Em 10 de agosto do corrente ano, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 12.016, que "Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências", revogou as Leis 1.533/51 e 4.348/64, dentre outras que traziam regras a respeito do mandado de segurança individual. Estatuiu também normas sobre o mandado de segurança coletivo, previsto pelo artigo 5º, LXX, da Constituição, com eficácia plena, diga-se de passagem; agora tem também normas processuais, previstas em lei ordinária.
Foi projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo, cuja Exposição de Motivos, elaborada em conjunto pelo Ministério da Justiça e pela Advocacia-Geral da União, assim resumia seu objetivo:
Nesse contexto, o projeto se integra no movimento de reforma legal que busca a maior coerência do sistema legislativo, para facilitar o conhecimento do direito vigente aos profissionais da área e ao cidadão, mediante a atualização, por consolidação em diploma único, de todas as normas que regem a mesma matéria.
Busca também, lê-se da mesma Exposição de Motivos, a "adequada defesa pública", com a "preservação dos interesses do Tesouro Nacional". Esse o ponto que se pretende abordar no presente texto.
Pode-se dizer que a lei estabeleceu uma separação entre a participação da autoridade dita coatora, ou impetrada, e a pessoa jurídica a qual aquela integra. Tanto que o próprio impetrante, em sua petição inicial, deve indicar, "além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerça atribuições" (artigo 6º, caput).
É cediço que, tanto em doutrina e jurisprudência, havia controvérsia sobre a legitimidade passiva no mandado de segurança, se seria da autoridade ou da pessoa jurídica. Com a nova lei, em que ambas participam do feito, cada uma a seu título, fica solucionada tal discussão.
A autoridade coatora é notificada, como já o era, para prestar informações; a pessoa jurídica é cientificada para que, querendo, ingresse no feito. Não há citação, não há contestação. Inexiste a figura do réu, contra quem se faz pedido, linguagem típica do Código de Processo Civil, cujas normas são aplicáveis, apenas em parte, ao mandamus.
Uma vez notificada para prestar informações, a nova lei do mandado de segurança estatui importante ônus para a autoridade administrativa:
Art. 9o As autoridades administrativas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da notificação da medida liminar, remeterão ao Ministério ou órgão a que se acham subordinadas e ao Advogado-Geral da União ou a quem tiver a representação judicial da União, do Estado, do Município ou da entidade apontada como coatora cópia autenticada do mandado notificatório, assim como indicações e elementos outros necessários às providências a serem tomadas para a eventual suspensão da medida e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder.
Vê-se de tal norma que tanto o juiz da causa quanto a autoridade impetrada devem dar ciência de seus termos para a pessoa jurídica relacionada, para que possa participar da lide. Propicia-se a defesa dos interesses do tesouro, financeiramente falando, como se relembra da própria exposição de motivos.
Mas há mais nesta regra: também deve ser informado o órgão de representação judicial dos termos da impetração, inclusive com os elementos de informação possuídos pelo impetrado, para que providencie eventual medida de suspensão e defesa do ato. Novamente importante se faz referência à exposição de motivos, que se preocupa com a "adequada defesa pública".
E mais: no mandado de segurança coletivo, a participação do órgão de representação jurídica se dá antes mesmo da decisão inicial, sobre pedido liminar, uma vez que essa somente poderá ser concedida após sua oitiva, no prazo de 72 horas (artigo 22, §2º). Em razão da gravidade e abrangência dos efeitos da impetração coletiva, já se justifica tal cautela da parte do legislador.
De tudo isso se vê como imprescindível a participação, no mandado de segurança, de três figuras da administração: a autoridade impetrada, a própria pessoa jurídica e o órgão de representação jurídica. Mas há mais detalhes, e que não podem passar despercebidos.
Observa-se a faculdade da autoridade coatora recorrer – "estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer" (artigo 14, §1º). Tal possibilidade também teve referência na Exposição de Motivos do projeto de lei, como "matéria ainda controversa na jurisprudência".
