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A prisão preventiva.

Pressupostos e diferenças das demais prisões cautelares

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Agenda 25/04/2010 às 00:00

O aumento da criminalidade e o medo da sociedade leva a um crescente clamor, não raras vezes incentivado pela mídia, no sentido de agravar medidas cautelares, inclusive aplicando-as antecipadamente à pena definitiva.

1 Prisões cautelares: breves considerações

É forçoso admitir que o estudo da prisão cautelar é um tema que possibilita visualizar de forma clara a influência do choque existente entre a liberdade e o poder estatal de aplicar penas, especialmente porque o exercício do poder de impor restrições ao direito de liberdade – no caso cautelar – configura um dos clássicos exemplos de exercício do poder do Estado.

Nas lições de Germano Marques da Silva:

O modo como no processo penal se aplicam medidas de coação, mormente as privativas de liberdade, traduz bem a medida do culto de liberdade de um povo e, por isso, também do grau de implantação na sociedade dos itens democráticos. [01]

É que, visando à paz social, o exercício desse poder estatal caracteriza um exercício de soberania voltado especialmente para seu próprio povo. Por essa razão, conforme leciona Sílvio César Arouck Gemaque, no tocante às prisões cautelares, todos os mecanismos de controle são bem-vindos, "[...] na medida em que prefiguram delinear um campo dentro do qual lhe é absolutamente vedado imiscuir-se". [02]

Segundo Marco Aurélio Leite Silva:

A prisão cautelar deve ser sempre entendida como um fenômeno excepcional, somente admitido ante requisitos rigorosamente comprovados e, assim, capazes de excepcionar a regra constitucional da presunção de inocência. A segregação de alguém no cárcere tem legitimidade, de ordinário, apenas diante de condenação penal transitada em julgado; quaisquer outras formas de aprisionamento constituem licenças perigosíssimas de que se serve o Poder Público no interesse da coletividade. Basta um milímetro aquém desse rigor para que a prisão seja ilegal. [03]

Não se pode olvidar que, nos dias atuais, o aumento da criminalidade e o medo da sociedade diante disso leva a um crescente clamor, não raras vezes incentivado pela mídia, no sentido de agravar medidas cautelares, inclusive aplicando-as antecipadamente à pena definitiva, como forma de fazer frente à criminalidade.

Contudo, tudo isso não é motivo suficiente para que não sejam estabelecidos parâmetros para a aplicação das leis, bem como limites dos quais não se pode passar, sob pena de o processo penal e as prisões cautelares transformarem-se em instrumentos repressivos e não de preservação dos direitos individuais das pessoas, como bem afirma Sílvio César Arouk Gemaque. [04]

Para entender a prisão cautelar é preciso distingui-la da prisão-pena, que resulta do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, quando esgotados todos os recursos possíveis. Afirma Sílvio César Arouck Gemaque que a prisão-pena não é tão antiga quanto a prisão cautelar, mas que há vestígios de sua existência na Antiguidade, embora com nítida diferença em relação à prisão-pena atual. É que, naquela época, a prisão-pena tinha como objetivo castigar, impor um sofrimento e servir com exemplo ao povo em geral e, atualmente, além de seu aspecto retributivo, possui uma finalidade de reeducação e ressocialização. [05]

Hoje, nenhum tipo de prisão pode ser instrumento de manipulação do homem pelo homem, especialmente a prisão cautelar, a qual não se pressupõe, sequer, a sentença condenatória transitada em julgado: "[...] em matéria de prisão cautelar, deve-se repudiar veementemente qualquer entendimento no sentido de transformá-la em resposta antecipada ao crime, pois, a rigor, nem a pena definitiva é absolutamente retributiva". [06]

O fundamento constitucional da prisão, que segundo Guilherme de Souza Nucci, "[...] é a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere" [07], encontra-se no art. 5º, LXI da Constituição Federal de 1988 e que dispõe: "[...] ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definido em lei" [08].

A regra, portanto, é que a prisão deve fundar-se em decisão de magistrado competente, devidamente motivada e reduzida a escrito, ou necessita decorrer de flagrante delito.

