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Os contratos eletrônicos como relação de consumo

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16/07/2009 às 00:00
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3 CONTRATO DE CONSUMO

3.1 DEFINIÇÃO E CONCEITUAÇÃO

Os contratos de consumo são aqueles previstos no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) celebrados numa relação de consumo. A relação de consumo é aquela em que, de um lado, se tem a figura do fornecedor (art. 3º, caput) e, do outro, a do consumidor (art. 2º), tendo por objeto o fornecimento de um produto ou serviço (art. 3º, §§ 1º e 2º).

Roberto Senise Lisboa [07] define a relação de consumo como "o vínculo jurídico por meio do qual se verifica a aquisição, pelo consumidor, de um produto ou de um serviço, junto ao fornecedor".

No entanto, para aferir com precisão a existência de uma relação de consumo, é indispensável ter conhecimento prévio de conceitos fundamentais, necessários para se identificar tal relação, quais sejam, consumidor, fornecedor, produto e serviço. Para uma maior compreensão do alcance das normas de consumo, faz-se imprescindível uma breve análise dos componentes desta relação.

Em relação ao consumidor, observa-se que embora o art. 2º, caput do CDC traga em seu bojo o conceito legal de consumidor, em outros dispositivos traz outras definições, figuras equiparadas ao consumidor, fornecendo, assim, quatro formas de definição de consumidor em seus artigos 2°, caput e parágrafo único; art. 17 e art. 29.

No que diz respeito à definição de consumidor, em seu art. 2°, caput, é de suma importância determinar a figura do destinatário final. Comumente, identificamos na doutrina duas correntes básicas acerca dessa questão: os finalistas e os maximalistas.

Pioneira do consumerismo, a teoria finalista propõe que se interprete a expressão "destinatário final" de maneira restrita. Ou seja, é imprescindível à conceituação do consumidor que essa destinação final seja fática e econômica, que a aquisição/utilização de um bem ou serviço satisfaça uma necessidade pessoal do adquirente e não sirva de instrumento para revenda ou uso profissional [08]. Já para a teoria maximalista, esse conceito deve ser alargado ao extremo, pouco importando a destinação econômica do bem ou serviço, se utilizado ou não para obtenção de lucro. Essa teoria exige apenas um ato de consumo, que a pessoa física ou jurídica retire o bem ou serviço do mercado para ser caracterizado como consumidor.

Nessa esteira, a Ministra Nancy Andrighi [09], do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgado do REsp 476.428/SC, também sustenta a teoria finalista como argumento para definir o conceito de consumidor, ao assegurar que "não basta ser, o adquirente ou utente, destinatário final fático do bem ou serviço: deve ser também o seu destinatário final econômico, isto é, a utilização deve romper a atividade econômica para o atendimento de necessidade privada, pessoal, não podendo ser reutilizado, o bem ou serviço, no processo produtivo, ainda que de forma indireta."

Importante salientar que o conceito destinatário final não abrange, portanto, aquele que adquire um bem para revenda ou como insumo a ser utilizado em um processo de produção, pois não será considerado consumidor final, já que estará transformando o bem, utilizando-o para oferecê-lo ao seu cliente, este sim, consumidor final [10].

Como notório, para a doutrina e jurisprudência majoritária, o consumidor é aquela pessoa física ou jurídica que adquire ou se utiliza de produtos ou serviços em benefício próprio, isto é, aquele que busca a satisfação de suas necessidades através de um produto ou serviço, sem ter o interesse de repassar este serviço ou esse produto a terceiros.

Observa-se também que as figuras equiparadas ao consumidor estão tuteladas no CDC pelo parágrafo único do art. 2°, art. 17 e art. 29. No primeiro caso, o CDC equipara a consumidor todas as pessoas que tenham intervindo nas relações de consumo, ainda que não determináveis. No segundo, encontra-se outro tipo de consumidor, qual seja, as vítimas do evento. Destarte, é também considerado consumidor as pessoas que, embora não tenham adquirido o produto ou serviço, sofreram acidentes de consumo em razão da utilização destes. Por fim, o art. 29 do CDC equipara ao consumidor todas as pessoas, ainda que indetermináveis expostas às práticas comerciais abusivas de fornecedores.

