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Inquérito administrativo contra membro do Ministério Público da União

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Agenda 11/07/2010 às 08:00

3. Processamento do inquérito administrativo

O inquérito administrativo será instruído pela comissão trina designada, a qual poderá colher as declarações iniciais do membro do Ministério Público da União investigado, ouvir testemunhas, determinar a produção de perícias, realizar diligências e tantos outros meios probatórios quantos necessários para a elucidação dos fatos (art. 249, LC 75/1993).

A comissão designada, inteirando-se dos fatos e irregularidades noticiados, deve proceder à inquirição de testemunhas, dos denunciantes ou representantes, colher a oitiva dos envolvidos ou denunciados, requerer perícias, juntar documentos, realizar diligências, inspeções sobre coisas ou pessoas, além de promover todos os demais atos probatórios imperiosos para o esclarecimento do quadro fático, a fim de demonstrar autoria e materialidade das possíveis faltas disciplinares, com o propósito de pugnar pela instauração de processo administrativo disciplinar (art. 251, caput, LC 75/1993), salvo se entender que não existe responsabilidade funcional a ser infligida, caso em que opinará pelo arquivamento das peças informativas reunidas.

O inquérito decorre do princípio da moralidade administrativa, que reclama a apuração dos desvios de conduta cometidos por agentes públicos, os quais devem ser devidamente investigados para a sua elucidação, particularmente quanto à autoria e materialidade da falta, verificando-se as circunstâncias em que foi cometida e todos mais elementos pertinentes no intuito de que, se houver responsabilidade disciplinar a ser imposta, possa ser aberto o processo administrativo sancionador contra o membro do Ministério Público da União que se supõe transgressor.

O poder disciplinar da Administração Pública não é uma simples faculdade do administrador público, mas um dever indeclinável, de forma que a ocorrência de possíveis transgressões ao estatuto de disciplina funcional deve ser pronta e eficazmente esclarecida, para futura punição, na forma legal, do agente faltoso.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro [09] explica que a Administração não dispõe de liberdade de escolha entre punir ou não, porquanto, em face do conhecimento de falta praticada por servidor, está obrigada a instaurar procedimento apuratório adequado para, se for o caso, aplicar a pena cabível.

De fato, afigura-se inaceitável que a autoridade administrativa competente deixe campear a ilegalidade e a imoralidade com a indisciplina no seio da Administração Pública, motivo por que o inquérito, no regime da Lei Complementar Federal n. 75/1993, é instrumento legal de preservação da ordem e do respeito ao código disciplinar de conduta dos membros do Ministério Público da União.

Por outro lado, a prévia investigação de irregularidades mediante inquérito, além de servir à eficiência administrativa, em face do nítido esclarecimento dos fatos e da coleta das peças e elementos informativos, necessários para caracterizar a autoria e a materialidade das faltas disciplinares, concorre para a preservação da honra e da dignidade dos membros do Ministério Público da União, pois evita a precipitada instauração de processo administrativo disciplinar, sem que se tenha instruído a acusação inicial com o pleno conhecimento dos fatos pertinentes às supostas transgressões apuradas.

Essa cautela previne juízos acusatórios e condenatórios quanto a condutas tidas como violadoras da disciplina funcional, quando não se possa ter certeza da justeza da abertura de processo punitivo e da segurança de se formalizar acusação contra Procurador ou Promotor em meio a fatos obscuros, mal esclarecidos, sobretudo considerando a gravidade da instalação de feito apenador no quadro da Administração Pública e até a possibilidade de o injustamente acusado propor eventual ação de indenização por danos morais contra a pessoa jurídica de direito público cujo órgão administrativo tomou a iniciativa de acusar o agente não culpado sem legítimos fundamentos fáticos.