São espécies de prisão cautelar: a) prisão temporária; b) prisão em flagrante; c) prisão preventiva; d) prisão em decorrência de pronúncia; e) prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível; f) condução coercitiva do réu, vítima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse, injustificadamente, a comparecer em juízo ou na polícia. [09]

Observa-se que a prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível, prevista no artigo 594 do Código de Processo Penal foi expressamente revogado, refletindo entendimento jurisprudencial anterior do Supremo Tribunal Federal.

No caso de decisão de pronúncia, o juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão. Não se concebe que a simples decisão de pronúncia, por si só, possa justificar a decretação ou a manutenção da prisão processual.

Interessa ao presente trabalho, a prisão preventiva, medida excepcional que se funda, exclusivamente, na imperiosa necessidade. Lembra-se que, o normal, é que as pessoas recebam a pena depois que o Estado, respeitado o devido processo legal (processual) as declare culpadas pelo crime imputado.


2 Prisão preventiva

Antes de versar sobre a prisão preventiva é importante apresentar a distinção entre esta e a prisão temporária.

A prisão temporária trata-se de modalidade de prisão utilizada durante uma investigação. Normalmente, é decretada para assegurar o sucesso de uma determinada diligência, que seja imprescindível para as investigações. É regulada pela Lei nº 7.960/1989 (originária da Medida Provisória nº 111/1989 [10]) segundo a qual é cabível: I – quando imprescindível para as investigações do inquérito polícial; II – quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer os elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: homicídio, sequestro, roubo, estupro, tráfico de drogas, crimes contra o sistema financeiro, entre outros (art. 1º). [11]

A prisão será decretada pelo Juiz, caso defira o pedido do Ministério Público ou a representação da autoridade policial. A decisão, obrigatoriamente fundamentada, deve ser proferida em 24 horas e não pode ser decretada de ofício pelo juiz. Efetuada a prisão, a autoridade policial informará ao preso os direitos previstos no artigo 5º, incisos LXII, LXIII e LXIV da Constituição Federal. Outra proteção concedida pela lei ao preso temporário é do ficar, obrigatoriamente separados dos demais detentos (art. 3º). [12]

O tempo de prisão é de cinco dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (art. 2º). Decorrido esse prazo, o preso deverá ser colocado em liberdade, exceto se houver sido expedida sua prisão preventiva (art. 2º, § 7º). [13]

Entretanto, esse prazo geral poderá ser diferenciado. É o caso da prisão temporária prevista na lei dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) que prevê o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade e a Lei nº 11.343/06 (lei de tóxicos), que dilata o prazo da prisão temporária até o prazo máximo de 60 (sessenta) dias prorrogáveis por igual período, também em caso de necessidade.

Os requisitos da prisão temporária são o periculum libertatis e o fumus comissis delicti, para evitar que o delinquente pratique novos crimes contra as vítimas ou qualquer outra pessoa e, ainda, no caso de fuga do distrito de culpa. O periculum libertatis está presente nos dois primeiros incisos do art. 1º e consiste na necessidade da prisão do indiciado, que em liberdade poderia efetivamente prejudicar o andamento do processo ou de seu resultado. Já o fumus comissis delicti diz respeito à exigência da prova da materialidade do fato e indícios de autoria, conforme o inciso III do artigo 1º. A presença do inciso III é obrigatória, por tratar-se de prisão com fundamentação vinculada. Se o crime cometido não constar da lista pertencente ao inciso III [14], a prisão temporária é ilegal e passível de ser atacada por habeas corpus. [15]

Assim, é preciso combinar os incisos I e III ou os incisos II e III, sem os quais não se têm os pressupostos de toda e qualquer medida cautelar: fumus boni iuris (fumus comissi delicti) e periculum in mora (periculum libertatis). Do contrário, bastaria apenas uma das hipóteses elencadas no artigo 1º para que se pudesse decretar a temporária, o que não foi a vontade expressada pelo legislador. [16]

