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Fila de banco e dano moral

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A presença, no caso concreto, de circunstâncias específicas, como tempo de espera muito longo ou falta de condições mínimas de conforto para acomodação, pode levar à ocorrência dos danos morais.

SUMÁRIO:1. Introdução; 2. Da definição de dano moral indenizável; 3. Dos direitos de personalidade; 4. Do conteúdo jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana; 5. Da responsabilidade civil dos bancos pela extrapolação do limite legal de tempo para atendimento de clientes e usuários de filas de banco; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.


RESUMO

Este trabalho aborda a questão do cabimento de indenização por dano moral no caso de extrapolação do limite legal de tempo para atendimento de usuários em filas de banco. Conclui-se que o mero descumprimento da lei da fila não acarreta, ipso facto, ofensa aos direitos de personalidade do usuário dos serviços bancários, pelo que não tem o condão de gerar danos morais indenizáveis. Todavia, a presença, no caso concreto, de outras circunstâncias – tais como tempo de espera demasiadamente longo ou ausência de condições mínimas de conforto para a acomodação dos usuários –, pode levar à ocorrência dos danos morais.

PALAVRAS-CHAVE: dano moral, indenizabilidade, direitos de personalidade, dignidade da pessoa humana, lei da fila, direito do consumidor.


1. Introdução:

Nos últimos anos vários municípios brasileiros promulgaram leis [01] estabelecendo limite de tempo para atendimento de consumidores em agências bancárias, com a previsão de multa em caso de descumprimento, sendo o seu valor revertido para os cofres do ente público. Para se verem compensados, muitos clientes e usuários de bancos em geral, lesados pelo descumprimento da lei da fila – como veio a ser conhecida popularmente esse tipo de lei –, têm ajuizado ações em busca de indenização por supostos danos morais sofridos em consequência disso. A tese defendida pelos advogados consiste, basicamente, em que os bancos, ao extrapolarem o limite de tempo de atendimento ao correntista ou usuário dos seus serviços, ofendem a paz, a tranquilidade e a dignidade destes, o que configuraria dano moral e, portanto, ensejaria indenização.

O propósito deste trabalho é examinar essa tese, fornecendo subsídios para a adequada compreensão do tema, para, ao fim, oferecer uma resposta à questão da ocorrência ou não de dano moral indenizável nesses casos. Para tanto, primeiramente analisar-se-á a disciplina da indenizabilidade dos danos morais, particularmente a natureza e o fundamento dos direitos protegidos por essa garantia. Isso nos levará ao estudo dos direitos da personalidade e do princípio da dignidade da pessoa humana. E, afinal, examinar-se-á se os direitos protegidos pela garantia da indenizabilidade dos danos morais são ofendidos nas hipóteses de violação das leis da fila pelas agências bancárias.


2. Da definição de dano moral indenizável:

Se durante muitos anos a possibilidade jurídica de se indenizar o dano moral foi objeto de fortes controvérsias, hodiernamente tal discussão não tem mais sentido, uma vez que o texto constitucional atual, de forma inovadora em relação aos anteriores, passou a prever expressamente em seu artigo 5º, inciso X, a responsabilidade civil do causador do dano moral, como se vê:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

A par desse dispositivo, que pela generalidade com que trata o tema pode ser considerado a cláusula geral da responsabilidade civil por dano moral no direito pátrio [02], existem outros na Lei Maior que contemplam o mesmo direito em hipóteses especiais, como os incisos V [03] e LXXV [04] do mesmo artigo 5º. Infraconstitucionalmente algumas leis [05] anteriores ao Código Civil de 2002 já previam a possibilidade de o dano moral ser indenizado em algumas situações específicas, mas apenas com o advento desse código é que essa possibilidade foi estendida de forma genérica para hipóteses não tipificadas, independentemente da natureza da situação na qual o dano foi causado.

Da leitura conjunta dos artigos 927 [06] e 186 [07] do Código Civil extrai-se que o dano, seja ele moral ou material, deverá ser indenizado sempre que for causado por um ato ilícito [08], que se caracteriza pela violação dolosa ou culposa de um direito [09]. No caso do dano material diz-se que o direito violado é o direito passível de apreciação econômica e tem, portanto, caráter patrimonial; e que no caso do dano moral o direito violado, ao contrário, não é passível de apreciação econômica e tem, pois, caráter extrapatrimonial, que seria aquele afeto à esfera personalíssima da pessoa [10].

