CAPÍTULO 3
Como fixado nos capítulos anteriores, o indivíduo que procura o Judiciário persegue e tem o direito constitucional de receber um provimento justo, seja favorável ou não, apropriado e rápido, na medida da razoabilidade.
Em vista disso, impõe-se a efetividade da jurisdição, que por óbvio necessita que a tutela jurisdicional prestada seja eficaz, a fim de que a parte obtenha o bem jurídico litigioso num período de tempo razoável. É a consagração da máxima do brilhante Professor José Carlos Barbosa Moreira, que sustenta ser indispensável a observância ao postulado da máxima efetividade da jurisdição, no qual o vencedor da demanda deve, ao final do processo, obter exatamente aquilo que conseguiria caso a obrigação tivesse sido adimplida voluntariamente.
Deste modo, se faz imperiosa a busca pela solução mais adequada ao caso em concreto, com vistas aos ditames constitucionais, objetivando alcançar a máxima efetividade do direito fundamental à tutela jurisdicional.
Nesse contexto é que se aplica o artigo 461 do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei n. 8.952, de 13.12.1994 e seus parágrafos, instituídos com o escopo de tornar efetivo o processo, como se vê: "A nova redação do artigo 461 (CPC), importada, praticamente ipsis litteris, do art. 84 [do CDC], trouxe, como se percebe, inovações expressivas, todas inspiradas no princípio da maior coincidência possível entre a prestação devida e a tutela jurisdicional entregue." (ZAVASCKI, 2007, p. 169).
A bem da verdade, o artigo 461 do CPC consagra a disciplina da tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, mas abrange de igual modo a inespecífica. Segundo Machado (2008), tutela específica seria a tutela direta, que busca proporcionar ao credor o mesmo resultado que ele obteria caso tivesse havido o inadimplemento da obrigação, enquanto a inespecífica, ou indireta, é aquela providência que ou elimina as consequências da violação ou compensa pecuniariamente o credor em razão dela.
Destarte, podemos considerar que a tutela específica é um comando endereçado ao demandado, para que, num prazo determinado, por exemplo, realize um show ou pinte um quadro (obrigações de fazer infungíveis [28]), construa um muro, pinte a casa (obrigações fungíveis [29]) ou ainda, abstenha-se de emitir poluentes (obrigações de não fazer [30]).
Conforme demonstrado anteriormente, a multa coercitiva destinada a constranger diretamente a Fazenda Pública a adimplir suas obrigações se apresenta inócua no âmbito prático, em que pese, eventualmente, em raras hipóteses, lograr algum êxito. Por conseguinte, o juiz tem o dever de esforçar-se por encontrar uma alternativa que melhor realize o espírito do § 4º do artigo 461 da Lei Adjetiva Civil, observando as bases estabelecidas pela Constituição da República.
Aliás, a maior inovação do artigo 461 foi a de tornar imediata a pressão psicológica e sua eficácia persuasiva sobre o réu, o que, na maioria das vezes, determina a pronta satisfação do direito afirmado pelo autor, enquanto anteriormente à inovação realizada em 1994, a multa só incidia a partir do trânsito em julgado, o que era inegável obstáculo à consecução do sonhado ideal da efetividade do processo.
O próprio legislador ordinário verificou a necessidade da adequação do Código de Processo Civil ao texto supremo, nomeadamente no parágrafo 5º do artigo 461 [31], que adotou o princípio da atipicidade dos meios executivos: a possibilidade de que o juiz, a fim de realizar o resultado prático equivalente na efetivação da tutela específica, possa, ainda que sem ser provocado, determinar quaisquer medidas necessárias, elencando um rol exemplificativo de medidas hábeis a tornar prático o comando judicial.
Essa ideia coaduna com a compreensão de Zavascki (2007, pp. 169-170: "Ao se propor ação com o objetivo de obter o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer há nela embutido, como pedido implícito, o da determinação de outras providências que assegurem referido resultado prático".
Há quem sustente, inclusive, que esse dispositivo, à luz da Constituição, permitiria a decretação da prisão civil da parte que não cumpre a obrigação determinada, quando não se tratar de obrigação pecuniária, eis que inexistiria dívida, e, consequentemente vedação do ordenamento.