Para a decretação da prisão temporária é necessário que seja demonstrada a imprescindibilidade da cautela, devendo a autoridade informar porque as investigações não podem prosseguir sem a adoção da referida medida. Considera-se irrelevante qualquer abordagem acerca dos antecedentes do agente, vez que tal instituto de exceção tem pressupostos próprios, que não devem ser confundidos com os da prisão preventiva. [17]

A seu turno, a prisão preventiva, atualmente, é modalidade de prisão decretada tanto durante as investigações, quando no decorrer da ação penal, devendo, em ambos os casos, estarem preenchidos os requisitos legais para sua decretação. O Código de Processo Penal, em seu art. 312 aponta tais requisitos: a) garantia da ordem pública e da ordem econômica; b) conveniência da instrução criminal; c) assegurar a aplicação da lei penal. [18]

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Estabelecida a diferença entre estas duas espécies de prisão cautelar, volta-se ao estudo da prisão preventiva que, segundo Antonio Alberto Machado, "[...] deita suas raízes já na antiguidade greco-romana". [19]

Segundo Tostes Malta, esta espécie de prisão já era prevista entre os atenienses para os casos de peculato e conspiração contra a pátria e a ordem pública; nos demais casos, o acusado defendia-se solto. Entre os romanos a prisão preventiva tinha lugar apenas quando o crime exigisse julgamento público e somente a confissão do acusado autorizava sua custódia até o julgamento. [20]

Ainda nas lições de Tostes Malta, no processo penal romano de tipo acusatório, as quaestiones perpetuae parecem ter abolido as formas coercitivas de comparecimento em juízo. No retorno da fase da cognitio extra ordinem, marcadamente inquisitorial e com procedimento penal de ofício, ressurgiu a prisão preventiva sob três modalidades: in carcelum, milite tradictio e custodia libera. [21]

A modalidade de prisão em estudo entrou pela Idade Média com o processo inquisitório, destacando-se seu aspecto instrumental. Nessa época, as Ordenações do Reino previam-na em casos de crimes considerados graves, mas com variadas restrições. Exemplo disso ocorreu em 1358, quando D. João I promulgou lei estabelecendo restrições à prisão preventiva; as Ordenações Afonsinas (1446); Manuelinas (1521) e Filipinas (1603) conheceram esta espécie de prisão para os crimes de homicídio, feridas ou chagas graves, incendiários etc. [22]

Com a independência do Brasil em 1822, a primeira Constituição do Império (1824) em seu art. 179, § 8º, admitia a custódia provisória "nos casos declarados em lei". O Código de Processo Criminal de Primeira Instância (1832) acolheu a prisão preventiva, sem culpa formada, para os crimes inafiançáveis e por meio de ordem escrita de autoridade legítima. [23]

O Código de Processo Penal pátrio (1941), inspirado no Código de Processo Penal Italiano (1930), promulgado sob a ditadura fascista de Benito Mussolini, dispunha em seu art. 311, verbis:

Art. 311 Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria. [24]

Em 1967, com a Lei nº 5.349, essa redação foi alterada, mantendo-se até a presente data, verbis:

Art. 311. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial. [25]

A prisão preventiva, como visto, é medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, fundando-se em razões de necessidade e respeitados os requisitos estabelecidos em lei.

Guilherme de Souza Nucci ressalta que, raramente a prisão preventiva é decretada durante a fase de investigação policial, sendo, inclusive, incompreensível que, por vezes o juiz a decrete, haja vista que existe como medida cautelar mais adequada a prisão temporária, indicada especialmente para os crimes que estariam a demandar a segregação cautelar do investigado. [26]

Observa-se no tocante ao asseverado pelo mencionado autor que o prazo para a prisão temporária é, em regra, de 5 dias, não obstante existirem procedimentos específicos que estipulem prazos maiores para que o investigado possa permanecer preso temporariamente. Já para a prisão preventiva inexiste um prazo determinado, podendo perdurar até quando seja necessário durante a instrução, desde que não ultrapasse eventual decisão absolutória, uma vez que esta faz cessar os motivos que determinaram sua decretação, bem como o trânsito em julgado da decisão condenatória (prisão-pena). [27]

