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A pessoa com deficiência, o princípio da igualdade e as políticas públicas no setor de transporte coletivo urbano no município do Rio de Janeiro

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Agenda 03/01/2009 às 00:00

RESUMO

O artigo discute a aplicação do princípio constitucional da igualdade às pessoas com deficiência, as políticas públicas dirigidas ao tema no setor de transporte coletivo urbano e o grau de conscientização e envolvimento da sociedade.

SUMÁRIO. 1 – INTRODUÇÃO. 2 – DESENVOLVIMENTO. 2.1 Abordagem Constitucional; . 2.2 – A Igualdade Constitucional aplicada ao tema. 2.3 – Inserção Social da Pessoa com Deficiência; 2.3.1 – Pessoa com Deficiência; 2.3.2 – Evolução Histórica; 2.3.2.1 – Legislação aplicada; 2.3.2.1.1 – Legislação Ordinária; 2.3.2.1.2 – Legislação Supranacional; 2.4 – Inserção no Mercado de Trabalho; 2.4.1 – Barreiras Físicas e Sociológicas; 2.5 – Políticas Públicas; 2.5.1 – Conceito e Relevância. 2.5.2 – As Políticas Públicas no Setor de Transporte Coletivo Urbano no município do Rio de Janeiro e a Pessoa com Deficiência; 2.5.2.1 – Comportamento da Sociedade; 2.5.2.2 – Ações Positivas. 3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4 - REFERÊNCIAS.


1 - INTRODUÇÃO

O presente trabalho discute a aplicação do princípio constitucional da igualdade ao grupo em estudo, as políticas públicas no setor de transporte coletivo urbano, a concretização destas políticas e o grau de conscientização e envolvimento da sociedade quanto ao tema.

O assunto é de grande importância para o mundo jurídico, uma vez que, através desse estudo, discutir-se-á um dos princípios basilares de nosso estado democrático de direito, o princípio da igualdade, além de se analisar a questão, de não menos importância, da sua aplicabilidade prática, efetiva, buscando demonstrar que de nada servem os princípios se estes se mantiverem na dimensão virtual do desejo, da construção mental apenas, não sendo trazidos à concretude das atividades práticas sociais do dia-a-dia, a fim de traduzirem-se, assim, em elementos palpáveis de mudança social.

Cidadãos esquecidos pelo Estado, os quais a sociedade finge não conhecer, índices percentuais do todo de tão ínfima importância que não justificam, aos olhos dos governantes, os "gastos" com o desenvolvimento de ações protetivas e inclusivas.

Tal reflexão é que motivou este pesquisador a escolher o tema para estudo.

O tipo de pesquisa a ser utilizado será o descritivo-explicativo, conceituando-se o tema, analisando-se seus aspectos jurídicos relevantes e confrontando-se a legislação aplicável ao tema com a realidade fática de nossa sociedade.

Como fonte de pesquisa serão utilizados livros específicos sobre o tema, revistas especializadas, legislação vigente e artigos publicados por fonte segura em meio digital (Internet).


2. - DESENVOLVIMENTO

- Abordagem Constitucional.

Diversas são as características que promovem a distinção entre os princípios e as demais normas jurídicas. Segundo Walter C. Rothenburg [01], podem ser diferenciados pelo conteúdo (os princípios incorporando primeira e diretamente os valores ditos fundamentais, enquanto as regras destes se ocupam mediatamente, num segundo momento). Além do conteúdo, o autor entende que também pela apresentação ou forma enunciativa (vaga, ampla, aberta dos princípios, contra uma maior especificidade das regras), pela aplicação ou maneira de incidir (o princípio incidindo sempre, porém normalmente mediado por regras, sem excluir outros princípios concorrentes e sem desconsiderar outros princípios divergentes, que podem conjugar-se ou ser afastados apenas para o caso concreto; as regras incidindo direta e exclusivamente, constituindo aplicação integral – conquanto nunca exaustiva – e estrita dos princípios, e eliminando outras conflitantes) e pela funcionalidade ou utilidade (que é estruturalmente e de fundamentação nos princípios, enquanto as regras descem à regulação específica). Rothenburg considera que traduzem ambos – princípios como regras – expressões distintas ou variedades de um mesmo gênero: normas jurídicas.

