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"Sexual harassment".

Considerações sobre discriminação e assédio sexual no direito norte-americano

A discriminação em função do gênero e o assédio sexual representam um grave problema para a sociedade contemporânea. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve inclusive a criação de um órgão governamental, que é responsável pela fiscalização de qualquer forma de discriminação e assédio sexual nas relações de emprego. Trata-se da comissão de defesa de oportunidades iguais nos Estados Unidos (Us Equal Employment Opportunity Comission). Inicialmente, é importante afirmar que a discriminação em função do gênero pode ser direta, quando se pratica tratamento desigual baseado em critérios ilegais para admissão de homens e mulheres. Além disso, a discriminação em função do gênero pode ser indireta quando, apesar de uma aparência de legalidade, na verdade, cria-se uma situação de desigualdade que causa impacto negativo em relação a um determinado gênero. Por fim, pode-se definir assédio sexual como o bullying praticado no ambiente de trabalho, caracterizado pelo oferecimento de vantagens em troca de favores sexuais. [01], [02], [03], [04]

Após uma breve exposição conceitual sobre o presente tema, é oportuno observar que a Suprema Corte dos Estados Unidos, em diversas ocasiões, já se manifestou em casos em que se discutia a discriminação em função do gênero. Um dos primeiros precedentes que se tem notícia é o caso Minor v. Happersett (1875), que teve início quando Virginia Minor desafiou a constituição estadual do Missouri, que estabelecia que somente os homens poderiam votar. Minor teve sua candidatura rejeitada por Happersett, por ser mulher e então resolveu levar seu caso à Suprema Corte dos Estados Unidos. Infelizmente, no mérito, a Corte Suprema firmou o posicionamento de que a 14ª Emenda à Constituição Federal não impedia que os estados da federação negassem o direito ao voto das mulheres. [05]

No que se concerne à discriminação em função do gênero, não se pode deixar de mencionar o caso Rostker v. Goldberg (1981), em que se discutia, em síntese, se a adoção de critérios distintos para o recrutamento de homens e de mulheres para o Exército representava uma ofensa ao disposto na 5ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Ao analisar o mérito do presente caso, a Suprema Corte norte-americana firmou o entendimento de que a decisão do Congresso dos Estados Unidos de isentar as mulheres do serviço militar não violava a cláusula do devido processo legal. Afirmou-se, ainda, que as diferenças estabelecidas para o recrutamento de homens e mulheres para o Exército eram justificadas e que o Congresso tinha a competência para determinar que as mulheres não fossem colocadas em situação de combate. [06]

No que se refere à discriminação em função do gênero, chama atenção o caso Mississipi University for Women v. Hogan (1982). Joe Hogan, um enfermeiro, teve sua admissão negada na Universidade do Mississipi, com base em critério de gênero, com a alegação de que a escola era exclusiva para mulheres. Cumpre ressaltar que a indagação trazida a Suprema Corte dos Estados Unidos era se um critério de admissão baseado no gênero violava o princípio da igualdade de todos perante a lei. A Corte Suprema entendeu que houve clara violação do princípio da igualdade, uma vez que não havia justificativa plausível para justificar uma discriminação baseada em função de gênero. Por fim, asseverou-se que as mulheres não enfrentavam, historicamente, discriminação para assumir empregos de enfermagem. [07]

Também, no que tange à discriminação em função do gênero, é oportuno recordar o precedente Roberts v. United States Jaycees (1984). Trata-se de um caso que uma organização civil chamada de "United States Jaycees" estabeleceu que a participação na associação fosse restrita aos homens entre 18 (dezoito) e 35 (trinta e cinco) anos de idade. Contrariados com essa limitação, mulheres e homens que não preenchiam os critérios acima alegaram discriminação, de acordo com a Lei de Minnesota. No mérito do presente caso, a Suprema Corte decidiu que a distinção estabelecida pela associação não era justificada e razoável, uma vez que não havia nenhum argumento válido para excluir a participação de mulheres dessa organização. Além disso, a participação das mulheres na associação não causaria nenhum encargo ou prejuízo ao exercício das atividades dos demais participantes. Dessa maneira, entendeu-se que a lei de Minnesota, que erradicava a discriminação, era constitucional, uma vez que havia um interesse público em eliminar todas as formas de discriminação em função do gênero. [08]