É controverso o entendimento acerca da possibilidade de prisão civil por descumprimento de obrigação determinada judicialmente. Parte da doutrina entende que a Constituição, ao vedar a prisão por dívida, o fez tão-somente em relação às obrigações pecuniárias, outros, contudo, aceitam a decretação, mas com aspecto absolutamente subsidiário, apenas quando constatada a absoluta impropriedade dos demais meios coercitivos, já que se trataria de medida extremamente gravosa que atinge frontalmente o direito fundamental à liberdade de locomoção.
Todavia, a posição de Baptista da Silva (1996) parece deveras mais aceitável, eis que revela o equívoco existente na interpretação restritiva. Ora, o próprio texto constitucional, ao vedar a prisão por dívida, estipula a ressalva em relação à prisão do depositário infiel [32], o que demonstra que a dívida mencionada na Lei Maior diz respeito a qualquer obrigação, não apenas às pecuniárias, do contrário não faria sentido a expressa exceção feita pelo legislador constituinte, uma vez que as situações ensejadoras da prisão do depositário infiel não se confundem com obrigações monetárias.
Aliás, como bem afirma Zavascki (2007, pp. 169-170): "Embora a lei refira que o meio executivo eleito deve ser ‘suficientemente compatível’, é óbvio que há de ser também juridicamente legítimo." A prisão, além de medida extrema, está em desconformidade com o que preconiza a Lei Fundamental. Veja-se nesse ponto, o pensamento de Marinoni (2004, p. 250):
[...] Tal poder, contudo, não deve ser utilizado arbitrariamente, devendo ser controlado pelas partes, à luz do princípio da proporcionalidade. Assim, é de se indagar: i) o meio executivo é adequado (compatibiliza-se com o ordenamento jurídico): por exemplo, a prisão civil, por força do artigo 5º, inc. LXVII, da CF, não pode ser estendida além do devedor de alimentos e do depositário infiel; ii) o meio executivo deve ser necessário: deve-se indagar se existe outro meio menos oneroso ao executado: por exemplo, entre aplicar a multa diária e fechar o estabelecimento do executado, criando desemprego e extinguindo uma fonte de tributos, sendo aquela medida capaz de se chegar ao fim pretendido, esta não pode ser aplicada; iii) as vantagens da adoção do meio executivo devem ser superiores às desvantagens: por exemplo, quando se concede a tutela antecipada, em favor de incapaz, cujo pai foi vítima de acidente de trânsito, para lhe assegurar o imediato pagamento de alimentos decorrentes de ato ilícito, a ser descontado na folha de pagamento da empresa, sob pena de multa, está se tutelando a sobrevivência digna da criança ou do adolescente desamparado, em detrimento da redução do patrimônio do demandado, com o risco de, na impossibilidade de se exigir caução, gerar prejuízos ao executado.
Além do que, não parece fazer sentido que se aplique uma sanção tão gravosa por um descumprimento civil, quando o sistema penal brasileiro é tão condescendente e cada vez mais tendente a utilizar penas restritivas de direito em detrimento das privativas de liberdade, consoante jurisprudência dominante nos pretórios superiores.
Porém, como vastamente demonstrado, o escopo primordial deste trabalho é encontrar a opção mais factível especificamente em relação à inocuidade da aplicação direta da multa às entidades públicas, motivo pelo é desnecessário se aprofundar nas considerações acerca da prisão civil, perfazendo necessária a volta ao tema realmente idealizado.
Na verdade, defendemos que a alternativa mais adequada para fazer a Fazenda Pública cumprir uma obrigação determinada, é, sem dúvida alguma, a do direcionamento pessoal da multa ao agente público responsável pelo ato a ser ou não ser efetuado, conforme as disposições constantes do artigo 125 do CPC [33], que impõem ao juiz a tomada de medidas que cumpram a homenageiem a isonomia, a celeridade e o efetivo cumprimento de suas decisões.
Ressalte-se, entretanto, que apenas a imposição da multa pecuniária pode ser concedida de ofício, mas não uma liminar de tutela específica, que continua a depender de requerimento do autor.
O pensamento vem ganhando força tanto no âmbito doutrinário quanto jurisprudencial, em que pese sofrer algumas críticas, por cumprir o real espírito do ordenamento como um todo, com fundamentos diversos, como se poderá aferir no desenvolvimento que se segue.
