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Anistia dos demitidos no governo Collor de Mello e a violação de direitos em seus retornos às funções públicas

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Agenda 27/08/2010 às 15:01

III - ENQUADRAMENTO DOS ANISTIADOS DEVE SER EFETIVADO RESPEITANDO A EVOLUÇÃO DA CARREIRA

Não bastasse a ilegalidade já declinada no tópico anterior, é de se destacar que a União, quando readmitiu os anistiados, por não respeitar a evolução de suas carreiras, colocou-os em quadro em extinção, na função anteriormente exercida, totalmente congelada.

E o absurdo não pára por aí, pois o Decreto nº 6.657/2008, que regulamentou o artigo 310, da Medida Provisória nº 441, de 29 de agosto de 2008, fixou a remuneração de empregados públicos, no quadro em extinção, na função anteriormente exercida, sem observar a transformação da carreira ou a sua evolução.

O absurdo do aludido Decreto nº 6.657/08 é tão grande que seu art. 2º manda calcular e atualizar todas as parcelas remuneratórias a que fazia jus o servidor anistiado na data de sua demissão, sem que fosse observada a transformação do cargo ou do emprego anteriormente, como se infere:

"Art. 2º - Caberá ao empregado mencionado no art. 1º apresentar comprovação de todas as parcelas remuneratórias a que fazia jus na data de sua demissão, no prazo decadencial de quinze dias do retorno, as quais serão atualizadas pelo índices de correção adotados para a atualização dos benefícios do regime geral da previdência social, desde aquele data até a do mês anterior ao do retorno."

Ou seja, na prática a Administração Pública abstraiu o que vem estatuído no caput do art. 2º, da Lei nº 8.878/94, e deixou de verificar a progressão/transformação da carreira dos anistiados, para congelar os seus enquadramentos, retroagindo a data de suas demissões, como se fosse possível tal situação, após a fluência de vários anos.

Eis a redação do art. 2º, da Lei nº 8.878/94:

"Art. 2º - O retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado, ou quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação ..." (g.n.)

O legislador infraconstitucional permitiu que houvesse o retorno dos servidores anistiados no cargo ou emprego anteriormente ocupado, "ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação." (g.n.), para que não voltassem a ser prejudicados quando de seu retorno à função pública.

Fere o princípio da proporcionalidade readmitir os anistiados, após vários e vários anos, em total mora administrativa, mantendo-os "engessados", na situação funcional em que se encontravam antes de seus ilegais desligamentos.

Ora, a readmissão deveria ser implementada imediatamente, e não após o transcurso de mais de uma década, por culpa única e exclusiva do Poder Executivo.

Essa postura do Poder Público fere o próprio plasmado do art. 2º, da Lei de Anistia (Lei nº 8.878/94).

Em sendo assim, não há como punir os anistiados pela segunda vez, pois a Anistia não comporta exegese restrita, com subtração de direitos, pois do contrário seria configurada uma nova punição.

Isto mesmo, a Administração Pública, ao enquadrar os anistiados com base em suas situações funcionais retroativas à data de seu desligamento, regidos pela CLT, com remuneração vinculada ao recebimento do último salário e vantagens corrigidas monetariamente, em um quadro em extinção, não está cumprindo os ditames da Lei nº 8878/94 (art. 2º), porquanto "congelou" a aludida situação funcional, sem implementar a transformação ou progressões ocorridas em suas carreiras.

Exatamente nesse sentido segue o expressivo julgado da lavra da relatoria do eminente Des. Fed. Fernando Marques do TRF - 2ª Reg., [06] no seguinte precedente:

