CAPÍTULO III - DO POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RHC 81.326-DF [47]): PONTOS CONTROVERTIDOS.
Recentemente, o S.T.F. posicionou-se diretamente em relação ao tema sob cogitação (R.H.C. 81.326-DF) e, este Tribunal – guardião da Constituição, formado por membros de notável saber jurídico e que, em tese, pugna pela real e justa aplicação da lei no Brasil –, entendeu que o M.P. não tem legitimidade para investigar criminalmente. Data venia, parece que o S.T.F., por meio da sua 2ª Turma, não conferiu o melhor sentido à Constituição.
Vejamos alguns trechos do voto relator, elaborado pelo Ministro Nelson Jobim, ao fundamentar sua decisão:
(...) em 1936, o Ministro da Justiça VICENTE RÁO, tentou introduzir, no sistema processual brasileiro, os juizados de instrução. A Comissão da Segunda Secção do Congresso nacional do Direito Judiciário, composta pelos Ministros BENTO DE FARIA, PLÍNIO CASADO e pelo GAMA CERQUEIRA, acolheu a tese no anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Ela, entretanto, não vingou. Na exposição de motivos do Código de Processo penal o Ministro FRANCISCO CAMPOS ponderou acerca da manutenção do inquérito policial...
(...) o Constituinte rejeitou as Emendas 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513, que, de um modo geral, davam ao MINISTÉRIO PÚBLICO a supervisão, avocaçao e o acompanhamento da investigação criminal...
(...) a legitimidade histórica para condução do inquérito policial e realização das diligências investigatórias, é de atribuição exclusiva da polícia... [48]
Analisando-se detidamente a decisão sob comento, encontram-se argumentos desprovidos de fundamentos plausíveis que justifiquem tal posicionamento.
Da leitura do voto-condutor é possível extrair que sua fundamentação está assentada nos seguintes aspectos:
a)análise histórica das tentativas de legitimar o M.P. a investigar criminalmente;
b)a C.F./88 não confere ao M.P. o poder investigatório; e
c)a exclusividade da Polícia, em face à legitimidade histórica, para realização de investigação no âmbito criminal.
Em relação à análise histórica feita pelo Ministro Nelson Jobim, tanto quanto as relativas às diversas iniciativas já tomadas de se conferir ao M.P. poder investigatório, como quanto à exclusividade da polícia para a prática de tal função, de importante só teve a pesquisa realizada. Não se pode olhar o novo com os olhos do velho. Muito admira-se que um Ministro do S.T.F. se baseie em uma análise histórica para embasar seu voto, pois claramente se compreende, por mais imaturo e inexperiente que se seja, que tudo evolui, que a sociedade anda para frente e que não se pode negar a prática de algo que a C.F./88 confere, em conjunto com demais normas do ordenamento jurídico, porque antigamente não era assim.
Nesse diapasão, Streck e Feldens [49], analisando a decisão sob cotejo, entendem que, de início, deve-se deixar claro que qualquer método de interpretação (no caso, o histórico) pode tornar-se frágil se confrontado a outros métodos. Mais do que isto, todavia, é a própria metodologia que não se sustenta em face daquilo que hoje denomina-se de nova hermenêutica...Do mesmo modo, entendem que não é possível concluir que, pelo fato de que, desde o Projeto RÁO (1936) até o período posterior ao processo constituinte (1999), os projetos que apontavam para a possibilidade de o Ministério Público dirigir investigações criminais haverem sido rejeitados (juizados de instrução), tenha sido afastada a legitimidade da Instituição para realizar diligências investigatórias.
Para os autores, os argumentos históricos, conformadores de uma eventual voluntas legislatoris negativa, não podem impedir, hermeneuticamente, a possibilidade de que se atribua sentido diferente aos dispositivos constitucionais e à legislação complementar, que assinala, de forma clara, a possibilidade de o Ministério Público realizar tais atos investigatórios. Há, outrossim, vários precedentes contemporâneos do próprio S.T.F. que autorizam distinta conclusão acerca da atuação pré-processual do M.P. Considerado o aspecto histórico metodologicamente utilizado na decisão, tais precedentes merecem referência... Daí porque não se pode aplicar ao M.P. do Estado Democrático de Direito interpretações recolhidas de um modelo institucional hoje inexistente, impensável e constitucionalmente inconcebível. Olhando para trás, corre-se o risco de seqüestrar o tempo.