Para que seja legal, o decreto de prisão preventiva tem que ser motivado, indicando, obrigatoriamente, prova convincente da alegada necessidade, ou seja, não basta que o juiz repita as expressões contidas no art. 312 do Código de Processo Penal. Justifica-se essa obrigatoriedade, segundo José Carlos Fragoso, porquanto:

[...] a prisão preventiva traz para a vida do acusado, antes de lhe ser dada a chance de defender-se, e antes da declaração de sua culpabilidade, profunda perturbação, retirando-lhe os meios normais de subsistência e afetando-lhe a estima no corpo social, além de privar a família de seu chefe. Por todas essas razões, sobejamente conhecidas, a prisão preventiva só pode ser aplicada quando ocorrem rigorosamente os seus pressupostos, e fique absolutamente demonstrada a sua necessidade. [28]

Há que se entender, portanto, em que consistem tais pressupostos, os quais se encontram previstos no art. 312, do Código de Processo Penal: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. [29]

2.1 Pressupostos essenciais da prisão preventiva

2.1.1 Garantia da ordem pública

Por garantia da ordem pública entende-se a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, via de regra, é abalada pela prática de um delito, especialmente se este for grave, com grande repercussão, refletindo negativamente e com trauma na vida de muitas pessoas e proporcionando, àqueles que têm conhecimento de sua realização, um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabendo então, ao Judiciário, determinar o recolhimento do agente. [30]

Há quem defenda que a credibilidade do Judiciário também está envolvida quando o crime é inerente à garantia da ordem pública. É o que se depreende do seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

[...] é providência acautelatória, inserindo-se no conceito de ordem pública, visando não só prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e de sua repercussão, convindo a medida quando revelada pela sensibilidade do juiz à reação do meio à ação criminosa. [31]

A garantia da ordem pública, segundo Antonio Alberto Machado, é um dos escopos do processo principal, na medida em que ele visa a restabelecer a situação de equilíbrio social e de ordem, partidos com a prática do crime, suas consequências e repercussões. Significa dizer que se a demora do andamento da marcha processual coloca em risco a realização daquele objetivo, justifica-se a prisão do indiciado ou réu para garantir a efetividade do processo. [32]

Discorda desse entendimento José Carlos Fragoso. Para esse autor, a decretação da prisão preventiva de acusados sob a alegação de que a medida visa assegurar a credibilidade da justiça não pode servir como fundamento legal para a medida:

[...] em primeiro lugar porque a prisão de um cidadão que responde a um processo penal não pode ser instrumentalizada para servir de exemplo aos demais destinatários da norma. De outro lado, nem o clamor público nem o pretenso serviço de dar maior credibilidade ao aparato judiciário figuram entre os pressupostos para a prisão preventiva. [33]

Para justificar seu entendimento, o mencionado autor socorre-se de decisões do Supremo Tribunal Federal:

A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR NÃO TEM POR OBJETIVO INFLINGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU.

- A prisão preventiva não pode - e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.

A PRESERVAÇÃO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES E DA ORDEM PÚBLICA NÃO CONSUBSTANCIA, SÓ POR SI, CIRCUNSTÂNCIA AUTORIZADORA DA PRISÃO CAUTELAR.

- Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública.

AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.

- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão preventiva. [34]

A fundamentação idônea, portanto, é requisito de validade do decreto de prisão preventiva. Pode-se fundamentar a prisão preventiva, ainda, como garantia da ordem econômica.

2.1.2 Garantia da ordem econômica

Quanto à garantia da ordem econômica, decreta-se a prisão preventiva de forma a impedir que o agente, causador de sério abalo à situação econômico-financeira de uma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permaneça em liberdade, demonstrando à sociedade a impunidade nessa seara. [35]

Segundo Fernando Tourinho Filho, assim como o requisito da garantia da ordem pública, também a garantia da ordem econômica é discutível. Alerta esse autor que, não se pode olvidar que o diploma processual penal pátrio data de 1942, elaborado, portanto, em plena época ditatorial. Nessa época, não era reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro o princípio da presunção de inocência como preceito constitucional. Assim, ditas circunstâncias autorizadoras repousam na conveniência da sociedade ou têm um critério meramente utilitário. [36]

