17.Penhora de imóvel objeto de promessa de venda e compra
Sendo o executado compromissário comprador do imóvel, em atenção ao princípio da continuidade não é possível penhorar o imóvel, já que ele não é proprietário ainda. Assim, corretamente, devem ser penhorados "os direitos de compromissário comprador".
Nesse sentido decidiu o CSM-SP no r. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 283.-6/2, comarca de Cotia, publicado no DOJ de 11.03.2005, em caso configurado na forma referida no parágrafo acima, aduzindo que
"não foram penhorados e, portanto, não foram arrematados, os direitos sobre o imóvel objeto da matrícula 40.295, pertencentes ao executado e sua esposa, mas sim fração ideal do bem, concluindo-se que a constrição e a arrematação recaíram sobre o domínio, o qual pertence à pessoa estranha à execução. Permitir o ingresso da carta de arrematação nesses termos ofenderia o princípio da continuidade".
18.Penhora de imóvel hipotecado cedularmente
Outra situação bastante comum nos registros imobiliários é a penhora de imóvel que se encontra hipotecado por cédula de crédito, na forma de legislação específica. A posição dos órgãos censório-fiscalizatórios quanto à impossibilidade da penhora nessa circunstância é vetusta.
Esclareça-se que essa ideia aplica-se às Cédulas de Crédito Rural, por força do artigo 69 do Decreto-Lei 167/67; às Cédulas de Crédito Industrial, por força do artigo 57 do Decreto-Lei 413/69; às Cédulas de Crédito Comercial, por força do artigo 5º da Lei 6.840/80; às Cédulas de Crédito à Exportação, por força do artigo 3º da Lei 6.313/75, e ainda às Cédulas de Produto Rural, nos termos do artigo 18 da Lei 8.929/94.
Na Apelação Cível 464-6/9, comarca de São José do Rio Preto, publicada no DOJ de 15.03.2006, o Conselho Superior da Magistratura decidiu que
"a restrição de impenhorabilidade está estatuída no Decreto-lei nº 167/67 que regula a cédula de crédito rural. A norma, ainda em vigor, é imperativa e cogente, ou seja, não admite a constrição [...] Este E. Conselho vem reiteradamente decidindo que, ante a impenhorabilidade do imóvel vinculado à cédula de crédito, a penhora não pode ingressar no fólio real enquanto perdurar a hipoteca cedular. Na Ap. Cív. nº 37.908-0/0, de Duartina, relatada pelo eminente Des. Márcio Bonilha, este E. Conselho, apreciando hipótese similar, a saber, registro de carta de adjudicação expedida em execução trabalhista de imóvel já onerado por hipoteca cedular, manteve a recusa do ingresso do título judicial no fólio real, assim se posicionando sobre tal questão: "No mais, a questão versada no presente recurso diz respeito à amplitude da incidência do art. 57 do Decreto-lei n.º 413/69, aplicável à espécie, em se tratando de cédula de crédito comercial, por remissão ao art. 5º da lei n.º 6.840/80." O dispositivo legal em referência estabelece, claramente, a impenhorabilidade dos bens oferecidos em garantia hipotecária de cédula de crédito comercial, desde que efetivado o registro junto ao cadastro imobiliário, como forma de resguardar, pela criação de uma exclusividade, os direitos de crédito decorrentes de financiamento (Humberto Theodoro Júnior, Processo de Execução, 3º ed., Universitária de Direito, São Paulo, 1976, p. 260). "Tal predicado, conferido aos bens vinculados às cédulas rural, comercial e industrial, já foi reconhecido pelo Pretório Excelso (RE n.º 84.528-PR, 2º Turma, rel. Min. Cordeiro Guerra, j. 17.8.76, RDI 7/85; RE n.º 107.790-SP, 2º Turma, rel. Min. Francisco Rezek, j. 30.5.86, RTJ 119/819) e, na atualidade, de acordo com os derradeiros julgamentos do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (RESP n.º 3.227, rel. Min. Athos Gusmão, j. 22.4.91; RESP n.º 13.703-SP, rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, j. 20.9.93; RESP n.