Conclui-se, então, que são equiparados a consumidor todos aqueles que estão expostos a práticas comerciais, da mesma forma que aqueles que, por qualquer circunstância, venha a sofrer dano devido ao mau funcionamento do produto ou do serviço contratado. Percebe-se que o CDC teve uma especial preocupação com os interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, protegendo não só um consumidor individual, mas uma massa de consumidores.

Já o conceito legal de fornecedor, está disposto no caput do art. 3º do CDC. O fornecedor é, portanto, a parte da relação de consumo que oferece produtos e serviços no mercado de consumo, visando atender à demanda dos consumidores.

Vale ressaltar que o fornecedor não precisa ser necessariamente uma pessoa jurídica, já que o texto legal traz a figura dos entes despersonalizados. Assim, pode-se entender por uma interpretação lato sensu, de que também figuram como fornecedores aqueles que praticam atividades definidas em lei como fornecedor, podendo ser definidos como tais as pessoas que atuam na economia informal, autônomos, etc.

O art. 3º, §§ 1º e 2º traz o conceito do que vem a ser produto e serviço.

No tocante à atividade do fornecedor, as características que diferenciam o fornecimento de produto e de serviço são a habitualidade e o profissionalismo. Para Cláudia Lima Marques, o fornecimento de produto é caracterizado pela atividade habitual e profissional, e estes aspectos vão "excluir da aplicação da norma do CDC todos os contratos firmados entre dois consumidores, não profissionais, que são relações puramente civis às quais se aplica o CC/2002. A exclusão parece-me correta, pois o CDC, ao criar direitos para os consumidores, cria deveres para os fornecedores" [11]. Já quanto ao fornecimento de serviços, basta que a atividade seja habitual ou reiterada, não se exigindo que o prestador do serviço seja profissional da área [12].

Apesar da definição reduzida trazida pelo CDC, entende-se que os produtos são quaisquer bens móveis ou imóveis que detenham valor pecuniário e que atenda às necessidades humanas, podendo deslocar-se do fornecedor para o consumidor como "destinatário final".

Já com relação aos serviços, como mencionado no art. 3º, § 2º, estes são quaisquer atividades realizadas mediante contraprestação ou pagamento em valores pecuniários, como exemplo das atividades mercantis, bancárias, securitárias e financeiras, salvo as atividades prestadas que se encontram relacionadas com matéria trabalhista. Estas estarão disciplinadas pelo Direito do Trabalho e normas afins.

Faz-se uma importante observação no que diz respeito à expressão "mediante remuneração" utilizada pelo legislador no artigo supra, já que esta significaria abranger também os serviços remunerados de forma indireta – a lei se refere à remuneração do serviço e não à sua gratuidade [13]. Assim, a doutrina tem defendido amplamente que a prestação de serviços gratuitos, os chamados filantrópicos, não está incluída no âmbito da proteção de que trata o CDC.

Nos conceitos trazidos pelo CDC, as figuras do consumidor e do fornecedor têm caráter relacional, uma vez que, para que se possa identificar um deles em uma relação jurídica, é necessária a presença do outro na mesma relação. Assim, nem todo destinatário final será consumidor, e nem todo ofertante de bens ou serviços ao mercado será fornecedor. É mister que a relação jurídica contemple os dois pólos da relação de consumo.

Verificada uma relação jurídica entre as partes e existindo o fornecedor de um lado e o consumidor do outro, está perfeitamente configurada uma relação de consumo.

Seguindo a orientação do CDC, regedora das relações entre fornecedores e consumidores, o fornecedor não só contribuirá para a obediência aos preceitos legais que regulam as contratações, mas também para a harmonia da política nacional das relações de consumo. Nesse sentido, favorecerá que a legislação consumerista alcance seu objetivo, deixando de ser vista, equivocadamente, como uma legislação meramente protecionista, mas sim, como ferramenta necessária a estabelecer o equilíbrio, otimizando a relação de consumo.