É preciso definir, contudo, exatamente que direito de caráter extrapatrimonial é esse que, violado, enseja a responsabilidade civil do causador do dano, pois a expressão direito afeto à esfera personalíssima da pessoa, ou equivalente, diz muito pouco, quase nada, tendo em vista que a esfera personalíssima de uma pessoa engloba uma conformação moral de conteúdo extenso e variado, e nem toda perturbação dos elementos que a compõem pode ser considerada um dano moral indenizável. Assim, por exemplo, nem toda perturbação da paz e da tranqüilidade, conquanto seja indubitavelmente um abalo à esfera moral do indivíduo, configura um dano moral indenizável. É preciso, pois, definir o que exatamente na esfera moral de uma pessoa encontra-se protegido pela indenizabilidade do dano moral, para que, assim, de posse de critérios mais tangíveis, seja possível aferir com maior rigor a ocorrência do dano moral no caso concreto.

A Constituição, em seu já mencionado artigo 5º, inciso X, dá a resposta. Os elementos enumerados nesse dispositivo – intimidade, vida privada, honra e imagem –, são todos direitos de personalidade, e essa identidade, longe de ser acidental, revela que a intenção da Constituição ao prever a responsabilidade civil por dano moral foi proteger essa espécie de direitos. Tanto é verdade que os outros dispositivos que preveem indenização por dano moral – os incisos V e LXXV do artigo 5º –, também protegem direitos dessa mesma espécie. Daí se conclui que os tais direitos extrapatrimoniais protegidos pela responsabilidade civil por danos morais são os direitos de personalidade, e, portanto, um dano moral só será indenizável quando for ofendido um direito dessa categoria. Assim, pode-se dizer, com Paulo Luiz Netto Lôbo, que "não há outras hipóteses de danos morais além das violações aos direitos da personalidade" [11].

Com isso não se quer dizer que não haja dano moral fora dos direitos de personalidade. Se por dano moral se entender toda perturbação à conformação espiritual ideal de um indivíduo, há, sim, hipóteses de dano moral sem a ofensa a nenhum direito de personalidade. Um acidente de trânsito, por exemplo, sem dúvida causa uma perturbação no estado de espírito de qualquer indivíduo, mas, isoladamente, não tem o condão de ofender nenhum direito de personalidade [12]. Nesses casos, embora haja dano moral, ele não será indenizável, uma vez que, como se viu, apenas os danos morais decorrentes de violação de direitos da personalidade são indenizáveis.

Não é por outra razão que a jurisprudência vem se posicionando contra a indenizabilidade do dano moral quando este corresponder a um mero aborrecimento. Atente-se que o adjetivo mero aí não deve se entendido como quantidade de aborrecimento – pouco aborrecimento –, mas, sim, como apenas aborrecimento e nada mais, e só aborrecimento, sem violação de direito de personalidade, não é indenizável. Os seguintes julgados explicitam bem esse entendimento:

(…)

2. A fortiori, o entendimento firmado desta Corte é no sentido de que meros aborrecimentos não configuram dano reparável. O Tribunal a quo, soberano na análise do contexto fático-probatório do autos, decidiu que "Nada há que demonstra ter sido vilipendiada sua honra subjetiva. O constrangimento que narra não passou de um aborrecimento, não indenizável.

(…) (Grifei)

(STJ. AGResp nº 1066533. 2ª T. Rel. Min. Humberto Martins).

1. O Tribunal de origem julgou que, quando do travamento da porta giratória que impediu o ingresso do ora recorrente na agencia bancária, "as provas carreadas aos autos não comprovam que o preposto do banco tenha agido de forma desrespeitosa com o autor", e que "o fato em lide poderia ser evitado pelo próprio suplicante, bastando que se identificasse junto ao vigilante; trata-se de caso de mero aborrecimento que não autoriza a indenização moral pretendida" (Acórdão, fls.213).

2. Como já decidiu esta Corte, "mero aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada, estão fora da órbita do dano moral". Precedentes.