º 36.080-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j.17.8.94, pe.), sua abrangência só vem conhecendo exceção diante de créditos fiscais." Recentemente a Suprema Corte reiterou tal posição, ao decidir que a penhora de bem alvo de cédula industrial viola o art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal (cfr. RE 163.000-1, 2ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, j. 19.5.98). E, conforme proclamou este E. Conselho ao julgar a Ap. Cív. nº 33.111-0/3, relatada pelo Des. Márcio Bonilha: "O legislador optou - bem ou mal - por dotar os órgãos financiadores da economia rural e industrial não somente de uma garantia, mas de uma garantia exclusiva, que impede nova oneração ou alienação do bem gravado a terceiro (cfr. Ap. Cív. nº 3.708-0 da Comarca de Adamantina, Rel. Des. Marcos Nogueira Garcez)." A questão... não é de mera preferência da hipoteca anterior, mas de exclusividade do gravame, sem concorrência de qualquer outro. Somente poderia obter o título qualificação positiva no caso de expressa e inequívoca determinação judicial no sentido de ignorar a impenhorabilidade no caso concreto (cfr. RSTJ 7(67)/299, Resp. 9.328-0-PE, Rel. Min. Américo Luz). "Ademais, segundo precedentes deste E. Conselho (cfr. Ap. Cív. nº 46.412-0/7 e 50.253-0/5, relator Des. Nigro Conceição), não basta o vencimento da cédula para afastar a impenhorabilidade do imóvel que a ela se vincula. Urge, a tanto, a averbação de seu cancelamento e isso porque, "ex vi" dos arts. 849 e 850 do Código Civil, aplicáveis subsidiariamente às hipotecas cedulares, a extinção do mencionado direito real de garantia, qualquer que seja sua causa, só produz, em relação a terceiros, efeitos depois de averbada na tábua registral [...] Por sua vez, a Lei 8.929/94 que institui a Cédula de Produto Rural, em seu artigo 18, estabelece que os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua emissão. Assim sendo, a penhora não pode ser admitida".
Em algumas situações tem-se admitido certa mitigação desse rigor, como constou da sentença proferida pela Primeira Vara de Registros Públicos nos autos do processo nº 583.00.2008.146976-0, publicada no DOJ de 17.07.2008, ficando estabelecido no caso concreto que
"segundo consta dos autos o título foi recusado porque o imóvel tornou-se impenhorável por força do registro de cédula de crédito comercial. É expressa a determinação contida no artigo 5º da Lei 6.840/1980 que se aplicam as normas do Decreto-Lei 413/1969 às cédulas de crédito comercial. Nos termos do referido Decreto-Lei "os bens vinculados à cédula de crédito industrial não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou de terceiro prestante da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão". Portanto, o dispositivo legal é claro em determinar a impenhorabilidade do bem em que haja inscrição em sua matrícula de cédula de crédito. É bem verdade que se tem mitigado tal entendimento, contudo para tanto há necessidade da co-existência de dois requisitos, como bem lembrado pelo Oficial, vencimento da cédula de crédito e inexistência de averbação de penhora promovida em ação de execução da hipoteca. Acontece que o beneficiário da cédula, no caso o Banco do Brasil S/A, promoveu a execução do título, inclusive averbou a existência de penhora, com isso forçoso reconhecer ausente o segundo requisito".
Nesse sentido, no r. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 230-6/1, comarca da Capital, publicada no DOJ de 17.06.2005, constou que
"no presente caso, vencida a cédula de crédito comercial e não existindo registro de penhora promovida em ação de execução da hipoteca, é possível admitir o registro da penhora efetuada na ação movida pelo credor não titular de garantia real. Isto, entretanto, não afasta a possibilidade do credor privilegiado discutir na via jurisdicional a extensão da garantia em seu favor constituída, visando desconstituir a penhora promovida pelo credor quirografário, uma vez que a decisão da dúvida tem natureza meramente administrativa (artigo 204 da Lei nº 6.015/73)" (o destaque é meu).