E concluem asseverando que é razoável dizer que até 1988 era "possível" defender a existência de uma legitimidade histórica da polícia para investigar. Estava-se, afinal, sob o égide de outro paradigma jurídico-constitucional. Entretanto, nesta quadra da história, não é mais possível buscar esse fundamento. Vingasse o argumento da "legitimidade histórica" da polícia para investigar, mesmo com o advento da Constituição de 1988, o "direito histórico" à propriedade rural, mesmo com a Constituição estabelecendo limites a esse direito, através da exigência do cumprimento da função social, ou, ainda, poder-se-ia defender, mesmo após a Constituição, a "legitimidade" de a polícia continuar a "baixar" portarias com base na Lei nº 4.611/65, instrumento edificado pelo regime autoritário com nítidos propósitos de controle sobre determinados delitos e proteção de setores específicos da Sociedade. Isto para ficar apenas em dois singelos exemplos.
Paulo Rangel, também em análise do R.H.C. nº 81.326-DF, entende que "o STF, nesta decisão, deu um passo atrás, estabelecendo um retrocesso social e atando as mãos do Ministério Público." [50]
Não há como deixar de citar a perfeita conclusão a que chegaram Lenio Streck e Luciano Feldens quando da análise da decisão em comento:
(...) lembra ORTEGA Y GASSET que "a tradição afoga-nos com uma avalancha de questões acumuladas, onde vêm confundidas as substancias com as fictícias". Estarmos inseridos na tradição significa dizer que estamos no mundo a partir de nossos pré-juízos, e nos expressamos a partir de nossa condição de ser-no-mundo. Daí a necessidade de que suspendamos nossos pré-juízos, deixando o novo vir à presença, isto porque toda experiência é confronto, alerta GADAMER, já que " ela opõe o novo ao antigo, e, em princípio, nunca se sabe se o novo prevalecerá, quer dizer, tornar-se-á verdadeiramente uma experiência, ou se o antigo, costumeiro e previsível, reconquistará finalmente a sua consistência. Sabemos que, mesmo nas ciências empíricas, como KUHN em particular o demonstrou, os conhecimentos novamente estabelecidos encontram resistências e na verdade permanecem por muito tempo ocultos pelo ‘paradigma’ dominante. O mesmo ocorre fundamentalmente com toda experiência. Ela precisa triunfar sobre a tradição sob pena de fracassar por causa dela. O novo deixaria de sê-lo se não tivesse que se afirmar contra alguma coisa." É neste contexto que se inserem as presentes reflexões: procurar indagar acerca das condições de possibilidade de o novo (paradigma do Estado Democrático de Direito e seus reflexos especialmente no papel a ser desenvolvido pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público) triunfar sobre a tradição, calcada em um Direito de nítido cariz liberal-individualista... Assim, de nada adianta todo o arcabouço jurídico-constitucional, forjado a partir do processo constituinte de 1986-1988, apontar para um Estado Democrático de Direito, que traz ínsito um plus normativo, superador das concepções anteriores de Direito e de Estado (Liberal e Social), se, no conjunto das práticas dos juristas, não se constituir um substrato político, material e cultural, apto a concretizar essa normatividade. Trata-se, pois, de uma questão recorrente, representada pela discussão da crise de paradigmas: é preciso triunfar sobre a tradição sob pena de fracassarmos por causa dela! [51]
O também Ministro do S.T.F. Joaquim Barbosa, colega do Ministro Nelson Jobim, teceu críticas quanto ao método histórico utilizado:
(...) o ministro Nelson Jobim, S. Exa. funda essencialmente a sua nova visão sobre o tema não na inteligência específica da Constituição de 1988, vista numa perspectiva global e sistemática, mas, sim, em interpretações de textos legais que datam de 1936 (Projeto Rao), 1941 (Código de Processo Penal) e 1957 (decisão do Supremo Tribunal Federal da lavra de Hungria). Tais interpretações, ainda que válidas para um determinado período, não o são necessariamente para outro, especialmente tendo-se em conta a radical transformação do quadro constitucional e especialmente o saliente papel que se procurou atribuir ao Ministério Público no Estado brasileiro. Em suma, o método hermenêutico de cunho historicista, além de suas deficiências intrínsecas. [52]
No tocante ao argumento de que a Lei Maior não confere ao M.P. legitimidade para investigar criminalmente, já se discorreu sobre o tema no Capítulo II deste trabalho, sendo redundante e dispensável repetir as mesmas considerações feitas acima.
