RESUMO
Este texto tem como objetivo evidenciar os contratos eletrônicos como relação de consumo, haja vista que os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor se aplicam analogicamente à contratação eletrônica, pois, cada vez mais, a sociedade se torna dependente de tramitações e relações entabuladas a partir de meios eletrônicos. Nesse sentido, as compras pela Internet se tornaram uma prática constante no Brasil e no mundo. Como não existe uma lei específica – apenas projetos – que regulamente o contrato eletrônico, este deve preencher determinados requisitos de validade, o que dará ao consumidor segurança na tramitação quanto à validade jurídica. Normalmente, o contrato eletrônico é formado para caracterizar a aceitação de alguma oferta pública disponibilizada na Internet. Essa contratação automatizada suscita normas imediatas que regulem as suas relações. No que se refere ao Código de Defesa do Consumidor, as disposições mais importantes que se aplicam ao ambiente virtual são, exatamente, o dever de informação e o princípio da boa-fé, tendo em vista a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo.
Palavras-chave: Contrato; Consumidor; Validade.
ABSTRACT
This text aims to highlight the relationship of electronic contracts as consumption, is seen that the devices of the Consumer Defense Code apply similarly to electronic contracting, because, increasingly, the company becomes dependent on procedures and hold the relationships from electronic media. Accordingly, the purchases by the Internet have become a constant practice in Brazil and worldwide. As there is no specific law (there are only projects) to regulate the electronic contract, it must meet certain requirements of validity, which will give consumers more security and permanence sufficient, to be completely secure the course and its legal validity. Typically, the electronic contract is formed to characterize the acceptance of any offer made available on the Internet. This automated hiring raises immediate standards to govern their relations. Regarding the Consumer Defense Code, the most important provisions that apply to the virtual environment is exactly the duty of information and the principle of good faith in view of the vulnerability of consumers in the relations of consumption.
Key words: Contract, Consumer, Validity.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A "DESCONSTRUÇÃO" DOS CONTRATOS; 3 CONTRATO DE CONSUMO; 3.1 DEFINIÇÃO E CONCEITUAÇÃO; 3.2 ALGUNS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR; 4 CONTRATO ELETRÔNICO; 4.1 PRESSUPOSTOS DE VALIDADE; 4.2 TIPOS DE CONTRATOS ELETRÔNICOS; 4.3 LEGISLAÇÃO VIGENTE E TENTATIVAS DE PROTEÇÃO NO BRASIL; 5 CONTRATO ELETRÔNICO COMO RELAÇÃO DE CONSUMO; 5.1 O NOVO PARADIGMA DA CONFIANÇA NO CONTRATO ELETRÔNICO; 5.2 O DIREITO DE ARREPENDIMENTO: APLICAÇÃO DO ART. 49, CDC; 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O comércio existe desde os primórdios das civilizações e as trocas comerciais sempre se caracterizaram pela sua tangibilidade e estreita relação entre os sujeitos envolvidos. No entanto, com o surgimento da rede mundial de computadores – a Internet –, essa realidade tem mudado radicalmente, dando início a uma inovadora modalidade de fazer negócios: o comércio eletrônico.
Podemos ir além e dizer que a Internet trouxe mudanças não apenas nos meios de comunicação e no comércio, mas principalmente no próprio cotidiano das pessoas. Por possuir característica de meio ágil e eficaz de acesso à informação, passou a determinar todas as relações interpessoais de nosso cotidiano, tais como rotina de trabalho, forma de lazer, relacionamentos, cultura, etc. Neste sentido, como instrumento de controle social, o Direito precisa estar atento às novas perspectivas de relacionamento humano que dia-a-dia vão se criando.
Com a rápida difusão e o grande interesse no mundo da informática, as empresas começaram a usar a Internet não só como um novo canal de vendas para incrementar seu faturamento, mas também como uma nova forma de interagir com seus clientes. Atualmente, percebe-se que muitas empresas já nascem virtuais, com um modelo de gestão diferenciado e, muitas vezes, substituem suas visitas e ofertas pessoais (via correio ou por telefone) pelas ofertas e pedidos eletrônicos, já que gerir um pedido pela Internet custa menos do que fazê-lo por vias tradicionais. Nasce, então, o comércio eletrônico, que, para o fornecedor, não só é uma alternativa de redução de custos, mas, principalmente, uma ferramenta no desempenho empresarial. Para o consumidor, entre outros facilitadores, é um meio universal, cômodo, prático e rápido de fazer negócio.
Apesar de todo o atrativo da Internet e do aumento das relações comerciais, a livre circulação de informações, em altíssima velocidade e com diminuição das distâncias, causa incertezas quanto à validade dos documentos e contratos que são firmados por esse meio, dadas as condições de manipulação de seus conteúdos. É uma circunstância que gera forte insegurança jurídica para quem deseja realizar esse tipo de transação. Desta forma, a autoria, o trânsito, a integridade e a inviolabilidade das informações passaram a preocupar consumidores, fornecedores e operadores do Direito.