Daí que, em lição análoga, José Cretella Júnior sublinha que a instauração da sindicância estriba-se em razões de economia processual, de prudência e equilíbrio, de tranqüilidade e confiança e técnico-científica, consignando: "Sindicância bem conduzida, orientada por autoridade emocionalmente equilibrada, justa, honesta, independente, pouco sugestionável, constitui a melhor garantia para o Estado e para o agente público". [10] As mesmas ponderações são aplicáveis ao inquérito contra membro do Ministério Público da União.

Armando Pereira arremata com precisão:

Muita vez, por outro lado, a denúncia parece assumir gravidade enorme, e depois se apura que não passa de uma falta de menor importância. Como proceder, então? O ideal, a nosso ver, é a sindicância [...] representa uma norma de economia de vulto. O processo, além de traumatizar a repartição, envolve a movimentação de pessoal precioso e indispensável ao serviço público, por sessenta dias praticamente desviado de suas funções normais. A sindicância prévia é uma regra de cautela. É sigilosa, não constrange tanto. Não está adstrita a formalidades, é rápida, reduzindo a termo depoimentos enquanto os fatos estão "quentes", impedindo que, após, venham a ser modificadas as respectivas versões. Sempre que uma infração chega ao conhecimento da autoridade e ela não se capacita, de logo, de sua extensão e profundidade, deverá, por cautela, abrir sindicância, designando um funcionário de categoria superior e idôneo para realizá-la. Este, usando o método de concentração de provas, poderá ouvir, em depoimentos, tomados por termo resumidamente, os acusados, acusadores e testemunhas e reunir provas documentais à mão, após o que analisará em breve relatório os fatos. [11]

O processo administrativo disciplinar somente pode ser aberto com a indicação clara de um autor de uma transgressão funcional, cuja existência tenha sido demonstrada nos autos.

Não se abre processo disciplinar para verificar irregularidades cuja existência (materialidade) ou autoria são desconhecidas, porquanto o pressuposto da instauração do feito é uma acusação inicial definida sobre fato certo, em tese constitutivo de falta funcional, cometido por agente público individualizado, a fim de confirmar, ou não, a procedência do libelo vestibular, após o desforço defensório e a coleta de provas complementares pelo conselho oficial designado, certificando-se, ou não, a responsabilidade do acusado.

Não estando claros os pressupostos de autoria e materialidade da falta, cumpre ser previamente instalado inquérito para elucidar com clareza os fatos.

Mauro Roberto Gomes de Mattos [12] endossa:

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"Os procedimentos disciplinares entram também nessa escalada, pois é vedada a instituição de inquérito disciplinar genérico, em que acusações vagas servem para iniciar uma devassa na vida do agente público no afã de encontrar-se prova de pseudoconduta ilícita. A sociedade clama por uma justiça administrativa séria e que, antes de mais nada, respeite os direitos e as prerrogativas dos acusados. Não é lícito e nem factível que ainda ocorram acusações genéricas contra a honra de quem quer que seja. O direito não permite procedimentos de caráter aberto, sem que haja justa causa, contra agentes públicos que renderão ou não espaço na mídia contra seus nomes. Essa garantia de inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem das pessoas retira do administrador a discricionariedade de instaurar procedimento disciplinar contra servidor público sem um mínimo de indício ou plausibilidade de acusação. Não se admite a acusação genérica, sem justa causa."

Pode suceder, todavia, que, depois de exauridas as diligências e investigações pertinentes na sindicância, não se detecte a ocorrência de infração disciplinar, ou não se defina a autoria e a materialidade do fato, o que determinará o arquivamento dos autos.

Não se admite o abuso de poder da Administração Pública em se valer da instauração do procedimento investigativo administrativo como meio de perseguição ao agente público, como reprovou o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

Inexistência de razoabilidade relativamente ao ato administrativo que determinou a instauração de uma terceira sindicância, para apurar supostas infrações praticadas pela impetrante, já que amplamente investigadas em dois procedimentos anteriores, que concluíram pela inocorrência delas. Configurado o abuso de poder ao submeter a impetrante a constrangimento ilegal, bem como ao fato de ter o processo de sindicância excedido o prazo legal máximo para o seu encerramento. [13]


4. Parecer da comissão e pronunciamento prévio do investigado

A despeito de não culminar com punição ao membro do Ministério Público da União, a Lei Complementar Federal n. 75/1993 institui (art. 250) louvável procedimento de oitiva do Procurador ou Promotor investigado quando encerrada a instrução do inquérito administrativo, pelo prazo de quinze dias.