Afirma Fernando Tourinho Filho:

Não tendo, como efetivamente não têm, caráter cautelar, elas representam, sem a menor sombra de dúvida, antecipação da pena. É como se o juiz já estivesse condenando o réu, à semelhança do que havia na Inglaterra e na França antes do século XII: "exécutiom sommaire". Com essa particularidade: à época a execução sumária tinha lugar em duas hipóteses, no caso de flagrante ou quando o culpado se punha em fuga e era perseguido por um grupo de concidadãos incitados pelo clamor público. [37]

Luiz Flávio Gomes defende a estrita observância do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade na adoção – e manutenção – das medidas cautelares como um todo. No que toca ao momento da decretação da prisão preventiva, por exemplo, entende esse autor que, para além de atender aos requisitos formais do Código de Processo Penal, "[...] o que existe de mais imperioso é a impostergável imprescindibilidade de se ponderar os vários interesses em conflito para se descobrir quais, concretamente, devem preponderar". [38]

2.1.3 Conveniência da instrução criminal

A conveniência da instrução criminal é o motivo resultante da garantia de existência do devido processo legal no que tange a seu aspecto procedimental: "a conveniência de todo processo é que a instrução criminal seja realizada de maneira lisa, equilibrada e imparcial, na busca da verdade real, interesse maior não somente da acusação, mas, sobretudo do réu". [39]

Também a ameaça a testemunhas é motivo ensejador da prisão preventiva, tendo em vista ser indiscutível que a ameaça feita por réu ou por pessoas ligadas a ele podem abalar a instrução criminal. É preciso que as testemunhas tenham ampla liberdade de depor e narrar o que efetivamente sabem, compondo o quadro da verdade real. [40]

Para Antonio Alberto Machado a conveniência da instrução criminal é o que mais destaca o caráter instrumental da prisão preventiva, em razão de sua dupla função: a) utilizar-se do acusado como prova do processo; b) evitar que ele prejudique a colheita de prova, dificultando a descoberta da verdade. Para esse autor, a finalidade em destaque relaciona-se estreitamente com a atividade probatória no processo. [41]

Entende-se que a interpretação mais acertada desse dispositivo deve ser no sentido de "necessidade de instrução criminal", para que o dispositivo esteja em consonância com o princípio constitucional do estado de inocência – ou princípio da presunção de inocência.

Nas lições de Paulo Rangel:

[...] devemos inicialmente dizer que a instrução criminal não é conveniente, mas, sim, necessária, pois diante dos princípios da verdade processual, do contraditório e do devido processo legal, a instrução criminal é imprescindível para que se possa assegurar ao acusado todos os meios constitucionais de defesa, demonstrando existir um verdadeiro Estado Democrático de Direito [...] a custódia cautelar justifica-se com o escopo de se garantir um processo justo, livre de contaminação probatória e seguro para que o juiz forme, honesta e lealmente sua convicção [...]. [42]

Acrescenta-se, às lições de Paulo Rangel, o pensamento de Damásio Evangelista de Jesus:

Estamos seguramente convencidos de que, mesmo tratando-se de providências de investigação, deve ser guardada a presunção de inocência. E não basta à autoridade afirmar que a determinação constitucional está sendo obedecida. Assim como à mulher de César não basta ser honesta, precisa parecer honesta, nos casos criminais não é suficiente que pareça estar-se obedecendo as regras da dignidade e da presunção de inocência do acusado: é necessário que isso esteja realmente acontecendo. [43]

Pode-se afirmar, portanto, que a interpretação do processo penal à luz da Constituição não significa, como afirmam Daniel Gustavo de Oliveira Colnago Rodrigues e Gelson Amaro de Souza, pautar-se a exegese, estritamente, em isolados dispositivos selecionados, mas sim interpretá-los sistematicamente, como um todo, e tendo "[...] como sustento básico os princípios constitucionais, conforme nos direciona a melhor hermenêutica". [44]