Já para Celso Antônio Bandeira de Mello [02], princípio seria, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. Bandeira de Mello afirma que é o conhecimento do princípio que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos.

Assim dispõe o caput do art. 5º da nossa Constituição da República, de 1988: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, (...).

A igualdade de todos, expressa na Constituição Federal, deve ser interpretada sob dois pontos de vista, quais sejam: o da igualdade material e o da igualdade formal.

A igualdade material pode ser conceituada como o tratamento eqüânime e uniforme de todas as pessoas, bem como a sua equiparação no que se refere à concessão de oportunidades, a fim de que tenham meios idênticos de alcançar os recursos sociais.

A igualdade material tem por objetivo a equiparação de todos os seres humanos, sob todos os aspectos, sendo esta sua máxima: "Todos os homens são iguais, no que diz respeito ao gozo e fruição de direitos, assim como à sujeição a deveres". [03] Na Constituição, é possível encontrar várias normas programáticas que claramente objetivam nivelar ou diminuir as desigualdades vigentes, tais como: art. 3º; art. 170 e incisos que tratam da ordem econômica e social; art. 7º que trata da questão salarial; art. 205 que trata da democratização do ensino.

Deve-se entender tal acepção da igualdade como a igualdade de todos perante a lei. Este conceito está previsto no texto constitucional, quando se afirma que todos os homens de determinada sociedade têm iguais direitos e deveres. É a garantia de que os legisladores e os operadores do Direito não terão liberdade para discriminar determinada classe através de leis, normas ou sentenças.

Para aplicar-se o princípio da igualdade, deve-se, inicialmente, analisar o nível de desigualdade que se demonstra entre os destinatários de uma determinada norma. A partir daí, buscam-se meios de tratamento desiguais para que todos os destinatários sejam atingidos proporcionalmente às suas desigualdades.

Kelsen entendia que a igualdade dos indivíduos sujeitos à ordem pública, garantida pela Constituição, não significa que aqueles devem ser tratados por forma igual nas normas legisladas com fundamento na Constituição, especialmente nas leis. O autor defendia que não pode ser uma tal igualdade aquela que se tem em vista, pois seria absurdo impor os mesmos deveres e conferir os mesmos direitos a todos os indivíduos sem fazer quaisquer distinções, por exemplo, entre crianças e adultos sãos de espírito e doentes mentais, homens e mulheres. [04]

Portanto, havendo desigualdade, e atuando de forma justificada, está o Estado autorizado a tratar a seus administrados de forma desigual.

Conclui-se, assim, que o princípio da igualdade tem sede explícita no texto constitucional, sendo proclamado até mesmo em seu Preâmbulo. Logo, é norma supraconstitucional; trata-se de um princípio-garantia, ao qual todas as demais normas devem obedecer.

2. 2 – A igualdade Constitucional Aplicada ao Tema

Segundo Ruy Barbosa, a regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Para o jurista, tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.

Os direitos das pessoas com deficiência estão previstos nos artigos 1º, III, da constituição, que trata da Dignidade da Pessoa Humana; no artigo 227, III, que trata da integração social do adolescente portador de deficiência, e de seu parágrafo 2º, que transfere à lei o dever de dispor sobre normas de construção de logradouros e dos edifícios de uso público e, fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir o acesso adequado às pessoas com deficiência.