O Superior Tribunal de Justiça, como se vê do voto do Relator, Ministro Nilson Naves, no AgRg no Ag 1068039/SC, julgado em 20/11/2008, havia firmado entendimento contrário a tal possibilidade:
A jurisprudência do Superior Tribunal firmou-se no sentido de que, apesar de a autoridade coatora ser parte no mandado de segurança, a legitimidade recursal é da pessoa jurídica de direito público interessada, pois é ela quem suportará os efeitos da decisão final.
Agora, com a expressa previsão legal, sedimentada fica a questão. Ressalta-se apenas, em complemento, a posição de Eduardo Sodré (Mandado de Segurança, in Ações Constitucionais, org. Fredie Didier Jr., Ed. Juspodivm, 2006, p. 101):
[...] não apenas deverá a pessoa jurídica ser chamada pessoalmente para integrar a relação processual, mas também de que cabe a ela, porque parte, tanto a interposição de recursos como, querendo, apresentação de contestação (defesa).
Importante esse último ponto – a apresentação de defesa. A pessoa jurídica, quando cientificada por ordem do juiz, no início do feito, ingressar no feito, se quiser. Ao órgão de representação judicial – agindo em nome da pessoa jurídica – cabe atuar (com base nas informações recebidas pela autoridade) pela suspensão da medida liminar e defesa do ato, eventualmente.
A lei não tem palavras inúteis, é brocardo conhecido. Tanto o ingresso, quanto a defesa do ato, são faculdades (conclusão que se retira dos termos da lei: "se quiser", "eventualmente") estabelecidas. Há de haver análise, por parte do representante judicial da pessoa jurídica, do cabimento de tal defesa, considerando os dois parâmetros estabelecidos ao longo desse texto: a "adequada defesa pública" e a "preservação dos interesses do Tesouro Nacional". Importa, em tal análise, verificar-se qual será a melhor defesa da Administração, do interesse público: se a manutenção do ato coator ou mesmo sua cassação.
Não se pode dizer que necessariamente a defesa do ato coator coaduna com o interesse público; há de ser analisado seu mérito, sua legalidade. Pode ocorrer, e talvez na maioria dos casos, que coincidam os interesses da autoridade impetrada e da pessoa jurídica [interesse público]; mas pode haver oportunidade em que sejam díspares, e melhor atenda à coletividade a derrubada de tal ato.
O Senador Valter Pereira, quando da tramitação da matéria no Senado Federal, apresentou emenda ao projeto de lei (Projeto de Lei da Câmara nº 125/2006), buscando tornar obrigatório o ingresso na lide da pessoa jurídica interessada. Como se vê do Parecer Final do projeto, de autoria do Senador Tasso Jereissati, houve a retirada de tal emenda, mas que não deixa de indicar, ao entendimento do legislador, o caráter facultativo de tal ingresso.
A lei preocupou-se com essa faculdade, tanto que possibilitou à própria autoridade impetrada a interposição de recurso. A legitimidade recursal estatuída no artigo 14 se dirige tanto à apelação quanto aos demais recursos; nesse ponto, não se pode limitar a regra a sua localização topográfica – o artigo refere-se à apelação. A interpretação, de acordo com o entendimento acima, há de ser ampla, em prol dos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal. De outro lado, ficaria uma das partes no processo – a autoridade impetrada – sujeita aos desígnios de outra parte – a pessoa jurídica.
Já a suspensão da liminar ou da sentença, estabelecida pelo artigo 15 da nova lei, é prerrogativa da pessoa jurídica de direito público, já que a lei estatuiu expressamente quem poderia ajuizar tal medida, aliado ao seu caráter não recursal.
De forma que, por essas primeiras linhas, observou-se que a lei dotou o mandado de segurança de novas peculiaridades, agora dirigidas à melhor defesa do interesse público, que deverá ser buscado independentemente da defesa do ato coator, e por aquele responsável, perante a sociedade, de sua persecução: o Estado. Ao órgão de representação judicial do Estado foi conferida importante prerrogativa: a de definir de que lado, impetrante ou impetrado, está o interesse coletivo; cabe então formar juízo de valor, atuando sempre na persecução do que melhor se alie com a defesa "do Estado de Direito e do sistema democrático", como ressaltado na Exposição de Motivos.