3.2.AUTORIZAÇÃO NORMATIVA PARA O DIRECIONAMENTO PESSOAL
O direcionamento pessoal da multa coercitiva ao agente público não encontra amparo expresso na legislação pátria, motivo pelo qual é uma técnica a ser criada buscando a efetividade da jurisdição, ou seja, estamos tratando de um meio executivo atípico.
Como vastamente demonstrado no capítulo inicial, a nova concepção do Direito Processual Civil impõe a constante procura pela concretização dos direitos fundamentais, porquanto deve o magistrado não mais ser um mero aplicador da legislação vigente, mas buscar de todos os modos possíveis a efetivação da justiça no caso em concreto.
A tônica neoprocessualista está adstrita aos ditames da Constituição da República e seus princípios fundamentais, cuja interpretação deve ser realizada de forma substancial a fim de garantir a execução do real espírito da Lei das leis, consolidando o avanço do que a doutrina chama de ativismo judicial.
Logo, não haveria lógica alguma em se interpretar as normas postas no CPC sem indagar se teriam algum êxito no objetivo a que se propunham nos casos práticos. Senão vejamos. Como a utilização de coação moral sobre um ente sem capacidade psicológica teria algum efeito real? Simplesmente não teria. Contudo, ao usar a interpretação conforme a Constituição vê-se que o sentido da norma não é o de impingir multa à parte processual devedora, mas sim ao efetivo responsável pelo ato, eis que apenas este poderá sofrer pressão moral suficiente a tornar mais ágil o cumprimento da prestação determinada.
Por conseguinte, ao se utilizar a interpretação conforme a Constituição, extraindo a máxima efetividade do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, o intérprete encontra indubitável amparo para que o § 4º do artigo 461 do Código de Processo Civil seja aplicado diretamente em face do agente causador da mora no cumprimento da obrigação determinada judicialmente.
Ademais, ainda que não se entendesse assim, a própria legislação infraconstitucional prevê a possibilidade de que o juiz aja da forma que melhor convir ao efetivo provimento processual, como se observa do texto inserto no artigo 461, § 5º, do CPC, verbis: "Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial." (grifei).
Portanto, ao agir determinando o direcionamento da multa ao agente responsável pelo ato a ser ou não realizado, a decisão do juiz se investe de caráter legitimador, uma vez que utiliza a medida necessária alicerçada nos reais propósitos da Lei Maior e nos mais intensos ideais de justiça.
Até porque, o próprio Código de Processo Civil obriga qualquer pessoa envolvida de alguma forma no processo a cumprir os deveres lealdade e boa-fé [34], não estando de nenhuma maneira eximidos de cumprir com exatidão as decisões judiciais.
É bom dizer que, caso não se entendesse possível a utilização do direcionamento pessoal como medida fundamental ao aceleramento da prestação com base na legislação posta, o texto do CPC estaria em desacordo com a essência da Constituição Federal, ensejando a inafastável passagem pelo crivo do controle de constitucionalidade.
3.3.MULTAS COERCITIVAS PARA AS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER
As obrigações de fazer e de não fazer não se confundem. Não obstante, em ambos os casos o meio de tornar o cumprimento mais efetivo passe pela compreensão do direcionamento pessoal ao agente público, há que se estabelecer as perspectivas nas quais as multas coercitivas devem ser estabelecidas.
Para tornar efetivo e célere o cumprimento de obrigações de fazer (positivas) ou de não fazer continuadas no tempo, é recomendada a aplicação da multa diária, como em uma das facetas das chamadas astreintes francesas.
