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A propaganda eleitoral na internet por intermédio da prática de envio de correspondência eletrônica não autorizada

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Agenda 08/07/2009 às 00:00

cAPÍTULO iii

Não obstante os diversos questionamentos acerca da legalidade ou mesmo moralidade da prática de SPAM, muitos candidatos a cargos públicos eletivos no Brasil utilizaram este recurso para fazer publicidade eleitoral. Candidatos de todos os partidos, alguns bastante conhecidos em seus respectivos estados, e pregadores da moralidade, entupiram a caixa postal de milhares ou talvez milhões de internautas com mensagens não-solicitadas. As características do envio destas mensagens indesejadas enquadram a prática como spam, trazendo-a, portanto, para o universo das discussões jurídicas aqui suscitadas com um agravante: a prática é destinada a publicidade de candidatos a cargos públicos, inclusive o cargo máximo do executivo.

Sobre o assunto, ALMEIDA, proferiu as seguintes palavras:

"Assim, a Internet tornou-se um importante meio de interação entre as pessoas, que hoje podem comunicar-se instantaneamente a partir de qualquer lugar do planeta.

Nesse contexto, surgiu uma nova plataforma "e-leitoral", onde a facilidade para transmitir informações e o baixo custo tem conquistado um grande número de candidatos que desejam utilizar a Internet para se promover e suprir o resumido espaço de tempo que lhes é destinado no rádio e na televisão.

Hoje, a maioria dos partidos políticos possui "home pages", através das quais divulgam seus programas de governo, dados dos candidatos, fotos, músicas da campanha, agenda de compromissos e notícias sobre o pleito.

Ao se referir sobre a importância da Internet nas eleições Carla Dazzi afirmou que` (...) no que depender de marqueteiros e coordenadores de campanha, a Internet também pode virar estrela este ano. Nem de longe a novata tem intenção de concorrer ou arranhar o prestígio da tevê. Os estrategistas de campanha têm plena consciência que a eleição não se ganha na Web. Mas ela pode ajudar. [51]"

O problema, como visto, tende a se agravar ainda mais com as próximas eleições para prefeitos e vereadores, em 2004, cujo número de candidatos será muito superior aos da última eleição onde se inaugurou a prática do spam com finalidade eleitoreira. É uma questão que transcende os limites da moralidade, pairando sobre a ilegalidade por invasão da intimidade e furto de recursos, devendo ser amplamente debatida pelos juristas pátrios com fins a canalizar soluções jurídicas para um problema que a informática não foi capaz de solucionar satisfatoriamente.

3.1. A relevância da lisura no processo eleitoral

Conforme preceitua a Constituição Federal pátria em seu artigo 1º a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal e constitui-se em Estado Democrático de Direito.

Este Estado Democrático de Direito caracteriza-se pela autêntica participação democrática do povo no processo político. José Afonso da Silva, citando o doutrinador Verdúassim define o Estado Democrático de Direito:

"de onde a concepção mais recente do Estado Democrático de Direito, como Estado de legitimidade justa (ou Estado de Justiça material), fundante de uma sociedade democrática qual seja a que instaure um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção [52]"

Como se vê, um dos princípios basilares do Estado Democrático, que inclusive consta do preâmbulo da Constituição Federal de 1988 é o poder atribuído ao povo. Ou, nas palavras do texto constitucional, "todo poder emana do povo".

BOBBIO poeticamente, assim trabalhou o instituto do Estado Democrático:

"As vezes é o próprio povo que faz as leis, como em Atenas; as vezes são os deputados, eleitos por sufrágio universal, que o representam e agem em seu nome, sob a sua vigilância quase direta.....a sociedade age por si só sobre si mesma.....não existe poder fora dela e não há ninguém que ouse conceber, e sobretudo exprimir, a idéia de busca-lo em outro lugar....O povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo. Ele é a causa e o fim de tudo: tudo dele deriva e tudo para ele é reconduzido. [53],"

Esta concepção do reconhecimento do poder sobre os cidadãos ser atribuído pelos próprios cidadãos é uma concepção antiga e já funcionava, em sua forma pura, na Democracia Ateniense [54], que foi a precursora deste instituto.

