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A penhora na jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo

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Agenda 08/12/2009 às 00:00

19.Obrigações propter rem

Já aludimos no tópico anterior acerca da possibilidade de penhora do imóvel por inadimplemento das obrigações condominiais, mesmo se o imóvel estiver gravado com hipoteca cedular.

Ainda sobre a questão das obrigações propter rem constituídas pelo dever de adimplir as despesas condominiais, o CSM-SP já decidiu que tais obrigações, por sua natureza real, poderão ensejar a penhora do imóvel ainda que este já tenha sido transferido a terceiro, conforme se vê do r. acórdão proferido na Apelação Cível nº 645-6/5, comarca de São Vicente, publicado no DOJ de 27.11.2007, onde se aduziu que

"é certo que, também em qualificação de mandados de registro de penhora referentes à execução de débitos por despesas condominiais, o princípio de continuidade tem sido invocado para obstar o acesso do título judicial às tábuas de inscrição predial (CSM, Apelações Cíveis nºs 561-6/1, 294.6/2 e 248-6/3). No entanto, o caso destes autos não é equivalente àqueles, pois aqui estamos diante de executada (Ana Maria Florido Sanchez) que tem seu título de domínio registrado no fólio real (R.06/ Mat.106.179), com transmissão real operada em favor de terceiro (Caixa Econômica Federal: R.09/Mat. 106.179), arrematante do imóvel em execução hipotecária extrajudicial, que continua responsável pelo débito decorrente das despesas condominiais em execução, em virtude da natureza "propter rem" daquela obrigação. Ademais, até na esfera judicial do processo judicial relativo ao mandado em requalificação, foi expressamente consignada a viabilidade da penhora em pauta, nada obstante aquela transferência do imóvel à Caixa Econômica Federal, em respeito à natureza real da obrigação: ‘Despesas de condomínio Execução Obrigação propter rem’ Transferência do imóvel Irrelevância Penhora Possibilidade Recurso parcialmente provido. (...). Uma outra característica da obrigação propter rem’ é a possibilidade de sua transmissão ao sucessor a título particular. O sucessor a título singular assume automaticamente as obrigações do sucedido, ainda que não saiba da sua existência. Ou seja, a obrigação acompanha a coisa, vinculando seu dono, seja ele quem for, a Ana Maria Florido Sanchez ou a Caixa Econômica Federal. A obrigação é ambulat cum domino’ (2º TACivSP, Agravo de Instrumento nº 758.210-0/0, j. 27.08.2002,rel. Juiz Neves Amorim). Destaque-se, ainda, que a Caixa Econômica Federal está ciente da constrição judicial (fl s. 15 e 62/63). Neste contexto, não se pode afirmar que o registro da penhora em foco importe em violação ao princípio da continuidade, diante da exceção, judicialmente reconhecida no processo executivo, acima apontada, que reflete na esfera jurídica da arrematante, ora proprietária do bem imóvel".


20.É possível penhorar usufruto?

Equívoco também muito comum nas lides diárias registrais. Ignora-se por vezes que o direito real de usufruto é inalienável, como preceitua o artigo 1.393 do Código Civil. E se é inalienável, não é penhorável, a teor do disposto no artigo 649, I, do Código de Processo Civil.

O que o artigo 1.393 do Código Civil permite é a "cessão do exercício" do usufruto, não a transferência do direito em si. Daí ser possível, também, penhorar esse exercício do direito.

Contudo, embora se admita a possibilidade de penhora do "exercício do direito", tal ato não tem ingresso no registro imobiliário, em razão do entendimento predominante de que os atos passíveis de registro são elencados em numerus clausus pela lei (princípio da tipicidade), seja no artigo 167 da Lei de Registros Públicos, seja em outra legislação esparsa.

Nesse exato sentido decidiu a Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, nos autos do processo nº 583.00.2007.205608-4, publicada no DOJ de 13 de março de 2008, assentando que

"não se questiona aqui a possibilidade efetiva e processual da penhora do exercício do direito pertinente ao usufruto, que se caracterizará pela possibilidade efetiva de usar o imóvel e até mesmo se apropriar dos frutos civis que a coisa pode render. No entanto, a possibilidade processual da referida constrição não implica na viabilidade irrestrita ao acesso ao fólio real. Os atos registrários são pautados pela tipicidade não cabendo ao Oficial de Registro promover registro ou averbação de atos ou fatos não previstos especificamente em lei, mormente o artigo 167 da Lei 6.015/73. Com bem asseverado pelo Sr. Oficial de Registros e pelo membro do Ministério Público o direito constrito não é efetivamente um direito real e sim efeito deste, razão pela qual prescinde de registro para a sua eficácia. Isto quer dizer que o credor do título executivo pode exercitar o direito constrito independentemente do registro, haja vista que é de caráter puramente obrigacional. Destarte, não obstante a expedição do termo de penhora expedida pelo DD. Juízo apontado, o ato processual não merece menção expressa na matrícula imobiliária".