Outra exceção à impenhorabilidade gerada pelo registro prévio de hipoteca cedular é a execução de débitos condominiais, dada sua natureza jurídica de obrigações propter rem.
Tal foi a decisão contida no acórdão proferido na Apelação Cível nº 223-6/0, comarca da Capital, publicado no DOJ de 07.12.2004. Esse acórdão traz proposições muito relevantes para o entendimento da matéria no âmbito do registro imobiliário, de sorte que peço vênia para transcrever trechos um pouco mais longos dele. Acredito que os leitores considerarão tais transcrições plenamente justificáveis.
Diz o acórdão que
"é possível a penhora da unidade autônoma em ação de execução de despesas de condomínio que dela se originaram, ainda que gravada por cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade impostas por ato de liberalidade (Apelação Cível nº 138.6/1-00). O fundamento então invocado foi, precisamente, o caráter propter rem da obrigação [...] Estas despesas são as decorrentes da manutenção das coisas de propriedade comum dos condomínios, e o dever de custeá-las se impõe a todos porque, como ensina Caio Mário da Silva Pereira: Interessando a todos a manutenção e conservação do edifício, é de princípio que a todos os condôminos compete concorrer, na proporção de sua parte, para as respectivas despesas. (Condomínio e Incorporações, 10ª Edição, Ed. Forense, 1998, pág. 142). A manutenção do edifício interessa e favorece a todos os condôminos porque, ainda conforme a lição de Caio Mário da Silva Pereira: Não se pode esquecer que o edifício é um conjunto e que a deterioração de uma parte atinge o conjunto. (obra citada, pág. 144). [...] A obrigação de contribuir com o pagamento das despesas condominiais, por outro lado, está vinculada à unidade autônoma de que estas despesas se originaram e é considerada como sendo propter rem. As obrigações ´´propter rem´´, como ensina Orlando Gomes, ...existem quando o titular de um direito real é obrigado, devido a essa condição, a satisfazer determinada prestação. O direito de quem pode exigi-la é subjetivamente real. Quem quer que seja o proprietário da coisa, ou titular de outro direito real, é, ipso facto, devedor da prestação. Pouco importa, assim, a pessoa em quem surgiu pela primeira vez. A obrigação está vinculada à coisa. (Direitos Reais, 10ª edição, Ed. Forense, 1988, pág. 13). Ainda conforme o mesmo autor: Dentre outras, são obrigações ob rem ou propter rem as dos condôminos de contribuir para a conservação da coisa comum... (Orlando Gomes, obra citada, pág. 13). [... ] É, portanto, possível a penhora da unidade autônoma em ação de execução de despesas de condomínio que dela se originaram, mesmo estando gravada por cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade impostas por ato de liberalidade [...] Portanto, à luz da mesma lógica, mister se faz ter presente que a origem legal da vedação à penhora de imóveis atrelados às cédulas de crédito industrial e comercial não os imuniza, por força dessa gênese peculiar, quando o objeto da execução for débito decorrente de despesas de condomínio. Por outro lado, é certo que, como exaustivamente explanado, a própria natureza da obrigação propter rem torna despicienda ressalva expressa, em lei, para que não prevaleça a impenhorabilidade diante dela. A coonestar tal assertiva está o fato de que, como acima lembrado, ainda sob a égide do Código Civil de 1916 (cujo art. 1.676 era categórico ao estabelecer que a cláusula de inalienabilidade – importando em impenhorabilidade – não podia, "em caso algum", salvo desapropriação e dívida tributária oriunda do próprio bem, "ser invalidada ou dispensada por atos judiciais"), robusteceu-se o posicionamento pretoriano no sentido de que a vedação não tinha lugar em face de dívida condominial. [...] No atinente aos bens adstritos, a título de garantia hipotecária, às cédulas de crédito industrial e comercial, ainda mais clara deve ser reputada a situação, uma vez que, ao invés de consagrar a peremptória vedação contida no art. 1.676 do Código de 1916, o texto do dispositivo pertinente, constante da legislação específica, se presta, por seus próprios termos, a interpretação consentânea com a orientação acima enunciada. Cogita-se neste caso concreto de cédula de crédito comercial e convém lembrar que, por remissão consignada no art. 5º da Lei nº 6.840/80, aplicam-se as normas do Decreto-lei nº 413/69, relativo às cédulas de crédito industrial. Destarte, segundo o art. 57 desse derradeiro diploma, ‘os bens vinculados à cédula de crédito industrial não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestante da garantia real’. Grifei. Na hipótese vertente, todavia, em que se focaliza obrigação condominial, a dívida, como está claro, não se vincula propriamente à pessoa do emitente (ou desse terceiro). Acha-se o débito, isto sim, intrinsecamente ligado ao imóvel, tanto que, transferido este, acompanha-o, passando a onerar o novo titular. Nesse aspecto, há um vínculo de natureza real, que adere ao bem, independentemente de quem seja seu proprietário. É o que dimana da já estudada feição propter rem. Daí se falar, sob tal prisma, em dívida própria da coisa, distinta, pois, das ‘dívidas do emitente ou do terceiro prestante da garantia real’, apontadas na norma em tela como impeditivas da penhora".