No Brasil, apesar de a Internet ter surgido em 1988, foi apenas com a publicação da Portaria nº. 295 de 20/07/1995 pelo Ministério das Comunicações que ela efetivamente passou a ter uso comercial. E somente três anos após a publicação da referida portaria é que foi possibilitada a comercialização do acesso à rede, por empresas conhecidas como "provedoras de acesso".
Surgiram assim, os chamados websites de comércio eletrônico, que primeiramente eram utilizados como mecanismos de veiculação de propaganda ou mídia sobre os produtos. A partir de então, teve início a comercialização de bens pela Internet, principalmente bens destinados ao consumo.
Em decorrência do cenário atual de crescimento das trocas comerciais realizadas através da Internet, o direito começa a enfrentar alguns questionamentos. Como regular tais espécies de negócios? Como garantir a segurança jurídica dos acordos travados no ambiente virtual? Quais as disposições normativas aplicáveis e como solucionar eventuais conflitos?
O presente estudo propõe-se a analisar os contratos eletrônicos como relação de consumo e algumas das inúmeras questões surgidas com esta nova forma de contratação no âmbito do direito nacional. Nesse sentido, vale ressaltar que o comércio eletrônico não afasta a aplicação dos princípios e regras vigentes em nosso ordenamento jurídico. No entanto, para regulamentá-lo, ainda não há no País uma legislação adequada específica à matéria. Para tanto, temos o desafio de utilizar a legislação do Código de Defesa do Consumidor, do Código Civil e os princípios gerais dos contratos.
Não pretendemos exaurir o assunto, haja vista sua complexidade, mas apenas ressaltar a importância de sua regulamentação, aumentar o debate e instigar a reflexão sobre os direitos do consumidor nesse novo ambiente virtual.
Estruturalmente dividido em quatro capítulos, em primeira análise, fez-se mister traçar um breve panorama da evolução tecnológica e da desmaterialização dos contratos, para, em seguida, analisar o contrato de consumo. Serão, também, analisadas algumas questões relacionadas aos contratos eletrônicos e, por fim, examinaremos os contratos eletrônicos na relação de consumo, destacando o paradigma da confiança, como ponto capaz de proteger a parte vulnerável da relação, que se encontra sujeita a problemas como: fraude na rede, violações de informações, despersonalização do fornecedor, entre outras.
2 A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A "DESCONSTRUÇÃO" DOS CONTRATOS
Desde os primeiros tempos, com a existência da pessoa humana, o desejo de comunicação era de vital importância. Sem a comunicação, não haveria transmissão de conhecimento, ideias, pensamentos, sentimentos, etc. Diante disso, o homem primitivo foi evoluindo e, ao longo dos milênios, construiu uma linguagem interpretada e falada por meio de símbolos e depois de letras, às quais deu significado e que conformam hoje a linguagem.
Como a comunicação à distância física era uma preocupação, o homem quis encurtá-la, desde os primitivos sinais da fumaça, passando pelo telégrafo elétrico até chegar à atual Internet. O homem atual – descendente desse homem primitivo – construiu o encurtamento dessa distância com os avanços tecnológicos e conseguiu resultados que transformaram o seu pensamento e a forma de comunicar-se.
Os avanços tecnológicos surgidos a partir das últimas décadas do século XX, como o desenvolvimento da informática e dos meios de telecomunicação, fizeram com que mudanças profundas ocorressem nas relações sociais. A comunicação adquiriu novas formas, mais simples, rápidas e eficientes. Com a propagação dos PCs, notebooks, smartphones e antenas parabólicas, a sociedade ficou dinâmica e muitas das relações de produção e consumo passam a se fundamentar na oferta e circulação de bens através de uma rede mundial sem fronteiras – a Internet.
A primeira expressão de contratação por meio digital surgiu, há mais de vinte anos, com a utilização de um sistema de computador denominado EDI (Eletronic Data Interchange), que nada mais era do que a troca eletrônica de informações e/ou transferência de dados entre empresas mediante a utilização de computadores. Esse sistema C2C (Computer-to-Computer), rapidamente ingressou no comércio mundial.
Assim, uma operação de EDI dá-se, por exemplo, "quando uma empresa se comunica com o sistema de vendas de um fornecedor visando à aquisição de um produto. Nessa comunicação são trocados, por exemplo, documentos eletrônicos de pedido de compra, ordens de transporte" [01].