O membro do Ministério Público da União tem o mais lídimo interesse de demonstrar, em seu arrazoado, depois de colhidas todas as provas pela comissão trina investigadora, que não haveria, nos autos, elementos suficientes para autorizar a abertura de processo administrativo disciplinar, por carência de materialidade ou de comprovação da autoria, assim como pode desde logo trazer ao feito alegações em torno da presença de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade para sua conduta.

É notável a importância do pronunciamento do investigado previamente à decisão do Conselho Superior quanto à instauração, ou não, de processo administrativo disciplinar, na medida em que se antecipa o exame de matérias de defesa relevantes, inclusive a prescrição do direito de punir da Administração Pública.

Pode o investigado, outrossim, na oportunidade, expor a imperatividade de melhor e mais ampla coleta de provas para que o Conselho Superior determine novas diligências.

Caso o colegiado investigativo entenda que deva ser instaurado processo administrativo disciplinar, compete-lhe elaborar uma súmula de acusação, com exposição do fato imputado, com todas as suas circunstâncias e a capitulação legal da infração (art. 251, § 1º, LC 75/1993).

A súmula de acusação, que se assemelha em seus fundamentos, mutatis mutandis, à indiciação prevista na Lei federal n. 8.112/1990, deve veicular as provas em que a comissão se embasa para deduzir a censura quanto à conduta do membro do Ministério Público da União investigado.

A súmula de acusação também pode, em caso de endosso pelo Conselho Superior, uma vez que define o enquadramento jurídico da conduta, facilitar o reconhecimento da prescrição do direito de punir, ante o cotejo com a pena disciplinar em tese cabível e o prazo prescricional para respectiva imposição.


5. Decisão do Conselho Superior

O Conselho Superior não está vinculado à opinião veiculada pela comissão investigativa, podendo determinar o arquivamento do inquérito, recusando a instauração de processo administrativo disciplinar propugnada pela trinca autora do relatório final, como pode, de outro vértice, determinar a deflagração do feito punitivo quando o colegiado inquisitorial trino não havia reconhecido o cometimento de ilícito funcional e determinara, por isso, fosse arquivado o procedimento apuratório preliminar.

Tanto que a Lei Complementar Federal n. 75/1993 proclama:

Art. 251.............................................................................................

..........................................................................................................

§ 2º O inquérito será submetido à deliberação do Conselho Superior, que poderá:

I - determinar novas diligências, se o considerar insuficientemente instruído;

II - determinar o seu arquivamento;

III - instaurar processo administrativo, caso acolha a súmula de acusação;

IV - encaminhá-lo ao Corregedor-Geral, para formular a súmula da acusação, caso não acolha a proposta de arquivamento.

A primeira hipótese do § 2º do art. 251 do Estatuto do Ministério Público da União é a conversão do ato decisório do Conselho Superior em diligência, com vistas a que mais provas sejam colhidas para melhor elucidação do cenário fático apurado.

A instauração do processo administrativo disciplinar somente tem cabimento quando o ilícito funcional está devidamente cotejado em suas circunstâncias, autoria e materialidade, motivo por que, na falta de elemento probatório relevante, pode e deve o Conselho Superior de cada órgão do Ministério Público da União, inclusive acolhendo proposta do Procurador ou Promotor investigado, determinar a coleta de provas complementares, em ordem a firmar um juízo mais seguro e cristalino sobre a transgressão administrativa apurada.