A impenhorabilidade aqui tratada também cede passo quando a penhora for oriunda de reclamação trabalhista. Esse tema inclusive deu azo a um procedimento de uniformização dos procedimentos junto aos registros imobiliários paulistas, por parte da Corregedoria Geral da Justiça, no Protocolo CG 27.125/98-Campinas. O Parecer, da lavra dos então juízes auxiliares da Corregedoria, doutores Antonio Carlos Morais Pucci, Eduardo Moretzsohn de Castro, Luis Paulo Aliende Ribeiro, Marcelo Fortes Barbosa Filho e Mario Antonio Silveira, aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Luis de Macedo, é muito elucidativo, motivo pelo qual peço vênia para transcrevê-lo aqui.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
O E. Conselho Superior da Magistratura, nestes autos iniciados por solicitação do então Excelentíssimo Senhor Corregedor do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que almejava uniformizar os procedimentos e evitar divergência quanto ao registro de penhora, feita em execução trabalhista, quando já incidente sobre o imóvel constrito hipoteca cedular, reafirmou o entendimento da impenhorabilidade do bem arquivando o presente expediente.
Posteriormente a esta manifestação do Colendo Conselho, no entanto, surgiram fatos e circunstâncias novas que, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, autorizam e revelam a oportunidade e conveniência da revisão de tal tese para se permitir o registro de penhora, realizada em execução trabalhista, sobre imóvel vinculado à cédula de crédito por hipoteca.
Vossa Excelência, atento aos inúmeros problemas surgidos entre Juízes da Justiça Trabalhista, de um lado, e Corregedores Permanentes e Oficiais de Registro de Imóveis, de outro, versando sobre a recusa de registro da penhora trabalhista de imóvel já onerado por hipoteca cedular, merecendo realçar algumas ordens de prisão de registradores determinadas, nesses casos, por aqueles magistrados, aprovou, em 24 de agosto de 2.000, com caráter normativo, parecer conjunto de nossa lavra, lançado nos autos do Prot. CG n? 34.222/00, que permite o registro da penhora se o magistrado, no exercício da função jurisdicional, em decisão incidental, afastar, em prol do crédito trabalhista, a impenhorabilidade do imóvel vinculado à cédula de crédito, solução, aliás, já consignada em julgados do E. Conselho Superior da Magistratura, entre os quais mencionamos a Apelação Cível n° 33.111-0/3, relatada pelo Des. Márcio Martins Bonilha e a Apelação Cível n° 51.442-0/5, relatada pelo Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição.
Tal decisum já abrandou, e muito, as constrangedoras situações envolvendo juízes trabalhistas e registradores de imóveis, e diminui as dúvidas atinentes a registro de mandado de penhora, extraído de execução trabalhista, em imóvel gravado por hipoteca cedular.
Todavia, alguns outros casos de difícil solução ainda têm surgido, as vezes com ordem de prisão do registrador que, com fulcro nos precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura, se recusa a registrar a penhora.