No período medieval, a Democracia perdeu força em virtude do feudalismo, sistema regido por monarquias absolutistas, onde o poder era atribuído ao rei, na cultura da época, por força divina. Contudo, nos tempos modernos e contemporâneos restaurou-se a idéia de que o poder é atribuído pelo povo aos representantes, para que estes regessem a vida em sociedade.

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Contudo, tendo em vista não ser mais viável a democracia ateniense, criou-se o sistema de representação. Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

"Afora esse pressupostos, para que um povo se governe é indispensável que certas condições estejam preenchidas......A terceira é uma condição técnica: a existência de um mecanismo apto a receber e a transmitir sua vontade. Tal implica antes de mais nada um processo eleitoral impermeável à fraude e à corrupção. [55]"

Feitas estas considerações, entende-se então que o povo deve utilizar-se de um sistema de eleição de representantes, que seja "impermeável à fraude e à corrupção", tendo em vista que se trata de outorgar um mandato a um cidadão até então comum para que este conduza os rumos dos demais cidadãos.

O mandato político é, nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari [56]"uma das mais importantes expressões da conjugação do político e do jurídico" e assim sendo deve ser protegido e tanto o processo que leva ao exercício quanto este próprio devem ser transparentes e lícitos sob pena de falha no sistema democrático.

Para exercitar o mandato o representante deve então ser escolhido e eleito pelo povo seja por maioria de votos ou pelo sistema proporcional. Para que o político seja eleito é necessário que seja admitido pelo povo como legítimo representante em sede de eleições.

A propaganda eleitoral faz parte do processo eleitoral e é uma das ferramentas utilizadas pelo candidato para persuadir o eleitor a elegê-lo. Disso se depreende que uma propaganda política ilícita, seja na forma ou no conteúdo, leva a um vício insanável no processo democrático.

Vícios no processo de escolha democrática dos representantes são inadmissíveis, não importa a extensão imediata dos danos, tendo em vista serem estes presumidos quando da fraude ao sistema.

3.2As conseqüências ao processo eleitoral da veiculação de propaganda eleitoral via spam.

Primeiramente, à luz dos argumentos trazidos, é clarividente que a utilização de spam é inaceitável para qualquer espécie de marketing, tendo em vista a sua raiz viciada. O envio de mensagem não autorizada, a utilização e comércio de banco de dados pessoais, o sobrecarregamento de um sistema cujo funcionamento é de interesse público entre outros são razões que foram listadas para caracterizar o spam como ilícito civil com fulcro nos princípios da proteção à intimidade e aos dados.

Contudo, há ainda um outro aspecto relevante a ser explorado, que é o da prática de spam eleitoral sob a ótica dos princípios, leis e resoluções gerais do Direito Eleitoral.

Neste contexto, faz-se necessário visualizar a questão da desigualdade criada pela propaganda via spam, e do descontrole, inclusive técnico, sobre um spam lançado na rede.

Primeiro é relevante resgatar alguns conceitos já tratados, como o de spam, que é a propaganda, não autorizada, enviada a vários destinatários aleatoriamente.

Segundo, como já analisado, o envio de correio eletrônico com finalidade de captação de sufrágio é restrito ao período de propaganda, que se inicia em 06 de Julho do ano eleitoral e se estende durante todo o pleito.

Terceiro, um dos principais princípios que regem a propaganda eleitoral é o já mencionado princípio da isonomia, que se aplica a todo o pleito, garantindo a todos os cidadãos em situação regular perante justiça, com idade mínima legal e capaz de candidatar-se a um cargo público eletivo e também a igualdade de condições para o exercício da propaganda eleitoral. Fixados estes conceitos iniciais, passa-se à análise do ponto.

