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Eficácia processual da multa coercitiva contra a Fazenda Pública nas obrigações de fazer e de não fazer.

Necessidade de direcionamento pessoal

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Agenda 23/03/2010 às 00:00

CAPÍTULO 2

Não há definição única para o que seja Fazenda Pública. Pelo contrário, a explicação do termo depende de sua aplicação. Segundo Cunha (2007), a Fazenda Pública seria a área da Administração Pública que trata da gestão de finanças e responsável por fixar e implantar políticas econômicas, estando imbricada com o termo Erário.

Contudo, no cotidiano forense utiliza-se a expressão numa acepção mais ampla, como sendo a atuação do Estado em juízo, que passou a ser o significado do termo no âmbito processual, revelando tratar, noutros termos, da própria personificação do Estado.

Portanto, para o nosso objetivo, Fazenda Pública nada mais é do que as pessoas jurídicas de direito público, a saber: União, Estados, Distrito Federal e Municípios – "inclusive os territórios ou outras entidades que, por lei federal, tenham os mesmos privilégios" (GRECO FILHO, 2008, p. 116) –, quando figurarem em processos judiciais, qualquer que seja a natureza da demanda.

Saliente-se ainda, que as autarquias, aí incluídas as agências reguladoras, bem como as fundações públicas englobam o conceito de Fazenda Pública, uma vez que, de igual forma, possuem personalidade jurídica de direito público. Todavia, o mesmo entendimento não pode ser realizado em relação às sociedades de economia mista e às empresas públicas, eis que, inobstante configurarem partes da Administração Indireta, têm personalidade de direito privado.

2.2.PRERROGATIVAS FAZENDÁRIAS

Em razão da necessidade de privilegiar o interesse público, finalidade precípua da Administração, o Direito confere aos entes fazendários prerrogativas, que são verdadeiras vantagens processuais.

Parte-se do pressuposto que os entes públicos, numa relação jurídica posta, estão, em última análise, a defender o erário [15], ou seja, a própria sociedade. Basta considerar esse aspecto para entender a razão pela qual a Fazenda submete-se a tratamento privilegiado em relação aos particulares.

Outro importante fundamento para as "regalias" garantidas à Administração Pública é o de que os procuradores que representam estas entidades não podem ser considerados equivalentes aos advogados particulares. Ora, os advogados públicos, além de não poderem escolher quais ações devem ser ajuizadas, estão normalmente mergulhados em um grande volume de trabalho e enfrentam os graves entraves burocráticos organizacionais para defender o interesse público.

Destarte, faz-se inafastável que a Fazenda Pública possua a vantagem de ter prazo em quádruplo para apresentar peças defensivas e em dobro para interpor recursos, nos termos do artigo 188 da Lei Adjetiva Civil [16] e do duplo grau de jurisdição obrigatório, ou seja, as sentenças proferidas contra estes entes só produzem efeitos após confirmação perante o tribunal competente, como dispõe o art. 475, I, do CPC [17].

2.3.TENTATIVAS DE ACABAR COM AS PRERROGATIVAS FAZENDÁRIAS

Dado grande número de críticas ao sistema de "privilégios" processuais das entidades públicas, surgiram nós últimos anos diversos projetos no Congresso Nacional que buscam dar um fim ou ao menos limitar as prerrogativas da Fazenda Pública em juízo, alguns deles cuja tramitação já se encontra em fase final de aprovação.

Como exemplo meramente ilustrativo, convém mencionar o Projeto de Lei do Senado Federal n. 11/2005, de autoria do Senador gaúcho Pedro Simon, que tem por escopo a limitação na utilização do instituto do reexame necessário da revisão das sentenças desfavoráveis à Fazenda Pública, ao argumento de tal recurso só deve ser permitido quando haja real interesse público na revisão do julgado, eliminando em parte a inacabável espera dos administrados.