Para as pessoas com deficiência, a Constituição Federal (CF) proíbe a discriminação em ambiente de trabalho, garante saúde, proteção e integração social, reserva cotas em empregos públicos e prevê salário mínimo mensal aos que comprovem insuficiência de renda. No caso da criança com deficiência, a CF garante o acesso à educação na rede regular de ensino, na forma do atendimento especializado. Leis como a 10.098/00, sobre a autonomia para pessoas com deficiência e critérios para a acessibilidade, e o Decreto 5296/04, sobre prazos para a inclusão dessas pessoas, ajudam a formar um vasto compêndio de proteção à pessoa com deficiência. [05]

Tais direitos decorrem de alguns princípios consagrados na Constituição. Estão entre os objetivos da República Federativa do Brasil, expostos no artigo 3º da Lei Maior, em seus incisos I, III e IV, quais sejam, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem comum, livre de qualquer forma de discriminação.

Decorrem, também, do princípio de igualdade (art.5º, inciso I), pois é fundamental tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais. De mesma importância são os princípios da assistência social e o da promoção da integração de pessoas com deficiência à vida comunitária (art. 203, IV), bem como os da livre locomoção (art. 5º, XV) e do atendimento aos ditames da ordem econômica (art.170, VII).5

Acima de tudo, a igualdade constitucional aplica-se flagrantemente ao tema em estudo ao considerarmos que o direito à liberdade, inserido no qual estão o de ir e vir e o de acesso aos recursos naturais e sociais, é um dos ditos direitos fundamentais, sendo essencial, para sua fruição, o acesso à locomoção, constituindo-se o transporte coletivo em ferramenta primordial a sua viabilidade.

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2.3– Inserção Social da Pessoa com Deficiência.

2.3.1 – Pessoa com Deficiência

Nem deficiente, nem pessoa portadora de deficiência, muito menos inválido ou aleijado, o termo correto é Pessoa com deficiência, e será assim que vamos nos referir, a partir de agora, nesse nosso estudo, àquelas pessoas que se enquadram nos termos do artigo 4º, do Decreto 3.298/1999, na redação do Decreto nº 5.296, de 2004 [06], que as descreve como aquelas pessoas enquadradas nas categorias de deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física (...);deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica.(...); deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas.

2.3.2– Evolução Histórica

Em grande parte das sociedades primitivas, não havia deficientes visuais, pois os enfermos e as pessoas com deficiência eram mortos ou abandonados.

Segundo João Roberto Franco e Tárcia Regina da Silveira Dias, [07] o infanticídio das crianças que nasciam com deficiência visual e o abandono dos que haviam perdido a visão na idade adulta eram os procedimentos mais freqüentes. [08] Os autores afirmam que acreditava-se que as pessoas com deficiência visual eram possuídas por espíritos malignos e manter uma relação com essas pessoas significava manter uma relação com um espírito mau, o que tornava estas pessoas objeto de temor.

Segundo o estudo, algumas tribos nômades abandonavam seus  doentes, velhos e pessoas com deficiências em lugares inóspitos, expostos a riscos de um confronto com animais ferozes e/ou com tribos inimigas. O trabalho apontou que em Atenas, na Grécia Antiga, os recém-nascidos com alguma deficiência eram colocados em uma vasilha de argila e abandonados. Já em Esparta, onde o cidadão pertencia ao Estado, os pais tinham o dever de apresentar seus filhos perante os magistrados em praça pública; as crianças com  deficiências eram consideradas subumanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono, atitudes perfeitamente coerentes com os ideais atléticos e clássicos que serviam de base à organização sociocultural dos espartanos.

Somente no século XIX, com a expansão do Cristianismo, o comportamento da sociedade começou a se tornar mais humano. Segundo Franco & Dias, a pessoa humana elevou-se à categoria de valor absoluto e todos os homens, sem exceção, passaram a ser considerados filhos de Deus.

No entanto, apenas a partir de meados do século XXI o tratamento dispensado em relação às pessoas com deficiência, segundo Santos [09], se daria no sentido de integrá-los com base em seus direitos enquanto seres humanos e indivíduos nascidos em dada sociedade.

