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Fila de banco e dano moral

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5. Da responsabilidade civil dos bancos pela extrapolação do limite legal de tempo para atendimento de clientes e usuários de filas de banco:

Estabelecidos os pressupostos e fundamentos para a indenização do dano moral, passamos ao exame do objeto central deste trabalho, verificando se a extrapolação do tempo previsto na lei da fila enseja a indenização por dano moral ao consumidor ou usuário lesado.

Para que haja responsabilidade civil, como já se viu, é necessário que um direito seja violado. Sendo assim, é necessário perquirir, inicialmente, se os clientes e usuários dos bancos têm o direito de serem atendidos até um determinado limite de tempo. Muito embora as leis da fila tenham sido as primeiras a prever esse limite, cremos que não foram elas que criaram o direito subjetivo ao tempo de espera razoável em fila bancária. Elas somente deram maior concretude – ao prever o tempo máximo de espera – e garantia – ao cominar a multa como sanção pelo descumprimento – a um direito que já existia por força do regime decorrente do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, entre os direitos do consumidor está o de ter um serviço prestado adequadamente, conforme se depreende do artigo 4º, II, d, e V, artigo 6º, IV e X, artigo 20, § 2º, todos do Código de Defesa do Consumidor. Este último dispositivo é muito claro a respeito, como se vê:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:   

I a III - omissis;

§ 1° Omissis.

§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.

Assim, não apenas os bancos, mas todo e qualquer prestador de serviço, seja ele pessoa de direito privado ou de direito público, tem o dever de atender os seus consumidores num tempo razoável, visto que não pode ser considerado adequado um serviço prestado com excessiva morosidade. Há, pois, conduta ilícita no caso de demora do banco em atender o público acima do tempo razoável, podendo assim ser considerado aquele previsto na lei da fila.

Não basta, todavia, a ocorrência de um ato ilícito para que haja a responsabilidade civil. É preciso verificar se algum dano é causado pela conduta ilícita, pois "ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que dela não tenha decorrido prejuízo" [21]. No caso do dano moral, todavia, como a prova do dano, pela sua natureza, não é possível, este é considerado in re ipsa, ou seja, presumidamente decorrente da situação fática ilícita [22]. Entretanto, como não há responsabilidade civil sem dano, é necessário que essa situação fática seja idônea a causar o dano moral, devendo assim ser considerada aquela que ofende os direitos de personalidade de alguém. Cumpre perquirir aqui, portanto, se a extrapolação do tempo previsto na lei da fila configura violação aos direitos de personalidade do consumidor, acarretando, assim, dano moral indenizável.

Os direitos de personalidade previstos expressamente na Constituição Federal e no Código Civil, conforme já se mostrou alhures, são os seguintes: integridade física; liberdade de disposição do próprio corpo após a morte para fins científicos ou altruísticos; nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, além do pseudônimo adotado para atividades lícitas; direitos autorais; imagem; honra; vida privada; intimidade e liberdade. Vê-se logo que alguns desses direitos não correm a mínima chance de serem violados no caso de extrapolação do tempo previsto na lei da fila. Apenas os direitos à honra e à liberdade estariam sujeitos a ofensa em tal situação.

A ocorrência dessa ofensa, contudo, deve ser verificada em cada caso concreto, de acordo com suas particularidades e nuances. Não se pode, destarte, considerar que o descumprimento da lei da fila, ou de qualquer lei, acarrete, ipso facto, danos morais. Prima facie, todavia, é possível perceber que o descumprimento da lei da fila, por si só,não tem o condão de causar senão um mero aborrecimento no homem médio [23]. Com efeito, não há dúvida que quem espera por mais de meia hora na fila do caixa de um banco se aborrece, se irrita, mas isso não viola a sua honra ou sua liberdade de forma objetivamente considerada.

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Tomando o caso pelo prisma do princípio da dignidade da pessoa humana, não há como sustentar que a dignidade de alguém é ofendida simplesmente por não ter sido atendido no tempo previsto na lei da fila. Como se viu, a violação ao dever de respeito à dignidade humana exige dois requisitos: o tratamento da pessoa como simples meio, objeto, e o desprezo manifestado por essa conduta. No caso de descumprimento da lei da fila, não há como considerar que a mera extrapolação do tempo nela previsto contém em si tais requisitos. Ainda que se possa reconhecer que tal conduta revela uma falta de respeito com o consumidor, o que se exige para que se configure violação ao princípio da dignidade da pessoa humana é algo mais grave: é o desprezo pela pessoa, o tratamento revelador de completa desconsideração pela sua dignidade, tratando-a como simples meio para o fim de, economizando na contratação de mais funcionários, obter lucro.