Posteriormente, não se pode deixar de mencionar um precedente de assédio sexual. Trata-se do caso Meritor Savings Bank v. Vinson (1986), que teve início quando Mechelle Vinson foi despedida do Meritor Savings Bank. Posteriormente, Mechelle ajuizou uma pretensão judicial com a alegação de que sofria de assédio sexual e de que a Lei dos Direitos Civis (Civil Right Act) proibia a criação de discriminação no ambiente de trabalho. Quando o caso foi analisado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, firmou-se o entendimento a favor de Mechelle, no sentido de que a interpretação da Lei dos Direitos Civis deveria ser ampla, de forma a abarcar todas as formas de discriminação direta e indireta (disparate treatment) [09] no ambiente de trabalho. [10]

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Cabe destacar que houve, no ano de 1997, o julgamento de outro caso de assédio sexual. Trata-se do caso Clinton v. Jones, em que Paula Corbin Jones acusou o então Presidente dos Estados Unidos Bill Clinton da prática de assédio sexual, quando ele era governador do estado de Arkansas. Na ocasião, Clinton invocou sua imunidade para suspender o processo. Em um momento seguinte, indagou-se perante a Suprema Corte dos Estados Unidos se o Presidente da República, em razão da separação de poderes, tinha imunidade absoluta contra processos civis não relacionados ao cargo e anteriores a sua posse. No mérito, a Suprema Corte entendeu que a Constituição dos Estados Unidos não garantia ao Presidente da República imunidade absoluta contra demandas de natureza cível. Firmou-se, ainda, o posicionamento de que, embora o poder executivo fosse independente em razão do princípio da separação de poderes, tal fato não impedia que o poder judiciário exercesse o controle sobre atos praticados pelo Presidente da República. [11], [12]

Outro precedente sobre assédio sexual é o caso Oncale v. Sundowner Offshore Services, Inc. (1998). O caso teve início quando Joseph Oncale ajuizou uma demanda judicial contra seu empregador com a alegação de que sofria assédio sexual praticado pelos seus colegas de trabalho, em violação à Lei de Direitos Civis (The Civil Rights Act). Dessa maneira, questionou-se perante a Suprema Corte dos Estados Unidos se à Lei de Direitos Civis aplicava-se aos casos de assédio sexual praticados por pessoas do mesmo sexo. Ao decidir o mérito, a Suprema Corte entendeu que todas as formas de discriminação em função do sexo eram vedadas, desde que causassem a vítima condições desvantajosas de trabalho. [13]

No que se refere à prática de assédio sexual nos Estados Unidos, é importante destacar o caso Burlington Industries, Inc. v. Ellerth (1998). Kimberly Ellerth pediu demissão com a alegação de assédio sexual no ambiente de trabalho, apesar de não ter sofrido nenhuma retaliação direta, tendo até sido promovida durante o período em que trabalhou na Burlington. Quando o caso chegou a Suprema Corte dos Estados Unidos, firmou-se o entendimento de que os empregadores tinham responsabilidade pelos supervisores que criavam um ambiente hostil de trabalho, mesmo nos casos em que os empregados não tivessem sofrido conseqüências diretas do assédio sexual relacionadas ao emprego. [14]

Por fim, não se pode esquecer o caso Faragher v. City of Boca Raton (1998). Trata-se de um caso em que Faragher ajuizou uma pretensão contra a cidade de Boca Raton, com a alegação de assédio sexual. Alegava-se, em síntese, que seus supervisores, que eram funcionários da Prefeitura, criaram um ambiente de trabalho hostil, ao fazer comentários inadequados a respeito de Faragher. Por fim, ela sustentou, ainda, que a cidade de Boca Raton deveria ser responsabilizada pelos atos de seus empregados. No mérito, o Excelso Tribunal norte-americano entendeu que o empregador tinha responsabilidade civil pelos atos de discriminação em função do gênero praticados por seus funcionários. [15]