"Administrativo. Anistia. Servidores Públicos Civis e Empregados da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional. Lei 8.878/94. - Tendo em vista que o art. 2º da Lei 8.878/94 ressalva que o retorno ao serviço de servidores e empregados, demitidos à época do governo Collor, far-se-ia no cargo ou emprego anteriormente ocupado, ou naquele proveniente de sua transformação, os autores, assim readmitidos, encontram-se agora submetidos ao Regime Jurídico Único, instituído pela Lei 8.112/90, que transformou os empregos ocupados pelos servidores da União, autarquias e fundações públicas em cargos públicos, não sendo admitida nenhuma forma de discriminação entre esses e outros servidores de iguais atribuições, lotados no mesmo órgão público e que não chegaram a ser dispensados, permanecendo em serviço, sob pena de violação ao princípio constitucional da isonomia e aos próprios preceitos contidos na Lei 8.112/90, mormente o art. 243, § 1º. - Inconteste, desse modo, o direito dos autores, servidores anistiados, à percepção da vantagem denominada GDCT- Gratificação de Desempenho de Atividade em Ciência e Tecnologia, concedida aos demais servidores, que desempenham as mesmas atividades, no mesmo órgão."

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A 6ª Turma Especializada, sob a relatoria do citado Des. Federal do TRF - 2ª Região, [07] mantém íntegro o entendimento da impossibilidade de discriminação dos servidores anistiados, visto que são destinatários do restabelecimento de seu pleno direito, como se não fossem demitidos, verbis:

"Administrativo. Anistia. Servidores Públicos Civis e Empregados da Administração Pública Federal Direta. Autárquica e Fundacional. Lei 8.878/94. - Tendo em vista que o art. 2º, da Lei 8.878/94 ressalva que o retorno ao serviço de servidores e empregados, demitidos à época do governo Collor, far-se-ia no cargo ou emprego anteriormente ocupado, ou naquele proveniente de sua transformação, os autores, assim readmitidos em 1994, encontram-se agora submetidos ao Regime Jurídico Único, instituído pela Lei 8.112/90, que transformou os empregos ocupados pelos servidores da União, autarquias e fundações públicas em cargos públicos, não sendo admitida nenhuma forma de discriminação entre esses e outros servidores de iguais atribuições, lotados no mesmo órgão público e que não chegaram a ser dispensados, permanecendo em serviço, sob pena de violação ao princípio constitucional da isonomia e aos próprios preceitos contidos na Lei nº 8.112/90, mormente o art. 243, § 1º."

Em seu voto condutor, o ilustre Des. Federal Fernando Marques, assim sintetizou a matéria, sub oculis:

"Os autores eram funcionários públicos em exercício na Fundação Nacional de Arte - FUNART, quando foram dispensados, à época do governo Collor, sob alegação de necessidade de contenção de despesas na órbita do serviço público. Posteriormente, o próprio Governo Federal, reconhecendo a arbitrariedade daquela dispensa, fez editar a Lei 8.878/94 "anistiando-os", ou seja, readmitindo-os como servidores públicos nos cargos em que ocupavam anteriormente, ou naquele proveniente de sua transformação, nos seguintes termos:

‘Art. 1º - É concedida anistia aos servidores públicos civis e empregados da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista sob controle da União que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido:

I - exonerados ou demitidos com violação de dispositivo constitucional ou legal;

II - despedidos ou dispensados dos seus empregos com violação de dispositivo constitucional, legal, regulamentar ou de cláusula constante de acordo, convenção ou sentença normativa;

III - exonerados, demitidos ou dispensados por motivação política, devidamente caracterizada, ou por interrupção de atividade profissional em decorrência de movimentação grevista.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, ao servidor titular de cargo de provimento efetivo ou de emprego permanente à época da exoneração, demissão ou dispensa.

Art. 2º - O retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação e restringe-se aos que formulem requerimento, fundamentado e acompanhado da documentação pertinente no prazo improrrogável de sessenta dias, contado da instalação da comissão a que se refere o art. 5º, assegurando-se prioridade de análise aos que já tenham encaminhado documentação à Comissão Especial, constituída pelo Decreto de 23 de junho de 1993.’

