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Pensão militar: a legalidade da concessão às filhas maiores de 21 anos e capazes e a controvérsia da ordem de prioridades para seu deferimento

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Agenda 24/12/2010 às 12:47

6. LEGALIDADE DA CONCESSÃO AB INITIO DA COTA-PARTE DAS FILHAS MAIORES E CAPAZES

Após a edição da Medida Provisória 2.215-10/01, as filhas maiores e capazes de militares não fazem mais jus ao benefício da pensão militar, adaptando o legislador, a norma, às mudanças sociais ocorridas a partir da edição da Constituição de 1988 até os dias atuais.

Todavia, atento às garantias fundamentais resguardadas pela Carta Magna, o Poder Executivo, ao suprimir tal benefício, implementou norma de transição que garantiu àqueles que fossem militares na data da edição da MP, optar por manter o pensionamento das filhas maiores e capazes, até 29 de dezembro de 2000, mediante contribuição de 1,5% do soldo.

O cerne da discussão proposta pelo presente trabalho, reside na adição da cota-parte das filhas à metade de suas mães, ocorrendo a reversão da cota-parte apenas com a morte da genitora, conforme art. 9º, §3º da Lei 3.765/60, que dispõe da seguinte forma: "Se houver, também, filhos do contribuinte com a viúva ou fora do matrimônio reconhecidos estes na forma da Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949 metade da pensão será dividida entre todos os filhos, adicionando-se à metade da viúva as cotas-partes dos seus filhos."

A administração pública federal, fazendo interpretação literal do dispositivo, insiste em indeferir a pensão às filhas maiores e capazes dos militares, adicionando as cotas-partes às cotas de suas mães. De forma distinta, a administração entende que as filhas de militares do Distrito Federal devem perceber o benefício desde o evento morte do instituidor, dando aplicação distinta ao retro-citado parágrafo. Quanto aos tribunais, seja em primeira instância, segunda instância ou nas instâncias superiores, as decisões proferidas são bastante divergentes, sendo raro encontrar fundamentações harmônicas, mesmo em decisões semelhantes.

O aludido dispositivo merece assim especial atenção, devendo o intérprete aplicá-lo à luz das mudanças sociais ocorridas desde a data de sua edição (1960), haja vista transcorridos mais de 50 anos.

Frente às divergências de interpretação da Lei, dentro de um contexto social totalmente distindo daquele existente à época de sua edição, imperioso se faz afastar a interpretação literal do dispositivo, dando nova perspectiva ao citado parágraafo através do método teleológico. O citado método consite na interpretação realizada tendo em vista a ratio legis ou intento legis, isto é, conforme a intenção da lei. Busca-se entender a finalidade para a qual a norma foi editada, isto é, a razão de ser da norma, dentro do panorama contemporâneo do Direito. A "ratio legis" não se confunde com o ratio legislatores (vontade do legislador). Podem até coexistir, mas no confronto vale a intenção da lei, haja vista que a vontade do legislador de 1960, por exemplo, não será a mesma vontade do legislador de 2010.

Perquirindo-se a vontade da Lei ao adicionar a cota-parte dos filhos à de suas mães, chega-se de plano à conclusão de que tal dispositivo teria como finalidade conferir a administração da pensão, devida ao filho menor, à sua genitora, o que estaria em harmonia com o art. art. 1.689, II do Código Civil: "O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade". Sendo assim, nada justifica que, cessado o poder familiar com a maioridade, de acordo com o art. 1.635, III do mesmo Diploma Legal, mantenha-se a cota-parte das filhas incorporada à cota de sua genitora, uma vez que, maiores de idade e capazes, as filhas dos militares encontram-se na plena administração de seus bens.

Observe-se que a controvérsia acerca da administração da pensão das filhas maiores encontra solução no art. 23, I da própria Lei 3.765/60, que dispõe: "Perderá o direito à pensão militar o beneficiário que: venha a ser destituído do pátrio poder, no tocante às quotas-partes dos filhos, as quais serão revertidas para estes filhos".