Como visto, o posicionamento do S.T.F., representado no voto do Ministro Nelson Jobim, está fundamentado em bases permeáveis, pois repleto de lacunas interpretativas. Para torná-lo ainda mais conflituoso, cabe destacar a existência de posicionamentos diferentes da decisão sob cogitação, ou seja, casos em que a Suprema Corte foi a favor da investigação criminal pelo M.P.
Veja-se, por exemplo, a ADIN nº 1.571, onde o Tribunal Guardião da Constituição manifestou-se no sentido de que o M.P.F. não fica impedido de agir, desde logo, utilizando-se, para isso, dos meios de prova a que tiver acesso; o H.C. nº 75.769-MG, mais explícito ao afirmar que não se evidencia irregularidade na participação do Ministério Público em fase investigatória; e, para surpresa do leitor, o H.C. nº 77.371, que teve como relator o próprio Ministro Nelson Jobim, reconhecendo como legal (baseando-se no art. 26 da Lei nº 8.625/93) a prova colhida pelo M.P., argumentando que sua Lei Orgânica faculta a seus membros a prática de atos administrativos de caráter preparatório tendentes embasar a denúncia.
Após a publicação da decisão contida no R.H.C. 81.326-DF, o S.T.F. novamente contradisse-se, afirmando, em decisão que negou H.C. a juíza federal investigada por suposta adulteração de placa de veículo e cassou a liminar que anteriormente havia suspendido o inquérito judicial que investigava a suposta prática pela Magistrada do crime de adulteração de sinal identificador de placa de veículo automotor. [53]
Como saber o real posicionamento do S.T.F.? Não há como fugir da idéia de que esse Tribunal é de cunho eminentemente político!!!
Apenas para fundamentar o entendimento de que o S.T.F. vem atuando de forma política, vale salientar que essa decisão se torna tanto mais importante quanto se sabe que ela foi proferida exatamente no momento em que a instituição Ministério Público vem ganhando espaço, sobretudo como conseqüência das investigações que tem procedido especialmente em relação à macrocriminalidade, normalmente com inegável êxito, o que pode ser observado nas constantes notícias que são veiculadas pela grande mídia nacional.
Assim compreendida, a decisão da 2ª Turma do S.T.F. seria, não há negar-se, um verdadeiro obstáculo ao desempenho do M.P. que, sem poder de investigar e instruir, ver-se-ia tolhido em suas ações, voltando a depender das investigações que a polícia judiciária realizasse, nos moldes avoengos, como sempre ocorreu na tradição do direito brasileiro, daí a intensa repercussão nacional e os compreensíveis protestos que os integrantes dessa conceituada Instituição têm manifestado.
A polêmica foi novamente levantada em virtude da existência do Inquérito nº 1.968-2-DF, em trâmite no S.T.F., cuja denúncia foi oferecida com base em procedimento administrativo instaurado a partir de notitia criminis do Ministério da Saúde. O relator, Ministro Marco Aurélio, votou pela rejeição da denúncia, sob o argumento de que inexiste justa causa, por falta de atribuição do M.P. para instaurar e presidir Inquéritos Policiais.