Hoje, segundo o último Censo Demográfico do IBGE, desenvolvido em conjunto com a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência do governo federal (Conade), 14% da população nacional tem algum tipo de deficiência, há 148 mil cegos no Brasil e 2,4 milhões de pessoas com dificuldades de enxergar. [10]

2.3.2.1 – Legislação Aplicada

2.3.2.1.1– Legislação Ordinária

Vasto é o universo de leis e decretos que vêm tratando dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil. Entre as mais importantes, podemos citar: Lei nº 7.853, de 1989, Lei nº 8.028, de 1990, Decreto nº 3.298, de 1999, Decreto nº 3.298, de 1999, Lei 10.098, de 2000 e Decreto nº 5.296, de 2004. (Anexo 1)

2.3.2.1.2- Legislação Supranacional

Além de constar implicitamente do Pacto de San José da Costa Rica, uma vez que integram o elenco dos direitos inerentes à pessoa humana, os direitos da pessoa com deficiência estão também retratados na Declaração de Salamanca, dois tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Este último trata dos princípios, política e prática em Educação Especial, dispondo que as escolas deveriam acomodar todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Continua o tratado afirmando que tais instituições deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados. 5

Fica claro, desta feita, que há extensa legislação a cuidar do tema, o que se deve analisar, no entanto, é se os governos, mais especificamente, se o governo brasileiro vem atuando de modo a, através de ações positivas, cuidar de tais cidadãos, garantindo-lhes e protegendo seus direitos.

2.4 – Inserção no Mercado de Trabalho

No final da década de 1960 e durante a década de 1970, estruturaram-se leis e programas de atendimento educacional que favoreceram a integração da pessoa com deficiência visual na escola regular e no mercado de trabalho. 9

Em decisão [11] datada de 10/02/2004, o STJ opinou favoravelmente a um cidadão com deficiência que não tinha condições de suportar o pagamento do IPI de seu automóvel. Argumentou o STJ que a ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos indica que indeferir requerimento formulado com o fim de adquirir um veículo para que outrem o dirija, à míngua de condições de adaptá-lo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao aprovar a norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência física, possibilitando-lhe a aquisição de veículo para seu uso, independentemente do pagamento do IPI. O STJ entendeu que revelava-se inaceitável privar a recorrente de um benefício legal que coadjuva às suas razões finais a motivos humanitários, sabendo-se que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, tais como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho, os obstáculos físicos, constatações que conduziram à consagração das denominadas ações afirmativas.

Ainda conforme Santos, 9 até os anos 80, a integração desenvolveu-se dentro de um contexto histórico em que pesaram questões como igualdade e direito de oportunidades. Na década de oitenta, a integração da pessoa com deficiência visual estava se consolidando. A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, em 1981, o Ano e a Década da Pessoa Com Deficiência, buscando publicizar o tema, provocando maior discussão no seio da sociedade.

Entre 1990 e 1994, dois importantes momentos marcaram a era da inclusão social das pessoas com deficiência. A Conferência Mundial de Educação para Todos, em 1990 e a Declaração de Salamanca de Princípios, Política e Prática para as Necessidades Educativas Especiais, em 1994. A partir daquele momento, o foco deixou de ser o atendimento aos direitos das pessoas com deficiência e voltou-se para o dever da sociedade em se adaptar à existência daquele grupo social, e inseri-lo em seu seio. [12]

2.4.1 - Barreiras Físicas e Sociológicas

As pessoas com deficiência enfrentam um sem número de obstáculos em seu dia-a-dia e nem todos são barreiras físicas.

Calçadas estreitas e esburacadas, muitas delas com "frades" ou jardineiras colocadas pelos próprios moradores, em flagrante desrespeito à legislação; meios-fios acima da altura permitida pelas normas técnicas; ausência de rampas de acesso a cadeirantes; sinais de trânsito destituídos de sensores de aproximação e afastamento interligados com sistema sonoro de alerta; número ínfimo de veículos adaptados destinados ao transporte coletivo. Estes são apenas alguns exemplos de barreiras físicas a que estão sujeitas as pessoas com deficiência no seu dia-a-dia.