Desta forma, caso a filha do militar seja menor na data do seu falecimento, terá sua pensão incorporada à cota de sua genitora – o que aconteceria, independente de comando específica, uma vez que o Código Civil confere aos pais tal responsabilidade, como descrito anteriormente. No caso das filhas maiores na data do falecimento do militar, deve-se habilita-las de maneira originária, em concorrência com sua mãe, uma vez estarem equiparadas na ordem de prioridades definida na MP 2.215-10/01, e não haver justificativa para submetê-las a um poder familiar inexistente, causando uma sujeição e hierarquização familiar odiosa e indesejável para a família constitucional contemporânea, onde deve-se observar a igualdade entre seus integrantes, principalmente os pais e filhos maiores. Deve-se salientar que igual posição foi deferida às filhas maiores de militares do DF, no âmbito do processo nº. 11.622/08 (Decisão 7.795/2008), prolatada pelo TCDF e ratificada pelo MPjTCDF [13].

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Constata-se que a adição da cota-parte da filha à parte de sua mãe é condicionada à menoridade, ou seja, extinto o poder familiar com a maioridade, cai por terra o direito subjetivo da genitora de administrar os bens das filhas, agora maiores, devendo-se transferir a estes a cota que lhes cabe, pela manutenção do benefício proporcionado pelo desconto de 1,5% (um e meio por cento) conforme regra da aludida MP.

Interpretando-se diferentemente o dispositivo que dispõe sobre a incorporação do benefício das filhas maiores e capazes ao benefício de suas mães, pode-se sugerir que a parte final do art. 9º, §3º da Lei 3.765/60 pressuporia hipótese de transferência legal, ou seja, aplicar-se-ia quando presente alguma das situações do artigo 23 ou 24 da Lei, para que se transfira a respectiva cota-parte do filho à sua mãe (evitando a redistribuição do benefício entre os filhos de outro leito), de modo a preservar na entidade familiar o percentual percebido anteriormente [14].

Ainda, no contexto do pensionamento do cônjuge em concorrência com as filhas, é importante analisar o caso do(a) ex-cônjuge que percebia pensão alimentícia em concorrência com filhas maiores de idade. Cada vez mais é predominante na doutrina e jurisprudência a idéia de que o credor de alimentos deve, quando da morte do instituidor do benefício, perceber o mesmo valor que recebia quando vivo o funcionário ou militar.

Esta posição baseia-se não apenas nos valores e princípios constitucionais em matéria de Família Constitucional e de Seguridade Social, mas também, e principalmente, na circunstância de que outras pessoas que mantinham vínculos efetivos e permanentes com o servidor, como os filhos, até o momento da morte, merecem maior proteção estatal do que o ex-cônjuge ou ex-companheiro [15].

Observa-se, ainda, o aspecto da manutenção da coisa julgada em matéria do juízo de família, de modo que a legislação previdenciária hodierna deve ser interpretada de molde a preservar a coisa julgada, que no caso é sujeita à cláusula rebus sic stantibus, visto que referida decisão é passível de revisão judicial, em ação autônoma, de molde a se aquilatar o binômio necessidade-possibilidade [16]. Nada justifica, assim, que o ex-cônjuge tenha seu pensionamento majorado pela morte do alimentante, fato que consubstanciaria enriquecimento sem causa por parte do alimentado, sendo vedado de forma expressa pelo Código Civil nos arts. 884 a 886 e ferindo o princípio da razoabilidade, que deve ser observado pela administração pública.

Do mesmo modo dispõe o art 39, §3º da Lei 10.486/02, que rege a remuneração dos militares do Distrito Federal, anteriormente regulada pela mesma Lei 3.765/60: "Havendo pensionista judiciária, a pensão alimentícia continuará a ser paga, de acordo com os valores estabelecidos na decisão judicial". Há no caso, inclusive, quebra do princípio da isonomia por parte do legislador, que passou a tratar de maneira diferenciada os beneficiários dos militares do DF e das Forças Armadas, regidos anteriormente pela mesma Lei, conforme o revogado art.1º da Lei 3.765/60.