A propaganda eleitoral, em relação aos meios mais comuns de mídia, está minuciosamente disciplinada na legislação, com o objetivo de preservar o mínimo de igualdade entre os postulantes ao mandato. [57]

E esta rígida disciplina se justifica pelos fins a que se destina. O sistema de eleição de representantes é a manutenção do Estado Democrático e a maneira de o povo exercitar o poder que dele emana, conforme discorrido no tópico anterior.

ROLLO assim disciplinou o assunto:

"Falou-se que todo o poder emana do povo, principal elemento de formação do direito eleitoral. Esse princípio (igualdade), sozinho, é a viga-mestra do direito eleitoral, devendo servir de norte e rumo aos aplicadores da legislação eleitoral. Seja sob qual pretexto for não se pode deixar de respeitar a vontade do povo. [58]"

A propaganda eleitoral é a busca, através dos meios publicitários permitidos pela lei eleitoral, por influir no processo decisório do eleitorado, divulgando-se o currículo do candidato, suas propostas ou mensagens, no período denominado "campanha eleitoral". [59]

A propaganda eleitoral via spam ofende diretamente o princípio da isonomia, por não respeitar divisão de espaço publicitário e ter um alcance potencial de milhões de eleitores.

Então, influir ilicitamente no processo decisório do eleitorado é influenciar diretamente o poder que dele emana. É desrespeitar o princípio da igualdade, valendo-se do spam para obter maior exposição que outro candidato por via paralela à da legalidade.

Essa influência no processo decisório é prejudicial e incompatível com um Estado Democrático, posto que a base deste está justamente na representação legítima do povo para o exercício do poder de sua titularidade.

Feitas estas considerações, impõe-se tratar do princípio da liberdade de propaganda frente à liberdade de expressão, pontos de discussão no meio doutrinário.

O princípio da liberdade de propaganda, já mencionado, fundado na liberdade de expressão de pensamentos e opiniões, por não ser absoluto, cede frente ao princípio da licitude da propaganda. Este arquétipo mereceu de AYALA o seguinte comentário:

"O princípio da licitude consubstancia um limite da maior importância à liberdade de propaganda, significando, em grandes linhas, que a liberdade de expressão e de promoção de candidaturas que se reconhece aos titulares do direito de antena deve manter-se dentro de determinados parâmetros de legalidade e de continência verbal. Não é fácil definir quais os contornos exatos deste princípio da licitude. Numa formulação simplista, dir-se-ia que ao candidato estão vedadas quaisquer expressões ou imagens geradoras de responsabilidade civil ou criminal. Ou seja, a liberdade de propaganda termina nas fronteiras dos ilícitos civil e criminal. [60]"

Apesar da lição haver sido ministrada com base no direito positivo lusitano, não enxergamos sua incompatibilidade com o direito pátrio, haja vista que também em Portugal as liberdades de expressão e de imprensa foram alçadas a nível constitucional (arts. 37.º e 38.º).

Por fim, entende-se então que o princípio da liberdade de expressão encontra óbice no princípio da igualdade entre os candidatos, haja vista no parágrafo anterior que este princípio protege o sistema eleitoral, fundamento do Estado Democrático instaurado. E ainda, que a propaganda eleitoral via spam ofende o processo eleitoral por criar desigualdades incompatíveis com o princípio da igualdade, podendo tendenciar ilicitamente os eleitores a votar em determinado candidato, viciando todo o pleito de maneira insanável.

3.3. O TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL

A Jurisprudência ainda não firmou entendimento acerca da propaganda eleitoral via spam, nem tampouco a justiça ordinária pacificou entendimento acerca da ilegalidade ou não do envio de mensagem não autorizada às caixas postais eletrônicas. Contudo, analisando alguns julgados pode-se entender o entendimento a ser dado ao spam.

Acerca da manutenção de página na Internet antes do início do período legal para propaganda eleitoral o TSE entendeu não haver irregularidade em virtude do acesso à página eletrônica ocorrer por vontade do usuário da Internet, descaracterizando a propaganda.

"Direito eleitoral. Manutenção de homepage na internet admissibilidade. Propaganda eleitoral antecipada não caracterizada. Representação improcedente. Decisão mantida. Agravo improvido.