Contudo, para evitar a realização de um ato, ou seja, para compelir o agente a não agir (obrigação negativa), é necessária a utilização da multa oriunda da escola alemã, a multa "cheia" ou Zwangsstrafen. A exposição de Zavascki (2007, pp. 170-171) é brilhante para elucidar as distinções:
A multa diária é mecanismo de coerção talhado para induzir o cumprimento de obrigação positiva que esteja sendo violada, de coagir a realização de uma ação a ser desenvolvida: a multa incide imediatamente, acumula-se dia a dia e somente cessa com o atendimento da prestação. No caso de obrigação negativa, porém, ocorre fenômeno exatamente inverso, pois o que se visa é a não-ocorrência da ação, ou seja, o meio coativo deve induzir a uma omissão. Não há sentido lógico em utilizar, para esse fim, o instrumento da multa diária, salvo, em se tratando de obrigação negativa de caráter permanente, quando se pretende inibir a reiteração ou induzir a cessação da lesão. Nos demais casos, todavia, especialmente para prevenir a ocorrência de inadimplemento de obrigação negativa instantânea, a coerção pecuniária mais adequada será a cominação também de multa, mas com outra natureza: terá de ser multa de valor fixo, que não incidirá imediatamente, mas apenas se houver violação da obrigação. [...] Embora se tratem, ambas, de meio de coerção patrimonial, as duas espécies de multa são instrumentos executórios substancialmente diferentes, seja quanto ao seu valor, seja quanto ao modo de atuar. A multa adequada a induzir o comportamento devido será não a multa diária, mas a de valor fixo, que, [...] há de ser cominada invocando-se o §5º do 461, e não o §4º.
Até porque, conforme ensina Marinoni (2004), com as técnicas processuais previstas nos artigos 273 [35] e 461 do Código de Processo Civil e 84 [36] do Código de Defesa do Consumidor, os meios de coerção indireta (quando é necessário contar com a vontade do obrigado) e direta (quando a vontade do obrigado é irrelevante), atrelados às técnicas das sentenças mandamentais e executivas lato sensu, permitiram que, em um só processo, fossem realizados todos os atos necessários à efetivação da tutela jurisdicional. Com isto, o meio de execução por sub-rogação adequado somente à tutela ressarcitória, quando se fazia a conversão da obrigação em perdas e danos, deixou de ser o meio executivo mais adequado para a realização de outras obrigações (de fazer, não-fazer e entregar) ligadas aos direitos não-patrimoniais.
3.4.ÓBICE DA TEORIA DO ÓRGÃO
Não há unanimidade doutrinária e jurisprudencial no Brasil acerca da possibilidade do direcionamento pessoal da multa coercitiva ao agente público responsável pela realização (ou não realização) do ato questionado.
Parte da doutrina defende que a impossibilidade está consubstanciada na teoria do órgão [37]. Para eles, a multa jamais poderia ser imputada ao agente público, em razão de que esse, ao manifestar sua vontade, age unicamente em nome do órgão público [38] ao qual é vinculado, ou seja, segundo essa visão, o administrador público não age em seu nome, mas apenas "representa" a vontade da entidade, em último exame.
Todavia, a aludida compreensão é equivocada, pois parte da premissa de que a desobediência à ordem judicial está consubstanciada numa manifestação de vontade do órgão.
Ora, restou exaustivamente provado que não pode o operador do direito visualizar soluções para os conflitos sem atentar para os vínculos da situação concreta com o texto constitucional. Assim, tem-se que, para realizar a efetividade da tutela jurisdicional, deve a atuação positiva ou negativa do agente público ser vislumbrada pelo hermeneuta em sua essência.
Portanto, não se pode taxar a atitude contrária à determinação do Poder Judiciário de manifestação da Fazenda Pública, em qualquer hipótese, eis que, estaria esta a contrariar seus preceitos mais fundamentais, distanciando-se da concretização do interesse público.
Ademais, é lógico que a atitude afrontosa e até mesmo insultuosa do agente é manifestamente pessoal, revelando o descaso deste com os poderes constituídos, a situação posta e o interesse social.
Corroborando esse pensar, colhe-se o entendimento de VARGAS (2001, p. 125):
[...] A desobediência injustificada de uma ordem judicial é um ato pessoal e desrespeitoso do administrador público; não está ele, em assim se comportando, agindo em nome do órgão estatal, mas sim, em nome próprio, porque o órgão, como parte que é da administração pública em geral, não pode deixar de cumprir determinação judicial, pois se assim agir, estará agindo contra a própria ordem constitucional que o criou, ensejando inclusive a intervenção federal ou estadual, conforme o caso (CF/88. arts, 34, VI [39], e 35, IV [40]), seria a rebeldia da parte contra o todo. Quando a parte se rebela contra o todo, ela, a parte, deixa de pertencer àquele. (grifo nosso).
Pertinente ainda a consideração do aludido jurista de que o descumprimento de decisão judicial enseja até mesmo a intervenção, o que revela a impossibilidade de, em casos semelhantes, o ato ser imputado diretamente ao órgão.