Tal questão, sabe-se, ainda não se pacificou nos pretórios, em especial no Egrégio Tribunal Superior do Trabalho.
No sentido de ser inadmissível a penhora de bem onerado por hipoteca cedular, calha lembrar o seguinte acórdão do E. Tribunal Superior do Trabalho proferido no Recurso de Revista 506.681/98-2, julgado em 1°.06.99 por sua 2ª Turma, relator Ministro Valdir Righetto:
"Tratando-se de imposição legal não condicionada, não há como se lhe opor a preferência do crédito trabalhista.
"Nesse sentido a jurisprudência desta Corte, consubstanciada nos seguintes precedentes: RR-21997/91, Ac. 4ª T-471/91, Relator Designado Ministro Almir Pazzianotto, DJ 29.11.1991; RR-6130/86, Ac. 1ª T-1123/87, Relator Designado Ministro Manoel Mendes de Freitas, DJ 30.10.1987; RR-5059/85, Ac. 2ª T-5397/85, Relator Ministro Barata Silva, DJ 21.02.1986; RR-5917/84, Ac. 2ª T-3470/85, Relator Ministro Nelson Tapajós, DJ 04.10.1985; RR-4304/82, Ac 2ª T-2763/83, Relator Ministro Nelson Tapajós, DJ 09.12.1983; RR-3506/81, Ac. 3ª T-1988/82, Relator Ministro Expedito Amorim, DJ 06.08.1982; RR-3514/81, Ac. 3ª T-3211/82, Relator Ministro Guimarães Falcão, DJ 19.11.1982. (...)
"Peço vênia, outrossim, para citar os seguintes precedentes do Excelso Supremo Tribunal Federal, verbis: RE-144984-5, Santa Catarina, Relator Ministro Marco Aurélio e RE-163000-1, Pernambuco, Relator Ministro Marco Aurélio" (in "Revista de Direito Imobiliário", RT, n. 47, julho-dezembro de 1.999, pg. 300/302, nesse sentido: Embargos em Recurso de Revista n. 461.298/98-5, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais – TST -, julgados em 23.11.1.999, relator Ministro Rider de Brito, in "Revista de Direito Imobiliário", RT, n. 48, janeiro-junho de 2.000, pg. 285/287; Recurso de Revista n. 527.754/99.4, 3ª Turma, TST, julgado em 23.06.1.999, relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, in "Revista de Direito Imobiliário", RT, n. 48, janeiro-junho de 2.000, pg. 287/289).
Em sentido contrário, admitindo a penhora, lembramos estes julgados do E. Tribunal Superior do Trabalho: Embargos em Recurso de Revista n. 517.156, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, julgados em 25.09.00; Recurso de Revista n. 583.267/99, 2ª Turma, julgado em 04.10.00, relator Ministro Vantuil Abdala; Embargos em Recurso de Revista n. 522.660, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, julgados em 02.10.00, relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula; Embargos em Recurso de Revista n. 509.688, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, julgados em 09.10.00, relator Ministro Vantuil Abdala.
Parece-nos oportuno mencionar a motivação do acórdão proferido nos Recurso de Revista n. 583.267/99:
"Primeiramente é de se notar que a execução no processo do trabalho atende às disposições constantes do Capítulo V do Título X da Consolidação das Leis do Trabalho. O art. 889 da CLT dispõe, ainda, que ‘aos trâmites e incidentes do processo de execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal’.
"Analisando a Lei n. 6.830/80, que trata exatamente da cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, e, portanto, aplicável à questão por força do mencionado art. 889 da CLT, encontramos o seu art. 10, que preceitua o seguinte: ‘Não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o art. 9°, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis’.
"Nesse mesmo sentido estabelece o art. 30 da Lei n. 6.830/80 que: ‘Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento da Dívida Ativa da Fazenda Pública a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara absolutamente impenhoráveis’.
"Verifica-se, pois, que na execução dos créditos trabalhistas são aplicáveis, subsidiariamente, as normas pertinentes à Lei de Executivo Fiscal, dentre as quais as acima transcritas e que asseguram a penhora sobre quaisquer bens do executado, exceto aquele que a lei declare a absoluta impenhorabilidade.