(…) (Grifei)

(STJ. REsp 689.213. 4ª T. Rel. Min. Jorge Scartezzini).

CIVIL E PROCESSUAL. DANO MORAL E MATERIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESSARCIMENTO DE DESPESAS COM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INDENIZAÇÃO INCABÍVEL.

1- A Autora ajuizou ação objetivando indenização de ordem moral e material, devido a prejuízos sofridos por ocasião de acidente de trânsito envolvendo o veículo da Ré.

2- "Não é todo o sofrimento, dissabor ou chateação que geram a ofensa moral ressarcível. E necessário que a mágoa ou a angústia, além de efetivas, sejam decorrência do desdobramento natural de seu fato gerador. Existem aborrecimentos normais, próprios da vida em coletividade, e estes são indiferentes ao plano jurídico."(A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO DIREITO BRASILEIRO", ED. FORENSE, 1997, PÁGS. 022/023)

3- "Não são reembolsáveis, a título de honorários de advogado, as despesas que a parte enfrenta em razão do ajuste com o profissional a título de honorários, para o patrocínio de sua causa "in mesura superiore a quella poi ritenuta congrua dal giudíce". VECCHIONE (apud YUSSEF SAID COHALI in Honorários Advocatícios, 2ª edição, pg. 253).

4- Indenização por dano moral incabível, vez que não restou demonstrado, nem comprovado, de que forma a honra, a dignidade ou a imagem da Autora tenham ficado efetivamente afetadas junto à Sociedade.

5- Negado provimento ao recurso.

(TRF 2ª R. AC nº 200102010403760. 8ª T. Rel. Des. Fed. Raldênio Bonifácio Costa. Publicado no DJU de 12/05/2008).

Não há, portanto, como se viu, dano moral indenizável fora dos direitos de personalidade, sendo irrelevante para a responsabilidade civil os danos morais causados a outros elementos que não os relativos a essa espécie de direitos. Daí decorre a importância de se conhecer a sua natureza e disciplina para a adequada compreensão dos danos morais, motivo pelo qual passamos a examiná-las no tópico a seguir.


3. Dos direitos de personalidade:

Há certas condições mínimas necessárias para que o homem possa desenvolver-se em todo o potencial permitido pela sua condição humana, alcançando o aprimoramento intelectual, cultural, moral e físico que sua vontade e capacidade permitirem. São, por isso, essenciais para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. Os direitos de personalidade são exatamente a forma que o legislador encontrou para proteger e promover essas condições mínimas, reconhecendo-as como direito subjetivo de cada pessoa e conferindo-lhe garantias para resguardá-las de qualquer lesão ou ameaça de lesão.

A doutrina de Danilo Doneda vai pela mesma senda, como se vê na seguinte transcrição:

Fundamentalmente, os direitos de personalidade são associados a um conteúdo mínimo de direitos imprescindíveis para o desenvolvimento da personalidade. Assim, Adriano De Cupis refere-se a "direitos essenciais", bem como Carlos Alberto da Mota Pinto, mais recentemente, refere-se a "... um círculo de direitos necessários; um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa" [13].

E também a de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves:

(...) É possível asseverar serem os direitos da personalidade aqueles direitos subjetivos reconhecidos à pessoa, tomada em si mesma e em suas necessárias projeções sociais. Isto é, são os direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana, em que se convertem as projeções físicas, psíquicas e intelectuais do seu titular, individualizando-o de modo a lhe emprestar segura e avançada tutela jurídica. [14]

Na medida em que resguarda um conteúdo mínimo de condições necessárias para o pleno desenvolvimento da personalidade, e considerando que a dignidade intrínseca à pessoa exige que esse desenvolvimento lhe seja permitido, os direitos de personalidade representam, no fundo, um instrumento de proteção e promoção da própria dignidade do homem, pelo que se pode dizer que são corolários diretos do princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, III, da Constituição Federal.

Assim leciona Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, como se vê na seguinte transcrição:

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(...) Os direitos de personalidade – ultrapassando a setorial distinção emanada da histórica dicotomia direito público e privado – derivam da própria dignidade reconhecida à pessoa humana para tutelar os valores mais significativos do indivíduo, seja perante outras pessoas, seja em relação ao Poder Público. Com as cores constitucionais, os direitos da personalidade passam a expressar o minimum necessário e imprescindível à vida com dignidade [15].

