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Fase policial do procedimento sumaríssimo.

Aspectos teóricos e pragmáticos

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Introdução

Serão abordados neste ensaio relevantes aspectos, de ordem teórica e prática, afetos à fase policial do procedimento sumaríssimo do processo penal brasileiro, expondo considerações quanto à classificação das infrações de menor potencial ofensivo, bem como acerca dos denominados "termos circunstanciados" e da autoridade que os preside, além de outras especificidades correlatas.

Para situar o tema, urge lembrar que o procedimento comum sumaríssimo encontra alicerce constitucional no artigo 98, inciso I, da Lei Maior, e expressa previsão no Código de Processo Penal, no inciso III, do § 1º, de seu artigo 394, com a redação dada pela Lei Federal n. 11.719/2008, que vincula sua aplicação às denominadas "infrações de menor potencial ofensivo", a serem definidas "na forma da lei" e atinentes aos "Juizados Especiais Criminais".

Nessa esteira, para regulamentação desses juizados, foi editada a Lei Federal n. 9099, de 26 de setembro de 1995, delineando as mencionadas infrações em seu artigo 61:

"Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa".

Nota-se, pela literalidade do dispositivo, com o texto atual determinado pela Lei Federal n. 11.313/2006, que o parâmetro para a caracterização das infrações sujeitas ao procedimento sumaríssimo é estipulado pela pena máxima fixada a cada tipo penal, independente da cumulação ou não de pena de multa.

Assim, transgredida uma infração de menor potencial ofensivo, deve o Poder Público buscar a punição do agente violador pelo regramento dos Juizados Especiais Criminais, que tem seu início na chamada fase preliminar, a seguir estudada.


1. Fase Preliminar e Autoridade Presidente

A fase preliminar do procedimento sumaríssimo, também designada extrajudicial ou policial, é tratada no artigo 69, da Lei n. 9.099/95, in verbis:

"Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima".

Inicialmente necessário se faz definir o significado e a abrangência da nomenclatura "termo circunstanciado".

À luz dos princípios ou critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, norteadores do Juizado Especial Criminal, extraídos do artigo 62, da Lei 9.099/95, assim como da redação legal e dos significados que costumam ser empregados à expressão, conclui-se que o termo circunstanciado, de um modo geral, traduz-se no documento que sintetiza e inicialmente substitui o auto de prisão em flagrante delito ou até mesmo o inquérito policial, não se confundindo, todavia, nem com um, nem com outro. No auto de prisão em flagrante ou mesmo no inquérito policial as declarações da vítima ou de eventual suspeito, bem como os depoimentos das testemunhas, compõem cada qual um termo próprio, assinado individualmente pelo Delegado de Polícia, pelo inquirido e pelo Escrivão de Polícia.

No termo circunstanciado o procedimento é outro. Todos os envolvidos na ocorrência (autor dos fatos, vítimas e testemunhas) prestam sua versão, que será colhida de modo resumido em um único documento, ao final assinado pelo Delegado de Polícia, por referidas pessoas e pelo escrivão. Deve a Autoridade Policial também fazer consignar todas diligências e apurações inicialmente realizadas, quais os bens e eventuais instrumentos do crime apreendidos, bem como as perícias requisitadas.

Ao comentar sobre a fase preliminar a que se submetem as infrações de menor potencial ofensivo, diz Eugenio Paccelli de Oliveira que esta consiste "na tentativa de reunir, em uma só assentada, todas as pessoas cujos interesses possam ser afetados por uma decisão judicial relativa ao fato pena." (2010, p. 728).

É de se anotar que essa simplificação na coleta e formalização dos elementos informativos determinada pelo legislador, longe de significar a dispensa da necessária eficiência, está a exigir ainda mais do Delegado de Polícia qualidade e conhecimento das regras processuais, a fim de, valendo-se de seu poder de síntese, bem insculpir no termo circunstanciado os dados mínimos exigidos para propositura e futura aplicação das benesses legais ou, caso estas não sejam cabíveis, viabilizar ao titular da ação penal lastro probatório mínimo para a propositura da denúncia ou queixa.

