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A consecução do Estado Democrático de Direito no atual modelo de gestão pública.

Das campanhas eleitorais de 2010 na internet

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Agenda 24/04/2010 às 00:00

5 DO USO DA INTERNET NO PERÍODO ELEITORAL

Num passado recente, em razão da ausência de uma lei específica, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por diversas vezes, ao julgarem os recursos, utilizando-se da analogia como técnica interpretativa, equipararam a internet aos meios de comunicação rádio/televisão, o que desencadeou severas críticas, exigindo debates acerca do tema, ante as peculiaridades presentes na rede mundial de computadores.

Destaca-se, que recai como principal crítica à equiparação da internet aos meios de rádio/televisão o argumento de que as circunstâncias atuais de seu uso não atuam como instrumento privilegiado para a extensão das possibilidades de participação democrática, já que se opera, segundo Barnett (1999), citado por Gomes (2005), "hostil à causa da democracia, servindo na verdade para solapá-la".

O mesmo autor aponta, ainda, consequências deprimentes da tradicional comunicação de massa sobre as condições fundamentais para a participação política, quais sejam:

a) O entendimento básico das posições em competição no interior do jogo político seria prejudicado pelo material distorcido produzido pelos meios de comunicação de massa, embora também pela informação oferecida pelos políticos, sumária e insuficiente;

b) O debate racional é comprometido em virtude das matérias sensacionalistas e com um enfoque personalizado que permeia a esfera pública mediante os meios de massa;

c) A participação fica limitada ou diminui a sua importância pelos representantes políticos, o que deve ser atribuído, em boa parte pelo menos, ao tratamento desdenhoso (e frequentemente ridículo) a que os submetem os meios de massa;

d) O conceito de representação perde legitimidade à medida que os representantes eleitos são apresentados como dissonantes do interesse do seu eleitorado.

Dessa feita, a prática denuncia a impropriedade da equiparação a rádio/televisão, uma vez que a abrangência da internet é muito maior, sendo que para Gomes (2005), tanto da perspectiva do campo político, quanto daquela da esfera civil, com o uso da internet a sociedade ganha, à medida que:

Primeiro, o comunicador tem pleno controle sobre a mensagem. Normalmente ele não é censurado ou filtrado por outros, isto é, a mensagem que é enviada ao destinatário supera o processo de edição jornalística. Segundo, a internet é potencialmente interativa, isto é, torna-se possível um diálogo de mão dupla entre quem envia e quem recebe. Terceiro, o novo meio provê àquele que envia um recurso relativamente barato para transmitir grandes volumes de informação. Finalmente, a técnica sofisticada da comunicação via Web dá ao comunicador uma ampla gama de possibilidades donde escolher a forma da comunicação (texto, imagens, som e vídeo) considerada mais apropriada para uma mensagem particular. Em conclusão, a Web provê os agentes políticos com a oportunidade pela qual tinha anseio, isto é, a de ter controle total sobre a produção da mensagem e comunicar diretamente com os potenciais eleitores sem ter os meios de massa filtrando-lhe a informação. (grifo nosso)

Conforme já sabido, a Constituição Federal de 1988 elegeu a participação popular como um dos princípios da nova gestão pública, tendo em vista a instituição do Estado Democrático de Direito, que parte da ideia de que o poder emana do povo.

Além dessa inovação organizacional, que privilegia os anseios populares, a constituição vigente previu, no rol dos direitos fundamentais, os direitos de expressão e de informação, que, hodiernamente, assumem-se de extrema importância para a formação da opinião pública pluralista, cada vez mais essencial ao funcionamento dos regimes democráticos.

Assim, os direitos de expressão e de informação, enquanto necessários à formulação da opinião pública, apresentam-se como elemento condicionador da democracia pluralista e como premissa para o exercício de outros direitos fundamentais.