21.Penhora e falência

A par das disposições constantes da nova legislação falimentar[21], o estudo desse tema sob a ótica registral não pode olvidar o artigo 215 da Lei de Registros Públicos, que preceitua que "são nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência,ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente".

Em caso concreto que envolvia pretensão de inscrição de penhora sobre imóvel em cuja matrícula já se encontrava averbada a arrecadação do mesmo em processo falimentar, decidiu o CSM-SP que

"de fato, se é certo que a certidão de penhora, como demonstrado, está sujeita à qualificação registrária, mister se faz ter em mente que impera, quanto a isto, o princípio tempus regit actum, impondo ao Oficial que realize a análise com base no estado de coisas reinante no momento da efetiva apresentação do título. E, quando tal se verificou, a quebra já havia sido declarada e a arrecadação do bem averbada (fls. 46). Não vingam, pois, os argumentos de que a ação que acabou por originar a penhora em foco foi distribuída antes da falência e de que os apelantes não podem ser prejudicados pela demora na tramitação processual. São fatores inteiramente estranhos à seara registrária e ao apertado alcance da atividade de qualificação a que obrigado o Oficial.

O que importa no âmbito tabular é que, ao ser o título apresentado ao registrador, a bancarrota já era fato consumado e a arrecadação do imóvel se encontrava averbada. Não houve prenotação anterior à falência e ao termo legal. Por isso mesmo, do julgado à colação constou, peremptoriamente, que "é na data da apresentação do título ao registrador, que será feita a sua qualificação (art. 534, do Código Civil, combinado com os arts. 174, 182 e 186 da Lei de Registros Públicos)".

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A remissão concerne ao Código de 1916, então vigente, com correspondência no artigo 1.246 do novel diploma. Justificado o óbice, enfim, diante da disciplina legal incidente.

Lembre-se que, nos termos do artigo 23 do Decreto-lei nº 7.661/45, ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum, alegando e provando seus direitos. E, segundo seu artigo 24, as ações ou execuções individuais dos credores ficam suspensas. Não faltará quem invoque, ainda, o artigo 215 da Lei nº 6.015/73".

Observe-se, ainda, que a Lei 11.101/05 não alterou esse quadro, como se vê no seu artigo 6º.


22.Penhora: registro ou averbação?

Após a alteração da redação do artigo 659, parágrafo quarto, do Código de Processo Civil, levado a termo pela Lei 11.382/06, surgiu a dúvida se a penhora passaria a ser objeto de registro ou de averbação.

A distinção não é de somenos importância. Há reflexos, por exemplo, no que pertine a saber se a negativa de acesso ao fólio real por parte do registrador deverá ser desafiada através do procedimento de dúvida, regrado pelos artigos 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos, ou se em procedimento administrativo inominado, sendo que para este último não há previsão de prorrogação da prenotação.

Outros reflexos dizem respeito, em alguns Estados da Federação, à diferença no valor das custas devidas pelo ato, diferença na competência recursal ou, como querem alguns, uma qualificação mais ou menos rigorosa.

Como este trabalho tem por objeto apenas investigar a posição jurisprudencial vigente nos órgãos censório-fiscalizatórios paulistas, limito-me a noticiar que o CSM-SP já decidiu que a partir da vigência da Lei 11.382/06 as penhoras passaram a ser objeto de averbação.

Tal o entendimento expresso no acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 948-6/8, comarca de São José do Rio Preto, publicada no DOJ de 26.01.2009, onde constou que

Na espécie, o que se discute é o ingresso no registro imobiliário de certidão de penhora de imóvel, efetivada em processo jurisdicional. Embora pela Lei de Registros Públicos tenha sido previsto o registro da penhora de imóveis (art. 167, I, n. 5), não há como desconsiderar que, nos termos do art. 659, § 4º, do CPC, com as alterações introduzidas pela Lei n. 11.382/2006, o ato em questão passou a comportar averbação.