Da análise dos autos, verifica-se que os autores foram efetivamente readmitidos aos quadros de pessoal da Fundação Nacional de Artes, nos termos da Portaria nº 152, de 24 de novembro de 1994 (fls. 12). Logo, por força do dispositivo legal acima transcrito, o retorno ao serviço dar-se-ia no cargo anteriormente ocupado ou naquele resultante de sua transformação. Desse modo, os autores, celetistas à época da dispensa, retornaram ao serviço público submetidos ao Regime Jurídico Único, instituído pela Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que transformara os empregos ocupados pelos servidores da União, autarquias e fundações públicas em cargos públicos. Assim, readmitidos os autores, qualquer tratamento diferenciado entre estes e antigos servidores, com as mesmas atribuições, lotados no mesmo órgão público, que não chegaram a ser dispensados, permanecendo no emprego, implicaria violação ao princípio constitucional da isonomia e aos próprios preceitos contidos na Lei 8.112/90, mormente no art. 243, § 1º. Nesse sentido orientação pretoriana, conforme ementas a seguir transcritas:

Administrativo. Funcionalismo. Empregados dos quadros do Ministério da Agricultura dispensados durante o governo Collor de Mello. Anistia. Reintegração. Competência da Justiça Federal.

1. Compete à Justiça Federal o julgamento das causas em que se discute a transformação de emprego em cargo público referentes àqueles que hajam sido demitidos no governo Collor e posteriormente readmitidos por força da Lei 8.878/94. Ressalvado o entendimento da relatoria que extinguia o feito sem julgamento do mérito por considerar ter a lide natureza trabalhista, competindo à Justiça do Trabalho a competência para dirimí-la nos termos do art. 114 da Constituição Federal.

2. O art. 2º, da mencionada Lei é expresso em afirmar que o ‘retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação.’

3. Os impetrantes que eram celetistas do quadro do Ministério da Agricultura quando foram dispensados, devem, portanto, retornar ao serviço submetidos ao Regime Jurídico Único, que transformou em cargos os empregos ocupados pelos servidores dos poderes da União (art. 243, § 1º, da Lei 8.112/90).

4. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.

(AMS num, 0100085950-8 REG: 01 TURMA 01 DJ 25-09-00 PG: 30 REL: Juiz Aloísio Palmeira Lima).

‘Administrativo. Ação Ordinária. Anistia de ex-empregado reconhecido pela comissão criada para esse fim. Lei nº 8.878/94.

1. A Lei nº 8.878/94 ao conceder anistia, não estabeleceu qualquer diferença entre os regimes dos demitidos se estatutário, se celetista, deixando clarividente a sua finalidade: o retorno ao serviço público do servidor ou empregado injustamente afastado no período compreendido entre 16 de março de 1990 a 29 de setembro de 1992. exegese do art. 1º.

2. Precedentes (AC nº 112.498 - Rel. Juiz Ridalvo Costa, julg. 19.02.98, unân.)

3. Apelação parcialmente provida.

(AC num. 0503070-7 - Reg: 05 TURMA 03 DJ: 09-10-98 pg: 682 REL: Juiz Nereu Santos).

Desse modo, inconteste o direito dos autores a tidas as vantagens e benefícios previstos na Lei 8.112/90, é de se confirmar a sentença apelada."

Outro também não foi o entendimento do então Des. Federal Benedito Gonçalves, hoje Ministro do STJ, quando em exercício no TRF - 2ª Região, [08] ao preconizar pela reintegração do servidor anistiado, restituindo-se o seu status quo ante, litteris:

"Processual Civil e Administrativo. Prescrição. Inocorrência. Funcionário Público do Inst. do Patrimônio Hist. Artístico nacional - IPHAN. Lei 8878/94. Anistia. Remessa não Provida.

-Não há falar em prescrição, vez que a ação foi protocolizada em 7 de maio de 1999 e o prazo prescricional deve ser contado a partir do ato administrativo que readmitiu o servidor.

-Tendo sido o autor "anistiado", através da Portaria nº 252, de 5 de dezembro de 1994, do IPHAN, com base na Lei 8878/94, deve ser recolocado no cargo que ocupava anteriormente, sendo reintegrado ao serviço público, recompondo-se, assim, a situação jurídica ao status quo ante, com o pagamento dos vencimentos e vantagens a que teria direito, caso não tivesse sido demitido, computando-se como termo inicial o da vigência da Lei nº 8.112/90, devendo ser compensados os valores recebidos pelo em virtude da rescisão de seu contrato de trabalho.

- Remessa não provida."