Nesse mesmo sentido se posiciona Manoel Messias Barbosa (2009, p. 58) :

"O legislador não dispensou a Autoridade Policial da obrigação funcional de ser diligente e eficiente na coleta e confecção dos elementos indiciários que devem subsidiar a propositura de uma futura ação penal. Ao contrário, ao simplificar o procedimento investigatório, passou a exigir dela mais qualidade na elaboração do substituto do inquérito policial. A autoridade policial tem que ter consciência que referido termo deverá reunir dados suficientes para possibilitar ao titular da ação penal postular a aplicação da lei penal, isto é, tem que configurar a existência de justa causa para a propositura de aplicação das penas alternativas à prisão, que, em outros termos, não deixa de ser o início e, quando aceita, o fim da ação penal. Com isso, a ação penal não mais se inicia somente com o oferecimento da denúncia ou queixa, mas também com a proposta de transação penal formulada pelo Ministério Público".

Vale lembrar, contudo, um ponto de suma relevância. Antes de se partir para elaboração do termo circunstanciado deve o Delegado de Polícia, após ter entrevistado testemunhas, vítimas e o próprio autor dos fatos, bem como analisados eventuais vestígios deixados pela infração, realizar um breve juízo de delibação buscando verificar se o fato constitui infração penal – e aqui se faz necessária a aplicação dos institutos da ciência jurídico-penal – e, na hipótese de um juízo positivo, se tal infração poderia ser ou não considerada de menor potencial ofensivo, atento não só aos critérios legais para tal adequação, mas também ao que jurisprudência e doutrina vem entendendo acerca da consideração de concurso de crimes ou incidência de causas de aumento para se excluir do Juizado Especial a competência para apurar e julgar tais violações ao ordenamento repressivo.

Após esse juízo hipotético, caberá, ainda, à referida Autoridade Policial, dentre tudo o quanto lhe é narrado pelas pessoas envolvidas na ocorrência, filtrar e lançar, de modo resumido no termo circunstanciado, aqueles elementos que reputa estritamente essenciais ao anúncio da autoria e materialidade delitiva.

Veja-se, portanto, que apesar da simplicidade, celeridade e informalidade que orientam esse novo procedimento preliminar, não é a confecção do termo circunstanciado mero ato autômato, robótico, de preenchimento de "claros" em uma folha de papel tipo "formulário". É ato, ao nosso ver, de polícia judiciária, ou seja, de Polícia auxiliar da Justiça; de órgão incumbido na apuração de infrações penais e sua autoria, através da coleta de elementos informativos que, no futuro, poderão se transmudar em prova do fato delituoso.

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Desse modo, tal qual o auto de prisão em flagrante (que serve como parâmetro para a síntese), regulado no artigo 304, do Código de Processo Penal, dentre as informações integrantes do termo circunstanciado, reputam-se indispensáveis os dados de identificação e as versões, ainda que resumidas, sustentadas pelas partes envolvidas, assim como das eventuais testemunhas, elementos indiciários mínimos que revelem a materialidade e a autoria da infração, incluindo exames periciais e outras diligências e, principalmente, a motivação, mesmo que sucinta, da autoridade policial que deliberou pela lavratura do documento.

Como se pode observar, contrariando posicionamentos de alguns respeitáveis juristas, não há como admitir a supressão, em sede policial, do devido juízo de delibação para a adequação de uma conduta a um fato típico, independente de seu grau de potencialidade. Repise-se que é à Polícia Judiciária, dirigida por Delegados de Polícia de carreira (artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição Federal) a quem se atribui tal mister. É o Delegado de Polícia quem primeiro avalia os fatos à luz da lei, da jurisprudência e da doutrina, conferindo-lhes o primeiro contorno jurídico. Entendendo que é caso de infração de menor potencial, determinará, de imediato, a lavratura do termo circunstanciado e demais providências que se façam necessárias, remetendo em seguida o expediente ao Juizado Especial Criminal competente.

Tanto é o termo circunstanciado ato de polícia judiciária que, caso o suposto autor não se comprometa a comparecer posteriormente ao Juizado Especial, será a ele imposta "prisão em flagrante", regra que se depreende da leitura, a contrario senso, do parágrafo único, do destacado artigo 69, da Lei 9099/95. Aliás, é de se consignar que o apontado texto legal se refere, por óbvio, à submissão do autor à lavratura do auto de prisão em flagrante delito, o que consiste na efetiva formalização de sua prisão. Se o agente foi surpreendido após ou durante a prática da infração de menor potencial ofensivo (estado flagrancial), presume-se que foi capturado ou conduzido até a presença da autoridade competente (abordagem e "prisão-captura"), para adoção das medidas legais de polícia judiciária. Registre-se que, no caso da infração de "porte de droga", há expressa vedação legal quanto à lavratura da prisão em flagrante, limitando-se a autoridade a determinar a elaboração do termo circunstanciado (artigo 48 e seus parágrafos, da Lei n. 11.343/2006).