Nesse cenário, destaca-se a internet, que vem transformando-se no meio mais democrático de acesso às informações, abrangendo todos os níveis da pirâmide societária, não fazendo, assim, distinção quanto ao seu público alvo. Para Buchstein (1997, p. 251):

A nova tecnologia parece satisfazer a todos os requisitos básicos da teoria normativa de Habermas sobre a esfera pública democrática: é um modo universal, anti-hierárquico, complexo e exigente. Porque oferece acesso universal, comunicação não-coercitiva, liberdade de expressão, agenda irrestrita, participação fora das tradicionais instituições políticas e porque gera opinião pública mediante processos de discussão, a internet parece a mais ideal situação de comunicação. (grifo nosso)

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No caso vertente tem-se como certa a ideia de aproximação dos eleitores com os candidatos, haja vista que, segundo Torres (2004, p. 32):

(...) no momento do voto, o que vale é o cidadão de carne e osso, com carências, demandas e expectativas em relação a administração pública. (...) quanto mais intensa for a circulação da informação, maiores serão as chances e oportunidades para que as políticas públicas sejam implantadas e ajustadas de maneira a ganhar eficiência e eficácia. A ampla difusão da informação também abre oportunidades para que o usuário/cidadão possa interagir com o formuladores/executores, com provável ganho no aprimoramento das políticas públicas.

Oportuno ressaltar que, no tocante às informações necessárias à formulação de políticas públicas, o país detém um banco de dados confiável e de boa qualidade, graças às instituições reconhecidamente idôneas como BACEN, IBGE, FIPE, concentrando-se os problemas mais relevantes nas fases de implementação e execução dessas políticas.

Por tais razões, a internet representa o ambiente de comunicação que, atualmente, mais corresponde, segundo Gomes (2005), a "uma zona neutra onde o acesso a informação relevante que afeta o bem público é amplamente disponível, onde a discussão é imune à dominação do Estado e onde todos os participantes do debate público fazem isso em bases igualitárias".

Em sendo assim, a informação disponibilizada em rede há de ser mais integral e mais rica, configurando um grande sistema enciclopédico político e cultural, onde se tem desde matérias jornalísticas até o resultado da investigação científica.

Ademais, o acesso está disponível mais rápido, mais barato e mais cômodo do que a informação política industrial, sem contar que a internet inclui e supera, permitindo o acesso às informações que os meios industriais de notícias não conseguem, não querem ou não podem divulgar.

Outrossim, o grande desafio do Poder Público está na acessibilidade, que, no caso em análise, seria a ideia de tornar as informações efetivamente acessíveis ao maior e variado número de pessoas, independente da sua capacidade físico-motoras e perceptiva, culturais e sociais, reforçando, assim, a ideia do regime democrático, que se constitui numa oportunidade, até então inalcançável por outros meios, de disponibilidade, abertura e transparência.

Urge mencionar que, em primeiro lugar, trata-se do acesso a res publica, ao Estado naquilo que nele deve estar sob o controle cognitivo direto do público: atos, procedimentos, registros, circunstâncias, processos legislativos e administrativos etc. Em segundo lugar, acesso à informação política de toda natureza, em todos os seus formatos e de diversas proveniências.

Nota-se que, mais uma vez, evidencia-se a interdisciplinaridade das questões que se manifestam, exigindo do Estado um planejamento estratégico de forma transversal, aliando as políticas públicas para atuarem nos setores mais carentes da sociedade, sobretudo visando o bem estar, e minimizando as mazelas advindas das desigualdades sociais.

Com efeito, atendendo à exigência legal, na qual reza a necessidade de se aprovar, com antecedência de um ano, as regras a incidirem no próximo período eleitoral, o cenário político se mobilizou para editar as normas, sendo que a grande discussão desse ano foi em torno da necessidade de se impor limitações ao uso da internet para as eleições 2010.

A matéria foi inicialmente tratada no projeto de lei de iniciativa na Câmara dos  Deputados, sendo aprovado com a previsão de que os debates eleitorais na internet deveriam seguir as mesmas restrições de rádios e tevês. Na época, sobre o assunto, o site Vota Brasil publicou o seguinte trecho, dito pelo então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto (2009):

Temos a lamentar que terminou prevalecendo a analogia entre a internet e as emissoras de rádio e televisão. Achamos que qualquer analogia cabível só poderia ser com a mídia impressa ou escrita, porque o espaço de liberdade é muito maior, inclusive para posicionamentos a favor de determinadas candidaturas ou contra. A comparação da internet com mídias que dependem da concessão do poder público, para nós, prejudica esse dinamismo que queremos para o processo eleitoral.