Desta forma, a utilização da teoria do órgão como um escudo protetor do agente contra condutas irresponsáveis realizadas por ele próprio perturbaria enormemente o espírito do ordenamento jurídico pátrio.
3.5.COERÇÃO DA VONTADE EFETIVA
A partir das premissas supra transcritas, o legislador produziu as regras contidas no artigo 461 do Código de Processo Civil, que instituíram a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto e, inclusive, variar o montante da multa necessária ao convencimento do requerido.
A multa coercitiva é estabelecida como forma de se garantir o cumprimento das determinações judiciais emanadas liminarmente, ainda que em comando sentencial. Tal penalidade moratória atua como execução indireta, coagindo os réus a prestar suas atividades, através da aplicação de uma sanção em dinheiro no caso de inobservância de seus deveres, como se pode observar abaixo:
A pena pecuniária [...] tem por finalidade compelir o devedor a cumprir obrigação de fazer ou não fazer, decorrente de título judicial e extrajudicial.
[...]
O instituto da pena pecuniária tem semelhança com a astreinte do direito francês e com a rebeldia à injunction, que significa o contempt of court do direito anglo-saxão e que, além da multa, pode levar à prisão. Sua finalidade é compulsiva, a de fazer com que o devedor cumpra especificamente o devido, o que é sempre melhor do que a compensação em perdas e danos.
Dada essa natureza da multa pecuniária, ela pode ultrapassar o valor da obrigação. Não tem o caráter de prefixação das perdas e danos.
Por outro lado, deve ela ser fixada em valor suficiente para causar o efeito compulsivo, não podendo, portanto, ser irrisória.
[...]
A multa é instituída em favor do credor e sem prejuízo das perdas e danos causados pela conduta lesiva do devedor. Todavia não pode infinita. O juiz, verificando que a multa não alcançou seu efeito compulsivo, deve determinar a sua cessação, convertendo a obrigação pessoal em perdas e danos [...]. (GRECO FILHO, 2008, pp. 74-75).
Todavia, já exaustivamente evidenciado que os valores arbitrados contra o Poder Público não têm o condão de forçar o cumprimento das decisões judiciais, não servindo o referido instrumento, para dar efetividade à prestação jurisdicional, revelando-se imperativa a utilização de uma opção válida, sob pena de incidir em mitigação da coercibilidade das determinações do Poder Judiciário e a fim de não ser preferível às entidades públicas demandadas judicialmente a inércia frente ao comando judicial.
Sob este prisma, mostra-se imprescindível o direcionamento da multa aos responsáveis pela omissão ou pela ação desconforme, tornando-as pessoais aos agentes públicos, sejam eles políticos ou administrativos, responsáveis pelo ato a ser, ou não ser, realizado.
O fundamento precípuo é o de que, ante a ameaça premente ao patrimônio dos indivíduos considerados pessoalmente, há maior propensão de que haja o real convencimento da impositividade das decisões emanadas pelo Poder Judiciário.
O mecanismo decorreu da evolução da doutrina especializada como forma de solucionar um problema constatado diante dos reiterados descumprimentos de decisões judiciais pela Fazenda Pública: as medidas mostravam-se ineficazes, despidas de efeito prático, já que não havia o temor pela resposta ao descumprimento.
Como a multa era imputada somente ao ente, o gestor público não tinha qualquer receio em descumprir uma decisão, porquanto o ônus recaía sempre sobre a entidade a qual pertence, não raro, vazia a eficácia do provimento.
Nesse passo, constataram os processualistas que, no mundo empírico, a vontade da pessoa jurídica de direito público é manifestada através dos agentes, seus mandatários, que decidem sobre quais ações serão realizadas, quais as escolhas feitas, em detrimento de outras. Assim, a doutrina dominante estatuiu a responsabilidade pessoal dos gestores pelo descumprimento das decisões judiciais de mérito ou em forma de liminar. Cabe aqui mencionar as lições Marinoni (2006, p. 337):
É absurdo pensar que a multa não pode incidir em relação à autoridade pública, mas apenas em face da pessoa jurídica de direito público. O problema da efetividade do uso da multa em relação ao Poder Público repousa na sua própria natureza. Se a multa tem por objetivo compelir o réu a cumprir, é evidente que sua efetividade depende de sua capacidade de intimidação e, assim, somente pode incidir sobre uma vontade. Ora, não deveria ser preciso lembrar que somente o agente público tem vontade. (grifo nosso).