Questão importante que merece ser trazida e discutida no presente arrazoado é a existência da divergência na doutrina e jurisprudência a respeito da abrangência da expressão "autoridade policial", inserida no referido artigo 69. Teses há, capitaneadas por renomados juristas, no sentido de que integrantes da polícia militar também poderiam lavrar os denominados "termos circunstanciados" da fase policial do procedimento sumaríssimo.

É de bom alvitre frisar que não se quer aqui, insuflar discussões e rixas entre Polícia Civil e Polícia Militar. Ao revés, o que se busca com essas breves ponderações é, tão-somente, trazer à lume o campo de atuação de cada uma dessas nobres e essenciais Instituições, demonstrando que suas atribuições estão estritamente delineadas no texto da Constituição da República e na legislação infraconstitucional.

O Professor Bismael Batista de Moraes em lapidar trabalho, intitulado Direito e Polícia, uma introdução à Polícia Judiciária, assevera que a clássica divisão da Polícia em Preventiva e Judiciária é perfeita. Se observada sem utilitarismo, de forma correta, cada órgão atuando dentro dos limites que lhes são fixados, haverá efetiva segurança pública(1986).

O Poder Público, no primeiro momento, procura prevenir a violação da legislação penal e preservar a ordem pública, por intermédio do uso da força e da intimidação inerentes às atividades do policiamento ostensivo (polícia de segurança e administrativa), que nos Estados da Federação é atribuído às Polícias Militares, nos precisos termos do § 5º, do artigo 144, da Carta Magna.

Não evitado o cometimento de uma infração penal, e assim frustrada a prevenção por parte do policiamento ostensivo, inicia-se efetivamente a persecução criminal, para apuração do fato tido como ilícito criminal pelo Estado-investigador, tarefa constitucional e legalmente conferida à polícia judiciária, exercida pela Polícia Federal no âmbito da União, e pelas Polícias Civis no âmbito dos Estados Federados, consoante expresso comando do artigo 144, § 1º, I, e § 4º, da Lei Maior.

O mesmo professor Bismael Batista de Moraes, na supramencionada obra, traz o conceito de Autoridade Policial, citando, para tanto, as lições do renomado mestre Hélio Tornagui (1986, p.113-114):

"...são autoridades policiais, de que a fala a lei de processo, os que exercem o poder público para consecução dos fins do Estado – poder, esse, exercido em matéria de polícia judiciária.

Não são autoridades policiais, no sentido do artigo 4º (do CPP): 1º) os que não perseguem os fins do Estado, mas são apenas órgãos-meios, como, p. ex., os médicos do serviço público, os procuradores de autarquias, os oficiais da Polícia Militar (ou da Força Pública); 2º) os que, mesmo pertencendo à Polícia, e seu sentido amplo, não Polícia Judiciária, mas Polícia Administrativa (exs.: Polícia de Parques, Corpos de Bombeiros) ou Polícia de Segurança (ex.: Força Pública).

O citado autor, por fim, estabelece a distinção entre autoridade e agente de autoridade, mostrando que os primeiros são servidores que exercem em nome próprio o poder do Estado (tomam decisões, impõem regras, dão ordens, restringem bens jurídicos e direitos individuais, tudo dentro dos limites traçados por lei) e os segundos são servidores que não têm autoridade para praticar esses atos por inciativa própria, mas que agem (agentes que são) a mando da autoridade. São agentes da autoridade.

Assim, escreveu o Dr. J. Pereira: ‘os investigadores de polícia, escrivães, policiais fardados, graduados ou oficiais não são autoridades, mas agentes de autoridade, ou seja, são auxiliares do homem (delegado de policia) encarregado de exercer a função de auxiliar da Justiça, de fazer funcionar a Polícia Judiciária."