Acerca do preciosismo daqueles, quanto à aprovação da lei permitindo o acesso a internet, Watson et al. (1999) alertou que, num sistema democrático, todos têm direito de voto, mas o poder político não é distribuído de forma equânime. A tecnologia da informação pode ser um poderoso instrumento democrático, mas a sua implantação sofrerá resistência por aqueles mais hábeis em resistir (os que acumulam mais poder), quando a tecnologia ameaçar seu poder.

Após várias discussões no congresso nacional, o presidente Luis Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 12.034/2009, que trata da reforma eleitoral, importando para o presente trabalho as seguintes inovações:

- O presidente vetou a parte da lei que igualava as regras para debates entre os candidatos na web às regras da televisão e rádio;

- A lei definiu ser livre a manifestação do pensamento na Internet, vedando o anonimato durante a campanha eleitoral, e assegurando o direito de resposta a partir do dia 05 de julho de cada ano eleitoral;

- Os sites dos candidatos poderão ficar no ar até o momento da eleição.

5.1 AS EXPECTATIVAS EM TORNO DAS ELEIÇÕES 2010

Com aprovação da reforma eleitoral, um novo perfil pode surgir já para as próximas eleições. De acordo com Scott Goodstein, um dos principais estrategistas da campanha presidencial de Barack Obama na internet, em 2008, em entrevista publicada pelo site do jornal "O Estado de São Paulo" (2009): 

A comunicação está mudando, e as pessoas estão mais engajadas na interação de mão-dupla do que na comunicação de uma mão só. Eu acho que a mídia social é uma parte crescente do discurso político e pode ser usada para definir o formato do debate político nas próximas eleições no seu país. (grifo nosso)

Na opinião do especialista, uma das principais conseqüências do uso das ferramentas na internet "será permitir aos eleitores que participem da construção dos discursos de campanha e influam no processo eleitoral de uma maneira que não era possível no passado." (grifo nosso)

Ilustra, argumentando, que antigamente a discussão sobre política era difícil, mas, agora, por meio de e-mails, blogs e comunidades virtuais, a comunicação será de uma maneira muito rápida. Corroborando neste sentido, Gomes (2005), citando Gibson (2001, p. 563) declara:

Se o requisito para melhorar a vida democrática é a injeção de mais deliberação de massa, então, certamente, este novo meio com as suas oportunidades de debate em mão dupla ou multidirecionais oferece uma solução potencial. Dos modelos radicais de democracia direta a sistemas representativos mais delgados e transparentes, as propriedades interativas da internet poderiam levar a um novo nível de prestação de contas dos governantes e a um novo nível de diálogo público.

Desse modo, a utilização da internet como meio de propaganda política propicia o envolvimento da população, fazendo com que a mensagem política chegue às pessoas por meio de interlocutores "em que elas confiem".

Por conseqüência, o processo eleitoral aberto na internet oportuniza a participação daqueles que, a priori, estariam à mercê das propagandas em rádio/televisão e das notas de jornal, desencadeando, daí, uma nova cultura participativa, tendente ao comprometimento já para as próximas eleições.

Os candidatos, por sua vez, já sabem que os eleitores exigirão respostas, atuação ética, muita transparência, e que os truques que alguns profissionais usaram em eleições passadas não serão mais tolerados.

Analisando a evolução da atuação da mídia durante o período eleitoral e do comportamento do eleitor, observam-se mudanças nos modelos que serviam de parâmetros, especialmente para o eleitor que detinha estereótipo de alienado. Neste sentido, Torres (2004, p. 59) constatou que:

(...) Houve razoável investigação da experiência administrativa dos candidatos, a natureza das composições eleitorais e partidárias foi razoavelmente debatida etc., envolvendo, instruindo e ajudando o eleitor a se posicionar entre as várias opções pessoais e partidárias incluídas na disputa pelo poder.