2.4.SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

A antiga premissa de que a Fazenda Pública detinha a prerrogativa da utilização da supremacia do interesse público contra o particular quando litigando em juízo foi extremamente mitigada nos últimos anos. É que, como se sabe, o interesse púbico é um conceito jurídico indeterminado, no qual se deve ter em conta a imprescindível compatibilidade com a noção de bem comum.

Modernamente, consolidou-se que o único interesse público que se reveste do atributo da supremacia é o interesse público primário, vez que o interesse particular das pessoas só pode restringido quando imprescindível para a coletividade. Logo, o interesse público primário é aquele que concerne a toda a sociedade, e não à conveniência das entidades públicas.

O interesse público é, portanto, indisponível, considerando que não existe possibilidade que a Administração o afaste para privilegiar seus interesses em detrimento da coletividade. A questão é bem explicada por Di Pietro (2004, p. 70): "Precisamente por não poder dispor dos interesses públicos cuja guarda lhes é atribuída por lei, os poderes atribuídos à Administração têm o caráter de poder-dever; são poderes que ela não pode deixar de exercer".

Desse modo, insta inferir que agindo os entes públicos unicamente em nome de sua conveniência, e não do interesse público primário, não há que se falar em aplicação da prerrogativa da supremacia do interesse público, porquanto a Fazenda terá que obedecer a lealdade e a isonomia processual.

2.5.ISONOMIA PROCESSUAL

A isonomia processual, expressamente prevista no art. 125, I, [18] do Código de Processo Civil, emerge obviamente do art. 5º da Constituição Federal [19], garantido a todos os litigantes presentes a uma relação jurídica o mesmo tratamento perante o Poder Judiciário. É claro que, diante dos critérios informadores da interpretação constitucional, o conteúdo do princípio em tela deve ser analisado de forma substancial, ou seja, deve ser perquirida qual a finalidade da norma.

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Portanto, como anteriormente dito, devem ser tratados igualmente apenas os efetivamente iguais, sendo possível a concessão de certas vantagens a algum dos lados envolvidos, para fazer valer a igualdade material, como no caso dos prazos a maior garantidos à Administração Pública.

No âmbito do processo, a garantia do tratamento isonômico é norma imperativa, devendo o magistrado assegurar iguais oportunidades, máxime pela aplicação do contraditório, para que as partes possam trazer aos autos elementos necessários e aptos a revelar qual a melhor tese apresentada, tendo reais chances de participar do processo de convencimento do juiz.

2.6.ESPÉCIES DE MULTAS NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Como se sabe, existem três tipos de multas previstas no Código de Processo Civil brasileiro: a por litigância de má-fé (art. 18 do CPC [20]), a do chamado contempt of court, contra os atos atentatórios à dignidade da justiça (parágrafo único do art. 14 do CPC [21]) e a fundamentada na necessidade de coerção direcionada a compelir o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer – desde que em caráter contínuo – (§4º do art. 461 do CPC [22]). Entenda-se, o objetivo da multa coercitiva não é o de punir o devedor, mas sim alcançar o cumprimento da prestação devida, sendo este instituto o objeto do presente trabalho.

Nos dizeres de Carreira Alvim (1997, p. 114): "[A multa funciona] como um castigo por uma desobediência e não a reparar um prejuízo, fundado no pressuposto de que a parte credora tem [...] interesse legítimo em obter o cumprimento daquilo que foi ordenado pelo juiz [...]".

Outro importante fator a se considerar é o de que a multa diária prevista no parágrafo 4º do artigo 461 pode ser efetivamente imposta independente de pedido do autor, bastando que o magistrado verifique a necessidade de sua aplicação para assegurar o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer. Por conseguinte, não estaria o juiz igualmente adstrito a qualquer provocação das partes para determinar a majoração da multa até o valor que restabeleça a fundamental pressão sobre o devedor. Sendo a multa utilizada para causar um incômodo ao devedor, com a finalidade precípua de obter a prestação devida, é indispensável concluir que tal providência evidencia o caráter de coerção indireta da medida em comento.

