4. Prisão Preventiva
4.1. A Prisão Preventiva como Espécie de Prisão Provisória
A prisão é medida de constrição à liberdade física do indivíduo. É compreendida como "a privação da liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade judicial ou em caso de flagrante delito" (CAPEZ, 2005, p. 228). Sendo um meio ou recurso em que o Estado investe contra a liberdade de locomoção que é direito fundamental estabelecido na Constituição Federal, devem ser observados os limites legais a fim de assegurar o jus libertatis do indivíduo em face da prisão:
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 assentou, enfaticamente, que ‘ninguém será preso senão mediante flagrante delito ou ordem escrita fundamentada de autoridade judiciária competente’ (art. 5º, inc. LXI), além de assegurar que ‘a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente’ (art. 5º, inc. LXII), que ‘a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária’ (art. 5º, inc. LXV) e, ainda, que ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’ (art. 5º, inc. LXVI). (...) Daí a necessidade indeclinável de obediência às formalidades essenciais previstas em lei para a adoção de cada uma das espécies de prisão, pois, como já se observou, a regulamentação das formas processuais constitui garantia das partes e da correta prestação jurisdicional. (GRINOVER, FERNANDES & GOMES FILHO, 2004, p. 343/344).
Apesar de a Carta Magna anunciar, em seu artigo 5º, inciso LVII, o princípio do estado de inocência, assegurando que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória", há também a possibilidade constitucional de um indivíduo ser levado à prisão antes mesmo do trânsito em julgado da sentença, hipótese estabelecida no art. 5º, inciso LXI da CF:
Art. 5º. (...)
LXI – ninguém será preso, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
Seria possível afirmar que há um contra-senso diante destas duas regras constitucionais. No entanto, é sabido que os princípios constitucionais devem ser interpretados de forma que um não anule o outro, devendo haver proporcionalidade quando da interpretação, sendo pacífico na doutrina e jurisprudência o cabimento da prisão antes mesmo da sentença penal condenatória transitada em julgado, desde que de forma cautelar e excepcional, não sendo esta incompatível com o princípio da presunção de inocência.
Os seguintes arestos, provenientes, respectivamente, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ilustram bem a relatividade dos direitos fundamentais:
E M E N T A - HABEAS CORPUS - EXTRADIÇÃO - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PARA EFEITOS EXTRADICIONAIS - ALEGAÇÃO DE INOBSERVANCIA DE EXIGENCIAS FORMAIS FIXADAS EM TRATADO DE EXTRADIÇÃO - INCOMPATIBILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR COM A PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE - INOCORRENCIA - O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO JUIZ NATURAL NOS PROCESSOS EXTRADICIONAIS - LIMITES TEMATICOS DO PROCESSO DE EXTRADIÇÃO - CONJUGE OU FILHOS BRASILEIROS - SÚMULA 421/STF - SUPERVENIENCIA DO PEDIDO EXTRADICIONAL DEVIDAMENTE INSTRUIDO COM A DOCUMENTAÇÃO EXIGIDA PELO TRATADO DE EXTRADIÇÃO - WRIT PREJUDICADO. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado que o instituto da prisão preventiva, que desempenha nítida função de natureza cautelar em nosso sistema jurídico, não se revela incompatível com a presunção constitucional de não-culpabilidade das pessoas. (Hábeas Corpus (HC) nº 71402/RJ, T. Pleno, STF, Min. Celso de Mello, julgado em (j.) 9/05/1994).
CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL. "HABEAS CORPUS". HOMICIDIO. PRISÃO EM FLAGRANTE. SENTENÇA DE PRONUNCIA FUNDAMENTADA, MOSTRANDO A NECESSIDADE DE SE MANTER A PRISÃO PROVISORIA. APELAR SOLTO. IMPOSSIBILIDADE, MESMO EM SE TRATANDO DE REU PRIMARIO E DE BONS ANTECEDENTES. PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCENCIA. REGRA GERAL QUE CONVIVE COM A PRISÃO CAUTELAR, TAMBEM DE ESPEQUE CONSTITUCIONAL. NÃO HA VIOLAÇÃO QUANDO SE MOSTRA, ATRAVES DE DECISÃO FUNDAMENTADA, A NECESSIDADE DA CUSTODIA CAUTELAR. RECURSO ORDINARIO IMPROVIDO. EXCLUSÃO DO NOME DO RECORRENTE DO ROL DOS CULPADOS.
I – (...) O princípio da presunção constitucional de inocência é regra geral. Não significa, a evidência, que só possa ser preso ou mantido preso após sentença condenatória transitada em julgado. A prisão cautelar também se acha prevista na Constituição. (Recurso em Hábeas Corpus nº 2481/SP, 6ª turma, STJ, Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 22/03/1993).
Há duas espécies de prisão no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: a prisão-pena (penal) e a prisão processual (provisória ou cautelar). A prisão-pena "é aquela imposta em virtude de sentença penal condenatória transitada em julgado" (CAPEZ, 2005, p. 228). Já a prisão processual "trata-se de prisão de natureza puramente processual, imposta com finalidade cautelar, destinada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena" (CAPEZ, 2005, p. 228), "é uma espécie de medida cautelar, ou seja, é aquela que recai sobre o indivíduo, privando-o de sua liberdade de locomoção mesmo sem sentença definitiva" (RANGEL, 2005, p. 583). Esta, por sua vez, compreende as seguintes formas: prisão em flagrante delito (arts. 301 a 310 do CPP), prisão preventiva (arts. 311 a 316 do CPP), prisão decorrente de pronúncia (art. 408, §1º do CPP), prisão em virtude de sentença condenatória recorrível (arts. 393, I e 594 do CPP) e a prisão temporária (Lei nº 7.960/89).
Apesar da importância de um aprofundamento no estudo de todos os tipos de prisão provisória, em razão da delimitação do tema, o presente trabalho propõe um estudo mais direcionado para a prisão preventiva em um de seus fundamentos, qual seja, a garantia da ordem pública.
4.2. Conceito e Natureza Jurídica da Prisão Preventiva
A prisão preventiva consiste em "medida cautelar, constituída da privação de liberdade do indigitado autor do crime e decretada pelo juiz durante o inquérito ou instrução criminal em face da existência de pressupostos legais, para resguardar os interesses sociais da segurança". (MIRABETE, 2005, p. 416).
A natureza jurídica da prisão preventiva, como o próprio conceito apresentado por Mirabete sinaliza, é de provimento cautelar. Apesar de não existir um típico processo penal cautelar, há medidas cautelares que visam assegurar a eficácia do processo até a prolação da sentença definitiva, bem como garantir a instrução probatória, conforme demonstra a lição doutrinária de Afrânio Silva Jardim (2002, p. 45):
Embora sem criar uma relação processual autônoma, mas de forma incidental, existe pretensão cautelar nos casos de requerimentos de prisão provisória, de aplicação de interdições de direitos e medidas de segurança, de seqüestro, de antecipação de prova testemunhal (...). Hoje, já não pode restar a menor dúvida de que a prisão provisória em nosso direito tem a natureza acauteladora, destinada a assegurar a eficácia da decisão a ser prolatada ao final, bem como a possibilitar regular instrução probatória. Trata-se de tutelar os meios e os fins do processo de conhecimento e, por isso mesmo, de tutela da tutela.
Na verdade, os provimentos de natureza cautelar procuram minimizar os prejuízos decorrentes do tempo sobre o processo, procurando tutelá-lo a fim de tornar possível o cumprimento de seu objetivo principal. Afirmam Antônio Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 280) que:
A atividade cautelar foi preordenada para evitar que o dano oriundo da inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora). O provimento cautelar funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni iuris).