Dessa forma, sendo o termo circunstanciado matéria de natureza processual e, ainda, ato de polícia judiciária como prenunciado em linhas anteriores, evidente que a única Autoridade competente para presidi-lo é o Delegado de Polícia. Na exata dicção do artigo 144, § 4º, da Constituição Federal, temos que:

"Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais, exceto as militares" (grifo nosso).

Ampliar o conceito de Autoridade Policial previsto no artigo 69, da Lei n. 9099/95, sem passar os olhos na Constituição Federal, longe de atender aos princípios da simplicidade, celeridade, informalidade e da economia processual, significa ir de encontro à Lei Magna, praticando franca ofensa aos princípios da legalidade e do devido processo legal. Sem nos olvidarmos, por óbvio, que a matéria tratada em um "mero termo circunstanciado", por ser de natureza processual penal, coloca em risco um dos bens mais supremos do ser humano, qual seja, a sua liberdade individual.

Daí por que entendemos, não comportar o artigo 69, da Lei em comento, o elastério que alguns pretendem lhe dar. Caso fosse a vontade do legislador deixar a cargo de outras instituições, em concorrência com a Polícia Civil, a elaboração do termo circunstanciado, teria ele próprio feito constar tal previsão expressamente no texto da lei, o que seria ainda de duvidosa constitucionalidade. "Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo", reza a sempre atual máxima jurídica, principalmente nas hipóteses em que se coloca em jogo o jus libertatis.

Ao enfrentar questão semelhante em representação proposta por um membro da Polícia Militar, decidiu o Juiz de Direito, Dr. Julio Osmany Barbin, da Comarca de Rio Claro/SP no sentido de que:

"As co-irmãs são instituições destinadas à manutenção da segurança e da ordem pública, cada uma delas com funções específicas designadas na lei, sem possibilidade de conflitos no âmbito de suas atuações, mercê da perfeita e legal divisão de tarefas.

(...)A Polícia Militar, de longo conceito histórico e glorioso, incumbe o sagrado dever de impedir que as infrações ocorram, via de realização da Polícia Preventiva ou Ostensiva, fincada essa função na presença do Policial Militar fardado e pulverizado no corpo social que defende. A Polícia Civil está afeta a administração da Polícia Judiciária realizando a Polícia Repressiva, que atua depois da ocorrência do fato delituoso, levando seu autor à estrutura do Poder Judiciário, onde se lhe apurará a culpabilidade em sua dimensão "latu sensu": responsabilidade e punibilidade, segundo ensinamentos do saudoso e festejado administrativista Helly Lopes Meirelles.

Assim, colocada a questão, fácil inferir, por via de conclusão, que a autoridade policial, por excelência e na forma de nossa estrutura legal, que suporta a organização da Secretaria de Segurança Pública, é o DELEGADO DE POLÍCIA. A ele incumbe, mercê de sua formação jurídica e por exigência de requisitos para o ingresso na carreira policial, apreciar as infrações penais postas por seus agentes (policiais, genericamente entendidos), sob a luz do Direito, máxime, em se cuidando de Segurança Pública, do DIREITO PENAL. Sempre que tiver conhecimento de uma infração penal o Delegado de Polícia (autoridade policial por excelência) deve fazer uma avaliação, a fim de visualizar se se cuida fato típico, como espelha a Teoria da Tipicidade, o "TATBESTAND" do Direito Alemão, ou não, daí procedendo de acordo com o que a lei regrar.

Do mesmo modo, concluído que se cuida de "fato típico", incumbe ao Delegado de Polícia, por via da formulação de um juízo de valor, decidir se se trata de prisão em flagrante, em quase-flagrante (flagrante próprio e impróprio), flagrante preparado, ou, se, efetivamente, não houve flagrante. A formulação desse juízo de valor não tem regra matemática a ser seguida. Cuida-se de uma avaliação subjetiva, realizada com os supedâneos do conhecimento jurídico e da experiência, amealhada ao longo da carreira policial. É conhecimento personalíssimo e ao abrigo de qualquer influência externa.

Corolário do exposto não é falho afirmar-se que entregue o fato à Autoridade Policial, por qualquer agente de sua autoridade, aquela primeira etapa do procedimento administrativo policial está exaurida.

