6. Competência.
Um último aspecto televante do teletrabalho diz respeito à competência territorial para a propositura da reclamatória trabalhista.
O art. 661 da CLT estipula que a distribuição deva se dar na "localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.'
O §1º prescreve que as ações envolvendo viajantes (representantes) comerciais devem tramitar no local da agência ou filial (estabelecimento) a que o empregado esteja subordinado (lotado), ou na sua falta no domicílio do empregado ou localidade mais próxima (onde houver vara do trabalho ou cível delegada).
Sendo o empregado subordinado à agência ou filial no estrangeiro, desde que brasileiro e não havendo convenção internacional dispondo em contrário, o dissídio deverá será julgado no Brasil (§2º).
Pode ainda o trabalhador que realizar atividades fora do lugar do contrato de trabalho aforar a reclamação no local de celebração do contrato ou no da prestação do serviço. (§3º)
O emprego da conjunção alternativa "ou" reflete a preocupação do ramo justrabalhista com o acesso à justiça do trabalhador, franqueando-lhe algumas opções mais cômodas para a propositura da ação funcional, sem que precise se deslocar em viagem.
No caso do teletrabalho, dúvidas não surgem quando o local dos serviços prestados remotamente corresponde à mesma circunscrição municipal da sede do empregador ou estabelecimento ao qual subordinado o empregado. A questão assume contorno mais complexo quando se está diante de um teletrabalhador que presta o serviço em infraestrutura virtual localizada em outro município, ou em território estrangeiro.
No teletrabalho realizado no exterior a competência é fixada em regra pela lotação a estabelecimento do empregador localizado no Brasil, conforme explicado anteriormente. A jurisdição do distrito federal (TRT10ª) atrairá a competência para o julgamento das ações em que o Estado brasileiro (da União) figurar como empregador, s.m.j.
Quanto a município distinto, a rigor se pode tanto interpretar que o local de prestação do teletrabalho corresponda ao da infraestrutura virtual que o empregado utiliza na consecução do serviço, o que atrairia a jurisdição do município correspondente, como o de que o local é indeterminado, resolvendo-se a competência pelo município ao qual lotado/subordinado o empregado.
No caso dos processos físicos, a preferência da distribuição normalmente atendia à localidade da sede ou filial onde o advogado do empregado poderia mais facilmente arrolar testemunhas que colaborassem às afirmações de seu cliente e teses jurídicas por defender. Com a migração das lides trabalhistas para o processo virtual (PJE), praticamente concluída no território brasileiro, a distribuição da reclamatória no domicílio do empregado, onde normalmente exerce o home office, volta à pauta das discussões sobre competência.
O advogado do teletrabalhador, desde que dispense na petição inicial a audiência na forma presencial, optando pela coleta virtual de depoimentos (juízo 100% digital), pode assim sustentar a competência territorial do foro do domicílio do empregado, valendo registrar que ela se prorroga pela ausência de exceção arguida pelo empregador no prazo de 5 (cinco) dias contados da notificação, conforme previsto no art. 800. da CLT.
A prova pericial também não deve implicar em óbice apriorístico à competência territorial do juízo do local do home office, podendo ser realizada mediante carta precatória.
Vêm assim decidindo os Regionais:
TELETRABALHO. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA. ACESSO À JUSTIÇA. A interpretação conferida às regras infraconstitucionais de competência territorial, especialmente ao art. 651. da CLT, deve ser feita em consonância com o princípio da proteção ao hipossuficiente, assim como com o princípio constitucional de acesso à Justiça, consagrado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição. Nesse contexto, se o trabalhador prestou serviços em regime de teletrabalho, fora do local de contrato do trabalho e na localidade da sua residência, deve lhe ser assegurada a opção de ajuizamento da ação trabalhista no local de seu domicílio, até porque, no caso em análise, esse também foi o local da prestação de serviços.
(TRT9ª, 2ªT., 0000436-14.2024.5.09.0657, Rel. Des. Luiz Alves.)
AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO DOMICÍLIO DO TRABALHADOR. EXEGESE DA NORMA CONTIDA NO ART. 651, § 3º, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, CONFORME E EM HARMONIA COM A GARANTIA CONSTANTE DO INCISO XXXV DO ART. 5º DO TEXTO MAIOR - A norma do art. 651. da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, editada na década de 40 do século passado, ao estabelecer o local da prestação laboral como o foro competente para o ajuizamento da ação trabalhista, visou facilitar o acesso à justiça, o que pressupõe residir o empregado no local da prestação laboral, fato que atualmente não mais acontece face à migração internacional e interna de trabalhadores à procura de emprego e de trabalho e ainda do reconhecimento de novas formas de trabalho, como o teletrabalho em que o prestador pode cumprir as obrigações contratuais de qualquer localidade. Por conseguinte, referida norma deve ser interpretada de acordo com a sua vocação institucional de facilitar o acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV da Carta de 1988). Tendo o trabalhador ajuizado a ação no local em que reside, o deslocamento da competência pode, na prática, inviabilizar o próprio fundamental direito de acesso à justiça garantido constitucionalmente e que, portanto, prevalece sobre a norma ordinária contida no art. 651. da CLT, ainda mais quando comprovado que a empresa exercitou de forma ampla o direito à ampla defesa. O deslocamento do processo nessa hipótese para Vara do Trabalho em que notoriamente tem um volume de trabalho muito superior àquela em a ação foi processada, apenas teria o condão de encarecer os custos do processo e atrasar a entrega da prestação jurisdicional, em manifesta violação às garantias da celeridade e da razoável duração do processo previstas nos arts. 5º, inciso LXXVII, do Texto Maior, 1º e 4º do Código de Processo Civil. ... Recurso não provido.
(TRT24ª, 2ªT., 0024749-37.2016.5.24.0096., Rel. Des. Francisco das Chagas Lima Filho.)
Também o C.TST já decidiu conflito pertinente no tema:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. FORO DO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. TRABALHO REMOTO. EMPRESA DE ÂMBITO NACIONAL. FLEXIBILIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DO ART. 651. DA CLT. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO FORO DO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. 1. O Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Americana/SP acolheu a exceção de incompetência apresentada pela Reclamada e determinou a remessa dos autos para a cidade de São Paulo, por se tratar do local da prestação de serviços. O Juízo da 73ª Vara do Trabalho de São Paulo suscitou conflito negativo de competência, registrando a possibilidade de prejuízo ao trabalhador, uma vez que ele reside em Americana/SP e é hipossuficiente, sendo que a empresa possui capacidade econômica para contratar advogado e disponibilizar preposto fora de sua sede, devendo ser relativizada a aplicação do art. 651. da CLT. 2. O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que prevê a garantia de amplo acesso à Justiça, encerra direito fundamental da cidadania, gravado com eficácia imediata (CF, art. 5º, § 1º), o que impõe deveres ao Estado, nos âmbitos legislativo, executivo e judiciário. No caso concreto, discute-se a aparente colisão de direitos fundamentais: de um lado, a garantia outorgada ao trabalhador de amplo acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV); de outro, o direito assegurado aos réus ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos que lhe são inerentes (CF, art. 5º, LV), em consonância com o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). 3. Buscando superar as situações em que a aplicação objetiva dos critérios fixados no art. 651. da CLT imponha o sacrifício de um dos princípios acima indicados, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem evoluído, buscando alcançar a teleologia das normas que fixam os critérios de competência no âmbito da Justiça do Trabalho. Nesse sentido, em face da necessidade de assegurar ao trabalhador o acesso à jurisdição, também garantindo ao reclamado o amplo exercício das faculdades de defesa, esta Corte assumiu a compreensão de que, em determinados casos, quando envolvida na disputa empresa com atuação nacional, será razoável admitir o trânsito da ação no foro do domicílio do Autor, afastando-se a prevalência objetiva dos critérios estatuídos no art. 651. da CLT. 4. No caso, o exame dos autos revela que o contrato de trabalho foi celebrado em Chapecó/SC, o Reclamante reside em Americana e a prestação de serviços ocorreu na modalidade de teletrabalho. Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito da SbDI-1 do TST, tratando-se a Reclamada de empresa que atuam em vários Estados do território nacional (e em outros países), não há razão que justifique a retificação do foro eleito pelo trabalhador, sobretudo por se tratar de trabalho remoto. Conflito de competência admitido para declarar a competência do MM. Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Americana/SP, suscitado"
(TST, SDI-II CCCiv-1000142-25.2024.5.00.0000, Min. Rel. Douglas Alencar Rodrigues.)