Trata-se de reflexo do princípio da oficialidade e da verdade material na esfera do processo administrativo. Sobre a matéria já nos pronunciamos em nosso livro, no que tange à lição sobre a conversão do julgamento em diligência, o qual se roga novamente licença para transcrever [14]:

Pode a autoridade julgadora, de ofício, depois de constatar que não dispõe dos elementos necessários para julgar o feito, ou que existem falhas processuais não sanadas, além de atos probatórios produzidos com cerceamento de defesa, determinar a conversão do julgamento em diligência, com vistas a que sejam coletados os dados bastantes para a decisão do feito, ou que sejam saneados os defeitos procedimentais?

Sim. Em vista do imperativo de que o julgamento do processo deve escorar-se em motivos fáticos e jurídicos habilitantes, rende-se ensejo a que as provas úteis ou necessárias para o exame da responsabilidade disciplinar sejam providenciadas pela Administração Pública, de ofício ou a requerimento da parte, tudo para lastrear a justa solução do feito, que não pode prescindir da consideração do inteiro complexo probatório em torno dos fatos atribuídos ao acusado.

Por conseguinte, o órgão julgador não está obrigado a julgar "às cegas" ou em meio a dúvidas o feito, dada sua grave responsabilidade perante o interesse público e a justiça.

Como corolário do princípio da verdade material, é possível e mister que a autoridade julgadora, ante a falta de elemento necessário para o julgamento, ou em vista de necessidade de coleta de provas ou contraprovas, propostas justificadamente pela defesa, converta o julgamento em diligência, para a realização de novos atos processuais, especialmente quando instrutórios, porque destinados à elucidação plena do conjunto fático dos autos.

É a Lei Geral de Processo Administrativo da União que capitula:

As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. (art. 29, L. 9.784/99).

O órgão julgador do processo disciplinar não está adstrito às razões ofertadas pela comissão processante e pelo acusado, podendo, se entender conveniente ou necessário, determinar a designação de novo colegiado para ultimar a coleta de outras provas ou para elucidar dúvidas em torno do acervo probatório já constante dos autos, nesse caso convertendo o julgamento em diligência.

Como muito bem lembra Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, as provas, na verdade, destinam-se ao órgão que as aprecia e julga [15], no que é aplaudido por Heraldo Garcia Vitta, que igualmente pontua: "O administrador deve procurar a verdade no processo independentemente das provas que a parte tenha produzido, e, dessa maneira, decidir pela realização de outras provas, necessárias ao deslinde da causa." [16]

É que, no processo disciplinar, em virtude do anseio pela verdade real, a idéia de preclusão, típica do processo civil, em que a perda da oportunidade de praticar ato processual implica a impossibilidade de realização do ato não requerido tempestivamente pelas partes, cede lugar à de certeza jurídica, fundamental para o julgamento de um processo do tipo punitivo.

De fato, graças ao princípio da verdade material, a Administração deve buscar a concretização da justa e adequada resolução do feito, de forma que não se pode contentar, quando insuficiente para autorizar a decisão do tema da responsabilidade do acusado, com a verdade meramente processual e as provas produzidas até o julgamento, apesar de insuficientes para elucidar os fatos, antes se impõe ao julgador administrativo a obrigação de não somente tomar conhecimento como de considerar elementos de prova ou de fato trazidos mesmo a destempo pelo processado, desde que relevantes, na medida em que se estabelece o mister de alcance da verdade real, o que endossa Daniel Ferreira. [17]

O texto da Lei federal n. 8.112/1990 também referenda a conclusão, pois atribui competência à comissão processante para tomar a iniciativa das provas para a completa elucidação dos fatos (art. 155); prevê que, depois de tipificada a falta disciplinar pelo conselho processante e de indiciado e citado o servidor para apresentar sua defesa final (art. 161, § 3º), o prazo para apresentação de defesa escrita pode ser prorrogado para diligências indispensáveis, caso da prática de verdadeiros atos de instrução, depois do término da fase instrutória, o que é evidência da adoção do princípio da verdade material, medida que seria incompatível com um sistema de produção de provas do tipo dispositivo, como o que impera, de regra, no processo civil.