Contudo, se a demora extrapolar demasiadamente o limite do razoável ou se outros fatos, considerados em conjunto com o descumprimento da lei, acarretarem um desrespeito mais profundo à dignidade do consumidor, a resposta pode ser outra. Assim é que, embora trinta ou quarenta minutos na fila de um banco não cheguem a ocasionar-lhe uma lesão moral, certamente uma hora e meia ou duas, ao revelar uma nítida demonstração de profundo e exacerbado desprezo pelo seu bem-estar físico e psicológico, fazendo-o sentir-se pequeno e impotente, um objeto diante do que se apresenta como a prevalência do ideal de lucro sobre o seu conforto e sua autonomia na escolha da melhor forma de gozar o seu tempo, ocasiona um dano aos seus direitos de personalidade, particularmente em sua honra subjetiva, ensejando a indenização por danos morais. Ou, então, quando, além de o atendimento ser moroso, não houver condições mínimas de conforto para tornar menos desagradável essa espera, como assento adequado, água, banheiro, climatização do ambiente, entre outros.


6. Conclusão:

Restou demonstrado que a mera extrapolação pelos bancos do limite de tempo previsto na lei da fila, embora seja um ato ilícito, não enseja, ipso facto, dano moral indenizável, uma vez que esse fato por si só não tem o condão de ofender nenhum direito de personalidade do consumidor dos serviços bancários. Com efeito, só se pode falar em responsabilidade civil por dano moral se houver a violação de algum direito de personalidade, pois a leitura do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, tido por cláusula geral de indenizabilidade dos danos morais, assim como dos incisos V e LXXV do mesmo artigo, demonstra que a previsão de indenização por danos morais procura resguardar uma espécie particular de direitos: os direitos de personalidade, disciplinados nos artigos 11 e seguintes do Código Civil.

Sendo os direitos de personalidade corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, uma correta compreensão de sua disciplina, e, consequentemente, da disciplina dos danos morais, depende da adequada definição deste princípio, particularmente de seu conteúdo jurídico. O trabalho mostrou que deste conteúdo decorre, além dos deveres de proteção e promoção voltados ao Estado – e que, por isso, não interessam para os fins aqui propostos –, o dever de respeito, este dirigido tanto ao Estado como à sociedade em geral. O dever de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana é violado quando estão presentes dois requisitos: um objetivo, configurado pelo tratamento da pessoa como um simples objeto ou meio para a realização de um fim; e um subjetivo, configurado pela "expressão de desprezo" manifestada por esse tratamento.

Estendendo essa disciplina para a questão da ocorrência de danos morais no caso do descumprimento da lei da fila, tem-se que esse fato, por si só, não viola o dever de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, por não estarem contido nele os dois requisitos elencados. Certamente a espera acima do tempo previsto na lei da fila pode revelar, no mais das vezes, uma falta de respeito com o consumidor, mas o que se exige para a configuração de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana é algo mais profundo, mais grave: o desprezo pela dignidade do homem, a completa desconsideração pelo seu bem-estar físico e psicológico, bem como pela sua autonomia de aproveitar o tempo como melhor lhe aprouver, ao ser tratado como uma mera peça útil à consecução da finalidade lucrativa dos bancos; como um objeto, portanto, e não como uma pessoa.

Embora esses requisitos não possam ser considerados presentes, de forma automática, no mero descumprimento da lei da fila, a resposta pode ser outra caso a demora extrapole significativamente o limite do razoável – como, por exemplo, no caso de duas horas de espera – acarretando, pois, ofensa à honra subjetiva do consumidor, e, portanto, danos morais indenizáveis. Outra situação em que pode ocorrer violação à honra do consumidor, ensejando a reparação por danos morais, é o caso em que, além da demora acima do tempo razoável, previsto na lei da fila, o consumidor não tenha condições mínimas de conforto aptas a minimizar o incômodo da espera, como água, banheiro, assento e ambiente climatizado.