Com a evolução tecnológica, além desse meio, os contratos passaram a ser celebrados por outros bastante utilizados na Internet como, por exemplo, a troca de mensagens pelo correio eletrônico (e-mail) e o oferecimento de propostas em uma página (homepage) ou em ambiente digital (mantido pelo provedor e também conhecido por "estabelecimento virtual"). Por estes meios eletrônicos e de comunicação massificados, são realizados contratos e vários outros negócios jurídicos unilaterais, que se consubstanciam nas várias atividades prévias (envio de e-mails, publicidade, organização de sites e links, etc.) e posteriores à contratação (home-banking, atualizações, envio de informações, etc.), executadas também através de meio eletrônicos [02].
De fato, a Internet – a partir de sua forma inovadora de contratação – é um ambiente extremamente favorável para a comercialização de vários produtos no mercado global, sejam eles livros, artigos esportivos, eletrodomésticos (bens tangíveis) ou músicas, vídeos, softwares, etc. (bens intangíveis).
Na prática, com os contratos eletrônicos o tempo (atemporalidade dos contratos) e a distância (desterritorialização) deixam de ser obstáculos e os conteúdos podem dirigir-se a uma audiência em massa ou a um pequeno grupo (despersonalização) e procurar um alcance mundial ou meramente local. A distância entre as duas partes interessadas em celebrar um negócio jurídico assume papel secundário, bem como o "velho" contrato assinado como instrumento representativo desse acordo de vontades dá lugar a trocas de dados instantâneas na rede mundial de computadores (desmaterialização). As redes mundiais de informação, a exemplo da Internet, não conhecem fronteiras.
De maneira ampla, temos a definição de comércio eletrônico (e-commerce) como um novo método de fazer negócios através de sistemas e redes eletrônicas. De maneira estrita, visualizamos o comércio eletrônico como sendo uma das modalidades de contratação não-presencial ou à distância para a aquisição de produtos e serviços através de meios eletrônicos ou via eletrônica.
Essa "nova forma" de fazer comércio desafia o Direito, seus legisladores e doutrinadores, exigindo soluções, já que representa uma novidade com características inusitadas para a legislação. Observa Cláudia Lima Marques [03] que "o fenômeno da contratação a distância no comércio eletrônico com consumidores (B2C - Bussiness-to-Consumer) é uma realidade desafiadora". Diferentemente do comércio tradicional, no comércio eletrônico existe a despersonalização, desmaterialização, desterritorialização e atemporalidade dos contratos.
A referida autora fala em uma despersonalização da relação jurídica, uma vez que o comércio eletrônico é realizado "por intermédio de contratações à distância, por meios eletrônicos (e-mail etc.), por Internet (online) ou por meios de telecomunicação de massa (telemarketing, televisão, televisão a cabo etc.)" [04]. Assim, observa-se uma modificação considerável naquela noção básica de sujeitos de direito [05].
Nesse cenário, a oferta ao público é feita virtualmente e as pessoas são indeterminadas, podendo permanecer, por vezes, indeterminadas, haja vista que a Internet "despersonalizou" a relação jurídica, tornando os contratantes virtuais. Assim, afirma Ricardo L. Lorenzetti [06] que, "na contratação eletrônica, pode ser muito difícil constatar a presença do consentimento de alguém que opere um computador".
Relacionada a essa despersonalização, vale ressaltar outra característica desse tipo de contrato, que é a sua desmaterialização. Ou seja, o contrato eletrônico é concluído sem forma física, é desmaterializado, e a figura do contrato, antes vinculado a uma folha de papel escrita, agora é virtual. Essa mudança do meio físico para o meio virtual pelo qual a contratação é proposta e concluída, compõe apenas o lado visível das mudanças detectadas.
Essa ausência de meio físico (total ou parcial) nas transações por meio eletrônico passa a ser uma questão relevante em face das preocupações relacionadas à insegurança das relações comerciais através da Internet. Isto porque se entende que, não se conseguindo "materializar" o contrato, uma vez manifestada a vontade para a formação do vínculo, será muito difícil a solução de problemas oriundos da celebração de contratos eletrônicos, em caso de necessitar dele – instrumento – como meio comprobatório.
Analisando a presente situação, reafirmamos que tudo isso se deve ao fato de a Internet ser um meio de comunicação virtual, à distância, o que obriga a reformulação de muitas das questões do comércio tradicional. Novos problemas surgiram e muitos dos que já existiam foram aguçados. Neste sentido, propõem-se questões que vão desde a validade legal das transações e contratos sem papel; a necessidade de acordos internacionais que harmonizem as legislações sobre comércio e outras atividades; a proteção dos consumidores quanto à publicidade enganosa ou não desejada; fraude, conteúdos ilegais e uso abusivo de dados pessoais, até outros provocados pela dificuldade de encontrar informações na Internet, comparar ofertas e avaliar a confiabilidade do vendedor e do comprador numa relação eletrônica, falta de segurança das transações e meios de pagamento eletrônicos, etc.