Assim, com a nova redação dada ao § 4º do art. 659 do CPC, não se fala mais em registro da penhora de bens imóveis, mas sim em averbação de tal constrição.

Observe-se que a Lei n. 11.382/2006 teve vigência a partir de 21.01.2007, cumprido período de vacatio legis de 45 dias, e o título ora discutido foi apresentado na serventia em 01.02.2007, sujeitando-se, portanto, à averbação.

Como se pode perceber, não se está mais diante de dissenso relacionado a registro em sentido estrito, autorizador da instauração da dúvida registral disciplinada nos arts. 198 e seguintes da Lei n. 6.015/1973, mas sim de dissenso envolvendo ato de averbação, a ser solucionado pela via do processo administrativo comum.


Referências bibliográficas

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PASSARELLI, L. L. A auto-regulação da atividade registral-imobiliária: aplicação para suprir as deficiências do procedimento de dúvida e a questão das qualificações positivas. São Paulo: Boletim Eletrônico INR 3122, 2009 (disponível em www.gruposerac.com.br).


Notas

[1] GOMES Junior, Luiz Manoel. A penhora – necessidade de registro. Um novo direito real? A preferência na hipótese de duas constrições sobre um mesmo bem. Revista de Direito Privado nº 8, out-dez 2001, p. 120-127. São Paulo: RT, 2001.

[2] NERY Junior, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 10ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1042.

[3] ASSIS, Araken. Manual da Execução, 11ª ed. rev. ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007. São Paulo: RT, 2007, p. 592.

[4] OLIVEIRA, Francisco Antonio. Manual de penhora. Enfoques trabalhistas e jurisprudência, 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 127.

[5] JACOMINO, Sergio. Donationes inter virum et uxorem. Disponível em www.observatoriodoregistro.com.br (acesso em 12.01.2009).

[6] PASSARELLI, L. L. A auto-regulação da atividade registral-imobiliária: aplicação para suprir as deficiências do procedimento de dúvida e a questão das qualificações positivas. São Paulo: Boletim Eletrônico INR 3122, 2009.

[7] STJ, 2ª Seç. Ccomp 2870-0-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 25.8.1993, v.u., DJU 4.10.1993.

[8] (CSM-SP. Ap. Cível nº 100.745-0/9 – 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital – DOE de 30.06.2003).

[9] (CSM-SP. Ap. Cível nº 55-6/2, comarca de Ibiúna. DOE de 17.10.2003).

[10] (CSM-SP. Ap. Cível nº 79-6/1, comarca da Capital – 8º Oficial de Registro de Imóveis – DOE de 07.11.2003).

[11] (CSM-SP. Ap. Cível nº 101.259-0/8, comarca de São Paulo – 9º Oficial de Registro de Imóveis – DOE de 07.11.03).

[12] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 3ª ed. rev. e atual. Forense: Rio de Janeiro, 1982, p. 304.

[13] ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do Registro de Imóveis.São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997, p. 56.

[14] GARCIA, José Manoel García. Derecho Inmobiliario Registral o Hipotecário, Tomo III. Madrid: Civitas, 2002, p. 1235.

[15] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 3ª ed. rev. e atual. Forense: Rio de Janeiro, 1982, p. 243.

[16] GARCIA, José Manoel García. Derecho Inmobiliario Registral o Hipotecário, Tomo III. Madrid: Civitas, 2002, p. 1471.

[17] E também pelas suas autarquias, como o INSS, e fundações públicas, não se deve esquecer.

[18] Inclusive retroagindo à data da prenotação (artigo 1.246 do Código Civil).

[19] Lembre-se que o registro é obrigatório, conforme consta expressamente do artigo 169 da Lei de Registros Públicos. Defendemos que o adquirente e o credor que descumprem o comando legal estão por isso descumprindo a função social da propriedade.

[20] Por conseqüência, qualquer outra forma de transmissão do imóvel, como adjudicação, alienação particular, etc.

[21] Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005.

Sobre o autor
Luciano Lopes Passarelli

Registrador Imobiliário, mestre e doutorando em direito civil (PUC-SP), professor de diversos cursos de pós-graduação em direito notarial e registral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSARELLI, Luciano Lopes. A penhora na jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2351, 8 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13972. Acesso em: 18 mai. 2024.

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