Desse postulado, também em face da natureza inquisitiva da atuação disciplinar (semelhante à do processo penal), dimana a inexistência da incontornável preclusão processual a priori, típica do processo dispositivo como é o civil, porquanto o feito disciplinar administrativo colima, em última instância, a justiça e a boa aplicação do direito, as quais nunca poderão ser efetivamente atingidas com a insuficiência instrutória ou com a formação do juízo decisório mediante um convencimento lastreado numa apreensão parcial da verdade fática.

Por isso que José Armando da Costa defende que, por força do princípio da verdade material, deverá ser considerado e reunido aos autos todo elemento de prova, útil ou necessário para o esclarecimento dos fatos, produzido em qualquer fase do feito, secundando-se a preclusão processual pela supremacia do conhecimento real do acervo fático relacionado à apuração [18], no que é endossado por Léo da Silva Alves:

Quando a autoridade não se sentir à vontade para julgar com o que lhe foi apresentado, tem o direito – e o dever – de promover medidas complementares [...] em nome do princípio da precaução, há que se determinar o esclarecimento das obscuridades ou o refazimento da prova. [19]

Esse entendimento é confirmado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "Antes da decisão final a ser proferida em processo administrativo disciplinar, [...] cabe a juntada de documentos que noticiam fatos novos que poderiam influenciar no julgamento, em observância ao princípio da ampla defesa." [20]

No direito comparado, Marcelo Caetano assinala que a medida é expressamente capitulada nas leis disciplinares do direito português: "Quando os factos não estejam suficientemente esclarecidos ou provados, quem tenha de decidir poderá ordenar diligências complementares de instrução", inclusive para o fim de dar vista ao acusado de documentos ou fatos novos produzidos após a defesa e suscetíveis de influir no juízo sobre a responsabilidade disciplinar do servidor (sic). [21]

Egberto Maia Luz igualmente pugna pela conversão do julgamento em diligência a juízo da autoridade julgadora [22], acompanhado por A. A. Contreiras de Carvalho, que também advoga o cabimento da realização de diligências, depois de apresentado o relatório e antes do julgamento. [23]

Palhares Moreira Reis ajunta que o princípio da verdade real autoriza a Administração a se valer de qualquer meio probatório para a descoberta da verdade material, pois, no processo administrativo, a autoridade processante ou julgadora pode, até a decisão final, conhecer novas provas, ainda que produzidas em outro processo ou que decorram de fatos supervenientes [24], mesma opinião de José dos Santos Carvalho Filho [25].

A providência é encimada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Sendo o julgamento a última etapa do processo disciplinar, que se compõe de outras duas fases, quais sejam, instauração e inquérito (instrução, defesa e relatório) até a prolação da decisão final, pode e deve a Administração ter acesso a qualquer prova licitamente produzida para seu convencimento no momento da aplicação da sanção. Estes fatos podem ser levados ao conhecimento da autoridade competente a qualquer tempo, desde que ainda não tenha sido objeto de apreciação anterior. [26]

Muitas vezes, a realização de diligências preliminares ao julgamento visa a evitar um decreto absolutório precipitado, baseado na dúvida favorável ao réu, quando poderia ser elucidada a controvérsia ou obscuridade, em torno da culpa ou inocência do acusado, por meio de novos atos de coleta de provas, como refere Amini Haddad Campos ao consignar que o julgador não é um espectador inerte da produção das provas, mas lhe cabe intervir na atividade processual e ordenar, de ofício, antes do julgamento, a realização dos meios probatórios úteis ao esclarecimento da verdade, pois não deve, enquanto houver fonte de prova não exaurida, pronunciar a absolvição por dúvida em favor do acusado. [27]

Di Pietro ensina que, por força do princípio da oficialidade, a autoridade julgadora tem o dever de não só examinar por completo o processo para verificar sua legalidade (e, se o caso, declarar nulidade ou medidas de saneamento processual) como de determinar a realização de novas diligências que repute fundamentais para a prova. [28]

Edimur Ferreira de Faria frisa que, no processo administrativo, admite-se a produção de provas em qualquer fase, de sorte que a Administração deve fazer juntar aos autos documentos de que tenha conhecimento e que sejam úteis ao processo, até mesmo na fase recursal, admitindo-se, inclusive, o arrolamento de testemunhas e outras providências. [29] São idênticas as opiniões de Marcos Porta [30], Adriana Menezes de Rezende [31] e Egberto Maia Luz [32].