Notas
1 O enfoque administrativo do trabalho virtual à distância pode ser conferido em "O home office como instrumento de gestão na atividade jurídica." <https://juridicocerto.com/p/alexandrerochapintal/artigos/o-home-office-como-instrumento-de-gestao-na-atividade-juridica-6883>
2 In Delgado, Maurício Godinho. Curso de Direito de Trabalho. 21ª ed. São Paulo: LTr, 2023; Barros, Alice Monteiro de. Curso ... 22ª ed. São Paulo: LTr., 2022.; Leite, Carlos Henrique Bezerra. Curso ... 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.; Rodrigues, Douglas Alencar. Trabalho no Direito Brasileiro. 2ªed. São Paulo: LTr, 2021.; Garcia, Gustavo Felipe Barbosa. Direito do Trabalho. 15ªed. São Paulo: Método, 2023.; Cassar, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho.19ªed. Forense, 2022. Teixeira Filho, Manoel Antônio. Teletrabalho e Direito do Trabalho Brasileiro. 2ªed. São Paulo: RT, 2020.
3 Nos órgãos de recursos humanos costuma-se designar a lotação por "centro de custo".
4 O advogado público, p.ex., teve a dispensa de ponto reconhecida pelo Conselho Federal da OAB na edição da Súmula n.º 9: “O controle de ponto é incompatível com as atividade do advogado público, cuja atividade intelectual exige flexibilidade de horário.” O STF ratificou o entendimento no Recurso Extraordinário n.º 1400161, afetado em repercussão geral. A falta de flexibilidade e o rigor tradicional do controle de jornada aplicado a advogados, geralmente em escritórios privados, pequenas prefeituras e algumas estatais, constitui um dos fatores mais influentes de estresse e burn out da categoria. Alguns magistrados (juízes e promotores de justiça ou procuradores da república), no exercício do controle externo do Poder Executivo, se esquecem do velho e sábio adágio da escolha da profissão jurídica, quando instados a proteger a autogestão de jornada do advogado: "- Se buscas poder, persegue a judicatura. Ninguém te importunará por tuas deliberações, que serão objeto de recurso. Como membro do parquet, deterá sozinho o monopólio da persecução de interesse público. Se deseja liberdade, todavia, torna-se advogado. Só terá a força dos argumentos a teu favor, mas poderá transitar livremente para além dos cancelos que separam poderosos do povo." (aut. des.) A postulação de direitos e a plenitude da defesa dependem do mais alto grau de liberdade ambulatória e de palavra (indenidade) que se possa conferir ao representante de interesses de terceiros, ou não se estará tratando de um Estado Democrático de Direito.
5 Lamentavelmente, a dispensa do ponto ainda tem sido explorada na justiça do trabalho para subsidiar condenações judiciais em horas-extras. Ignora-se que o trabalhador que assume a gestão da própria jornada, inclusive dos intervalos e ativações extraordinárias, não deveria poder pleitear horas-extras com base no próprio comportamento contraditório. Pelo menos, não sem a comprovação cabal de déficits de escala e elevações significativas de demanda de serviço por um período longo o suficiente para denotar negligência diretiva patronal. Um considerável contingente de fraudes na justiça do trabalho está umbilicalmente ligado a tal dinâmica, ofendendo o subprincípio do venire contra factum proprium, contido implicitamente no art. 422. Código Civil: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. A contrariedade de comportamento se caracteriza por atos que, isoladamente analisados, não infringiram as regras da legislação, mas avaliados em conjunto e entre si, ofendem a principiologia contratual, violando o dever de confiança mútua entre as partes contratantes.