Nessa linha de raciocínio, nota-se que o CDC veio para, além de ordenar a ação oficial em defesa do consumidor, instituir novos recursos para sua proteção contra artifícios fraudulentos dos fornecedores em geral.

3.2 ALGUNS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR

Entre os princípios gerais do direito do consumidor, dispostos no art. 4º do CDC, existem quatro princípios fundamentais que podem ser extraídos da disciplina legal: o princípio da vulnerabilidade; o princípio da boa-fé objetiva; o princípio da transparência; o princípio do equilíbrio.

Esses princípios visam proporcionar o atendimento das necessidades dos consumidores, levando-se em consideração sua dignidade, saúde e segurança, bem como a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, transparência e harmonia nas relações entre eles e seus fornecedores de produtos ou serviços.

Na tentativa de evitar o desequilíbrio contratual, resguardando a equidade, o direito contratual contemporâneo regula o comércio eletrônico utilizando as regras do Código Civil e, principalmente, os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, em consonância com os princípios da função social do contrato, da boa-fé e da vulnerabilidade.

O consumidor – parte que adquire um produto ou contrata os serviços oferecidos pelo comércio eletrônico – é, seguramente, a parte mais fraca dessa relação e, por consequência, deve ter maior proteção, conforme preconiza o art. 4º, inciso I do CDC.

Da simples leitura do dispositivo legal supracitado, percebe-se que o CDC consagrou o princípio da vulnerabilidade. Esse princípio pode ser considerado como sendo aquele que caracteriza o consumidor, intrínseca e indissociavelmente, como ente mais fraco, sendo uma premissa básica e indispensável ao justo e equânime estabelecimento das relações de consumo.

A tutela desse princípio tem como objetivo facilitar a defesa do consumidor na relação de consumo. Em geral, o consumidor não possui conhecimentos acerca dos produtos adquiridos ou serviços prestados que o possibilitem averiguar se as informações apresentadas pelo fornecedor são pertinentes. Normalmente, ele não tem conhecimentos em relação aos aspectos jurídicos do negócio e suas repercussões econômicas, bem como não se encontra na mesma condição social e econômica da parte com que negocia. Dessa forma, o consumidor é vulnerável técnica, jurídica e socioeconomicamente.

Em tese, o fornecedor é sempre a parte mais forte de uma relação de consumo, estando mais preparado que o consumidor para o mercado. Assim, demonstra Roberto Senise Lisboa [14], quanto à natureza jurídica da proteção, que a vulnerabilidade não se submete ao critério da razoabilidade para ser identificada no caso concreto, uma vez que o legislador presumiu iure et de iure a sua existência em uma relação de consumo.

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Com relação ao princípio da boa-fé, este é o princípio mais importante do CDC e basilar de toda a conduta contratual que traz a ideia de cooperação, respeito e fidelidade nas relações contratuais [15]. Essa conduta que se espera das partes contratantes, tem como base a lealdade, de modo que toda e qualquer cláusula que infringir esse princípio é considerada, ex lege como abusiva. Segundo o artigo 51, XV do CDC são abusivas as cláusulas que "estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor", dentro do qual se insere tal princípio por expressa disposição do artigo 4º, caput e inciso III.

Para que haja uma relação harmônica e transparente, preservando-se a dignidade, a saúde, a segurança, a proteção dos interesses econômicos do consumidor em face da presunção legal da sua vulnerabilidade no mercado de consumo, esse princípio deve prevalecer desde a formação inicial da relação de consumo e deve-se entender não como mera intenção, mas como objetivo primordial de conduta, exigência de respeito, lealdade, cuidado com a integridade física, moral e patrimonial.

Verifica-se que a boa-fé na conclusão do contrato é requisito que se exige do fornecedor e do consumidor, de modo a fazer com que haja "transparência" nas relações de consumo, e seja mantido o equilíbrio entre as partes. O princípio da boa-fé e o princípio da transparência regem o momento pré-contratual, bem como a conclusão do contrato, e como reflexo disso tem-se o dever de informar sobre o produto ou serviço, que afeta a essência do negócio, uma vez que integra o conteúdo do contrato.