A aludida interpretação encontra similitude em outros ilustres processualistas, como se poder observar abaixo:
Estão certamente incluídos debate esses empeços os entraves de caráter burocrático, de qualquer natureza, inclusive aqueles criados por servidores públicos, fundacionais ou autárquicos, de qualquer das esferas da Administração Pública, que serão pessoalmente responsáveis por sua conduta. A atribuição de responsabilidade pessoal ao agente administrativo parece ser a única interpretação capaz de dar ao dispositivo o rendimento desejado, em favor da efetividade do processo, quando se tratar de responsável vinculado ao poder público. (grifo nosso). (WAMBIER; ARRUDA ALVIM, 2002, p.30).
Saliente-se ainda que, a multa deve estabelecida tão-somente em montante suficiente para exercer pressão psicológica sobre o agente, dada a natureza de meio coercitivo com finalidade de facilitar o cumprimento da obrigação. Nessa análise realizada judicialmente, devem ser levadas em conta as circunstâncias sociais, psicológicas e econômicas do agente envolvido na relação jurídica concreta.
3.5.PUNIÇÃO AO REAL DESCUMPRIDOR DA DECISÃO
Não bastasse a ausência de vontade do Poder Público passível de coerção pelo Judiciário, existem outros aspectos importantes para imposição do direcionamento pessoal, dentre eles o de que a sanção deve alcançar o verdadeiro causador do retardamento na obtenção do bem jurídico garantido na via judicial.
Os meios indiretos de cumprimento das decisões não produzem a eficiência necessária, quando aplicados diretamente à Administração, em decorrência de que os servidores responsáveis não sofrem o peso de suas condutas, positivas ou negativas. Ora, é por demais cômodo (e igualmente inaceitável), nada fazer e deixar o ente federativo, autônomo e abstrato, sofrer as consequências.
O problema mais severo é que a ausência do cumprimento pelo agente público acarreta desfalque aos cofres públicos, que são financiados pela sociedade, contrariando a própria ideia de supremacia e indisponibilidade do interesse público primário.
Mais uma vez, convém apresentar o entendimento do brilhante jurista paranaense:
Não há lógica na multa recair sobre o patrimônio da pessoa jurídica, se a vontade responsável pelo não-cumprimento da decisão é exteriorizada por determinado agente público. Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio de autoridade pública, é evidente que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional.
Caso a multa incidir sobre a pessoa jurídica de direito público, apenas o seu patrimônio poderá responder pelo não cumprimento da decisão. Nessa perspectiva, a multa apenas vai acarretar despesas aos cofres públicos, acabando por ser paga pelos cidadãos [...]. (grifos nossos). (MARINONI, 2006, p. 337).
O tema não é novidade para os pretórios pátrios. A jurisprudência, identificando o mesmo problema, apresentou solução similar, conforme se infere dos julgados paradigmáticos:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MANUTENÇÃO DE RODOVIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DEFERIMENTO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO. IMPOSIÇÃO À FAZENDA E AO AGENTE PÚBLICO.
[...]
1. O Superior Tribunal de Justiça já lançou o entendimento que é possível ao juiz, ex officio ou por meio de requerimento da parte, a fixação de multa diária cominatória (astreintes) contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de obrigação de fazer.
2. Por outro lado, vale registrar que, a aplicação de astreintes à Fazenda Pública é pouco eficaz como meio de coerção psicológica, já que sujeita ao regime de precatório. Tal coerção somente seria mais eficiente se incidisse sobre o agente que detém responsabilidade direta pelo descumprimento da ordem, descumprimento este que gera imediatos efeitos penais e administrativos. (grifo nosso).
(TRF da 4ª Região – AGRAVO DE INSTRUMENTO – Processo n. 2006040001972247 UF: RS – Órgão Julgador: 3ª Turma – Data da decisão: 13.03.2007 – Fonte: D.E. – Data: 28.03.2007 – Relatora: Dês. Federal Vânia Hack de Almeida)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASTREINTES. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. VALOR FIXADO. PADRÃO DE RAZOABILIDADE. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA EM 2002. EFICÁCIA.
