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"Zero tolerance".

Efetividade da aplicação de políticas de tolerância zero nas escolas norte-americanas

Agenda 12/01/2011 às 11:23

A implantação de políticas de tolerância zero nos Estados Unidos teve início, em 1993, quando Rudolph Giuliani foi eleito Prefeito de Nova Iorque. Ao assumir o cargo, ele implantou uma política de segurança pública, que defendia a repressão rigorosa aos delitos de pequeno potencial ofensivo. Tal política ficou conhecida como "Zero Tolerance" (tolerância zero) e foi inspirada na chamada "Broken Windows Theory", que, em suma, estabelecia uma relação direta entre desordem e criminalidade. Além disso, a "teoria das janelas quebradas" defendia que a ênfase do policiamento deveria recair sobre os delitos de menor gravidade, para se evitar o incremento da atividade criminosa e o surgimento dos delitos mais graves. Na verdade, partia-se do pressuposto de que, ao não se reprimir os pequenos delitos, tais como, ao se deixar uma janela quebrada sem conserto, havia uma tendência natural de que mais janelas fossem quebradas, uma vez que a existência de uma janela quebrada sem conserto gerava o sentimento na comunidade de que ninguém se preocupava. [01]

A popularidade da política de tolerância zero no combate à criminalidade no estado de Nova Iorque ocasionou o surgimento de diversas outras modalidades de tolerância zero, tais como a "tolerância zero contra as drogas" e a "tolerância zero contra a violência nas escolas". Tais políticas foram alvos de diversas críticas. Particularmente, há uma enorme controvérsia sobre a utilização de políticas de tolerância zero nas escolas. Para tentar responder aos inúmeros questionamentos surgidos pela adoção dessas políticas, a Associação Americana de Psicologia reuniu uma força-tarefa para avaliar as evidências e fazer recomendações apropriadas sobre políticas de tolerância zero nas escolas e sua efetividade. Após uma revisão de literatura extensa, houve a constatação de que, na realidade, poucos estudos haviam sido realizados para analisar o real impacto estatístico das políticas de tolerância zero sobre a redução dos índices de violência escolar. [02]

Ademais, restou constatado que as políticas de tolerância zero nas escolas poderiam afetar, de forma negativa, a relação entre a educação e justiça e não se mostravam a melhor forma de se lidar com o desenvolvimento dos adolescentes. Além disso, a escola deveria ser um ambiente seguro para maximizar o aprendizado. Para que isso ocorra, há a necessidade de uma reforma nas políticas de tolerância zero nas escolas com o intuito de que somente sejam adotadas medidas severas contra as infrações graves e para que as políticas de tolerância zero nas escolas sejam gradualmente substituídas por uma política de segurança mais apropriada e justa. [03]

Também não se pode esquecer que há inúmeros relatos de abusos e injustiças cometidos na aplicação das políticas de tolerância zero nas escolas. Cabe mencionar o caso de Zachary Christie, que foi acusado de levar um canivete para a escola, que podia ser utilizado como faca, garfo ou colher. Zachary, que freqüentava o clube dos escoteiros na época, decidiu levar o canivete para fazer seu lanche na escola. Em razão disso, ele foi detido pelos seguranças da escola por violação da política de tolerância zero, com a alegação de que "portava uma arma em sala de aula". Também foi suspenso das atividades escolares e condenado a passar 45 (quarenta e cinco) dias numa espécie de reformatório municipal. [04]

A punição dada a Zachary Christie, aluno da 1ª série do ensino básico, deveu-se, em parte, pela adoção de políticas de tolerância zero nas escolas. Dessa forma, baseado num código de conduta extremamente rigoroso em relação à posse de facas, a escola não teve outra opção, a não ser punir Zachary Christie, uma vez que a posse de facas era punida com rigor, pouco importando a real intenção do aluno. [05]