Flávio Alves Martins [16] vai além e destaca que "mesmo após o encerramento do contrato, há que se exigir das partes boa-fé ou responsabilidade post factum finitum como, por exemplo, na proibição da utilização, sem a prévia e expressa autorização, dos dados do consumidor (fundamentais na contratação pela Internet) em outros cadastros".

Vale ressaltar também que o princípio da boa-fé está intimamente relacionado ao princípio do equilíbrio contratual, visto que, estando presente este, a boa-fé também se encontrará presente; sem o equilíbrio contratual, não há que se falar em boa-fé. Então, pode-se dizer que a boa-fé objetiva surgiu para manter o equilíbrio nas relações de consumo [17].

Observe-se, ainda, que o CDC, em seu artigo 51, IV, trata da boa-fé objetiva, que se traduz na imposição de uma regra de conduta que impõe às partes determinado comportamento, cujo fim é estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo.

Por fim, no sistema contratual do CDC, em todo e qualquer contrato que verse sobre relação de consumo há a obrigatoriedade pelas partes contratantes da adoção de uma cláusula geral de boa-fé, mesmo que não inserida expressamente nos instrumentos contratuais que regem a relação contratual.

No tocante ao princípio da transparência, a necessidade da devida informação acerca do que o consumidor venha adquirir, é mais do que uma mera necessidade, é um dever que se impõe aos fornecedores que oferecem produtos ou serviços no mercado consumerista. Esse dever de bem informar os consumidores, nada mais é do que um reflexo do princípio da boa-fé que deve prevalecer em todas as relações de consumo.

Com efeito, o direito à informação correta, honesta, previsto no art. 6º, III, do CDC está ligado ao princípio da transparência, contemplado no caput do art. 4º do CDC, sendo aquele o principal instrumento para sua efetivação. A ideia central desse princípio é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidores e fornecedores [18]. E é através da informação que o consumidor irá nortear suas decisões no mercado de consumo [19].

Em referência ao princípio do equilíbrio, observa-se que o contrato não pode estabelecer prerrogativas ao fornecedor sem que o faça também em relação ao consumidor. Na relação de consumo, a proteção ao consumidor não quer significar o prejuízo do fornecedor, mas a harmonia dos interesses de um e de outro.

Conforme ensinamento de Paulo Luiz Netto Lôbo [20], "esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis".

O princípio do equilíbrio contratual se manifesta, principalmente, através da invalidação de determinadas cláusulas abusivas, como, por exemplo, as que determinam obrigações incompatíveis com a boa-fé, com a equidade, ou demasiadamente desvantajosas para os consumidores (art. 51, IV); as que obrigam o consumidor, mas abrem ao fornecedor a possibilidade de concluir ou não o negócio (art.51, IX); as que possibilitam somente ao fornecedor o cancelamento unilateral do contrato (art.51, XI); e as que obrigam apenas o consumidor a ressarcir despesas com cobrança de obrigação contratual (art. 51, XII).

Conforme será abordado no tópico 5.1, vale ressaltar que o princípio da confiança é o novo paradigma estudado para adaptar o direito do consumidor aos contratos eletrônicos de consumo, objeto de estudo deste trabalho. Mesmo não havendo previsão expressa no CDC, esse princípio é construção doutrinária e jurisprudencial que deve ser seguida pelo julgador.

Veremos que esse princípio é consequência dos princípios da informação e da qualidade e segurança de produtos e serviços e que conquistar a confiança do consumidor é a chave para o sucesso do comércio eletrônico.

Ante o exposto e conforme veremos posteriormente, para que se tenha segurança jurídica nas relações de consumo derivadas do meio eletrônico, faz-se necessário a aplicação dos princípios supracitados, em especial o princípio da confiança e o princípio da boa-fé objetiva, que é imprescindível, até mesmo porque não há no ordenamento jurídico uma legislação específica regulando as práticas em meio virtual, logo, a honestidade dos agentes contratantes é indispensável para nortear eventuais contratos.

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Sobre o autor
Alexandre Vianna Berenguer

Bacharelando do curso de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERENGUER, Alexandre Vianna. Os contratos eletrônicos como relação de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2206, 16 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13164. Acesso em: 24 abr. 2024.

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