É interessante asseverar que as grandes semelhanças existentes entre a multa coercitiva [23]e a astreinte do Direito Francês não as tornam idênticas. Ao contrário, ambas possuem peculiaridades identificáveis. O instituto cuja origem remonta à França criou o ideal de coação moral como meio de perturbação do devedor, contudo seu nascedouro é um pouco mais conturbado.

Ainda hoje astreinte recebe tratamento no Direito Francês que não permite sua adequação plena à multa coercitiva do artigo 461, §4º, do CPC, conforme se afere do magistério de Talamini (2003, p. 53): "Sua aplicação, atualmente, estende-se a qualquer provimento judicial que imponha a observância de um dever cujo objeto consista na prestação de uma conduta ativa ou omissiva (dar, fazer, não fazer) – ainda que fungível". Ademais, segundo ATAÍDE JUNIOR (2008), a astreinte francesa está intimamente ligada à concepção de perdas e danos desde seu surgimento, podendo ser definitiva ou provisória, além de ser passível de ser revertida tanto em favor do Estado quanto do credor.

A definição em tela vai de encontro à multa coercitiva brasileira, que prevê a que o produto da multa deve ser entregue ao beneficiário da ordem judicial, desvinculada da noção de indenização, de acordo com o disposto no artigo 461, §2º [24] do CPC e com pretensa analogia aos artigos 35 [25] e 601 [26] do referido diploma legal como se verifica da lição de festejado doutrinador pátrio: "É praticamente pacífica no Direito nacional [...] a orientação de que o produto resultante da incidência da multa coercitiva deve ser destinado ao autor da demanda em que a multa é cominada." (ARENHART, 2008 apud ATAÍDE JUNIOR, 2008).

Diante do caráter coercitivo da multa do artigo 461, § 4º, não haveria razão de estipular que os valores arrecadados fossem arrecadados pelo Estado, eis que quem sofre com o atraso na prestação é, em qualquer análise, o credor.

2.7.POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTAS À FAZENDA

A aplicação de meios coercitivos inovadores para compelir a Fazenda Pública a cumprir suas obrigações quando em meio a um litígio judicial é uma inafastável necessidade para tornar funcional o primado da isonomia material. Tal perspectiva é enfatizada pela doutrina especializada, como se verá adiante.

"O grande desafio da doutrina contemporânea não é o de apenas estudar as novas técnicas de tutela, mas, sobretudo o de, a partir das reais necessidades do direito material, isolar e delinear as tutelas que devem responder de forma adequada a essas necessidades" (MARINONI, 2000, p. 62). A partir dessa perspectiva é que se pode almejar a aplicação dos meios coercitivos inovadores para fazer a Fazenda Pública cumprir suas obrigações quando litigando em juízo.

Numa análise preliminar, não há como se vislumbrar qualquer óbice em eventual condenação da Fazenda Pública ao pagamento da multa coercitiva, consubstanciado nos princípios isonomia e da lealdade processual, em que o credor tem o direito legítimo de alcançar o cumprimento do que lhe foi garantido judicialmente.

O único senão, contudo, consiste na necessidade de sujeição da condenação ao método dos precatórios, uma vez que às condenações impostas à Fazenda Púbica, independente da natureza dos créditos, submetem-se ao sistema precatorial, salvo as expressas ressalvas aos créditos de pequeno valor. (CUNHA, 2007).

Todavia, ainda que as condenações dos entes federativos estejam submetidas aos precatórios, existe um limite para garantir ao credor os danos resultantes da demora. Logo, quando o magistrado lança o precatório, que passa a ser inscrito e, antes da decisão transitar em julgado, for chegado o instante de o precatório antecipado ser pago, o montante ficará à disposição do juízo, até o desenlace do processo.