De acordo com Afrânio Silva Jardim (2002, p. 246-247), o processo cautelar ou as medidas cautelares têm as seguintes características: a acessoriedade, tendo em vista que os provimentos cautelares estão sempre vinculados a um processo principal; a preventividade, ou seja, tem por objetivo prevenir a ocorrência de danos enquanto não findo o processo principal; a instrumentalidade hipotética, porque a tutela cautelar pode incidir sem que seu beneficiário seja o vencedor do litígio; e, finalmente, a provisoriedade, pois sua manutenção depende da permanência dos motivos que a ensejaram.
Ademais sua natureza cautelar, a prisão preventiva é medida facultativa, tendo em vista que é o juiz deve apreciá-la com base nos fatos concretos e de acordo com seu livre convencimento, haja vista que fora abolida a modalidade obrigatória de prisão preventiva do ordenamento jurídico brasileiro em 03 de novembro de 1967, com o advento da Lei nº 5.349, devendo ser decretada quando extremamente necessária e vinculada aos requisitos estabelecidos em lei:
na nossa lei processual penal deixou a prisão preventiva de ser obrigatória para determinadas hipóteses, como se previa na legislação anterior; é hoje uma medida facultativa, devendo ser decretada apenas quando necessária segundo os requisitos estabelecidos pelo direito objetivo. Embora providência de segurança, garantia da execução da pena e meio de instrução, o seu emprego é limitado a casos certos e determinados; não é ato discricionário e só pode ser decretada pelo juiz, órgão imparcial cuja função é distribuir justiça. (MIRABETE, 2005, P. 416).
A prisão preventiva pode ocorrer em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, podendo ser requerida pelo Ministério Público ou pelo querelante, bem como por representação da autoridade policial, ou pode ser decretada ex officio pelo juiz, de acordo com o que preceitua o art. 311 do CPP, sendo este o escólio doutrinário de Frederico Marques (2000, p. 62): "a prisão preventiva pode ser decretada: a) de ofício; b) a requerimento do Ministério Público ou do querelante; c) mediante representação da autoridade policial".
De acordo com o artigo 315 do Código de Ritos Processuais Penais, o despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva deverá sempre ser fundamentado, sob pena de figurar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção:
Exige-se que a autoridade esclareça em seu despacho qual ou quais os fundamentos existentes para a decretação da excepcional medida que é a custódia preventiva. Sem a exposição de fundamentos suficientes à determinação, em que se mencionem os mínimos requisitos exigidos pela lei, há constrangimento ilegal à liberdade de locomoção que enseja, por falta de fundamentação ou sua deficiência, o deferimento de pedido de habeas corpus. (MIRABETE, 2005, p. 422).
Por fim, dispõe a primeira parte do art. 316 do CPP que "o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista (...)". Como toda medida cautelar é provisória, não poderia ser diferente com a prisão preventiva, de modo que, ausentes as razões de sua manutenção, deverá ser revogada.
Em suma: a prisão preventiva é espécie da prisão processual ou provisória, de natureza cautelar, podendo ser decretada de ofício pelo juiz, por representação da autoridade policial ou por requerimento do MP ou do querelante em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, podendo ser revogada a qualquer tempo, desde que não mais existam os motivos que a ensejaram, devido a seu caráter provisório.
4.3. Pressupostos e Fundamentos para Decretação da Prisão Preventiva
Os pressupostos para decretação de prisão preventiva encontram-se estabelecidos no art. 312 do Código de Processo Penal e são: a prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria. Estes dois requisitos traduzem o fumus boni iuris, pressuposto de qualquer medida cautelar, que consiste, neste caso, na probabilidade de condenação do acusado. Sendo que no âmbito do processo penal e, mais especificamente, dessa medida cautelar que é a prisão provisória, fala-se em fumus comissi delicti indicando a presença de razoável material probatório da materialidade delitiva (RANGEL, 2005, p. 587).
