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A aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos que cometem atos de improbidade administrativa

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Agenda 24/03/2009 às 00:00

4. Sujeitos ativos da Lei n° 8.429/92

Convém ressaltar quem são os destinatários dos dispositivos constantes da Lei n° 8.429/92.

O art. 1º é claro ao incluir no âmbito de incidência da Lei de Improbidade Administrativa todo e qualquer agente público, seja servidor ou não.

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Assim, de acordo com o segundo artigo:

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Como se vê, o conceito, em comparação com o ordenamento anterior, foi assaz ampliado, incluindo sujeitos que não eram passíveis de punição. Desta feita, chega-se rapidamente à conclusão de que não apenas os servidores públicos stricto sensu responderão por seus atos de improbidade, mas toda e qualquer pessoa que de alguma forma induza ou concorra para a conduta ou dela se beneficie, seja direta ou indiretamente.

Ora, quis o nosso legislador, àquela época, moralizar a Administração brasileira que vivia, e infelizmente ainda vive, com um câncer chamado corrupção que assola até as mais profundas bases de nossa sociedade – do piso ao teto de nossos representantes e servidores.

Assim como o conceito dos agentes se expandiu, o mesmo pode-se dizer quanto às vítimas. Sem sombra de dúvida, podemos elucidar o fato de que tudo aquilo que conte com o auxílio de recursos públicos, estará sujeito à fiscalização da sociedade como um todo, podendo seus representantes virem a ser réus por atos que ofendam a moralidade e a probidade administrativa.

Contudo, a despeito da evolução do nosso ordenamento, em recentes julgados do STJ e do STF, o rol dos sujeitos que poderiam sofrer as conseqüências da lei foi qualitativa e significativamente diminuído em razão do julgamento da Reclamação nº 2138-DF.

Nesta ação, nossa egrégia corte decidiu por excluir do âmbito de abrangência da Lei nº 8.429/92 os agentes políticos – que são passíveis de serem réus em processos correspondentes a crimes de responsabilidade, cujos tipos estão disciplinados em normas especiais.

De fato, nossa sociedade civil organizada recebeu com muita estranheza tal decisão. Não é para menos, nossos doutos ministros da Suprema Corte Constitucional brasileira aparentaram viver em um mundo de fantasias que sequer chega a se aproximar da realidade do nosso país.

Ora, quem são os maiores responsáveis pelo cometimento dos atos de corrupção? São exatamente aqueles que se encontram no cérebro da máquina pública. Eles são os cabeças de todo o sistema de malversação dos bens públicos. Mesmo que não sejam os responsáveis diretos pela destinação dos recursos (em razão da extrema delegação de suas funções), ainda assim devem fiscalizar os atos de seus mandatários, principalmente aqueles que estão em exercício por causa de nomeações para funções de confiança e cargos de em comissão, os quais são de livre exoneração.

Como pôde o STF tomar decisão como esta?

Devemos, contudo ressaltar o mérito de alguns dos Ministros que se opuseram e foram votos vencidos. Vejamos trecho do que fora publicado no Informativo n° 471 do STF:

Quanto ao mérito, o Tribunal, por maioria, julgou procedente a reclamação para assentar a competência do STF para julgar o feito e declarar extinto o processo em curso no juízo reclamado. Após fazer distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF, quais sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e disciplinado pela Lei 1.079/50, entendeu-se que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF. Vencidos, quanto ao mérito, por julgarem improcedente a reclamação, os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio, Celso de Mello, estes acompanhando o primeiro, Sepúlveda Pertence, que se reportava ao voto que proferira na ADI 2797/DF (DJU de 19.12.2006), e Joaquim Barbosa. O Min. Carlos Velloso, tecendo considerações sobre a necessidade de preservar-se a observância do princípio da moralidade, e afirmando que os agentes políticos respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), mas, em relação ao que não estivesse tipificado como crime de responsabilidade, e estivesse definido como ato de improbidade, deveriam responder na forma da lei própria, isto é, a Lei 8.429/92, aplicável a qualquer agente público, concluía que, na hipótese dos autos, as tipificações da Lei 8.429/92, invocadas na ação civil pública, não se enquadravam como crime de responsabilidade definido na Lei 1.079/50 e que a competência para julgar a ação seria do juízo federal de 1º grau. Rcl 2138/DF, rel. orig. Min. Nelson Jobim, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 13.6.2007.