(...)Repito, para bem cumprir sua missão é dever do Delegado de Polícia proceder a uma formalização, mesmo que precária de tipicidade, pois a definitiva incumbe ao Ministério Público, do fato criminoso a si colocado, para daquela tipicidade precária tirar efeitos jurídico-processuais, bem assim decidir se é infração da qual o agente se livra solto, mediante fiança, ou sem direito a fiança (inafiançável), ou se se cuida de crime hediondo ou qualquer outro, para pedir a segregação temporária do indiciado se julgar necessário, caso não opte pela flagrância do delito.

Todo esse complexo desenrolar subjetivo está afeto ao Delegado de Polícia, em cuja atividade funcional está a salvo de qualquer interferência, mesmo do Ministério Público, órgão de fiscalização externa da Polícia Civil (CF/88 e LOMP), caso não haja, na espécie, a prática de ilícito (advocacia administrativa, favorecimento pessoal, corrupção etc.) de parte da autoridade policial atuante.

Para completar o raciocínio aqui desenvolvido é oportuno colocar que na estrutura da Secretaria de Segurança Pública, as autoridades administrativas hierarquizadas são o Governador do Estado, seu Secretário da Segurança Pública e o Delegado de Polícia Judiciária. Todos os demais integrantes dessa complexa estrutura são "agentes da autoridade policial" que os doutos chamam de "longa manus", em substituição ao particípio presente do verbo agir para tal fim substantivado. Assim, são agentes da autoridade policial judiciária, que é o Delegado de Polícia, toda a Polícia Militar, desde seu Comandante Geral até o mais novo praça e todo o segmento da organização Polícia Civil, bem assim o I.M.L., I.P.T etc… e nenhuma dessas categorias podendo influenciar os atos da autoridade policial, enquanto "atos de polícia judiciária" sujeitos a avaliação jurídico-subjetiva. Ademais, se o ilícito foi apurado via "persecutio criminis" pela instauração de inquérito policial, iniciado por portaria e não por ato de prisão em flagrante, essa situação não retira, jamais, a nobreza do ato do policial militar que, despojando-se da própria vida cumpre o seu altruístico dever de defender a sociedade, aliás o que a gloriosa Polícia Militar do Estado de São Paulo, tão bem sabe fazer"

(fonte: https://blogdodelegado.wordpress.com/delegado-de-olicia/analise-judicial-do-conceito-de-autoridade-policial/)

Anote-se também o entendimento de Julio Fabbrini Mirabete, para quem Autoridade Policial, para fins da Lei n. 9099/95, é o Delegado de Polícia (1996).

No Estado de São Paulo, ainda se observa certa divergência, sendo importante salientar que o Conselho Superior da Magistratura chegou a editar ato relativo aos Juizados Criminais Estaduais (Provimento CSM 806/03), que admitia a elaboração de termo circunstanciado tanto por agentes da Polícia Militar, como da Polícia Civil.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, com o fim de por côbro a essa celeuma, revogou a antiga Resolução n. 329/2003, que indevidamente trazia previsão para a Polícia Militar lavrar os famigerados termos, em casos específicos, editando a Resolução n. 233/2009, cujos dispositivos são a seguir colacionados:

"Artigo 1º – O policial, civil ou militar, que tomar conhecimento de prática de infração penal que se afigure de menor potencial ofensivo, deverá comunicá-la, imediatamente, à autoridade policial da Delegacia de Polícia da respectiva circunscrição policial, a quem compete, por sua qualificação profissional, tipificar o fato penalmente punível.

Parágrafo Único – A comunicação prevista neste artigo, sempre que possível, far-se-á com a apresentação dos autores, vítimas e testemunhas.

Artigo 2º – A autoridade policial em serviço na Delegacia de Polícia, ao tomar conhecimento da ocorrência, verificando tratar-se de infração de menor potencial ofensivo, com a máxima brevidade, adotará as providências previstas na Lei nº 9.099/95, dentre elas, a elaboração do Termo Circunstanciado".

Todavia, tal Resolução veio a sofrer impugnação judicial por parte da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que pela via do mandamus coletivo, no dia 15/7/2010, obteve a segurança para garantir o direito da Polícia ostensiva lavrar o termo circunstanciado, buscando, no mérito, a anulação da citada Resolução. A decisão judicial, em linhas gerais, levou em consideração uma interpretação lógica para o conceito de "autoridade policial", atrelada a busca do princípio da eficiência, vez que sendo maior o número de policiais legitimados para a lavratura do "termo circunstanciado", melhor seria o resultado prático para a sociedade.