Portanto, a primeira exigência refere-se à materialidade do crime, ou seja, deve-se demonstrar a tipicidade do fato e sua real existência. Já para o segundo pressuposto, faz-se necessário somente o indício, elemento probatório de menor robutez; não é necessária a certeza de autoria, a lei considera suficiente o mero indício, ao contrário da materialidade, que deve ser provada.
A primeira exigência refere-se à materialidade do crime, ou seja, à existência do corpo de delito que prova a ocorrência do fato criminoso (laudos de exame de corpo de delito, documentos, prova testemunhal, etc). Exigindo-se "prova" da existência do crime, não se justifica a decretação da prisão preventiva diante da mera suspeita ou indícios da ocorrência de ilícito penal. (...) Exige-se ainda para a decretação da prisão preventiva ‘indícios suficientes de autoria. Contenta-se a lei, agora, com simples indícios, elementos probatórios menos robustos que os necessários para a primeira exigência. Não é necessário que sejam indícios concludentes e unívocos, como se exige para a condenação; não é preciso que gerem certeza da autoria. (...) Em resumo, é necessário que o juiz apure se há o fumus boni iuris, ou seja, a ‘fumaça do bom direito’ que aponte o acusado como autor da infração penal. Inexistentes indícios suficientes da autoria quanto à participação do acusado no crime, não há que se decretar a prisão preventiva. (MIRABETE, 2005, p. 416/417).
Como todo provimento cautelar, a cognição da prisão preventiva é sumária, ou seja, baseada na probabilidade de autoria, a ser verificada de acordo com o prudente arbítrio do julgador, no entanto
A sumariedade ou superficialidade da cognição, com efeito, não se confundem com o arbítrio ou qualquer forma de automatismo no que se refere aos provimentos que importem restrição ao direito de liberdade; ademais, se a lei se contenta com mero juízo de probabilidade relativamente ao fumus boni iuris, o mesmo não pode ser afirmado quanto ao periculum libertatis, que deve obrigatoriamente resultar de avaliação mais aprofundada sobre as circunstâncias que indicam a necessidade da medida excepcional. (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2004, p. 357).
Sendo assim, pode-se inferir que apesar de o fumus boni iuris basear-se em cognição sumária, para a decretação da prisão preventiva deve haver a estrita observância dos pressupostos e fundamentos preceituados na lei processual penal. Os fundamentos da prisão preventiva se traduzem no periculum libertatis, que consiste no perigo de manter o provável réu solto. Estes fundamentos se encontram no art. 312 do Código de Processo Penal e são os seguintes: assegurar a aplicação da lei penal, conveniência da instrução, garantia da ordem econômica e garantia da ordem pública.
Cabe ao juiz, em cada caso, analisar os fatos e perquirir se existem provas capazes de afirmar pelo menos um dos fundamentos, não bastando a mera presunção, devendo a decisão ser fundamentada, haja vista que
se a Constituição proclama a ‘presunção de inocência do réu ainda não definitivamente condenado’, como pode o juiz presumir que ele vai fugir, que vai prejudicar a instrução, que vai cometer novas infrações? (...) É preciso que haja nos autos prova que leve o magistrado a tais informações. (TOURINHO FILHO, 2001, p. 576).
No mesmo sentido, afirma Ada Pelegrini Grinover, Antônio Scarance e Antônio Magalhães Gomes Filho (2004, p. 358):
A fundamentação deve contemplar explicitamente os fatos em que assenta a necessidade da adoção da medida (...) a mera repetição das palavras da lei ou o emprego de fórmulas vazias e sem amparo em fatos concretos não se coadunam com a gravidade e o caráter excepcional da medida.