Por todo o exposto, sem ter a menor pretensão de se esgotar o tema, percebe-se que a discriminação direta e indireta em função do gênero e o assédio sexual têm sido amplamente rejeitados pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que tem constantemente responsabilizado civilmente os empregadores, nos casos de assédio sexual e de discriminação praticada por seus empregados. Nesses casos, a responsabilidade civil do empregador geralmente decorre da ausência de definição de políticas coorporativas claras para a prevenção desses graves problemas sociais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  1. CABRAL, Bruno Fontenele. Aplicação das teorias do "Disparate Treatment" e do "Adverse Impact" nas relações de emprego. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2578, 23 jul. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/17034. Acesso em: 6 jan. 2011.
  2. CABRAL, Bruno Fontenele. Precedentes sobre a prática de políticas públicas de ação afirmativa no direito norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2569, 14 jul. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/16975. Acesso em: 6 jan. 2011.
  3. CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões sobre o combate ao bullying no direito brasileiro e norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17501>. Acesso em: 6 jan. 2011.
  4. CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. "Voting Rights". Retrospectiva histórica do direito ao voto nos Estados Unidos da América de 1787 a 1980. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2728, 20 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18075>. Acesso em: 6 jan. 2011.
  5. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Burlington Industries, Inc. v. Ellerth (1998). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/97-569.ZS.html>. Acesso em: 04 jan. 2011.
  6. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Clinton v. Jones (1997). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1990-1999/1996/1996_95_1853/>. Acesso em: 03 jan. 2011.
  7. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Faragher v. City of Boca Raton (1998). Disponível em: <http://www.nationalcenter.org/FaraghervBocaRaton98.html>. Acesso em: 03 jan. 2011.
  8. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Meritor Savings Bank v. Vinson (1986). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/13370/Meritor-Savings-Bank-v-Vinson.html>. Acesso em: 03 jan. 2011.
  9. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Oncale v. Sundowner Offshore Services, Inc. (1998). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/96-568.ZO.html>. Acesso em: 06 jan. 2011.
  10. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Roberts v. United States Jaycees (1984). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0468_0609_ZO.html>. Acesso em: 05 jan. 2011.
  11. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Rostker v. Goldberg (1981). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1980-1989/1980/1980_80_251>. Acesso em: 02 jan. 2011.
  12. ESTADOS UNIDOS. Us Equal Employment Opportunity Comission. Sexual harrasment. Disponível em: <http://www.eeoc.gov/laws/types/sexual_harassment.cfm>. Acesso em: 03 jan. 2011.
  13. GOSDAL, T. C. Preconceitos e discriminação nas relações de trabalho. Disponível em: <http://www.prt18.mpt.gov.br>. Acesso em: 02 jan. 2011.
  14. The Associated Press. Key events in the Jones v. Clinton lawsuit. The Washington Post. Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-srv/politics/special/pjones/timeline.htm>. Acesso em: 05 jan. 2011.

NOTAS:

  1. ESTADOS UNIDOS. Us Equal Employment Opportunity Comission. Sexual harrasment. Disponível em: <http://www.eeoc.gov/laws/types/sexual_harassment.cfm>. Acesso em: 03 jan. 2011.
  2. GOSDAL, T. C. Preconceitos e discriminação nas relações de trabalho. Disponível em: <http://www.prt18.mpt.gov.br>. Acesso em: 02 jan. 2011.
  3. CABRAL, Bruno Fontenele. Aplicação das teorias do "disparate treatment" e do "adverse impact" nas relações de emprego. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2578, 23 jul. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/17034. Acesso em: 6 jan. 2011.
  4. CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões sobre o combate ao bullying no direito brasileiro e norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17501>. Acesso em: 6 jan. 2011.
  5. CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. "Voting Rights". Retrospectiva histórica do direito ao voto nos Estados Unidos da América de 1787 a 1980. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2728, 20 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18075>. Acesso em: 6 jan. 2011.
  6. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Rostker v. Goldberg (1981). Disponível em:<http://www.oyez.org/cases/1980-1989/1980/1980_80_251>. Acesso em: 02 jan. 2011.
  7. CABRAL, Bruno Fontenele. Precedentes sobre a prática de políticas públicas de ação afirmativa no direito norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2569, 14 jul. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/16975. Acesso em: 6 jan. 2011.
  8. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Roberts v. United States Jaycees (1984). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0468_0609_ZO.html>. Acesso em: 05 jan. 2011.
  9. CABRAL, Bruno Fontenele. op. cit. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/17034. Acesso em: 6 jan. 2011.
  10. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Meritor Savings Bank v. Vinson (1986). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/13370/Meritor-Savings-Bank-v-Vinson.html>. Acesso em: 03 jan. 2011.
  11. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Clinton v. Jones (1997). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1990-1999/1996/1996_95_1853/>. Acesso em: 03 jan. 2011.
  12. The Associated Press. Key events in the Jones v. Clinton lawsuit. The Washington Post. Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-srv/politics/special/pjones/timeline.htm>. Acesso em: 05 jan. 2011.
  13. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Oncale v. Sundowner Offshore Services, Inc. (1998). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/96-568.ZO.html>. Acesso em: 06 jan. 2011.
  14. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Burlington Industries, Inc. v. Ellerth (1998). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/97-569.ZS.html>. Acesso em: 04 jan. 2011.
  15. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Faragher v. City of Boca Raton (1998). Disponível em: <http://www.nationalcenter.org/FaraghervBocaRaton98.html>. Acesso em: 03 jan. 2011.
Sobre os autores
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Débora Dadiani Dantas Cangussu

Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário UNIEURO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. "Sexual harassment".: Considerações sobre discriminação e assédio sexual no direito norte-americano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2749, 10 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18240. Acesso em: 22 nov. 2024.

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