2.1.4 Aplicação da lei penal

Assegurar a aplicação da lei penal é garantir a finalidade útil do processo penal, que é "proporcionar ao Estado o exercício do seu direito de punir, aplicando a sanção devida a quem é considerado autor de infração penal". [45]

Como visto anteriormente, a prisão preventiva pode ser decretada quando há provas seguras de que o acusado, em liberdade, irá se desfazer ou está se desfazendo de seus bens de raiz, ou seja, tentando livrar-se de seu patrimônio com o objetivo de evitar o ressarcimento dos prejuízos provocados por seu ato contrário à lei. Ou, ainda, se há comprovação de que se encontra em lugar incerto e não sabido com a clara intenção de se esquivar da aplicação da lei, vez que, em fuga, não se submeterá ao império da lei. [46]

Essa "intenção de fuga" não pode ser presunção judicial, mas resultado de elementos existentes nos autos do processo que demonstrem, de forma cabal, que o acusado quer se desviar da ação da justiça. Afirma Paulo Rangel que, o simples poder econômico do réu não pode autorizar o juiz a decretar sua prisão preventiva, fazendo-se necessário que haja informações sólidas nos autos de que ele pretende fugir. [47]

Também o fato de o acusado encontrar-se desempregado não pode autorizar sua prisão com base no inciso III do art. 323 do CPP. Afinal, desemprego não pode ser sinônimo de vadiagem, por se tratar de situação que, por si só, "[...] é fruto da incompetência estatal de criar frentes novas de trabalho". [48]

2.1.5 O clamor público

A questão do clamor público é controversa e de difícil análise. Crimes destacados pela mídia comumente comovem multidões e de alguma forma podem abalar a credibilidade da Justiça. Entende-se que não se pode, de forma simples e natural, considerar que tais destaques sejam fundamentos exclusivos para a decretação desse tipo de prisão. Não raras vezes, esse abalo emocional espalha-se pela sociedade quando o agente e/ou a vítima são conhecidos desta, fazendo com que todas as atenções fiquem voltadas ao destino que se dará ao autor do crime.

Nesse sentido, o entendimento de Guilherme de Souza Nucci:

[...] nesse aspecto, a decretação da prisão preventiva pode ser uma necessidade para a garantia da ordem pública, pois se aguarda uma providência do Judiciário como resposta a um delito grave, envolvendo pessoa conhecida (autor ou vítima). Se a prisão não for decretada, o recado à sociedade poderá ser o de que a lei penal é falha e vacilante, funcionando apenas contra réus e vítimas anônimas. [49]

Não obstante esse argumento, apenas o clamor público não pode determinar a prisão preventiva, devendo estar presente, portanto, outros fatores: "O clamor público, inerente ao repúdio que a sociedade confere à prática criminosa, não é bastante, por si só, para fazer presente o periculum libertatis e justificar a prisão preventiva". [50]

Para Odone Sanguiné, é um erro considerar que a prisão preventiva possa conseguir dar satisfação à sociedade ou mesmo um sentimento de justiça. Isto só seria possível com a condenação penal do acusado. Para ele: "Na prática, todavia, a autoridade judicial se inspira às vezes nesses falsos critérios, como se a justiça fosse servidora da política, ou, pior, da demagogia". [51]

E acrescenta:

Em síntese, o clamor público constitui um fundamento apócrifo (falso) da prisão preventiva que deve ser erradicado porque vulnera o princípio da legalidade processual da repressão (nulla coactio sine lege); porque através dele a prisão preventiva é imposta como verdadeira pena antecipada (cumprindo fins de prevenção geral ou especial, exclusivos da pena), o que resulta inconstitucional à luz dos direitos fundamentais da presunção de inocência, proporcionalidade e devido processo legal. [52]

Nesse mesmo sentido, encontra-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

PRISÃO PREVENTIVA. MOTIVAÇÃO SUBSTANCIALMENTE INIDÔNEA.