"Resta estabelecer, então, se a hipótese em apreço envolve bens absolutamente impenhoráveis.
"O Código de Processo Civil arrola em seu art. 649 os bens absolutamente impenhoráveis, sobre os quais nem mesmo o crédito trabalhista pode se sobrepor.
"Da leitura dos dispositivos retromencionados não se depreende que o bem gravado por cédula de crédito industrial seja absolutamente impenhorável, quer pela análise dos arts. 57 e 59 do Decreto-Lei n° 413/69, que assim não estabelece, quer por não estar previsto dentre as hipóteses de absoluta impenhorabilidade de que trata o art. 649 do Código de Processo Civil.
"O crédito trabalhista é privilegiado em face da sua própria natureza alimentar, e, como tal, não poderia ser preterido em relação à impenhorabilidade do bem dado em garantia por cédula de crédito industrial, que se destina a resguardar o interesse particular das instituições financeiras que financiam a atividade industrial.
"Esse privilégio do crédito trabalhista encontra-se assegurado, expressamente, pelo art. 186 do Código Tributário Nacional, ao dispor que: ‘O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho’.
"Dessa forma, não se tratando de bem absolutamente impenhorável, nos termos da legislação acima citada, o bem vinculado a cédula de crédito industrial é perfeitamente penhorável no processo de execução trabalhista, dada a preferência do crédito trabalhista, por sua natureza alimentar e em face das disposições legais anteriormente citadas.
"Cumpre ressaltar que o Excelso Supremo Tribunal Federal, nos autos dos recursos RE-144.984-5 e RE-144.940-0, publicados no DJ-01.07.96, adotou posicionamento no sentido de que os bens gravados por cédula de crédito industrial através de alienação fiduciária não podem ser alcançados por execução trabalhista. No entanto, o caso dos autos difere totalmente daquele analisado pela Suprema Corte.
"O fundamento central do Excelso Supremo Tribunal Federal na referida hipótese é o de que a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor fiduciário o domínio da coisa alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, razão pela qual não pode ser alcançado por execução na qual não se revele como devedor.
"De fato, o art. 19, incisos I, II e III, do Decreto-Lei n° 413/69 estabelece que a garantia instituída em cédula de crédito industrial pode se dar de três formas, quais sejam, penhor, hipoteca ou alienação fiduciária.
"E, como já se disse, no caso específico da alienação fiduciária, o domínio do bem dado em garantia real fica com o adquirente fiduciário, ou seja, integra o patrimônio do banco financiador. O mesmo, no entanto, não ocorre quanto à hipoteca e ao penhor, pois nestes o domínio do bem permanece na pessoa do emitente da garantia real.
"O ilustre professor Caio Mário da Silva Pereira, ao tratar da alienação fiduciária, não deixa dúvidas quanto ao acima afirmado, ao dispor que: ‘Ao contrário do que ocorre na situação pignoratícia ou hipotecária, com a alienação fiduciária a coisa já está na propriedade e na posse (indireta embora) do credor. (...) No penhor, como na hipoteca, a coisa é do devedor e do devedor continua sendo, gravada embora do ônus real; na alienação fiduciária a coisa já passa à titularidade do credor, descabendo a proibição de vir ele a ser seu dono.’ (in "Instituições de Direito Civil", 12ª ed., vol. IV , pág. 309).
"Dessa forma permanecendo o bem no domínio do tomador do empréstimo garantido por cédula de crédito industrial, não há que se falar em sua impenhorabilidade na execução trabalhista, em face do privilégio do crédito trabalhista.
"Cabe transcrever o pensamento do eminente professor Cristovão Piragibe Tostes Malta, que em sua obra "A execução no processo trabalhista", pág. 126, posicionou-se, com propriedade, no sentido da prevalência do crédito trabalhista sobre o bem hipotecado, verbis: ‘A idéia de que a hipoteca acompanha o bem penhorado, assim assegurando ao credor hipotecário garantia maior que a do exeqüente trabalhista é incompatível com o processo do trabalho, pelo menos partindo-se da premissa de que o crédito trabalhista é de maior hierarquia que a de qualquer outro. Os bens hipotecados podem, como já se viu, ser penhorados para satisfação de créditos trabalhistas e, sendo alienados em praça, liberam-se da hipoteca.
