AMORIM, Filipo Bruno Silva. Adoção por homossexuais:
permissão ou proibição? In: Revista Consulex – Voz Universitária –
Ano V – Nº 107, de 30 de junho de 2001, p. 64.
Reputo relevante transcrevermos algumas breves passagens da obra
"A estrutura das revoluções científicas" somente para pontuar qual
a importância do paradigma para a ciência. Friso, contudo, que Khun ao tratar
do tema, reportava-se ao que chamava de ciência normal, em oposição à
ciência social, digamos assim:
"Qual é então a natureza dessa pesquisa mais
especializada e esotérica permitida pela aceitação de um paradigma único por
parte de um grupo? Se o paradigma representa um trabalho que foi completado de
uma vez por todas, que outros problemas deixa para serem resolvidos pelo grupo
por ele unificado? (...) No seu uso estabelecido, um paradigma é um modelo ou
padrão aceitos.(...) Por outro lado, na ciência, um paradigma raramente é
suscetível de reprodução. Tal como uma decisão judicial aceita no direito
costumeiro, o paradigma é um objeto a ser melhor articulado e precisado em
condições novas ou mais rigorosas." (p. 43-44).
"Os paradigmas adquirem seu status porque são
mais bem sucedidos que seus competidores na resolução de alguns problemas que
o grupo de cientistas reconhece como graves. (...) De início o sucesso de um
paradigma (...) é, em grande parte, uma promessa de sucesso que pode ser
descoberta em exemplos selecionados e ainda incompletos. A ciência normal
consiste na atualização dessa promessa, atualização que se obtém
ampliando-se o conhecimento daqueles fatos que o paradigma apresenta como
particularmente relevantes, aumentando-se a correlação entre esses fatos e as
predições do paradigma e articulando-se ainda mais o próprio paradigma."
(p. 44) KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São
Paulo: Perspectiva, 1975, Tradução: Beatriz Vianna Boeria e Nelson Boeria.
Assim desenvolvemos o nosso raciocínio: "Infere-se deste
dispositivo [referimo-nos ao art. 42 do ECA] que uma pessoa solteira pode adotar,
independentemente de sua opção sexual. Então, um homossexual,
independentemente de conviver ou não com um parceiro, poderia adotar. O que
nossa legislação veda é que ambos (casal homossexual, instituto desconhecido
pelo nosso ordenamento jurídico) adotem, em comum, uma pessoa." Op. Cit.
p. 65.
Art. 1º
A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade
da pessoal humana.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: (...) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil comentado.
Coordenador Ricardo Fiuza. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1430.
Op. Cit. p. 65.
O teor do julgado foi extraído do STJ nº 432. Referida decisão foi
prolatada e à unanimidade acatada pela Turma, na sessão de 27 de abril de
2010, encontrando-se pendente de publicação.
"Poder-se-ia ainda perguntar se o fato de ser proibida a adoção
de uma criança por um casal de homossexuais ofenderia o disposto no art. 3º,
IV, bem como o caput do art. 5º e seu inciso XLI, todos da
Constituição Federal (...). Entendemos que não. Os dispositivos
constitucionais, ora examinados, garantem a todos os brasileiros e estrangeiros
aqui residentes direitos iguais perante a lei, expurgando o nosso ordenamento, e
punindo, segundo lei, qualquer forma de discriminação inclusive a
discriminação sofrida pela escolha sexual. Cremos que a proibição, contida
em lei, de pessoas do mesmo sexo adotarem, em comum, uma criança, se dá não
pelo fato de serem ou não, homossexuais, mas sim, e exclusivamente, por serem
do mesmo sexo. Da mesma forma que homossexuais não podem adotar conjuntamente
uma criança, a dois amigos ou a duas amigas também não se o consente mesmo
sendo heterossexuais. De maneira que a restrição não indica discriminação
pela opção sexual do adotante, tanto é que um homossexual, interpretando-se
sistematicamente a legislação vigente, pode adotar uma criança (art. 42 do
ECA c/c arts. 3º, IV e 5º, XLI da CF/88). A vedação se dá quando duas
pessoas do mesmo sexo intentam adotar a mesma criança." Op. Cit. p. 65.
Ver nota 2.
Segundo Kelsen, todo ato jurídico é simultaneamente aplicação
de uma norma superior e produção/criação, regulada por esta mesma norma, de
uma norma inferior. Se se considerar uma ordem jurídica Estadual, então a
norma fundamental determina a criação da Constituição; que por sua vez é
aplicação da norma fundamental. Por aplicação da Constituição tem-se a
criação das normas jurídicas gerais (legislação e costume). E a
aplicação dessas normas gerais, cria normas individuais através das decisões
judiciais e das resoluções administrativas. A aplicação do direito é,
por conseguinte, criação de uma norma inferior com base numa norma superior.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Tradução de João Baptista Machado, p. 261.
Procurador Federal, atualmente exercendo o cargo de Vice-Diretor da Escola da Advocacia-Geral da União. Bacharel em Direito pela UFRN. Especialista em Direito Constitucional pela UNISUL. Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
AMORIM, Filipo Bruno Silva. União homoafetiva e adoção: alteração de um paradigma.: Revisitando o tema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2554, 29 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15122. Acesso em: 24 dez. 2024.