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A incidência do imposto de renda sobre o abono de permanência da EC nº 41/2003 e o novo entendimento do STJ

Agenda 27/12/2010 às 10:34

Resumo: O presente artigo analisa o conceito de renda para fins de incidência do Imposto de Renda Pessoa Física e o suposto caráter indenizatório do "abono de permanência", estabelecido pela Emenda Constitucional n. 41/2003, a partir do mais recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Palavras-chave: Imposto de Renda Pessoa Física; conceito de renda; caráter indenizatório do "abono de permanência"; e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.


1.O posicionamento do STJ em sede de recurso repetitivo.

A Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Fenafisp) ajuizou Mandado de Segurança Coletivo em face do Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Secretário e do Delegado da Receita Federal no Distrito Federal, com o fito de obter provimento jurisdicional que declarasse a inexigibilidade do Imposto de Renda Pessoa Física sobre a verba intitulada "abono de permanência", que fora instituído pela Emenda Constitucional n. 41/2003 e se configura numa parcela pecuniária a que tem direito o servidor público que tenha preenchido os requisitos para o gozo de aposentadoria voluntária e resolva continuar em atividade. Tal verba corresponde à contribuição do servidor para a previdência social.

No 1º grau de jurisdição, na Justiça Federal do Distrito Federal e Territórios, a argumentação da Fenafisp foi acolhida parcialmente, reconhecendo aos substituídos da impetrante o afastamento do IR incidente sobre o abono de permanência. Irresignada, a União Federal (Fazenda Nacional) interpôs apelação no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, impugnando a sentença. Ocorre, porém, que tal recurso restou improvido.

A Fazenda Nacional recorreu ao STJ, formulando pedido de suspensão de segurança. Aduziu que a sentença que afastou a incidência do IR sobre o abono de permanência ocasiona grave lesão à ordem pública, impactando significativamente o Erário nacional.

Acolhendo a tese da União, o ministro Ari Pargendler determinou a suspensão, ressaltando que já existe precedente do STJ acerca do tema, apreciado pelo rito dos recursos repetitivos (artigo 543-C do CPC).

Em agosto de 2010, a 1ª seção do STJ julgou o REsp 1.192.556. Baseado no voto do relator, ministro Mauro Campbell Marques, o órgão fracionário supramencionado consolidou a argumentação de que "sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda os rendimentos recebidos a título de abono de permanência a que se referem o parágrafo 19 do artigo 40 da CF/88, o parágrafo 5º do artigo 2º e o parágrafo 1º do artigo 3º da EC 41/2003, e o artigo 7º da lei 10.887/04".

Nas palavras do eminente ministro Mauro Campbell, inexiste comando normativo que autorize considerar o abono de permanência como rendimento isento. O ministro frisou que a tributação independe da denominação dos rendimentos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título. O aludido voto salientou que o abono de permanência guarda consigo natureza remuneratória, eis que representa acréscimo patrimonial ao servidor, o que configura fato gerador do imposto de renda.


2.O conceito de renda para fins de incidência do IR.

Os julgados acima relatados fazem ressurgir uma antiga discussão, qual seja: afinal, o que se deve entender por renda para fins de incidência do Imposto de Renda Pessoa Física?

O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza está previsto no art. 153, III, da Constituição Federal de 1988. Os aspectos estruturais desse imposto, por sua vez, foram estabelecidos pelos artigos 43 a 45 do Código Tributário Nacional (CTN).

Conforme definição do legislador, o fato gerador do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, entendida como o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, ou de proventos de qualquer natureza, compreendendo quaisquer outros acréscimos patrimoniais (art. 43, CTN). Assevera, ainda, que a incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento (art. 43, § 1º, CTN).

Segundo Leandro Paulsen [01], o acréscimo patrimonial é o elemento comum e nuclear dos conceitos de renda e proventos, de modo que é necessário analisar a natureza de cada ingresso para verificar se realmente se trata de renda ou proventos novos, que configurem efetivamente acréscimo patrimonial. Para esse autor, acréscimo patrimonial significa riqueza nova.

Em suma, o fato gerador do imposto sobre a renda é a disponibilidade, econômica ou jurídica, de acréscimo patrimonial, ou seja, riqueza nova, oriundo de renda ou provento de qualquer natureza.

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3.O suposto caráter indenizatório do abono de permanência.

Nesse esteio, pode-se afirmar com tranqüilidade que o abono de permanência não é indenização, razão pela qual deve haver a incidência do imposto de renda.

Valendo-nos dos ensinamentos do ilustre jurista Hely Lopes Meirelles [02], podemos subdividir os acréscimos de cunho remuneratório a partir da origem de sua concessão: a) pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis); b) pelo desempenho de funções especiais (ex facto officcii); c) em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem); e d) em razão de condições pessoais do servidor (propter personam). Nesse sentido, o abono de permanência se identifica como propter personam, tendo em vista que sua concessão se dá em virtude de condições pessoais do servidor optante.

Indenização, por sua vez, pode ser conceituada como o "reembolso de quantias que alguém despendeu por conta de outrem, ao pagamento feito para recompensa do que se fez ou para reparação de prejuízo ou dano que se tenha causado a outrem" [03].

Ora, o abono de permanência não se enquadra em nenhuma das definições expostas, razão pela qual se depreende sua descaracterização como verba indenizatória.