Não serve a motivar a prisão preventiva ‘que só se legitima como medida cautelar’ nem o apelo fácil, mas inconsistente, ao clamor público ‘mormente quando confundido com o estrépito da mídia’, nem a alegação de maus antecedentes do acusado ‘quando reduzidos a um processo penal no qual absolvido’ nem, finalmente, que se furte ele ‘já superada a situação de flagrância’ à ordem ilegal de condução para ser autuado em flagrante, à qual se seguiu decreto de prisão preventiva, contra o qual, de imediato, se insurgiu em juízo: precedentes do Supremo Tribunal Federal. [53]

O clamor público, como é notório, advém do cometimento de algum crime grave. No entanto, nem mesmo a gravidade do crime é fundamento para a prisão preventiva. Com esse entendimento, a Suprema Corte vem concedendo habeas corpus quando a prisão preventiva funda-se neste argumento.

Em dezembro de 2008, o STF, em 3 julgamentos distintos (HC 97028, relatado pelo Ministro Eros Grau e os de nº 95.237 e 93056, relatados pelo Ministro Celso de Mello), aplicou a jurisprudência da Corte para determinar a libertação de pessoas presas com fundamento na gravidade, em abstrato, do crime de que foram acusados. Não havia, portanto, fundamentação concreta além de a medida estar sendo aplicada sem condenação transitado em julgado. [54]

No primeiro caso, D. G. M., preso em flagrante pela prática de roubo mediante grave ameaça à pessoa (art. 157, § 2º, do CP) teve negado, pela juíza da 6ª Vara Criminal de Barra Funda, na capital paulista, pedido de liberdade provisória, o mesmo ocorrendo com pedido de reconsideração dessa decisão. Ao indeferir os pedidos, a juíza afirmou: "[...] a violência que constitui o tipo penal em questão, por si só, já é fundamento bastante para fundamentar a necessidade de segregação cautelar". Pedidos semelhantes, posteriormente, foram negados a D. G. M. em habeas corpus formulados perante o Tribunal de Justiça de São Paulo e Superior Tribunal de Justiça. [55]

O Ministro Eros Grau entendeu que a decisão estava desguarnecida de fundamentação e também contrariava jurisprudência daquela Corte, que somente admite a prisão cautelar como medida extrema.

No segundo caso, W. C. P., condenado à pena de reclusão de 4 anos, em regime aberto, pelo juízo da 34ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, pelo crime de extorsão (art. 158 do CP), teve decretada sua prisão pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em grau de apelação. Impetrado o habeas corpus no STJ, confirmou-se a decisão do TJRJ. Por maioria, a Turma decidiu conceder a ordem para que o acusado possa apelar em liberdade da condenação, até o trânsito em julgado. [56]

No terceiro caso, A. F. C., que responde a ação penal perante o Juízo da Vara Criminal de São Lourenço da Mata (PE), por tráfico de drogas e associação com o tráfico, teve sua prisão preventiva decretada também com o argumento da gravidade do delito, da impossibilidade de relaxamento com base no art. 44 da Lei 11.346/2006 e falta de comprovação de condições pessoais favoráveis (antecedentes, prova de atividade ocupacional e residência). Mantida nas instâncias anteriores, o STF concedeu o habeas corpus em razão de indevida fundamentação. [57]

2.1.6 A materialidade e indício suficiente de autoria

Também a prova da existência do crime, ou seja, a materialidade, a certeza de que ocorreu a infração penal, e o indício suficiente de autoria desse crime são circunstâncias, de acordo com o Código de Processo Penal, que permitem a prisão preventiva. [58]

Não obstante a previsão legal é certo afirmar que a lei processual não concedeu uma autorização absoluta ao juiz para decretar a prisão preventiva em qualquer situação. A realidade, no entanto, demonstra que não raras vezes no Brasil, "indiciados ou acusados sejam vítimas de verdadeiros processos, sem o respeito às regras do devido processo legal, pela imprensa, que investiga, acusa e condena as pessoas". [59]

Esse tipo de prisão, muitas vezes, é condenada pela doutrina em razão de deprimir e abater o sentimento de dignidade pessoal de quem é ferido por uma mancha imerecida, depois de haver levado uma vida honesta e inocente. [60]