Aprofundando o tema em pauta, pode-se citar ainda a manifestação da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais no sentido da manutenção dos alimentos fixados por decisão com trânsito em julgado, no âmbito de concessão das pensões militares à ex-cônjuges pensionadas, conforme a seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO MILITAR. RATEIO ENTRE A VIÚVA E A EX-MULHER DIVORCIADA. MANUTENÇÃO DA PROPORÇÃO DEVIDA A TÍTULO DE ALIMENTOS À EX-ESPOSA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.

Recurso de Sentença Cível - Processo n° 2006.51.51.042109-0/01

Relator: Juiz Federal Manoel Rolim Campbell Penna

Recorrente(s): Marlene Pereira Castelo Branco

Recorrido(s): União Federal e Marly da Silva Castelo Branco

Juízo de origem: 3o Juizado Especial Federal do Rio de Janeiro

Este é o entendimento predominante do egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª. Região:

PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - EX-ESPOSA E COMPANHEIRA - RATEIO - MANUTENÇÃO DA PROPORÇÃO DEVIDA A TÍTULO DE ALIMENTOS.

I - O rateio da pensão por morte meio a meio entre a companheira e a ex-mulher do instituidor do benefício, quando esta recebia alimentos em percentual inferior a 50%, consiste em majoração da pensão alimentícia, sem qualquer base legal que a justifique.

II - Assim, afigura-se justa a pretensão de divisão do benefício, guardando-se equivalência da cota-parte da ex-esposa com os alimentos a ela prestados, sobretudo se considerarmos que, no caso, conforme se extrai dos autos, a companheira conviveu com o segurado por aproximadamente 35 anos, dividindo com ele toda uma vida, até a data de seu falecimento.

III - Remessa necessária improvida.

(T.R.F. da 2ª Região - 2ª Turma - REO nº 333.193/RJ - rel. Des. Fed. CASTRO AGUIAR - unânime - DJU de 09/12/2003, p. 218). (grifamos)

"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE E PENSÃO ALIMENTÍCIA FIXADA PELO JUÍZO DE FAMÍLIA – RATEIO DO BENEFÍCIO – IMPOSSIBILIDADE – COISA JULGADA. 1 - A igualdade de concorrência do ex-cônjuge alimentando, preconizada pelo § 2º do art. 76 da Lei nº 8.213/91, não deve ser entendida no sentido literal deste texto, mas sim, em seu sentido teleológico e em conformidade com os preceitos constitucionais, sob pena de malferimento à intangibilidade da coisa julgada que se forjou no Juízo de Família; o que conduz apenas a um resguardo da situação daquele que, em razão do desfazimento dos laços matrimoniais (máxime pela alteração do estado civil), deixaria de ser dependente do segurado, ficando, conseqüentemente, excluído do rol constante do art. 16 daquele Diploma Legal. 2 - A legislação previdenciária hodierna deve ser interpretada de molde a preservar a coisa julgada, que no caso é sujeita à cláusula rebus sic stantibus, visto que referida decisão é passível de revisão judicial, em ação autônoma, de molde a se aquilatar o binômio necessidade-possibilidade, conforme, inclusive, pugnava o Decreto nº 89.312/84, art. 4º, § 2º. 3 – Apelação e remessa necessária desprovidas." (TRF-2ª Região. 6ª Turma. AC 195467. Processo 9902098193/RJ. Julgamento: 03/08/2004. Publicação: 16/08/2004, p. 954. Relator Des. Fed. Poul Erik Dyrlund.) (grifamos)

Conclui-se que, quando houver concorrência entre a filha maior do militar e a ex-cônjuge pensionda - ainda que na condição de genitora daquela - deve ser mantido o percentual de pensionamento fixado no juízo de família, deferindo-se o restante do benefício à filha maior, desde a morte do instituidor, não havendo incorporação de sua cota-parte pelos motivos já expostos anteriormente.