Certamente, o sistema capitalista, mantenedor das desigualdades sociais, também influencia de forma profunda na evolução das dificuldades de acesso das pessoas com deficiência aos recursos sociais, uma vez que a política do lucro máximo x menor custo possíveis obsta que as minorias destituídas de poder tenham seus direitos respeitados.

Karl [13] Marx, que era o maior crítico do capitalismo de seu tempo, observa o capitalismo através da dinâmica da lutas de classes, incluindo aí a estrutura de estratificação de diferentes segmentos sociais, dando ênfase às relações entre proletariado (classe trabalhista) e burguesia (classe dominante). Para ele, a diferença de poder econômico entre as classes é um pressuposto do sistema, ou seja, a classe dominante acumulará riquezas por meio da exploração do trabalho das classes operárias, reduzindo-se, assim, o acesso da classe dominada aos recursos sociais.

Para impedir essa força negativa, é necessário que, juntos, sociedade e Estado, construam um processo de inclusão social eficaz, urgente e permanente.

Ao contrário do nosso sistema, o processo de inclusão é um processo que denuncia as desigualdades e o desrespeito às minorias, reivindicando não só a mudança de estruturas físicas, mas também de concepções, pensamento e planejamento da sociedade, procurando uma nova forma de organização social, em que as diferenças individuais sejam respeitadas e não menosprezadas. [14]

Na realidade, o processo de inclusão vai muito além da inserção de alunos com deficiência na escola dita regular ou na reserva de um percentual de vagas em concursos públicos a serem ocupadas por candidatos com deficiência, passa a ser exigida uma mudança vertiginosa na estrutura social vigente, no sentido de se organizar uma sociedade que atenda aos interesses de todas as pessoas, indiscriminadamente. [15]

2.5 – Políticas Públicas

2.5.1 – Conceito e Relevância

As políticas públicas, em seu sentido estrito, são os programas de ação governamental voltados à concretização de direitos. Mas não são restritas à esfera estatal. As políticas públicas consubstanciam-se em ferramentas de conversão de interesses na direção do atendimento de objetivos comuns, que servirão de pilar à edificação de uma coletividade de interesses. Segundo Maria Paula Dallari Bucci [16] , numa definição estipulativa: toda política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular. E continua, dizendo que os elementos das políticas públicas são o fim da ação governamental, as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua realização.

Em recente decisão [17], o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ordenou que o Estado custeasse a compra de uma prótese a uma pessoa com deficiência, argumentando que as políticas públicas são um dever do Estado, e que, na ponderação entre o mínimo e a reserva do possível, esta não pode servir de escusa ao descumprimento de mandamento fundado em sede constitucional, notadamente quando acarretar a supressão de direitos fundamentais, por ausência de tais políticas.

Dessa elucubração, extrai-se a necessidade de atos concretos, atitudes positivas do Estado, agindo de forma a restringir, limitar a ação violenta, agressiva, classista e discriminatória do sistema capitalista, no sentido de permitir a fruição destes direitos pelos cidadãos.

2.6.2 – As Políticas Públicas no Setor de Transporte Coletivo Urbano no Município do Rio de Janeiro e a Pessoa com Deficiência.

O Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência, da ONU, tratou do tema igualdade, afirmando que o princípio da igualdade de direitos entre pessoas com ou sem deficiência significa que as necessidades de todo indivíduo são da mesma importância. Continua, afirmando que essas necessidades devem constituir a base do planejamento social e que todos os recursos devem ser empregados de maneira que garantam igual oportunidade de participação a todo indivíduo.

No Brasil, a competência legislativa para edição de leis de proteção e inclusão social das pessoas com deficiência é concorrente, o que limita o alcance da União às normas gerais, devendo os estados e municípios legislar de forma suplementar.