A jurisprudência corrobora este pensamento, conforme julgado proveniente do STJ trazido à colação:
A liberdade é a regra no Estado de Direito Democrático; a restrição à liberdade é a exceção, que deve ser excepcionalíssima, aliás. Ninguém é culpado de nada enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória; ou seja, ainda que condenado por sentença judicial, o acusado continuará presumidamente inocente até que se encerrem todas as possibilidades para o exercício do seu direito à ampla defesa. Assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição à liberdade terá finalidade meramente cautelar. A lei define as hipóteses para essa exceção e a Constituição Federal nega validade ao que o Juiz decidir sem fundamentação. O pressuposto de toda decisão é a motivação; logo não pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir gerando na decisão a eficácia pretendida pelo juiz se amalgamadas com suficientes razões. (HC 3871/RS, 5ª Turma, STJ, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 02/10/1995).
O primeiro fundamento a ser examinado é o constante do inciso IV do art. 312 do CPP, qual seja, assegurar a aplicação da lei penal, leia-se, assegurar a execução da pena, pois este fundamento tem por escopo acautelar a eventual execução da pena privativa de liberdade, como explica Fernando Capez (2005, p. 244):
No caso de iminente fuga do agente do distrito da culpa, inviabilizando a futura execução da pena. Se o acusado ou indiciado não tem residência fixa, ocupação lícita, nada, enfim, que o radique no distrito da culpa, há um sério risco para a eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do processo, diante de sua provável evasão.
O segundo fundamento apreciado é o inserto no inciso III do art. 312 do CPP, a conveniência da instrução criminal. Na definição de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (2000, p. 129), "a instrução consiste na atividade processual tendente – e tendência não é destino – a produzir meios de prova, necessários ao esclarecimento da verdade criminal". Este fundamento visa assegurar a prova processual contra a ação do réu, que pode, por exemplo, fazer desaparecer provas do crime, apagar vestígios, subornar ou ameaçar testemunhas.
Os dois últimos fundamentos serão analisados sob o mesmo prisma. Encontram-se nos incisos I e II do art. 312 do CPP, sendo estes a garantia da ordem pública e da ordem econômica. O fundamento da garantia da ordem econômica se insere no Código de Processo Penal através da Lei nº 8.884/94 (Lei Antitruste) e foi inserido no conceito de ordem pública, consoante a opinião uníssona dos doutrinadores, sendo seu conceito tão amplo e escorregadio quanto o de ordem pública.
Segundo De Plácido e Silva (apud TOURINHO FILHO, 2001, p. 577), ordem pública é "a situação e o estado de legalidade normal em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto". Ou seja, ordem pública significa a paz e a tranqüilidade social e deve ser de tal ordem que a liberdade do réu possa causar perturbações de monta, que a sociedade venha a se sentir desprovida de garantia para a sua tranqüilidade.
No entanto, este conceito de ordem pública é genérico. O crime, por si só, gera abalo social, tendo em vista que o delito nada mais é que um comportamento reprovável pela sociedade. Se o sentido genérico de ordem pública fosse utilizado para decretação da prisão preventiva, qualquer crime a ensejaria, tornando a prisão preventiva compulsória, e não medida de excepcionalidade.
Na definição de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (2000, p. 127), a expressão garantia da ordem pública há de ser tomada como "porosa", ou seja, "posta para absorver qualquer situação, alargando-lhe, sem medida, a interpretação, a qual, por sua natureza, precisa emergir estrita". Este autor conseguiu sintetizar bem a problemática da questão: não há definição precisa de ordem pública no ordenamento jurídico brasileiro, sendo, portanto, tal expressão uma cláusula aberta, alvo de interpretação jurisprudencial e doutrinária. Ocorre que esta tarefa hermenêutica é, por vezes, perigosa, tendo em vista que fica a cargo do magistrado, e não do legislador, a tarefa de apontar o conceito e amplitude de ordem pública.