A manutenção de homepage na internet não configura propaganda eleitoral desde que o acesso à página não se imponha por si só, mas dependa de vontade e iniciativa do internauta que busca a informação. hipótese distinta daquela em que o internauta é alvo de mensagem não desejada disseminada indiscriminadamente por meio de banners ou em sites de alta acessibilidade". (AGRAVO DE INSTRUMENTO 3706 REL. RAPHAEL DE BARROS MONTEIRO FILHO PBL. 21/10/2002)

Aplicando os conceitos utilizados para absolver os candidatos que mantêm páginas eletrônicas na Internet que o envio de propaganda eleitoral via e-mail seria considerado, então, ilegal, posto que é modalidade de propaganda que independe de ação do usuário. Contudo, ainda não há posicionamento da justiça eleitoral acerca especificamente da utilização de spam por parte dos candidatos.

Da justiça comum surgiram alguns julgados inéditos que enfrentam a questão, como por exemplo, a proferida pelo juiz da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública de Porto Alegre, Martin Schulze. Ele condenou o jornalista Diego Casagrande, que havia interposto duas ações contra a Procergs (Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul), em custas e honorários de advogado. O Juiz afirmou que:

"não foi ilegal, à luz do direito, a conduta de coibir a remessa do jornal eletrônico, porque o serviço por ele prestado não pode ser considerado de caráter público, eis que de interesse exclusivamente privado. Houve violação do dever contratual no caso concreto, pois a correspondência eletrônica constituía, à luz da definição do ´´Movimento Anti-Spam´´, spam mail, pois eram enviadas indiscriminadamente 11.000 mensagens diariamente e não ficou provado que o agir da requerida (Procergs), ao cancelar o envio de mensagens, constituiu censura à atividade jornalística do autor (conforme Casagrande também alegara)". [61]

O Ministério Público, em seu parecer, disse que "os autos evidenciam que a correspondência eletrônica de Casagrande era enviada sem a anuência ou autorização dos destinatários, o que caracteriza, segundo a definição do Movimento Anti-Spam, spam mail".

O Tribunal de Justiça do Paraná, em decisão inédita, manifestou-se sobre o assunto:

DECISAO: Acordam, os excelentíssimos senhores desembargadores integrantes da segunda câmara cível do egrégio tribunal de justiça do estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso. Ementa: indenização - dano moral e material - internet - envio de mensagem comercial a clientes da provedora sobre os serviços de concorrente - spam - alegação de concorrência desleal - (1) não caracteriza o "spam" quando o internauta espontaneamente visita o site da concorrente e cadastra-se autorizando o envio de informações sobre os serviços prestados por ela. 2) não contendo a "mensagem" palavras de cunho ofensivo, denegridor ou pejorativo dos serviços, descaracterizada a alegada violação ao art. 195, da lei 9279/96. Apelo desprovido. (TJ/PR ACÓRDÃO 18690 RELATOR SIDNEY MORA PROC N°: 096139-7 APELAÇÃO CÍVEL)

Disso se depreende que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entende pela ilicitude do spam. Se a absolvição deu-se com base no cadastro prévio para recebimento de e-mails a ausência deste cadastro certamente seria considerada ilegal e restaria caracterizado o spam.

O tratamento jurisprudencial ainda é precário, não havendo material suficiente para determinar o futuro da prática e ainda sua utilização para fins eleitorais. Contudo, os primeiros passos da jurisprudência são de suma importância para a construção de um entendimento que culmine com o aprimoramento dos projetos de lei acerca do assunto e regulamentação legal suficiente do assunto.

Sobre o autor
Eduardo Barbosa de Miranda

Bacharel em Direito, Atualmente Consultor Jurídico em três Grandes Escritórios de Advocacia de Cuiabá-MT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Eduardo Barbosa. A propaganda eleitoral na internet por intermédio da prática de envio de correspondência eletrônica não autorizada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2198, 8 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13114. Acesso em: 23 dez. 2024.

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