O Min. Joaquim Barbosa, no mesmo Informativo de número 471, ressalte-se, acreditava que eximir os agentes políticos da Lei de Improbidade Administrativa poderia criar uma situação funesta de quebra aos princípios isonômico e republicano – o que causaria um manifesto retrocesso institucional. Além de estar apoiado sob esta tese, ainda propugnou a inconstitucionalidade da criação de mais uma hipótese de competência original do STF pela simples manifestação hermenêutica ampliativa não-expressa na nossa Carta Magna.

Aliás, a própria constituição brasileira é expressa ao afirmar que as responsabilidades civil, administrativa e penal não se confundem, podendo serem aplicadas independentemente das outras cominações legais.

Abrindo um breve parênteses, há cerca de um ano, em 10.08.2007, na Rádio CBN (90,3 FM), a comentarista Lúcia Hipólito retratou a falta de ética absurda dos nossos governantes por meio de um exemplo que vem se tornando bastante freqüente em nosso país: a Assembléia Legislativa do estado de Minas Gerais encaminhou ao Governador Aécio Neves um projeto de lei para sanção que versava sobre a instituição de foro privilegiado para mais de 1000 (mil) autoridades daquela unidade federativa, bem como diminuía significativamente a atuação do Ministério Público, proibindo-lhe de denunciar tais sujeitos – os senhores acima da lei. Pasmem!

Em correspondência direta com esta situação, observe-se a afirmação de Marcelo Figueiredo:

As imunidades devem sempre resguardar a pessoa indiretamente, e diretamente o órgão a que representa. No Brasil, infelizmente, até o momento, as imunidades e prerrogativas têm servido de anteparos à legítima punição que merecem todos aqueles que atentam contra a Constituição, as leis e a moralidade pública. (Figueiredo, 1995, p. 24)

Pois bem, tornam-se cada vez mais descaradas as atitudes dos políticos que têm a confiança de que jamais poderão ser responsabilizados por seus atos de improbidade.

É a crença de que o Poder Judiciário não irá julgar os processos e que os mesmos prescreverão antes da análise do mérito. E, caso sejam conhecidos, não serão condenados.

Nesse sentido, o Poder Judiciário em sua primeira instância tem feito o possível para o correto empenho das nossas normas, mas, ao que parece, tudo vem por terra na hora em que os nossos tribunais superiores se posicionam para a interpretação da lei.

A última gota aconteceu quando, julgada a reclamação referida, o STF decidiu por excluir representativa parcela dos irresponsáveis da incidência da Lei de Improbidade Administrativa quando da análise do caso do Ministro Sardemberg, que foi surpreendido viajando para a ilha turística de Fernando de Noronha em aviões da Força Aérea Brasileira.

Observemos trecho do acórdão:

(...)MÉRITO. II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da Constituição. II.3. Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, "c"; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992). II.4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

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Portanto, frente a este julgamento, os demais órgãos do Poder Judiciário se vêem acanhados de contrariar entendimento do Pretório Excelso ao dispor de maneira diferente – o que emperra a atuação de juízes fiéis às leis.

Diante disso, nossa sociedade civil organizada se manifestou veementemente contra o posicionamento, porém, até agora, o STF não procurou categoricamente rever seu precedente em outros julgamentos.

Destarte, juntando a Lei n° 1.079/1950 e o Decreto-lei nº 201/1967, que definem os crimes de responsabilidade de diversos representantes, temos diversas figuras que escapariam da incidência da Lei de Improbidade Administrativa em manifesto equívoco do nosso Pretório Excelso.

Saliente-se, as esferas criminal e civil não devem se confundir, lembrando que as penalidades (sanções) impostas por uma não excluem a da outra.

Esperamos, assim, que o STF revertesse sua orientação com o intuito de prestigiar o interesse público e fazer valer o princípio da sua supremacia frente aos interesses privados.


5. Crimes de Responsabilidade X Atos de Improbidade Administrativa

Começamos este item, para efeitos meramente didáticos, partindo da errada premissa, defendida pelo STF, de que não deveria haver a possibilidade dos agentes políticos serem alcançados pela Lei nº 8.429/92, haja vista já estarem sujeitos aos crimes de responsabilidade delineados pela Lei nº 1.079/50 e pelo Decreto-Lei nº 201/67.