O processo eleitoral tende a ser mais transparente e autêntico, haja vista que as atuais estratégias de marketing não combinam com este novo modelo de fazer eleição, o qual prima pela verdade dos candidatos, e quanto maior for o envolvimento do cidadão consciente e compromissado com o seu papel no bem estar social, maiores serão as chances de escolha das propostas que realmente atue em prol da coletividade.

Outro forte argumento favorável à utilização da internet no período eleitoral recai sobre o fato de a vedação se constituir censura, uma prática rechaçada no atual sistema de governo. Neste sentido, Maria Helena Weber (2009), coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em matéria publicada no site do jornal "O Estado de São Paulo" (2009), informa que:

Não tem como estabelecer esse tipo de regra na internet sem configurar censura. Os políticos talvez necessitem de assessoria para entender que este ambiente é algo muito mais democrático do que tudo que eles já tiveram até agora. Não é apenas imagem, é uma relação direta com o eleitor.

Para alguns profissionais do direito, haveria necessidade de regras e, assim, seriam válidas aquelas que se equiparam a rádio/televisão, pelo menos para conter o abuso de poder e as agressões às imagens, à honra e à privacidade das pessoas envolvidas no processo eleitoral.

Data máxima vênia, ousa-se discordar, tendo em vista que a carta política vigente já faz previsão à tutela desses direitos, estando todos elencados no rol dos direitos fundamentais. Logo, fazer qualquer menção a esses direitos, em texto infraconstitucional, nada mais seria que uma redundância ao postulado na "lei maior", e que, por estar previsto neste diploma legal de hierarquia superior, a sua aplicabilidade já se sobrepõe automaticamente aos normativos inferiores.

Consubstanciando nesse pisar, é cediço que no Brasil vigora a cultura de querer regulamentar tudo. Criticando essa tradição, o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de São Carlos, em matéria extraída do site do jornal "O Estado de São Paulo", Azevedo (1999) ensina que "na internet, partidos e candidatos têm todos, as mesmas ferramentas para a réplica, para a defesa do ofendido. Além disso, a legislação ordinária já garante esses direitos. (...)".

Vale ressaltar que nos moldes como se apresenta, a internet tem pouco tempo de existência, se comparada à televisão. Porém, o meio virtual já dispara como um dos meios de comunicação mais relevante para o próximo período eleitoral. Isto porque, em recente pesquisa realizada, em todas as capitais, pelo DataSenado (2009), no período de 8 a 21 de setembro do corrente ano, averiguou-se que das 1.088 pessoas entrevistadas, 59% concordaram que o instrumento de comunicação terá "importância elevada" nas próximas eleições.

Os resultados demonstraram que 58% dos eleitores ouvidos acessaram a internet mais de uma vez ao mês, e 78% acessaram blogs e portais de notícia para se informar sobre política. Deste total, 83% dos entrevistados têm idade entre 20 e 39 anos.

Com efeito, pode-se inferir que entre as mídias, somente a televisão supera a internet como instrumento de informação. O veículo tem a preferência de 67% dos entrevistados, e 19% optaram pela internet para saber o que acontece na política brasileira. Em terceiro lugar apareceram revistas e jornais como a opção de 11% dos entrevistados. O rádio foi escolhido por 4%.

Considerando que já nas próximas eleições os candidatos poderão fazer uso da internet, a expectativa é de que este meio, durante o período eleitoral, torne-se a maior fonte de informação para a população, necessitando, para tanto, que as benesses da utilização dessa mídia sejam divulgadas de forma transparente, no intuito de promover mudanças significativas no atual modelo político brasileiro.

Sobre o autor
Priscyla Mathias Scuassante

advogada, especialista em Gestão Pública, pela Universidade Federal do Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCUASSANTE, Priscyla Mathias. A consecução do Estado Democrático de Direito no atual modelo de gestão pública.: Das campanhas eleitorais de 2010 na internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2488, 24 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14719. Acesso em: 23 nov. 2024.

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