Forçoso fazer menção dos ensinamentos de Zavascki (2007, p. 192-193):

Quanto à natural demora no pagamento, própria do regime de precatório, ela não deve existir em se tratando de dívidas consideradas de pequeno valor, cuja satisfação não está submetida ao referido regime (CF, art. 100, §3º). Relativamente a elas, portanto, o atendimento da prestação deve ser providenciado de imediato, tão logo a sentença adquira força executiva.

No que se refere às demais, os comandos normativos que exigem a expedição de precatório e o trânsito em julgado como requisito de executividade das sentenças que impõem à Fazenda o pagamento de quantia, há, aqui, a necessidade de compatibilizar tais exigências com as que decorrem dos demais preceitos constitucionais, nomeadamente com os que asseguram o direito à efetividade e à tempestividade da jurisdição (CF, art. 5º, LXXVIII).

Havendo conflito insuperável entre os princípios que decorrem desses preceitos constitucionais, a regra concreta de conformação destinada a propiciar condições de convivência harmônica entre eles faz pender a balança em benefício da utilidade da prestação jurisdicional, ainda que isso possa representar uma limitação ao princípio, de natureza estritamente patrimonial, relativo ao sistema de precatórios e ao da segurança jurídica advinda do trânsito em julgado. É justamente essa relação de prevalência (da efetividade sobre a segurança) que dá sustentação a todas as medidas de tutela provisória [...] (grifos nossos).

Ainda, em defesa do uso da norma em tela contra a Fazenda Pública, argumenta-se que a não aceitação da multa importaria na invibiliazação da tutela jurisdicional específica do credor, pelo fato de ser devedor do Estado, o que seria uma distinção odiável, que não pode ser admitida, sob pena de violação do princípio da isonomia (CÂMARA, 2007).

Demonstrando a concreta possibilidade da aplicação da multa do artigo 461 aos entes públicos, cabe transcrever aresto do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535. INOCORRÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COERÇÃO AO DEVEDOR (CPC, ARTS. 273, §3º E 461, §5º). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. CONFLITO ENTRE A URGÊNCIA NA AQUISIÇÃO DO MEDICAMENTO E O SISTEMA DE PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS PELA FAZENDA. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO.

[...]

2. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a aplicação de multa diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou de sentença definitiva de obrigação de fazer ou entregar coisa, nos termos dos artigos 461 e 461A do CPC. Precedentes.

3. Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (V.g., desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de execução direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis

[...]

(Superior Tribunal de Justiça STJ; Recurso Especial n. 840.912; Processo: 2006/0080862-0; Rio Grande do Sul; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator Ministro Teori Albino Zavascki; Julgamento: 15/02/2007; DJU 23/04/2007; Pág. 236)

Ademais, a imposição de um fazer ou um não fazer à Administração, tendo um correspondente em dinheiro, imprescinde, em tese, de disponibilidade no orçamento de montante suficiente para que a Fazenda tenha, ao menos, a possibilidade desincumbir-se do seu dever, cumprindo a determinação que lhe foi dirigida.

Contudo, a hipótese descrita não impossibilita de todo a utilização das multas coercitivas, como bem salienta Marinoni (2000, p.120): "[...] nada impede que [se] ordene a realização da incumbência devida pela Administração e, alternativamente, a disponibilização, em orçamento, do valor necessário para a consecução da obrigação legal.".

Nessa esteira de pensar é que, caso demonstrada a incapacidade orçamentária para o adimplemento obrigacional, deve o juiz manter a multa para obrigar a Administração a disponibilizar valor necessário para assegurar o cumprimento da obrigação.

2.8.EFICÁCIA PRÁTICA

Superada a controvérsia teórica acerca da possibilidade de aplicação de multas com intuito de coerção da Fazenda Pública ao cumprimento de encargos discutidos judicialmente, cumpre examinar amiúde a eficácia prática deste meio coercitivo contra os entes que compõem a Federação.

Sucede que, a prática forense comprova que as multas coercitivas estipuladas em desfavor da Fazenda Pública são pouco eficazes, quiçá inócuas [27].