Pois bem, concordamos totalmente com o argumento de que não poderíamos submeter a mesma pessoa às mesmas penas pelos mesmos atos ilícitos – isto significaria um bis in idem proibido por nossas leis e rechaçado por todo e qualquer ordenamento jurídico sensato deste mundo.

Ocorre que as esferas das quais estamos tratando são apartadas e não influenciam, em todos os casos, umas nas outras. Mas, esqueçamos por um momento essa diferenciação e acreditemos que o que importa são os conceitos delineados nas leis independentemente de serem de natureza civil, penal ou administrativa.

Ainda que fizéssemos isso, não poderia o nosso eminente STF ter ampliado as condutas das leis que se referem aos crimes de responsabilidade a todas as condutas a que a nossa simples e direta LIA faz referência.

Ora, como nós deveríamos entender um bis in idem quando na verdade não há qualquer relação entre a maioria das situações esposadas?

A Lei nº 8.429/92 assim dispõe:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei;

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Com bastante evidência, podemos desde já afirmar que inúmeras possibilidades de transgressão da Lei de Improbidade Administrativa não estão incluídas no rol daquelas normas dos crimes de responsabilidade. Portanto, diante de fato tão claro, já podemos entender a aplicabilidade, pelo menos, da LIA naquilo que não for evidenciado como conduta delituosa da Lei nº 1.079/50 ou do Decreto-Lei nº 201/67.

Considerando a Lei nº 1.079/50 (pouco mais extensa que o Decreto-Lei nº 201/67), observamos que apenas no art. 9º, em seus meros sete itens, a norma faz referência a atos de improbidade na condução da Administração.

Ei-las aqui:

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:

1 - omitir ou retardar dolosamente a publicação das leis e resoluções do Poder Legislativo ou dos atos do Poder Executivo;

2 - não prestar ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior;

3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;

4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição;

5 - infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais;

6 - Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagí-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim;

7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo.

Com absoluta certeza, estas situações não abarcam todas as hipóteses possíveis da lei de improbidade; ressalte-se que nesta o rol é expressamente apenas exemplificativo – o que pode aumentar sobremaneira as espécies de manifestação do mau administrador.

Aliás, este artigo acima apenas deveria ser considerado para o Presidente da República e seus Ministros e para os Governadores e seus Secretários, estando os demais sujeitos ativos da lei (magistrados e membros do Ministério Público) apenas na vala incerta do que dispõe o art. 39, nº 5, e o art. 40, nº 5: "proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções". Inclusive, saliente-se que a tipificação de um crime não pode ser de tal forma demasiado aberta – mais uma razão para demonstrar sua inutilidade total.

Por outro lado, o Decreto-Lei n° 201/67, que trata dos crimes de responsabilidade cometidos pelos prefeitos e vereadores, estabelece as suas condutas puníveis nos seguintes artigos:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;

Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;

Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;

V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes;

VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos;

VII - deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo;

VIII - contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;

IX - conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;

X - alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;

XI - adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei;

XII - antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário;

XIII - nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;

XIV - negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;

XV - deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei.

XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal;

XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;

XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei;

XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro;

XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;

XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido;

XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou;

XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei.

§ 1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

§ 2º A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.

Art. 7º A Câmara poderá cassar o mandato de Vereador, quando:

I - utilizar-se do mandato para a prática de atos de corrupção ou de improbidade administrativa;

II - fixar residência fora do Município;

III - proceder de modo incompatível com a dignidade, da Câmara ou faltar com o decoro na sua conduta pública.

Dessa forma, já encontramos uma primeira falha do nosso Supremo intérprete.

Mas a questão não pára por aí. Além do fato de ter alargado condutas inexistentes para impedir a aplicação de uma outra lei, a Corte Constitucional quis que esse entendimento fosse para todos os agentes políticos.

Ora, os crimes de responsabilidade não são aplicáveis a todos os agentes políticos, mas apenas a parcela destes. Aliás, existem crimes de responsabilidade que são aplicáveis a sujeitos ainda mais restritos ainda; na Lei nº 1.079/50 a maioria dos tipos são apenas do Presidente da República; enquanto que o Procurador-Geral da República, os Governadores etc possuem uma gama bastante mais restrita de tipos do que a do Chefe do Poder Executivo.