Com a devida vênia, o respeitável decisum não nos parece coerente com o sistema jurídico vigente, conforme fundamentação até aqui esposada. Tanto é assim, que recentíssima decisão deste mesmo Judiciário Bandeirante, proferida no Pedido de Suspensão de Execução de Sentença, n. 990.10.362786-5, com base no artigo 15, da Lei n. 12.016/2009, deferiu a suspensão dos efeitos da sentença prolatada no mandado de segurança coletivo originário, sob o argumento de que "a execução imediata da sentença resultará em grave violação à ordem e segurança públicas, na medida em que pode aviventar antigas divergências entre as Polícias Civil e Militar, que motivaram a edição da Resolução SSP n. 233/2009, bem como gerar dúvidas e incertezas e prejuízo à administração das polícias e ao gerenciamento das políticas públicas de segurança".

Além do aspecto teórico e legal, há situações práticas que precisam ser levadas em consideração e que não podem, ao nosso ver, sob o pretexto de se privilegiar o princípio da eficiência, por em risco a liberdade individual do cidadão. Por exemplo, não é o Delegado de Polícia, o especialista com formação jurídica e técnico-profissional, primeiro agente público legalmente incumbido de fazer a classificação jurídica preliminar e a devida distinção, por vezes tênue, entre o porte e o tráfico de drogas (inclusive com determinação legal para fundamentar sua decisão – art. 52, inciso I e art. 28, § 1º, da Lei n. 11.343/06), entre uma lesão corporal dolosa e uma tentativa de homicídio, ou ainda entre um estupro tentado e uma contravenção de importunação ofensiva ao pudor?

E o que dizer das ocorrências que envolvem jogos de azar – máquinas "caça-níqueis" - em que deve a Autoridade Policial comparecer no local, apurar quem são os exploradores da atividade ilícita, os jogadores, determinar a apreensão dos móveis, máquinas, dinheiro e outros objetos relacionados com a contravenção, bem como requisitar perícia específica para cada tipo de jogo eletrônico instalado? Não são estes atos típicos de polícia judiciária, previstos no artigo 6º do estatuto de rito penal?

A Lei Complementar n. 207, de 5 de janeiro de 1979, que instituiu a Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo, aplicável a ambas as polícias, delimitando com precisão cirúrgica a atribuição de cada um desses órgão, assim previu:

"Artigo 3º. São atribuições básicas:

I - da Polícia Civil: o exercício da Polícia Judiciária , administrativa e preventiva especializada (grifo nosso);

II - da Polícia Militar: o planejamento, a coordenação e a execução do policiamento ostensivo , fardado e a prevenção e extinção de incêndio (grifo nosso)."

Segundo o saudoso Professor Hely Lopes Meirelles, citado por Carlos Alberto Marchi de Queiroz, na obra Nova Lei Orgânica da Polícia Explicada, a Polícia Judiciária é aquela "que se destina precipuamente a reprimir infrações penais (crimes e contravenções) e apresentar os infratores à Justiça para a necessária punição" (2003, p. 16).

Em remate, argumentações fundadas em suposições fáticas, como o eventual despreparo, questionável probidade, falta de recursos materiais ou de qualificação dos agentes da Polícia Judiciária, não podem ser admitidas para alargar o conceito de Autoridade Policial. Nessas hipóteses, incumbirá ao Poder Público, por meio de políticas adequadas, proporcionar condições, estrutura e remuneração dignas aos servidores, visando, de forma salutar e correta fazer valer o Princípio da Eficiência, que implica no contínuo aprimoramento e incentivo aos agentes públicos comprometidos com o exercício de suas funções.

Sobre os autores
Rafael Francisco Marcondes de Moraes

Mestre e Doutorando em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Graduado pela Faculdade de Direito de Sorocaba. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Professor concursado da Academia de Polícia de São Paulo (Acadepol). Autor de livros pela editora JusPodivm: www.editorajuspodivm.com.br/autores/detalhe/1018

Marcelo da Silva Zompero

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Foi Escrevente Técnico Judiciário e Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Rafael Francisco Marcondes; ZOMPERO, Marcelo Silva. Fase policial do procedimento sumaríssimo.: Aspectos teóricos e pragmáticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2641, 24 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17477. Acesso em: 22 dez. 2024.

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