"Mostra-se, assim, totalmente diverso do presente caso o posicionamento adotado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, que somente encampa a hipótese em que a cédula de crédito industrial encontra-se garantida por alienação fiduciária, e não quando a cédula industrial estiver garantida por penhor ou hipoteca.
"Aliás, o Código de Processo Civil, posterior à edição do Decreto-Lei n° 413/69, permite a penhora de bens gravados por hipoteca (artigo 615, II), o que afasta qualquer alegação de impossibilidade de penhora de bens vinculados à cédula de crédito industrial. Tanto é assim, que o artigo 1.047, II, do CPC autoriza que o credor com garantia real obste, por meio de embargos de terceiro, a alienação judicial do objeto da hipoteca, sendo que a jurisprudência é no sentido de que, intimado o credor hipotecário da penhora, não poderá impedir que se faça a arrematação, salvo se tiver alegado nos embargos e comprovado que o devedor possui outros bens disponíveis sobre os quais poderá incidir a penhora (RTJ 110/912 e STF-RT 593/277)."
A Suprema Corte, como bem realçado na motivação do julgado supra transcrita, tem, é certo, afastado a penhora realizada em execução trabalhista quando o bem esteja vinculado a cédula de crédito por alienação fiduciária, porque, nesse caso, o bem alienado fiduciariamente não mais se encontra na propriedade do devedor. Transcrevemos, a propósito, a seguinte fundamentação do acórdão proferido no RE 114.940-0-PA, relator Ministro Néri da Silveira, que se reporta ao julgamento do RE 102.2999-0-PR, relator Ministro Rafael Mayer:
"Não se trata, obviamente, de simples interpretação da legislação ordinária que regula a alienação fiduciária ou a cédula de crédito industrial, mas da realidade de um negócio jurídico, tido nos autos por incontroverso, do qual resulta ao recorrente a propriedade fiduciária dos bens, com todos os consectários desse direito, mesmo que deles não tenha a posse direta.
"Por isso é que se disse, com inteira pertinência, em acórdão da E. 2ª Turma, no RE 88.059, relatado pelo eminente Min. Cordeiro Guerra, que: ‘O bem alienado fiduciariamente não pode ser penhorado, pois não é propriedade do devedor e, sim, do credor. Muito embora seja proprietário resolúvel e possuidor indireto, dispõe o credor das ações que tutelam a propriedade de coisas móveis e pode recorrer às ações possessórias entre os quais os embargos de terceiro’ (in RTJ 85/326).
"Assim se passa com a cédula de crédito industrial, quando a garantia escolhida se consubstancie em alienação fiduciária dos bens (art. 18 do Dec.-lei 413/69)"
Tal entendimento foi reiterado pela Excelsa Corte no julgamento dos Recursos Extraordinários RE 163.000-1-PE e RE 114.490-0-PA.
É de se realçar que tais precedentes do Supremo Tribunal Federal não versaram sobre penhora realizada em execução trabalhista de imóvel onerado por hipoteca cedular, mas, apenas, de tal penhora sobre bem vinculado à cédula de crédito por outra garantia, a saber, alienação fiduciária.
Por outro lado, os precedentes da Suprema Corte e do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, mencionados em julgados do E. Conselho Superior, que acentuam a impenhorabilidade do bem onerado por hipoteca cedular, não trataram de penhora realizada em execução trabalhista mas, sim, de penhora feita em execução civil, quando, sem dúvida, a impenhorabilidade do bem dado em hipoteca ou penhor cedular prevalece.