1. A imposição de multa, in casu astreintes, tem por escopo induzir o devedor a cumprir a obrigação, não havendo nenhum absurdo jurídico do juiz a quo quanto à sua imposição contra pessoa jurídica de direito público, conforme precedentes do STJ.
[...]
4. Por outro lado, vale registrar que, a aplicação de astreintes à Fazenda Pública é pouco eficaz como meio de coerção psicológica, já que sujeitas ao regime de precatório. Tal coerção somente seria mais eficiente se incidisse sobre o agente que detém responsabilidade direta pelo descumprimento da ordem, descumprimento este que gera imediatos efeitos penais e administrativos.
5. Resta claro que o reiterado descumprimento de decisão judicial, pela Administração Pública deve ser sancionada com a aplicação de multa, neste diapasão, a decisão agravada está em consonância com a doutrina e a jurisprudência, não havendo nada para reformar na decisão objurgada.
6. Recurso improvido. (grifos nossos). (TRF 2ª Região – AGRAVO DE INSTRUMENTO – Processo n. 200302010157034 UF: RJ – Órgão Julgador: 3ª Turma – Data da decisão: 09.01.2004 – Fonte: D.J.U. – Data: 30.11.2004 – Relator: Dês. Federal Alcides Martins Ribeiro Filho)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTEMPTOFCOURT E FAZENDA PÚBLICA.
1. A decisão que em sede de mandado de segurança impõe obrigação de fazer é essencialmente mandamental, sendo subsidiariamente substituída por perdas e danos, no caso de real impossibilidade de cumprimento, diante da interpretação analógica do art. 461 do CPC.
2. O contempt of court civil do direito anglo saxão, como meio de coerção psicológica do devedor, decorre da concepção de que a autoridade do Poder Judiciário é intrínseco à sua própria existência.
3. Provido o agravo para que o juiz adote todos os meios capazes de dar efetividade à jurisdição, registrando que a aplicação de astreintes à Fazenda Pública é ineficaz como meio de coerção psicológica, já que sujeitas ao regime do precatório.
4. Nas causas envolvendo o erário público, a coerção somente será eficaz se incidir sobre o agente que detiver responsabilidade direta pelo cumprimento da ordem, reiterada e imotivadamente desrespeitada. (grifos nossos).
(TRF da 2ª Região – AGRAVO DE INSTRUMENTO – Processo n. 97.02.29066-0 UF : RJ – Órgão Julgador: 3ª Turma – Data da decisão: 22.05.2001 – Fonte: D.J.U. – Data: 21.08.2001 – Relator: Desembargador Federal Ricardo Perlingeiro).
Ademais, não faz sentido manter o escudo contra o direcionamento pessoal nas atitudes que desrespeitam comandos judiciais, quando a Constituição Federal informa ser crime de responsabilidade do Presidente da República atentar contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais [41]. Logo, no Estado Democrático de Direito, todos, sejam administradores ou administrados, têm o dever de observar a legalidade e a força coercitiva das decisões emanadas pelo Poder Judiciário.
3.6.ACELERAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA DECISÃO
Não existe tutela jurisdicional efetiva que não preconize pela celeridade. Do contrário se beneficiaria a inércia dos magistrados e os meios ardilosos utilizados por advogados para prejudicar o desenvolvimento regular do feito.
Caso seja conferido à parte, de forma retardada, o direito que ela possui, não se estará satisfazendo com a imprescindível propriedade a pretensão perseguida na relação jurídica, tampouco os ditames do direito fundamental à tutela judicial efetiva e da justiça substancial.
O processo deve ter duração razoável para que quando a justiça for realizada, ela ainda seja esperada e não já descartável, como ocorre em diversas oportunidades, ante a a tão propalada morosidade do Pode Judiciário.
Desse modo, o direcionamento pessoal cumpre sua função no processo de aceleração do cumprimento das obrigações determinadas judicialmente, porque causa pesado receio no agente público de que suas finanças serão prejudicadas concretamente por causa da atitude recalcitrante. É como prega o velho brocardo: as pessoas só sentem o peso da realidade quando se atinge o bolso.
Ademais, há outro fator de grande importância. O direcionamento pessoal age como um meio pedagógico, que se passado a utilizar diretamente e com maior regularidade, certamente importará numa redução do descumprimento de comandos judiciais pela Fazenda Pública, ou melhor, pelos agentes públicos.