7. Bibliografia:

CAMARGO, Marcelo Novelino. O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana. Leituras complementares de Constitucional – Direitos Fundamentais. Salvador: Podium, 2007.

CHAVES, Antônio. Tratado de Direito Civil, 3ª Ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, vol. III.

FARIAS, Cristiano Chaves e ROSELVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA Fº, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Volume III – Responsabilidade Civil. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008;

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos de personalidade. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4445. Acesso em 16/06/2009.

TEPEDINO, Gustavo (coordenador). A Parte Geral do Novo Código Civil – estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

____. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

THEODORO Jr., Humberto. Dano Moral. 4ª Ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.


Notas

  1. O Supremo Tribunal Federal em diversos precedentes considerou constitucional esse tipo de lei. Citamos como exemplo o Agravo em Recurso Extraordinário nº. 427463/RO, rel. Ministro Eros Grau.
  2. E, mais que isso, pode ser considerado a cláusula geral da proteção dos direitos da personalidade, dada a íntima relação entre danos morais e direitos de personalidade, como se mostrará na sequência deste trabalho.
  3. "É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".
  4. "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença".
  5. Por exemplo: o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº. 4.117, de 27 de agosto de 1962), o Código Eleitoral (Lei nº. 4.737, de 15 de julho de 1965) e a Lei de Imprensa (Lei nº. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, antes da Constituição atual, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990), o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985), após o advento da Constituição.
  6. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
  7. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
  8. Não obstante a redação do artigo 927 do Código Civil, o dano causado por ato lícito também pode ser passível de indenização, desde que essa hipótese esteja prevista de forma expressa, como, por exemplo, nas situações previstas no artigo 5º, XXV, da Constituição Federal, e artigo 927, parágrafo único, e 930, ambos do Código Civil.
  9. Embora a redação do artigo 186 do Código Civil dê a entender que só existe ato ilícito se de uma violação de direito alheio redundar dano, a doutrina majoritária considera que a existência de ato ilícito independe da ocorrência dano, de modo que é possível haver ato ilícito sem haver dano, e vice-versa. Fica claro que o legislador expressou-se mal quando se lê o artigo 927, que mostra que ato ilícito e dano são figuras independentes.
  10. Essa é a lição, entre outros, de GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA Fº, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Volume III – Responsabilidade Civil. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 55; e THEODORO Jr., Humberto. Dano Moral. 4ª Ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. P. 2
  11. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos de personalidade. Em http://jus.com.br/artigos/4445 (consultado em 16/06/2009).
  12. TRF 2ª R. AC nº 200102010403760. 8ª T. Rel. Des. Fed. Raldênio Bonifácio Costa. Data da decisão: 30/04/2008. Publicado no DJU de 12/05/2008.
  13. TEPEDINO, Gustavo (coordenador). A Parte Geral do Novo Código Civil – estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. P. 35.
  14. FARIAS, Cristiano Chaves e ROSELVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. P. 109.
  15. Op. cit. P. 109/110.
  16. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 130.
  17. TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 46
  18. CAMARGO, Marcelo Novelino. O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana. Leituras complementares de Constitucional – Direitos Fundamentais. Salvador: Podium, 2007. P. 125.
  19. Op. cit. P. 119.
  20. Op. cit. P. 121.
  21. STJ. REsp 0020386/92 – 92.0006738-7/RJ. 1ª Turma. Rel. Min. Demócrito Reinaldo. DJ: 27-06-94).
  22. Vide: REsp 200500132495, Rel. Min. Barros Monteiro; REsp 200401756670, Rel. Min. Luiz Fux; REsp 200702348176, Rel. Min. Nancy Andrighi.
  23. Pois para a configuração do dano moral indenizável devem ser ignorados simples melindres e suscetibilidades individuais. A lição de Antônio Chaves é nesse sentido: "propugnar pela mais ampla ressarcibilidade do dano moral não implica no reconhecimento que todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor próprio, pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar de asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitem sejam extraídas da caixa de Pandora do Direito, centenas de milhares de cruzeiros". CHAVES, Antônio. Tratado de Direito Civil, 3ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, vol. III, p. 637).
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIORENZA, Fábio Henrique Rodrigues Moraes. Fila de banco e dano moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2596, 10 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17132. Acesso em: 22 nov. 2024.

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