O Egrégio Superior Tribunal, por sua vez, já se pronunciou sobre o assunto ora enfocado afirmando que a impenhorabilidade dos bens vinculados à cédula de crédito industrial, prevista no Dec.-lei 413/69, não pode ser oposta à satisfação de créditos trabalhistas (cf. REsp. n. 55.196-0-RJ, relator Min. Cláudio Santos, e REsp. n. 66.579-RS, relator Ministro Eduardo Ribeiro).
Se os bens dados em garantia a créditos cedulares, ressalvada a hipótese de alienação fiduciária, cede aos créditos tributários, entendimento, saliente-se, já pacificado na Suprema Corte (cf. RE n. 103.109, relator Ministro Soares Munhoz; RE 84.059, relator Ministro Moreira Alves) no Colendo Superior Tribunal de Justiça (cf. REsp. n. 88.777-SP, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira; REsp. n. 86.349-SP, relator Ministro Milton Luiz Pereira; REsp. n. 222.142-SP, relator Ministro Garcia Vieira; REsp. n. 100.578-SP, relator Ministro Humberto Gomes de Barros; REsp. n. 222.142-SP, relator Ministro Garcia Vieira) e no Egrégio Conselho Superior da Magistratura deste Estado (cf. Ap. Cív. n° 45.179-0/5 e n° 51.710-0/9) sob o argumento de que o 51.710-0/9, por ser diploma de hierarquia superior aos Decretos-lei n° 413/69 e 167/67, dada sua natureza de lei complementar, não foi modificado e nem revogado por tais decretos-lei e, portanto, ainda que legislador desejasse estatuir com a edição desses decretos um privilégio absoluto à garantia do crédito cedular com relação a outros créditos, nisso não obteve êxito total ante os artigos 184 e 186 do Código Tributário Nacional, pelos mesmos motivos tais bens dados em garantia a crédito cedulares, com exceção, frise-se, da alienação fiduciária, devem se sujeitar à execução trabalhista.
E isso porque o art. 186 do Código Tributário Nacional, ao estatuir a preferência do crédito tributário em relação a qualquer outro, seja qual for a sua natureza ou o tempo de sua constituição, faz expressa ressalva àqueles decorrentes da legislação do trabalho.
O E. Conselho Superior da Magistratura, aliás, já proclamou que a indisponibilidade do bem penhorado em execução fiscal por dívida do INSS ou da Fazenda Nacional, prevista na Lei n° 8.212/91, não inviabiliza o registro de penhora feita em execução trabalhista ante a preferência do crédito trabalhista estatuída no art. 186 do Código Tributário Nacional, lei de hierarquia superior (cf. Ap. Cív. 60.118-0/8, 60.171-0/9 e 60.175-0/7, todas da Comarca de Rio Claro, relatadas pelo Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição).
Finalmente, é de se destacar, ainda, que conflitos de competência versando sobre o registro da penhora trabalhista em imóvel já hipotecado por cédula de crédito, envolvendo, de um lado Juízes da Justiça do Trabalho que insistem no ingresso da penhora no fólio real, e Juízes Corregedores Permanentes que, na esteira da tese albergada em vários precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura, vêm mantendo a recusa de registro do título judicial, têm sido conhecidos e solucionados pelo E. Superior Tribunal de Justiça com prestígio à decisão jurisdicional que deferiu a penhora (cf. CComp. 21.413/SP, rel. Min. Barros Monteiro; CComp. 21.649, rel. Min. Eduardo Ribeiro; CComp. 29.377/SP, rel. Min. Nancy Andrighi; CComp. 30.178/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).
Tais motivos levam-nos a sugerir se digne Vossa Excelência propor ao E. Conselho Superior da Magistratura a revisão do entendimento acolhido em seus precedentes para permitir, doravante, o registro da penhora feita em execução trabalhista sobre imóvel gravado por hipoteca cedular ainda que inexista, no processo de execução, decisão incidental afastando o óbice da impenhorabilidade do bem vinculado à cédula de crédito, sem prejuízo, porém, da providência consistente na ciência do credor hipotecário, pelo registrador, do registro da penhora, consignada no parecer conjunto que lançamos nos autos do Prot. CG n° 34.222/00, já aprovado por Vossa Excelência.