E, ainda, Orlando Gomes:

Sob a denominação de direitos de personalidade, compreendem-se os direitos personalíssimos e os direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina moderna preconiza e disciplina no corpo do Código Civil como direitos absolutos, desprovidos, porém, da faculdade de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte de outros indivíduos. [16]

Os direitos de personalidade são de construção relativamente recente na doutrina, tendo surgido como fruto histórico da atribuição ao homem de valor-fonte do Direito, e consequentemente do Estado, ocorrido no pós-segunda guerra como resposta às atrocidades cometidas pelo regime nazista. No plano dogmático, o Código Civil de 2002 foi a primeira lei brasileira a prever os direitos de personalidade, que, colocados na Parte Geral do Código, demonstra a mudança de enfoque da dogmática civilista brasileira, que retirou do patrimônio o status de seu valor primordial para conferi-lo à pessoa humana, adaptando-se, assim, à personalização do ordenamento jurídico brasileiro que a Constituição Federal de 1988 promoveu ao colocar o homem como vetor axiológico das relações jurídicas em geral prevendo entre os fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana.

Os artigos 11 a 21 do Código Civil cuida dos direitos de personalidade. Além de discipliná-los de forma individualizada (artigo 13 e seguintes), o Código prevê instrumentos para sua tutela (artigo 12) e considerações a respeito de sua natureza (artigo 11). Estão previstos expressamente os seguintes direitos de personalidade: integridade física; liberdade de disposição do próprio corpo após a morte para fins científicos ou altruísticos; nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, além do pseudônimo adotado para atividades lícitas; direitos autorais; imagem; honra; vida privada; intimidade e liberdade.

Esse rol, conforme doutrina majoritária, não é taxativo; e nem poderia ser, pois, sendo corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, prever uma tipicidade fechada para os direitos de personalidade seria limitar o próprio princípio constitucional, quando, em verdade, a interpretação mais adequada ao texto constitucional é a que recomenda a ampliação da proteção ao homem, e não a restrição. Dessa mesma opinião compartilha o professor Gustavo Tepedino, segundo o qual "a realização plena da dignidade humana, como quer o projeto constitucional em vigor, não se conforma com a setorização da tutela jurídica ou com a tipificação de situações previamente estipuladas, nas quais pudesse incidir o comportamento" [17].

Anote-se que, obviamente, os direitos decorrentes da dignidade da pessoa humana não se esgotam nos direitos de personalidade. O direito à vida, à saúde, à moradia e ao trabalho, por exemplo, são igualmente expressão da dignidade da pessoa humana, mas, por não serem expressão da personalidade humana, não são direitos de personalidade.

Demonstrada a relação instrumental entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos de personalidade, é necessário, para uma adequada compreensão desta categoria de direitos – e, consequentemente, do dano moral –, conhecer-se o conteúdo jurídico deste princípio, que será exposto a seguir.


4. Do conteúdo jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana:

Deve ser repugnado o vezo de se extrair do princípio da dignidade da pessoa humana fundamento para todo tipo de argumento, como se toda situação injusta ou imoral representasse uma ofensa a esse princípio, ou como se todo direito fosse dele decorrente. Sabe-se que o fundamento que serve para qualquer situação em verdade não é fundamento de nada, e, assim, esse vício acaba por contribuir para o esvaziamento da normatividade desse princípio tão caro à construção de uma sociedade baseada nos valores democráticos e humanísticos como a que pretende a nossa Constituição. Marcelo Novelino Camargo, em artigo intitulado O conteúdo jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana, tomado por nós como base deste tópico, demonstrou essa mesma preocupação, como se vê na seguinte transcrição:

Como núcleo dos direitos fundamentais a dignidade se faz presente, ainda que com intensidade variável, no conteúdo de todos eles, sem exceção. Apesar de desejável o acesso ao maior número possível de bens e utilidades, a ampliação demasiada do conteúdo deste princípio cria o sério risco de enfraquecimento de sua efetividade, podendo gerar um efeito contrário ao desejado. A delimitação apenas aos bens e utilidades indispensáveis (ou mínimos) é feita exatamente para evitar que isso possa ocorrer. [18]

Assim, sem pretender retirar desse princípio o caráter genérico e abstrato que lhe é característico em função de sua condição de cláusula geral de proteção e promoção do bem-estar da pessoa humana, encerrando-o em fórmulas dogmáticas estanques e inflexíveis, é preciso que lhe sejam estabelecidos contornos mais precisos, com o que ele ganhará uma identidade mais definida, nutrindo-o, dessa forma, de maior normatividade e, consequentemente, maior efetividade.