Sendo assim, surgiram indagações no sentido de que as políticas de tolerância zero nas escolas não deixavam nenhuma margem de discricionariedade para os diretores das escolas. Mesmo assim, ainda se encontram diretores que defendem a tolerância zero nas escolas, com o argumento de que é difícil a distinção entre os alunos inocentes e os que podem representar uma ameaça para a escola. Por essa razão, eles sustentam a adoção de um código de conduta rigoroso e sem a mínima flexibilidade. [06]

Por outro lado, críticos das políticas de tolerância zero nas escolas afirmam que os alunos suspensos ou expulsos acabam sendo expostos a situações de risco, seja nas ruas, seja em reformatórios, o que pode prejudicar seu futuro e potencializar o surgimento de comportamentos agressivos e desajustados. Além disso, muitos estudos indicam que os alunos negros são inúmeras vezes mais suspensos e expulsos do que os alunos brancos pelas mesmas infrações cometidas. [07]

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No que tange aos casos de tolerância zero nas escolas, não se pode deixar de citar o caso de Mason Jammer, um aluno do jardim de infância que foi suspenso por fazer o gesto de um revólver com as mãos. Dessa maneira, percebe-se claramente que o excessivo rigor das políticas de tolerância zero nas escolas pode prejudicar o aprendizado dos estudantes e, até mesmo, traumatizar os alunos suspensos que, ao retornarem aos estudos, passam a ser vítimas de bullying ou ridicularizados pelos demais colegas. [08]

Cumpre ressaltar a existência de um interessante trabalho sobre a ineficiência das políticas de tolerância zero nas escolas. O referido estudo sustenta que essas políticas têm falhado, uma vez que há um enorme sentimento de insegurança nas escolas. Afirma-se, ainda, que a tolerância zero nas escolas teve origem na metade dos anos 1990 para combater a violência escolar. No entanto, essas políticas mostraram-se ineficientes, ao se esquecer que o objetivo primordial das escolas é garantir que as crianças recebam uma educação de alta qualidade num ambiente seguro, que estimule o crescimento acadêmico. Para se obter isso, precisa-se de segurança, mas também de justiça e bom senso. [09]

Cabe destacar que as políticas de tolerância zero nas escolas surgiram como resultado de uma Lei federal de 1994, que exigia que todos os estados que recebessem recursos federais para a educação tinham o dever de expulsar todos os estudantes que fossem encontrados com armas em sala de aula. Muitas escolas estaduais aproveitaram a legislação federal e foram além, ao expulsar alunos que proferiram palavrões, ou por mau comportamento, ou por trazerem medicamentos para as escolas. Para combater esses abusos, sustenta-se que as políticas de tolerância zero nas escolas devem estabelecer um código de conduta claro e objetivo com a descrição detalhada das infrações disciplinares e com punições adequadas e justas. Além disso, recomenda-se a contratação de seguranças escolares treinados e bem remunerados. Por fim, destaca-se que a alta ansiedade gerada pelo rigor da política de tolerância zero nas escolas gera um ambiente tenso e inadequado para o aprendizado. [10]

No que concerne às punições aplicadas pela política de tolerância zero nas escolas, é oportuno mencionar o caso de Lisa Smith. O caso teve início quando Lisa, uma estudante brilhante da 8ª série do ensino básico, violou a política de tolerância zero na escola, ao trazer uma garrafa de refrigerante com uma pequena quantidade de substância alcoólica para a escola. Em razão disso, a estudante veio a ser condenada sumariamente a cumprir uma punição alternativa de 05 (cinco) meses num reformatório com características militares ou a ser expulsa da escola. Também não se pode esquecer Shanon Coslet, aluna de 10 (dez) anos de idade, que foi expulsa da escola porque sua mãe colocou uma faca de cozinha em sua bolsa para cortar uma maça. Tais casos têm ridicularizado e arruinado a credibilidade das algumas escolas públicas norte-americanas. [11]