A título de exemplo, suponhamos uma situação em que o militar, contribuinte do percentual de 1,5% de seus vencimentos para beneficiar sua filha, separado judicialmente, devedor de alimentos fixados em 35% de seus vencimentos por decisão judicial com trânsito em julgado, venha a falecer deixando da relação com sua ex-cônjuge uma filha, maior e capaz na data do óbito. Diante de tais condições, a solução mais adequada, conforme o presente estudo seria a habilitação da ex-cônjuge, mantendo-se a proporção devida em vida pelo militar , ou seja 35% da pensão militar; e a habilitação da filha maior no percentual restante, ou seja, 65% da pensão militar, deferida desde a morte do instituidor, sem a incorporação de sua cota à cota da ex-cônjuge.

Demonstra-se assim que no momento da morte do instituidor do benefício, há a consolidação de direito adquidiro por parte das filhas maiores, beneficiadas pela regra de transição, consubstanciado no direito subjetivo do militar que contribuiu em vida com 1,5% de seus vencimentos para a finalidade citada.

Em decisão de grande relevância do Superior Tribunal de Justiça, como guardião da Lei e unificador do Direito, o eminente Ministro Hamilton Carvalhido ressaltou em seu voto que: "(...) ao negar o direito da filha de receber a pensão, nega-se, também, o direito subjetivo de seu pai, que outro não era que de assegurar o pagamento da pensão post mortem à filha, induvidosa titular do direito subjetivo ao seu recebimento, a partir do óbito de seu genitor (...)". (grifamos)

O acórdão citado confirma a constitucionalidade do pensionamento, bem como a legalidade da concessão ab initio do referido benefício, afastando o condicionamento do direito em voga, ao óbito da genitora da filha maior:

Recurso especial da União. Pensão militar. Filha maior e capaz. Art. 7° da Lei n° 3.765/60. Art. 31 da Medida Provisória nº 2.215-10/01. Regra de transição. Contraprestação realizada pelo instituidor do benefício.

1. O benefício de pensão por morte de servidor militar, regulado pela Lei nº 3.765/60, foi parcialmente alterado pela Medida Provisória nº 2.215-10/01.

2. Os que eram militares na data da entrada em vigor da mencionada medida provisória adquiriram o direito de manter, no rol de beneficiários, filha maior e capaz, tal como previsto no art. 7º da Lei nº 3.765/60, desde que optassem por contribuir com mais 1,5% de sua remuneração, além dos 7,5% obrigatórios. A regra de transição entre o novo e o antigo regime de pensão militar está diretamente ligada a essa contraprestação específica.

3. Verificada, como na espécie, a contribuição realizada pelo servidor consoante o art. 31 da Medida Provisória n° 2.215-10/01, é assegurada à filha capaz maior de 21 anos a manutenção da pensão prevista na redação original da Lei n° 3.765/60, art. 7°.

4. Recursos especiais da ex-mulher e da filha, não-conhecidos, e recurso especial da União, provido.

(STJ - REsp 871269/RJ Recurso Especial 2006/0161069-7 Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Relator p/ Acórdão: Ministro NILSON NAVES - Órgão Julgador: 6ª TURMA. Data do Julgamento:11/12/2007 Data da Publicação: DJe 12/05/2008). (grifamos)

Em decisão monocrática no REsp 949.178 a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, citando o REsp 871269, manifestou-se pela legalidade da concessão da pensão militar às filhas maiores e capazes dos militares:

(...) "A matéria já foi objeto de exame por este Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 871.269/RJ, tendo sido adotada a tese segundo a qual "os que eram militares na data da entrada em vigor da mencionada medida provisória adquiriram o direito de manter, no rol de beneficiários, filha maior e capaz, tal como previsto no art. 7º da Lei nº 3.765/60, desde que optassem por contribuir com mais 1,5% de sua remuneração, além dos 7,5% obrigatórios" (Rel. p/ Acórdão Min. NILSON NAVES, SEXTA TURMA, DJe 12/05/2008)." (grifamos)

Sobre o autor
Rodrigo Cardoso Magno

Servidor Público Federal.<br>Especialista em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGNO, Rodrigo Cardoso. Pensão militar: a legalidade da concessão às filhas maiores de 21 anos e capazes e a controvérsia da ordem de prioridades para seu deferimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2732, 24 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18104. Acesso em: 5 nov. 2024.

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