Em fevereiro de 2009, por 7 votos a 4, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus (HC nº 84.078) para permitir a O. C. V., condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Passos – MG, à pena de 7 anos e 6 meses de reclusão, por tentativa de homicídio duplamente qualificado, em regime inicialmente fechado, que recorra dessa condenação aos tribunais superiores, em liberdade. [61]

O.C.V. teve sua prisão preventiva decretada porque, segundo o Ministério Público de Minas Gerais, o réu, conhecido produtor de leite da região, estava colocando à venda, em leilão, seu rebanho holandês e suas máquinas agrícolas e equipamentos de leite. Este fato estaria a demonstrar sua intenção de se furtar à aplicação da lei penal, o que fez com que o 1º Vice-Presidente do TJ/MG, acolhendo o pedido do MP mineiro, decretasse sua prisão. [62]

Em março de 2005, o então relator, Ministro Nelson Jobim, negou a liminar e a concedeu posteriormente quando O.C.V. explicou que vendera seu rebanho para mudar de ramo de negócios. Em abril de 2008 o Ministro Menezes Direito pediu vista do processo, quando o relator, Ministro Eros Grau, já havia votado pela concessão do habeas corpus. [63]

O caso estava sendo julgado pela Segunda Turma da Suprema Corte, que decidiu afetá-lo ao Plenário, que iniciou o julgamento em abril de 2008. Após longos debates, prevaleceu a tese de que a prisão de O. C. V., antes da sentença condenatória transitado em julgado, violava o art. 5º, LVII, da Constituição de 1988, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". [64]

O Ministro Gilmar Mendes, acompanhando o relator, ressaltou que, no Brasil, está havendo um abuso de prisões preventivas. E acrescentou: "O Ministro Celso de Mello tem liderado na Turma lições quanto aos crimes de bagatela. Em geral se encontram pessoas presas no Brasil porque furtaram uma escova de dentes, um chinelo". [65]

O Presidente da OAB/São Paulo aplaudiu a decisão. Para ele, o princípio da presunção de inocência está entre as garantias constitucionais do cidadão brasileiro, ao estabelecer que todo e qualquer acusado deve ser considerado inocente até a decisão final, contra a qual não mais caiba recurso, independente da acusação que lhe seja imputada. Significa, segundo Luiz Flávio Borges D’Urso, que "[...] ninguém pode ser considerado culpado antes da sentença final, que advirá após lhe ser garantida a ampla defesa e o contraditório, dentro do devido processo legal". [66]

Na mesma esteira, Fernando Tourinho Filho reafirma que a prisão preventiva é medida excepcionalíssima e que se justifica em face da Constituição apenas e tão-somente para preservar a instrução criminal ou a exequibilidade da efetivação da pena. Para esse autor, o que ultrapassa esse limite, especialmente por conta do princípio da presunção de inocência, "[...] representa o nec plus ultra do arbítrio". [67]

Acrescenta o autor: "Entretanto, há juízes prepotentes, arrogantes, e que encontram no decreto de prisão temporária ou preventiva válvula de escape do seu temperamento". [68] Acerca desses juízes, assevera Tornaghi, citado por Fernando Tourinho Filho:

O juiz prepotente é uma calamidade: é um criminoso que tem numa das mãos a poderosa arma da prisão preventiva e na outra um Bill de indenidade. Para ele não há freios internos nem disposições de espírito; só a lei pode coartá-lo e contê-lo dentro dos limites da razão ou mandá-lo para o manicômio. [69]

Assim, ao finalizar esse breve estudo sobre a prisão preventiva, teve-se como meta mostrar de forma sistemática e de fácil visualização, os principais pressupostos autorizadores da decretação da prisão preventiva, bem como suas principais diferenças das outras espécies de prisões processuais.

Sobre o autor
Emerson Luís de Araújo Pângaro

Bacharel em direito pela Universidade de Brasília, pós-graduando em direito civil e processo civil pelo Instituto Processus, pós-graduando em Ordem jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PÂNGARO, Emerson Luís Araújo. A prisão preventiva.: Pressupostos e diferenças das demais prisões cautelares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2489, 25 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14723. Acesso em: 25 nov. 2024.

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