Não resta dúvida do acerto das posições declinadas pelo Poder Judiciário, porquanto os anistiados não podem sofrer uma nova perseguição, como a que está ocorrendo em seu retorno, onde se encontram totalmente defasados em seus vínculos jurídicos, como se fossem culpados por suas precoces demissões/exonerações ou pelo tardio retorno ao vínculo público efetivo.

Interpretação diversa fere o plasmado da própria Lei de Anistia, que visa recompor os direitos dos servidores, ilegalmente subtraídos pelo Poder Público.

E o artigo inaugural da Lei nº 8.878/94, concedeu anistia para os servidores ilegalmente demitidos pelo Governo do então Presidente Collor de Mello, com a finalidade de restabelecer, na plenitude, todos os direitos que foram retirados dos servidores indevidamente demitidos.

Para casos como o presente, onde existe o reconhecimento da anistia, a melhor doutrina na vertente democrática, propõe interpretação generosa dos textos onde se contém o instituto.

O saudoso Carlos Maximiliano, [09] também comunga desta hóstia, advertindo:

"Decretos de anistia, os de insulto, o perdão do ofendido e outros benefícios, embora envolvam concessões ou favores e, portanto, se enquadrem na figura jurídica de privilégios, não suportam exegese estrita, sobretudo se não se interpretam de modo a que venham causar prejuízo. Assim se entende, por incumbir ao homereuta atribuir à regra positiva o sentido que dá maior eficácia à mesma, relativamente ao motivo que a ditou, e ao fim colimado, bem como aos princípios seus e da legislação em geral." (g.n)

E Pontes de Miranda [10] recomenda:

"Na execução administrativa e na interpretação e aplicação judiciária da anistia, os intérpretes devem, dar aos textos a interpretação mais ampla que seja possível" (g.n)

Na esteira dos doutrinadores imortais, Pinto Ferreira, [11] ao discorrer sobre o tema, não discrepa os entendimentos narrados anteriormente:

"O conceito de anistia é muito amplo, porém pode ser restringido ao ser concedida a anistia. Não havendo restrições, a interpretação pode ser a mais ampla possível." (g.n)

Tem-se portanto, que o instituto da anistia é a forma mais ampla de reparação, fazendo desaparecer as dores causadas pelo passado, devendo, dessa forma, ter a interpretação generosa para o anistiado, sem restrições.

E o notável Heleno Fragoso [12] afirma:

"Das formas de indulgência soberana, a anistia é a que apresenta mais amplos efeitos"

Estes ensinamentos encontraram ressonância na jurisprudência dominante, sendo afirmado pelo Ministro Washington Bolívar, [13] ainda no extinto TFR, no seu magnífico voto âncora:

"A anistia é medida de interesse público, editada por generosa inspiração política e jurídica, para assegurar a paz social, apagando fatos, considerados delituosos, em determinado momento histórico condicionado. Assim, quer na esfera administrativa, as leis de anistia devem ter a interpretação mais ampla que possível, para que as suas normas assumam adequação, eficácia e grandeza." (g.n)

Este posicionamento foi seguido pelo ilustre Min. Humberto Gomes de Barros [14] no MS n. 1.550-0:

"(...) 1. Na execução da anistia política os textos legais devem ser interpretados de modo amplo....." (g.n)

Por fim, como a Administração Pública concedeu anistia, não pode agora restringir direito dos anistiados e enquadrá-los como se as carreiras ficassem estagnadas, sem a transformação que a lei cuidou de fazer para dar conta da própria necessidade do Poder Público de aglutinar determinadas funções jurídicas ou transformá-las, de acordo com o interesse público.

Dessa forma, os anistiados, ao serem readmitidos, estão sendo punidos pela 2ª vez, eis que deveriam ter seus empregos transformados em cargos públicos (art. 243, § 1º, da Lei nº 8.112/90) e, depois, transpostos para a carreira ou cargos proporcionais à evolução de suas próprias situações jurídicas.

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Anistia dos demitidos no governo Collor de Mello e a violação de direitos em seus retornos às funções públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2613, 27 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17280. Acesso em: 23 dez. 2024.

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