Para aclarar melhor a questão, necessário fazer uma pequena digressão para expressar o que alguns autores chamam de agente político.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 238):

Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do país, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores.

Lembremos o conceito que Hely Lopes Meirelles (2003, p.75) deu, o qual seguiremos:

Agentes políticos: são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais.

Nesse sentido, mais a frente, Meirelles categoricamente inclui os Chefes do Executivo e seus auxiliares imediatos, os membros das Corporações Legislativas, os membros do Poder Judiciário, os membros do Ministério Público, os membros dos Tribunais de Contas, os representantes diplomáticos e demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho de atribuições governamentais, judiciais ou quase-judiciais, estranhas ao quadro do serviço público. Ressalte-se que este conceito é muito mais extenso do que o de Celso Antônio – o que poderá aumentar ou restringir o âmbito de incidência da lei, dependendo de qual definição o Pretório acolher.

Enfim, muitos desses aqui demonstrados sequer são capazes de cometer um crime de responsabilidade, pois não fazem parte da hipótese abstrata delineada pelo Congresso Nacional. Então, por qual motivo afastá-los da hipótese de incidência das normas da Lei de Improbidade Administrativa? Talvez interesses obscuros estejam sendo defendidos à custa da moralidade completa da Administração Pública.

Continuando, acabando de exprimir um segundo motivo para a procedência de nossos argumentos, é chegada a hora de abandonarmos aquela premissa imposta no início deste capítulo.

Reiteramos que a nossa Constituição da República Federativa do Brasil deve ser o texto base para qualquer interpretação que queiramos efetuar com relação ao nosso ordenamento.

O que deveríamos entender quando ela diz que os atos de improbidade serão punidos sem prejuízo da ação penal cabível (art. 37, §4º, CR/88)?

A situação é óbvia e não comporta maiores elocubrações fantasiosas. O dispositivo supra-referido de nossa Constituição deixa evidente que naquela Lei n° 8.429/92 podemos encontrar diversos tipos de sanções possíveis e imagináveis (políticas, civis, administrativas), exceto sanções penais. Estas serão tratadas em normas próprias, haja vista se tratarem de hipóteses mais sérias e restritivas quanto à individualidade das pessoas, seja no Código Penal Brasileiro, seja em outras leis específicas. Pois bem, a Lei de Improbidade não trata de Direito Penal quanto às suas condutas.

Porém, nada impede que uma única conduta possa ter reflexos nos mais diversos âmbitos. Ao mesmo tempo um sujeito pode cometer um crime e vir a ser réu em um processo civil para a configuração de danos morais, dentre outros.

Observemos o caso de um servidor que comete o delito de peculato-furto. Ele poderá, a depender das circunstâncias, vir a ser preso, condenado a devolver o fruto do ato ilícito, pagar multa e ainda ser demitido do serviço público. Ao final disso tudo, terá respondido nas três esferas. Lembrando que casos há em que até os direitos políticos podem ser cassados, acrescentando mais uma área de atuação da sociedade na repressão dos fatos repudiados por nossa nação.

Dessa forma, o fato de uma conduta ser disciplinada pela lei dos crimes de responsabilidade, não afasta a incidência de outros tipos de penalidades.

Em síntese: 1) as penalidades impostas pela Lei de Improbidade Administrativa não podem ser substituídas por aquelas determinadas nas leis que tratam sobre os crimes de responsabilidade em razão da independência destas instâncias; 2) nem todos os agentes políticos são passíveis de cometer crimes de responsabilidade – o que caracterizaria uma extensão ilícita das benesses de certas autoridades para todos aqueles demais agentes políticos; 3) por fim, os crimes de responsabilidade definem apenas restritamente algumas atitudes que também se enquadrariam como ato de improbidade administrativa, não se referindo ao amplo rol exemplificativo da LIA – isso poderia possibilitar que as altas autoridades fossem imunes a sanções referentes a atitudes diversas das expressas como crimes de responsabilidade.

Sobre o autor
Gentil Ferreira de Souza Neto

Procurador de Estado e Advogado. Mestre em Direito Constitucional. Especialista em Direito Público e Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA NETO, Gentil Ferreira. A aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos que cometem atos de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2092, 24 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12515. Acesso em: 18 dez. 2024.

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