A propósito, não se pode olvidar que o abono de permanência não é pago em decorrência de despesas ou adiantamentos feitos pelo servidor em proveito da União. Tampouco se trata de recompensa, uma vez que o servidor continua a exercer as mesmas funções que antes executava. Não é, ainda, reparação pecuniária de danos ou prejuízos, posto que o direito à aposentadoria permanece pleno.

Conforme mencionado, o direito à aposentadoria permanece intacto, eis que o agente do Estado poderá se aposentar quando quiser, não ocorrendo dano ou diminuição de seu patrimônio.

Destaque-se que o abono de permanência é obtido mediante requerimento expresso do interessado, o que o descompatibiliza do caráter indenizatório, afinal não se pode admitir a hipótese de alguém requerer algo em seu desproveito e, em conseqüência, possuir direito a uma indenização.

Ademais, o servidor não é forçado a permanecer em atividade. Ao contrário, ele é incentivado através do oferecimento de uma vantagem pecuniária.

É bem verdade que o abono de permanência tem natureza jurídica de benefício previdenciário, o que não basta para definir a questão, uma vez que alguns benefícios são isentos e outros não.

Dessa maneira, cumpre ressaltar que o gozo do abono de permanência se dá no interesse do beneficiário e após a formulação de pedido administrativo. Assim, trata-se de nítido acréscimo patrimonial do agente estatal que resolve permanecer em atividade até o advento da necessidade da aposentadoria compulsória.

Tal fato nos aponta que o abono de permanência não visa a reparar dano algum causado a seu beneficiário. A sua natureza é eminentemente premial.

A propósito, válida se apresenta a transcrição do julgado proferido no REsp 1.192.556, que muito bem evidencia a nova orientação da Egrégia Corte Federal acerca do tema:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ABONO DE PERMANÊNCIA. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS. 1. Por inexistir fundamento constitucional suficiente, por si só, para manter o acórdão do Tribunal de origem quanto à questão impugnada no recurso especial, não há falar em incidência da Súmula 126/STJ. 2. Esta Seção manifestou-se sobre a natureza jurídica do abono de permanência, quando prestigiou, no acórdão embargado, o entendimento da Segunda Turma, que, ao julgar o REsp 1.105.814/SC, sob a relatoria do Ministro Humberto Martins, reconhecera a incidência do imposto de renda sobre o aludido abono com base nas seguintes razões de decidir: "O abono de permanência trata-se apenas de incentivo à escolha pela continuidade no trabalho em lugar do ócio remunerado. Com efeito, é facultado ao servidor continuar na ativa quando já houver completado as exigências para a aposentadoria voluntária. A permanência em atividade é opção que não denota supressão de direito ou vantagem do servidor e, via de consequência, não dá ensejo a qualquer reparação ou recomposição de seu patrimônio. O abono de permanência possui, pois, natureza remuneratória por conferir acréscimo patrimonial ao beneficiário e configura fato gerador do imposto de renda, nos termos termos do artigo 43 do Código Tributário Nacional." (grifou-se). Com efeito, o abono de permanência é produto do trabalho do servidor que segue na ativa, caracterizando inegável acréscimo patrimonial, o que enseja a incidência do imposto de renda. Não cabe a alegação de que o abono de permanência corresponderia a verba indenizatória, pois não se trata de ressarcimento por gastos realizados no exercício da função ou de reparação por supressão de direito. 3. Verificar se o acórdão embargado enseja contrariedade a normas e princípios positivados na Constituição é matéria afeta à competência do Supremo Tribunal Federal, alheia ao plano de competência do Superior Tribunal de Justiça, mesmo que para fins de prequestionamento, conforme entendimento da Corte Especial (EDcl nos EDcl nos EREsp 579.833/BA, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 22.10.2007). 4. Embargos declaratórios rejeitados.

(STJ; Primeira Seção; EDRESP - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – 1192556; Ministro Relator: MAURO CAMPBELL MARQUES; DJE DATA:17/11/2010)

Por fim, importa trazer à baila o artigo 111 do Código Tributário Nacional, que estabelece a obrigatoriedade de que as normas isentivas de exações tributárias devem ser interpretadas de forma literal e restritiva. Assim, há de se observar que a Lei nº 10.887, de 2004, em seu art. 4º, somente vedou a incidência da contribuição previdenciária sobre o abono de permanência. Assim, se fosse realmente o caso de isenção do imposto de renda, seria imprescindível que a lei assim o dissesse.

Ao abrigo das considerações acima expendidas, clarividente se torna que a incidência do Imposto de Renda Pessoa Física sobre a verba intitulada de "abono de permanência" encontra guarida legal e jurisprudencial, sobretudo com a consolidação do entendimento por parte do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2005.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 27 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

STJ EDRESP 1.192.556. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Julgamento em 27.10.2010, publicado no DJe em 17.11.2010. Acessado em 02.12.2010. Disponível em http://columbo2.cjf.jus.br/juris/unificada/Resposta.


Notas

  1. PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2005, p. 775.
  2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
  3. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 27 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
Sobre o autor
Luís de Camões Lima Boaventura

Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOAVENTURA, Luís Camões Lima. A incidência do imposto de renda sobre o abono de permanência da EC nº 41/2003 e o novo entendimento do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2735, 27 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18115. Acesso em: 23 nov. 2024.

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