Segundo Geraldo Nogueira [18], considerando as leis federais editadas sobre o tema, além das leis estaduais e a farta legislação municipal do Rio de Janeiro, pode-se afirmar que em termos legislativos na área da acessibilidade houve considerável avanço.

No entanto, continua ele, não obstante esse progresso legal e a mudança cultural brasileira frente à necessidade e dever de acessibilizar, ainda se vive uma realidade fática do não acessível.

No Rio de Janeiro, de uma frota total de 7.128 veículos, distribuídos por 831 linhas, apenas 48 ônibus são adaptados às pessoas com deficiência. Como se isso não bastasse a comprovar a ofensa constitucional, os poucos ônibus adaptados somente circulam em horários restritos, segundo informações do IBDD – Instituto Brasileiro dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

O mais impressionante é que esse número foi recentemente ampliado, em agosto de 2006, pois, até julho daquele ano, o Rio possuía apenas sete linhas com dois veículos adaptados em cada uma, totalizando um número ridículo de 14 ônibus adaptados.

A informação não difere muito do que pôde ser colhido do sítio da Própria SMTR – Secretaria Municipal de Transportes, o qual informa [19] que a Prefeitura do Rio e o Rio Ônibus inauguraram a Rede Básica de Transporte por Ônibus com Veículos Adaptados para deficientes físicos e usuários de cadeiras de rodas. Compõem essa rede, estabelecida por Resolução da Secretaria Municipal de Transportes, 46 ônibus especiais, sendo um por linha de cada empresa operadora.

Geraldo Nogueira afirma que, no Município do Rio de Janeiro, houve algum progresso de acessibilidade com a execução das obras do Projeto Rio-cidade I e II, e realizaram-se adaptações nos dois principais cartões postais da cidade; o Corcovado com elevadores e escadas rolantes para chegar ao Cristo Redentor e o Pão-de-Açucar com plataformas elevatórias dando acesso à estação do Bondinho.

Para a ONG, o Rio ainda tem muito que fazer e se modificar para ser considerada uma cidade inclusiva. O transporte coletivo, principal facilitador para se conquistar igualdade de oportunidades, é o maior problema de falta de acessibilidade enfrentado pela pessoa com deficiência que vive na cidade do Rio de Janeiro, segundo a CVI.

Geraldo não é voz isolada. Sheila Melo [20], Presidente da ONG Guerreiros da Inclusão, também considera que há precariedade no transporte coletivo municipal.

Na mesma direção, analisando um caso concreto [21] , o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em setembro do ano em curso, reconheceu a precariedade do transporte coletivo municipal e o direito da pessoa com deficiência de ter acesso ao transporte público mediante a adoção de mecanismos próprios de embarque e desembarque. Segundo o TJ/RJ, o consumidor deficiente tem legitimidade para propor ação em que pede providências às empresas de transporte coletivo para procederem à adaptação de sua frota e, em outra decisão [22], declarou que o chefe do executivo municipal, no exercício das suas atribuições de governo, tem comprometimento com os deveres de bem-estar social dos munícipes e de respeito a uma política que proporcione educação especializada, com atenção ao programa de atendimento às pessoas portadoras de deficiências, inclusive com o transporte coletivo publico que possa servir `aqueles que, indispensavelmente, dele necessitam com adequação `a sua deficiência física grave.

Para Geraldo, esta realidade de quase total impossibilidade de uso dos transportes coletivos, fere, na base, o direito de ir e vir das pessoas com deficiência.

E ele vai mais longe, afirmando que estas pessoas, impedidas de se deslocar pela cidade, sofrem um processo de engessamento social, no qual perdem a oportunidade de se preparar para o mercado de trabalho ou de gerar riquezas, conquistando sua subsistência e de seus familiares.

Segundo todas as organizações de defesa das pessoas com deficiência consultadas, a maior barreira para a solução do problema nos transportes é a omissão das instituições públicas, tanto do executivo e legislativo, quanto do judiciário, o que, certamente, segundo elas, deve-se ao forte lobby das empresas de ônibus que ao longo dos anos se organizaram, muito mais para simularem o atendimento à legislação do que para oferecer um serviço de qualidade.