José Afonso da Silva (2004, p. 757-58) conceitua ordem pública e afirma que a falta de definição acerca desta expressão gera arbitrariedades:
Com a justificativa de garantir a ordem pública, na verdade, muitas vezes, o que se faz é desrespeitar direitos fundamentais da pessoa humana, quando ela apenas autoriza o exercício regular do poder de polícia. Ordem pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir a curto prazo, a prática de crimes
Para a decretação de prisão preventiva deve-se levar em conta a ordem pública específica do processo penal, com finalidade cautelar, pois se for tomada como base a ordem pública genérica todo e qualquer crime ensejaria a decretação de prisão preventiva para acautelar o meio social. A construção acerca do conceito de ordem pública específica não se encontra na Constituição da República e nem no Código de Processo Penal, seus limites são traçados pela doutrina e pelos Tribunais, os quais, muitas vezes, se baseiam nas mais diversas possibilidades para decretar a prisão com base na garantia da ordem pública.
Cumpre destacar que a ordem pública específica do processo penal deve estar baseada em fatos concretos, não em mera conjecturas ou presunções, devendo o magistrado avaliar, observando os princípios instituídos na Constituição Federal e de acordo com a concretude dos fatos se é ou não o caso de privar determinado cidadão de sua liberdade antes do trânsito em julgado da sentença.
Questão bastante discutida, ainda, é a da natureza jurídica da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública. A prisão preventiva é modalidade de prisão cautelar e, por essência, serve para garantir a realização e o resultado do processo. No entanto, quando se trata de prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública a visualização da cautelaridade da prisão se torna obscura, conforme aduz Tourinho Filho (2001, p. 479):
A rigor, toda prisão preventiva deveria ter uma finalidade eminentemente cautelar, no sentido de instrumento para a realização do processo (preservação da instrução criminal) ou para garantia de seus resultados (assegurar a aplicação da lei penal). Mas, na hipótese em que o juiz a decreta como garantia da ordem pública, onde sua instrumentalidade processual?
Muitos autores fazem esta observação, dentre eles, José Frederico Marques (2000, p. 57), Weber Martins Batista (apud RAMOS, 1998, p. 141) e Delmanto Júnior (2001, p. 156).
Há manifestações no sentido de que a prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública não tem o caráter de assegurar os meios e os fins do processo, mas sim de acautelar o meio social, constituindo esta em medida de segurança, conforme os ensinamentos de Weber Martins Batista (apud RAMOS, 1998, p. 141)::
Neste caso, a medida não guarda relação direta com o processo. Em vez disso, está voltada para a proteção de interesses a ele estranhos, tem nítido traço de medida de segurança. A providência impõe-se, nesta hipótese, para evitar que o delinqüente volte a cometer crimes, ou, de qualquer outra maneira, cause perturbação à ordem pública.
No mesmo sentido, Frederico Marques afirma (2000, p. 57):
Nessa hipótese, a prisão preventiva perde seu caráter de providência cautelar, constituindo antes, como falava Faustin Hélie, verdadeira medida de segurança (...) A potestas coercidendi do Estado atua, então, para tutelar, não mais o processo condenatório a que está instrumentalmente conexa, e sim (...) a própria ordem pública.
Haja vista que o conceito de ordem pública é aberto, ou seja, não tem sua definição precisa no ordenamento jurídico brasileiro, conclui João Gualberto Garcez Ramos (1998, p. 143):
Assim, a conclusão a que se chega é de que a prisão preventiva decretada por garantia da ordem pública não é cautelar nem antecipatória, mas medida judiciária de polícia, justificada e legitimada pelos altos valores sociais em jogo. A magistratura, formada por agentes políticos do Estado, tem papel suficientemente importante na defesa social que a legitima politicamente para decretar a medida, não referente, todavia, à atividade concreta que desenvolve no processo penal condenatório.
Destarte, pode-se concluir que a prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública não é estritamente cautelar, apesar de assim estar classificada. Ademais, a conceituação de ordem pública, por ser uma cláusula aberta, representa a possibilidade de supressão dos limites impostos pelo princípio da legalidade estrita, fazendo prevalecer o interesse repressivo do Estado, a quem interessa dar uma rápida solução para a criminalidade cada vez mais crescente no país, em detrimento dos direitos e garantias individuais.