Ao colocar a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, a Constituição demonstra a centralidade que o homem ocupa na nova ordem político-jurídica instaurada a partir dela. Em outras palavras, a Constituição assim reconhece que o Direito e o Estado devem servir ao homem, ao seu bem-estar. A colocação da cidadania e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa ao lado da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro só reforça essa tese ao revelar a precedência do homem também em seu aspecto político e social.

Como conseqüência imediata disso, o Estado brasileiro tem a obrigação de garantir a cada pessoa as condições mínimas necessárias para que ela possa alcançar o seu bem-estar, a sua felicidade. Deveras, só se pode afirmar que uma pessoa tem sua dignidade respeitada pelo Estado se este lhe garante a possibilidade de acesso aos bens da vida indispensáveis para que uma pessoa possa ser feliz. Não todos os bens, obviamente, mas apenas os básicos, os indispensáveis a qualquer pessoa para que ela possa caminhar sozinha em busca de seu bem-estar e felicidade. Daí se vê que a principal conseqüência jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana, seu núcleo mesmo, é o reconhecimento de que cada pessoa tem direito ao que a doutrina convencionou chamar de mínimo existencial, que deve ser "entendido como o conjunto de bens e utilidades básicas – como saúde, moradia e educação fundamental – imprescindíveis para uma vida com dignidade" [19].

Esse conteúdo mínimo é o primeiro e principal aspecto da normatividade do princípio da dignidade da pessoa humana. Decorre ainda dessa normatividade o dever de respeito, proteção e promoção que o Estado tem em relação a ele e aos direitos dele decorrentes. O dever de promoção representa o próprio mínimo existencial, já tratado, além da criação de normas consagradoras de direitos fundamentais. O dever de proteção, por sua vez, exige que o Estado crie e aplique normas sancionadoras de condutas que violem a dignidade humana. E o dever de respeito, afinal, representa "uma regra de caráter eminentemente negativo, que impõe a abstenção da prática de condutas violadoras da dignidade, impedindo o tratamento da pessoa humana como um simples meio para se atingir determinados fins", de modo que ocorrerá violação da dignidade se esse tratamento como mero objeto significar uma "expressão de desprezo" pela pessoa humana.

A violação do dever de respeito, portanto, exige a presença de dois requisitos, quais sejam: o "objetivo, consistente no tratamento da pessoa como mero objeto (‘fórmula do objeto’), e o subjetivo, consubstanciado na expressão de desprezo ou desrespeito à pessoa decorrente deste tratamento, ainda que não seja esta a intenção ou a finalidade de quem pratica o atentado" [20].

Tem-se, assim, que dos deveres de promoção, proteção e respeito exigidos em face do princípio da dignidade da pessoa humana, resulta a definição do seu conteúdo jurídico. Em relação ao dever de respeito – que é o que mais interessa para os fins deste trabalho, na medida em que se dirige não apenas ao Estado, como os dois anteriores, mas também à sociedade em geral, e, portanto, às agências bancárias –, decorre a vedação de tratamento da pessoa humana como mero objeto ou como simples meio para se atingir algum fim, revelando com isso uma "expressão de desprezo" por sua dignidade intrínseca. Com base neste aspecto do princípio da dignidade da pessoa humana é que se deverá analisar a ocorrência ou não, no caso concreto, de ofensa aos direitos de personalidade causadora de danos morais.

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Sobre o autor
Fábio Henrique Rodrigues de Moraes Fiorenza

Juiz Federal substituto em Mato Grosso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIORENZA, Fábio Henrique Rodrigues Moraes. Fila de banco e dano moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2596, 10 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17132. Acesso em: 5 nov. 2024.

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