Léo da Silva Alves proclama que, no processo disciplinar, a autoridade julgadora tem "o poder de coletar a prova que desejar, independentemente de provocação dos interessados", não ficando atada somente aos documentos juntados e às testemunhas arroladas e, por isso, pode providenciar a juntada de novas provas documentais e questionar a idoneidade ou falsidade daquelas já carreadas aos autos, ouvir outras testemunhas e determinar a produção de novos elementos probatórios, ainda que não solicitados por quem acusa ou defende. [33]

8.1 Conversão do julgamento em diligência a pedido da defesa

As mesmas razões expostas no item anterior justificam a possibilidade de a defesa propor à autoridade julgadora a conversão do julgamento em diligência, para a coleta de provas ou o esclarecimento de fatos, quando decisivos para a decisão do feito.

José Armando da Costa salienta que o indiciado pode, pessoalmente ou por intermédio de procurador devidamente constituído, requerer a realização de diligências essenciais à sua defesa, as quais, uma vez indeferidas, poderão implicar a nulidade do processo. [34]

O requerimento da defesa deve ser cuidadosamente examinado para o fim de prevenir a anulação do processo administrativo disciplinar na hipótese de recusa da produção de prova justamente solicitada, em caso de pendência de cerceamento em ato processual de coleta de prova relevante para a decisão do feito ou para a comprovação da inocência do servidor, inclusive quando se trate de pedido motivado pela articulação de novas acusações, nos termos do relatório final, ou em pareceres de órgãos de assessoramento ou corregedorias ouvidas pela autoridade julgadora antes da decisão, situação em que a reação defensória se justifica plenamente no que tange à produção de contraprova ou de elucidação de obscuridade, salvo se o meio probatório viciado não interferir, em aspecto qualquer, no julgamento, por este poder ser motivado em elementos outros de convicção, regularmente produzidos.

De outro ângulo, é mister que a autoridade julgadora se acautele contra requerimentos meramente protelatórios, desnecessários ou impertinentes, deduzidos pela defesa antes do julgamento, manejados como forma de retardar o desfecho do processo e evitar a imediata decisão do feito com a possível punição do acusado, quiçá às vezes com o fito de desencadear o intercorrente óbice prescricional como resultado da manobra.

A segunda hipótese possível é de o Conselho Superior, por não vislumbrar a ocorrência de infração disciplinar ou por julgá-la justificada, eventualmente até em caso de reconhecimento da prescrição do direito de punir, determinar o arquivamento do inquérito, haja vista que não haveria elementos motivadores da instauração de processo administrativo disciplinar no caso.

Destaque-se que o Conselho Superior, no exercício de sua autonomia de análise e de juízo meritório, pode, inclusive, ordenar o arquivamento quando a comissão de inquérito anteriormente pugnara pela instauração de processo administrativo disciplinar.

A terceira situação é de o Conselho Superior endossar o parecer exposto no relatório final da comissão de inquérito e, referendando a súmula de acusação formulada, determinar a instauração de processo administrativo disciplinar contra o membro do Ministério Público da União.

Pode acontecer, em último lugar, de o Conselho Superior discordar da proposta de arquivamento ventilada pela comissão de inquérito e determinar que o Corregedor-Geral elabore súmula de acusação, orientadora da instauração de processo administrativo disciplinar.

Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Inquérito administrativo contra membro do Ministério Público da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2566, 11 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16946. Acesso em: 18 nov. 2024.

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