Atualmente, o processo encontra-se suspenso, pois o Ministro Cezar Peluso pediu vista, porém, apesar da extensão, merece ser aqui destacado o posicionamento do Ministro Joaquim Barbosa, favorável à atuação ministerial na investigação criminal. Eis alguns trechos de seu voto:
(...) o que autoriza o Ministério Público a investigar não é a natureza do ato punitivo que pode resultar da investigação (sanção administrativa, cível ou penal), mas, sim, o fato a ser apurado, incidente sobre bens jurídicos cuja proteção a Constituição explicitamente confiou ao Parquet. A rigor, nesta como em diversas outras hipóteses, é quase impossível afirmar, a priori, se se trata de crime, de ilícito cível ou de mera infração administrativa. Não raro, a devida valoração do fato somente ocorrerá na sentença! Note-se que não existe uma diferença ontológica entre o ilícito administrativo, o civil e o penal. Essa diferença, quem a faz é o legislador, ao atribuir diferentes sanções para cada ato jurídico (sendo a penal, subsidiária e a mais gravosa). Assim, parece-me lícito afirmar que a investigação se legitima pelo fato investigado, e não pela ponderação subjetiva acerca de qual será a responsabilidade do agente e qual a natureza da ação a ser eventualmente proposta. Em síntese, se o fato diz respeito a interesse difuso ou coletivo, o Ministério Público pode instaurar procedimento administrativo, com base no art. 129, III, da Constituição Federal. Na prática, penso que é possível propor tanto ação civil pública com base em inquérito policial quanto ação penal subsidiada em inquérito civil. Essa divisão entre civil e penal é mera técnica de racionalização da atividade estatal. O que é de fato relevante é a obrigação constitucional e legal a todos imposta de se conformar às regras jurídicas, indispensáveis a uma convivência social harmônica. Não quero com isso dizer que o Ministério Público possa presidir o inquérito policial. Não. A própria denominação do procedimento (inquérito policial) afasta essa possibilidade, indicando o monopólio da polícia para sua condução. Ocorre que a elucidação da autoria e da materialidade das condutas criminosas não se esgota no âmbito do inquérito policial, como todos sabemos. Em inúmeros domínios em que a ação fiscalizadora do Estado se faz presente, o ilícito penal vem à tona exatamente no bojo de apurações efetivadas com propósitos cíveis. Nesses casos, como em muitos outros, o desencadeamento da ação punitiva do Estado prescinde da atuação da polícia. Daí a irrazoabilidade da tese que postula o condicionamento, o aprisionamento da atuação do Ministério Público à atuação da polícia, o que, sabidamente, não condiz com a orientação da Constituição de 1988...
(...) o que a Constituição e a teoria constitucional moderna asseguram é que, sempre que o texto constitucional atribui uma determinada missão a um órgão constitucional, há de se entender que a esse órgão ou instituição são igualmente outorgados os meios e instrumentos necessários ao desempenho dessa missão. Esse é, em síntese, o significado da teoria dos poderes implícitos... De fato, se a Lei Maior concedeu ao Ministério Público a função de dar início à ação penal, sendo esta sua atividade-fim, implicitamente, por óbvio, concedeu-lhe também os meios necessários para o alcance de seu objetivo, caso contrário seu encargo constitucional nem sempre poderia ser cumprido.
Se houvesse a imperativa inércia do promotor de Justiça criminal e sua impossibilidade de investigar os fatos, porquanto sempre na dependência do trabalho da polícia judiciária, como poderia o Ministério Público cumprir sua função constitucional de "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia" como prescreve o art. 129, II, da Carta Magna? Como poderia defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, previstos no art. 127, caput, da mesma Constituição?
