa união apenas virá a beneficiar a sociedade como um todo, que passará a ter mais um ente legitimado investigando os delitos contra ela praticados. O M.P., muitas vezes, não tem condições de levar adiante uma investigação criminal sozinho, tanto por carência de material humano, quanto físico - investigadores, viaturas, espaço físico apropriado etc. – e nada impede, ao contrário, tudo indica, a união de forças com a polícia.
Além de que, muitas vezes, os procedimentos se eternizam nas idas e vindas entre a Delegacia Policial e o M.P., quando esse requisita diligências. Com a condução direta das investigações penais, o Órgão Ministerial verificaria, de plano, quais os casos possíveis de efetiva solução, e em quais as chances de solução seriam mínimas ou nenhuma, destinando sua força policial para a elucidação dos casos possíveis.
Não existe qualquer ofensa ou perigo no fato de o agente do M.P., promotor privativo da ação penal, requisitar documentos, perícias, ou ouvir testemunhas para colher os elementos de convicção necessários, não mais, de qualquer modo, do que acontece quando essas diligências são realizadas pela autoridade policial.
Neste sentido, Marcos Kac entende que:
(...) desburocratizando os serviços de investigação penal, o procedimento investigatório começará a andar mais rápido, e conseqüentemente, o deslinde se dará de forma mais célere. Quebrando a rotina de entregas de procedimentos de um lado para o outro, evitar-se-á o desperdício de gastos, inúteis para o fecho de determinados casos. E mais, evitará que os procedimentos vão e voltem sem a realização do que neles se requisitou. Os aparatos do Estado não são estanques, e por isso mesmo, não podem ficar isolados, como ilhas. Necessária se faz uma maior aproximação entre o aparato investigador e o aparato acusador, para que a investigação e a ação possam melhor frutificar. [42]
O Parquet, entendido como parte meramente formal, busca, apenas, a verdade real dos fatos, sua correta elucidação. Não há como compreender a resistência tão empreendida por muitos para que o Órgão Ministerial não investigue ilícitos penais, pois nessa atuação não se encontra nenhum malefício à sociedade.
A investigação criminal exercida pelo M.P. não se consubstancia como uma regra geral. No mais das vezes, seu desencadeamento decorrerá ou da inconveniência casuística da instauração de um procedimento amplo como o Inquérito Policial ou mesmo da omissão da polícia na investigação de determinados delitos, notadamente quando envolvidos agentes policiais.
Em entrevista à revista IstoÉ, o Procurador do Estado de São Paulo, Luiz Antônio Guimarães Marrey, disse que: ".. . entendemos que o fato de o Ministério Público promover investigações criminais diretamente só favorece o interesse público. Ninguém quer substituir o trabalho das polícias nem temos estrutura para isso. Mas queremos, em casos selecionados, poder apurar fatos que a polícia não tenha apurado ou não tenha interesse em apurar. Ações assim têm impedido a impunidade, têm evitado a tortura e até mesmo a proliferação de grupos de extermínio." [43]
Nesse diapasão, Streck e Feldens afirmam que:
(...) o que aqui se preconiza, enfim, não é um "Ministério Público-policial", a dar ensejo à figura de um procurador/promotor "investigador por excelência"; quanto menos um Estado "big brother", panóptico ante os meios social e individual. Sustenta-se, isto sim, com substrato na Constituição e na legislação vigente (e válida), a destruição de dogmas que apenas servem para alimentar feudos corporativos há muito inexistentes no Direito comparado. [44]
Faz-se, ainda, imperioso trazer à baila o entendimento sobre o tema em tela de alguns autores de renome nacional, como Frederico Marques e Mazzilli:
Frederico Marques entende que:
(...) se é o Estado-administração quem investiga e acusa, é irrelevante o órgão a quem ele atribui uma ou outra função. No juízo ou no inquérito quem está presente é esse Estado-administração. Que importa, pois, que ele se faça representar, na fase investigatória, também pelo Ministério Público. [45]
Mazzilli, por seu turno, afirma que:
(...) o mais usual é iniciar-se a ação penal pública à vista da opinio delictis formada pelo órgão ministerial por meio dos elementos colhidos no inquérito policial. Contudo, nem só no inquérito policial pode ela fundar-se. Em documentos extraídos de processos ou procedimentos judiciais e administrativos, pode encontrar o órgão do Ministério Público elementos para a propositura direta da ação penal, dispensando o inquérito policial. Até mesmo em inquérito civil ou em decorrência de requisições ou diligências diretas realizadas pela instituição, podem surgir elementos suficientes para embasar a acusação penal. Pode, ainda, o órgão ministerial, exercitar a ação penal pública a partir de elementos de convicção colhidos a partir do atendimento pessoal aos necessitados. [46]