A ausência de produção dos efeitos desejados decorre basicamente de que as entidades públicas não possuem vontade hábil a sofrer qualquer coação. Ora, em não se atingindo pessoalmente qualquer indivíduo, compromete-se a própria ideia da utilização do meio de coerção psicológico, que busca acelerar o cumprimento da obrigação frente o receio causado no devedor obrigacional.

Ademais, existe outro grave estorvo causado pelas multas aplicadas diretamente à União, aos Estados-membros, ao Distrito Federal, aos Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas. É que o encargo, em boa verdade, acaba sendo suportado pela população, através do pagamento de impostos, em que pese a sociedade sequer ter a possibilidade de tomar conhecimento dos inúmeros casos judiciais em que termina por ser habitualmente prejudicada.

Juristas renomados entendem ser descabida a utilização do instituto ora em análise contra a Fazenda Pública, pela notória quase inexistente eficácia prática como meio acelerador de decisões judiciais, assim como pela não incidência da punição ao verdadeiro responsável pela mora, como defendeu o brilhante Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima em rápida passagem da palestra "Panorama atual da coisa julgada: uma visão crítica", proferida em 24.10.2008 no Auditório da Seção Judiciária de Alagoas da Justiça Federal.

Como base nessa argumentação, a meu sentir, a aplicação da multa processual coercitiva contra os sujeitos de direito público interno é realmente inócua, posto que desprovida de eficácia, e até porque desvirtua o próprio sentido de sua imposição, frente à inexistência de resultados concretos condizentes com a necessidade da garantia ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, seja pela morosidade no provimento, seja pela carência de persuasão íntima passível de sofrer pressão, seja por fim, pela inaceitável e desarrazoada sanção imposta, ainda que sem intenção concreta, ao interesse público primário.

O Poder Judiciário ainda aplica em larga escala as multas diretamente à Fazenda Pública, multas estas que, por vezes, alcançam valores altíssimos, até maiores do que a própria obrigação, o que evidencia a inocuidade da imposição judicial e obrigou a jurisprudência pátria construir a visão da discutível imprescindibilidade da utilização do princípio da proporcionalidade para redução de tais multas.

Ora, não faz sentido algum em se aplicar uma multa, que repiso se saber inofensiva, e por esta alcançar um valor extremamente alto, por culpa exclusiva do devedor, considerá-la desproporcional.

A tentativa de se coagir, a realizar ou não realizar um ato, um ser fictício, desprovido de capacidade psicológica, com a incidência penalidades a um patrimônio que é constituído unicamente por verbas advindas do povo, não pode se sustentar. O direito não pode afrontar a lógica, nem pode colocar em cheque o sentimento de justiça, sob pena de ver-se afastado do seu real propósito de pacificação social.

Esse pensamento é defendido ardorosamente nas lições de Greco Filho (2008, p. 75):

Entendemos, também, serem inviáveis a cominação e a imposição de multa contra pessoa jurídica de direito público. Os meios executivos contra a Fazenda Pública são outros. Contra esta a multa não tem nenhum efeito cominatório, porque não é o administrador renitente que irá pagá-la, mas os cofres públicos, ou seja, o povo. Não tendo efeito cominatório, não tem sentido sua utilização [...]. (grifo nosso).

Com base nesses aspectos, é que, a meu ver, a solução deve ser outra, passando pela impossibilidade de aplicação direta da multa em face dos sujeitos de direito público, buscando sanções alternativas dotadas de eficiência prática. A melhor delas, sem dúvida, é o direcionamento pessoal da multa ao agente público responsável pelo ato, como busca-se demonstrar nas páginas subsequentes.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA NETO, Angelo Cavalcanti Alves. Eficácia processual da multa coercitiva contra a Fazenda Pública nas obrigações de fazer e de não fazer.: Necessidade de direcionamento pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2456, 23 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14557. Acesso em: 23 dez. 2024.

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