Ora, esses meios de ação foram expressamente conferidos ao Ministério Público, tanto no plano constitucional, por força da própria natureza da função cuja titularidade lhe foi outorgada, quanto no plano legal. Com efeito, o art. 129, IX, da Constituição diz que são funções institucionais do Ministério Público "EXERCER OUTRAS FUNÇÕES QUE LHE FOREM CONFERIDAS, DESDE QUE COMPATÍVEIS COM SUA FINALIDADE". Não me parece haver dúvidas de que a investigação da veracidade de uma notitia criminis que lhe chegue ao conhecimento tem total pertinência com uma das mais importantes dentre as atribuições do Ministério Público, que é o exercício da titularidade da ação penal. Não é por outra razão que a Lei Complementar 75/1993, Lei Orgânica do Ministério Público da União, em seu art. 8º, V, estipula que "para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência, REALIZAR INSPEÇÕES E DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS". Esse dispositivo, de clareza insuplantável, estabelece sem sombra de dúvida a relação meio-fim a que faz alusão o art. 129, IX, da Constituição. Dispositivo com dizeres similares é encontrado no art. 26 da Lei 8.625/1993, que disciplina a atuação dos ministérios públicos estaduais...
(...) Sr. Presidente, uma das facetas mais marcantes da jurisdição constitucional - e que a singulariza em face das outras formas de jurisdição - é o componente político que lhe é ínsito. Político, mas não no sentido vulgar, partidário, mas numa compreensão que simbolize a atividade de velar pelo bem-estar na polis, pela segurança dos cidadãos, pela paz social, em suma, pelos destinos da nação. Noutras palavras, esse componente político da jurisdição constitucional se materializa quando as cortes, deixando temporariamente de lado a dogmática chã, que não raro empobrece o debate verdadeiro das questões, toma decisões à luz da realidade político-social concreta de cada país. Anoto, de passagem, que as grandes cortes constitucionais assim procedem não sem levar em conta o papel e a imagem que os respectivos países gozam ou almejam gozar no cenário internacional. Tenho dito em algumas oportunidades que a função básica de uma corte constitucional é velar pela preservação de certos equilíbrios. Pois bem. Creio que essa visão se aplica ao presente caso. Nitidamente estamos diante de uma situação em que cabe a esta Suprema Corte estabelecer o ponto justo, o equilíbrio ideal entre, de um lado, os direitos processuais das pessoas suspeitas da prática de crime e, de outro, os interesses maiores da sociedade, a segurança da população, o interesse em preservar o patrimônio público contra a corrupção e em extirpar da cena pública os indícios de penetração do crime organizado. A Constituição de 1988, símbolo da inserção do nosso país no concerto das nações democráticas, oferece aos suspeitos da prática de crimes um rol de direitos, privilégios e prerrogativas que nos coloca em pé de igualdade com as mais sólidas democracias do planeta. Citem-se como exemplo o princípio da não-incriminação, o da reserva legal e da irretroatividade da lei penal, o da individualização da pena, o da amplitude da defesa etc. É importante assinalar que todo esse arcabouço constitucional-penal tem como primeiro objetivo a proteção do inocente. Aliás, essa proteção reforçada do inocente faz com que o sistema feche até mesmo os canais de acesso à mais segura e autêntica fonte de apuração da verdade, isto é, o acusado, que tem para protegê-lo o princípio da não-incriminação...
(...) Em suma, compelir o Ministério Público a uma postura meramente contemplativa seria, além de contrário à Constituição e ao status constitucional que essa instituição passou a ter a partir de 1988, desservir aos interesses mais elevados do país, instituir um sistema de persecução penal de fachada, incompatível com o visível amadurecimento cívico de nosso país e com a solidez das nossas instituições democráticas.
Analisando os trechos acima, elaborados pelo Ministro Joaquim Barbosa, pode-se, agora sim, perceber que, enfim, um membro da Corte Suprema deu real sentido à Constituição.
Não podem os Ministros continuar presos a valores conservadores, para não dizer políticos, no sentido vulgar, de proteção de interesses subalternos, de manutenção de status quo de setores privilegiados. O verdadeiro sentido das normas constitucionais tem que prevalecer no meio jurídico-social, sob pena de vivermos na mais plena demagogia, simulacro de democracia.
Se não forem os Ministros do S.T.F., quem vai garantir a vigência do preceituado na Lei Maior? Cabe a eles, guardiões da Carta Magna, defender a ordem constitucional.