2.6.2.1 – Comportamento da Sociedade

Um corpo deficiente está fora dos padrões estabelecidos, gerando uma prática preconceituosa e segregacionista. [23] Segundo Marques, a instituição assistencialista constitui um dos mais eficientes mecanismos de defesa da sociedade em relação às pessoas com deficiência, identificando-as e mantendo-as isoladas do convívio social. Ele entende que escondida atrás de um discurso de proteção e de preparação de pessoas com deficiência para uma possível reintegração no contexto social, a institucionalização da deficiência protege mais a sociedade do que seus portadores. E continua, dizendo que ao se colocarem as pessoas com deficiência numa condição de inferioridade corpórea e de incapacidade produtiva, a sociedade gera uma estratificação, com limites muito claros quanto às possibilidades de realização pessoal, profissional e afetiva de seus membros. Rezende [24] (1978, p. 164) identifica este fenômeno como uma patologia da cultura, uma vez que o sentido da existência humana fica distorcido e condicionado a fatores arbitrários e escusos. O sociólogo considera que, num sistema capitalista, onde as relações definem-se pela produção e pelo lucro, o padrão ideal de homem segue os valores sociais determinantes.

Segundo Sant''Anna [25], a sociedade comporta-se de modo a reivindicar como normais os padrões da classe dominante, impondo uma exigência externa aos indivíduos cujas existências apresentam-se como algo indesejável, como desviantes.

Para o autor, ser deficiente significa, pois, ser não-eficiente, não-produtivo e não-adequado aos fins maiores.

Como afirma Marques [26], neste jogo de forças, o que se tem é uma sociedade impregnada de preconceitos e de um espírito de competição que, por prepotência dos ditos "normais", procura estabelecer os limites do outro, como se este fosse um inválido e, conseqüentemente, um ser digno apenas de "caridades" marginalizadoras e humanamente humilhantes.

Ao se referir ao comportamento social diante da diferença imposta pela deficiência, Marques [27] aponta para a existência de uma tendência à padronização do desempenho das pessoas no tocante ao seu comportamento ético, à sua estética e a todos os aspectos que favoreçam a absolutização da normalidade.

Natanael Santos [28] enxerga uma mudança no comportamento da sociedade. Atualmente, diz ele, aos poucos, os objetivos das pessoas com deficiência estão sendo atingidos. Para Natanael, hoje, o deficiente está sendo tratado com mais respeito, está sendo mais ouvido pela sociedade, pois, anteriormente, a sociedade atuava e afirmava estar agindo em prol das pessoas com deficiência, mas não ouvia delas do que de fato necessitavam. Para a instituição, essa mudança no comportamento da sociedade foi motivada pelo crescimento do número de pessoas com deficiência. No Brasil, esse número chega a mais de 27 milhões.

Outra motivação apontada por Natanael, é o fato de algumas pessoas famosas terem adquirido deficiências e começarem a falar sobre essa realidade, como no caso de um velejador brasileiro que perdeu uma perna em um acidente em 1998, tendo o tribunal de justiça do Rio de Janeiro apreciado o caso. [29]

No entanto, deve-se levar em consideração que a ADEFIL é instituição sediada em Londrina, na região Sul, região conhecida por sua vanguarda quase solitária na evolução social humanista e, logo, não serve de parâmetro para o restante do Brasil.

A realidade das demais regiões, e especificamente da do Rio de Janeiro, é bem diferente. O que se vê é uma sociedade omissa que aceita passivamente a opressão aos seus membros que têm deficiência, talvez por desconhecer a existência de tal opressão, talvez por preferir se esconder atrás da cômoda cegueira social.

2.6.2.2 – Ações Positivas

Mas, felizmente, parcela dessa sociedade age positivamente. Há várias organizações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência que atuam, tanto no sentido de divulgar a realidade deste grupo social, quanto no de exigir o respeito a seus direitos.

Entre eles estão o IBDD – Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, a CVI-Brasil - Centro de Vida Independente do Brasil, a AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa , o CEDIPOD - Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência- , o INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos - e tantos outros.

No entanto, talvez a mais importante contribuição que se possa obter nessa área é exatamente daqueles que não fazem parte de organização alguma ligada diretamente à pessoa com deficiência.

A Lei 7853/1989, em seu art. 2º, inciso V, alínea "a, dispõe que ao poder público cabe assegurar, às pessoas com deficiência, o pleno exercício de seus direitos.

Já a Lei 10.098/2000, em seu art. 23, destina à administração pública federal dotação orçamentária para programas de adaptação e eliminação de barreiras arquitetônicas nos edifícios públicos sob sua administração e uso.

O Ministério Público tem o dever, expresso na constituição, de defender os direitos coletivos.

Enquanto se fala de deveres, normalmente nenhum mérito se aponta. No entanto, quando se tem a inércia como padrão, o órgão que atua positivamente deve ser enaltecido. Parece dicotômico. Prefiro entender como justo.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, PFDC, divisão do Ministério Público Federal, atua na defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Através da PFDC, o Ministério Público Federal participou como membro efetivo do Conselho Consultivo da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, Corde, a partir de 1996, permanecendo nele quando transformado em Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, Conade, em 1999. [30]

A PFDC, desde a sua implantação, estimula a atuação dos procuradores dos direitos do cidadão na defesa das pessoas com deficiência. Exemplo mais recente, de 2005, é a criação do Grupo de Trabalho "Inclusão de Pessoas com Deficiência" para acompanhamento da implementação do Decreto n. 5.296, de 2/12/2004, e apresentação de subsídios aos colegas, o que gerou diversas recomendações a órgãos públicos, além do Manual de Atuação.23

Também nas procuradorias regionais a instituição vem, há alguns anos, promovendo a inserção social de um grande número de pessoas com deficiência, a exemplo da Procuradoria Regional da 2ª Região (RJ e ES) – PRR2 - que adquiriu, recentemente, rampa elevatória para elevadores, destinada a cadeirantes, em um dos prédios sob sua administração. A PRR2 busca, ainda, promover contratações em que é dada preferência a pessoas com deficiência ou organizações a elas ligadas, em atendimento ao disposto no artigo 24, inciso XX, da Lei 8.666/93, que permite dispensar a licitação na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado. Como é dispensável e não dispensada, não há obrigatoriedade de seu atendimento, ao menos legal, o que demonstra o envolvimento da instituição na problemática em tela.

A instituição vai além, e é uma das poucas que se preocupam não apenas em reservar vagas para pessoas com deficiência nos concursos para preenchimento de seus quadros, mas também em oferecer condições acessíveis de trabalho a estes servidores.

Como exemplo, pode-se citar a utilização de um software de acessibilidade para pessoas com deficiência visual, que possibilita a navegabilidade na Internet e utilização de editores de texto e planilhas eletrônicas, transformando texto escrito em linguagem sonora, disponível para servidores lotados em sua biblioteca. Pode-se citar, ainda, edital de licitação em curso visando a contratar empresa prestadora de serviços de telefonia com mecanismos de acessibilidade.

Como dito anteriormente, é importante louvar todas as atitudes integracionistas, mas não se deve olvidar que há muito ainda a ser realizado para que se possa considerar, mesmo aquela instituição, como inclusiva. Mas, certamente, o MPF está no caminho certo e, espera-se, em um movimento de evolução crescente.

Sobre o autor
Luiz Renato Junqueira Bigio

Advogado, servidor público da União, ex-assessor jurídico-administrativo da procuradoria regional da república da 2ª região/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIGIO, Luiz Renato Junqueira. A pessoa com deficiência, o princípio da igualdade e as políticas públicas no setor de transporte coletivo urbano no município do Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2012, 3 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12170. Acesso em: 23 nov. 2024.

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