Em virtude de casos como o de Lisa Smith e Shanon Coslet, muitos críticos têm argumentado que as políticas de tolerância zero nas escolas são inflexíveis, duras e sem bom senso. Além disso, afirmam que as políticas de tolerância zero, muitas vezes, são incapazes de diferenciar bons alunos dos delinqüentes. Isso sem falar nos casos em que crianças foram expulsas das escolas por causa da posse de medicamentos, tais como Tylenol e remédios contra gripe e tosse. Ademais, não há nenhuma evidência estatística que comprove que a adoção de programas de tolerância zero nas escolas causa um impacto significativo na diminuição da violência no ambiente escolar. [12], [13]

Por outro lado, há de se fazer um contraponto. Entende-se que se deve combater a violência praticada nas escolas, entre as quais, o bullying merece especial destaque. Apenas a título ilustrativo, o bullying pode ser definido como a prática reiterada de qualquer expressão, gesto ou comportamento agressivo com a clara intenção de causar abalo físico ou emocional aos estudantes, professores ou funcionários de uma escola. [14]

Também não se pode ignorar que os Estados Unidos têm um infeliz histórico de ataques suicidas de estudantes, entre os quais, cabe lembrar o caso Columbine. A tragédia ocorreu em 20 de abril de 1999, quando 02 (dois) estudantes entraram na escola de Columbine e mataram 12 (doze) estudantes e um professor. Depois, os alunos, que estavam fortemente armados, cometeram suicídio. [15] Por fim, é também oportuno lembrar o caso Virginia Tech, em que um estudante suicida deixou um saldo lamentável de 33 (trinta e três) mortes. [16]

Por todo o exposto, verifica-se que há a necessidade da adoção de medidas para o controle da violência nas escolas. No entanto, entende-se que uma política de segurança escolar adequada não pode seguir a linha radical das políticas de tolerância zero adotadas nos Estados Unidos. Entende-se, salvo melhor juízo, que não se pode aceitar uma política de segurança que não seja baseada na justiça, na razoabilidade e no bom senso. Sem esses atributos, o radicalismo da tolerância zero a transforma numa verdadeira política de "inteligência zero". [17]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  1. CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões sobre o combate ao Bullying no direito brasileiro e norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/17501. Acesso em: 5 dez. 2011.
  2. CAUCHON, Dennis. Zero tolerance policies lack flexibility. USA Today. Disponível em: <http://www.usatoday.com/educate/ednews3.htm>. Acesso em: 2 jan. 2010.
  3. COSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a lei e a ordem. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
  4. HAUSER, Christine & O’CONNOR, Anahad. Virginia Tech Shooting Leaves 33 Dead. The NY Times. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2007/04/16/us/16cnd-shooting.html>. Acesso em: 15 dez. 2010.
  5. LAMB, Gina. Columbine High School. The NY Times. Disponível em: <http://topics.nytimes.com/top/reference/timestopics/organizations/c/columbine_high_school/index.html>. Acesso em: 12 dez. 2010.
  6. MCNEIL, Laura & DUNBAR JR, Christopher. Zero tolerance ineffective in schools. Disponível em: <http://news.msu.edu/story/7844/>. Acesso em: 29 dez. 2010.
  7. MCVICAR, Brian. Ionia kindergartner suspended for making gun with hand. Disponível em: <http://www.mlive.com/news/grand-rapids/index.ssf/2010/03/ionia_kindergartener_suspended.html>. Acesso em 27 dez. 2010.
  8. PARSONS, Dana. Tustin Schools' Zero Tolerance Adds Hypocrisy. LA Times. Disponível em: <http://articles.latimes.com/1999/oct/08/local/me-20198>. Acesso em: 18 dez. 2010.
  9. REYNOLDS CR, SKIBA, RJ, GRAHAM, S et al. Are Zero Tolerance Policies Effective in the Schools? An evidentiary review and recommendations. Disponível em: <http://psycnet.apa.org/journals/amp/63/9/852/>. Acesso em: 24 dez. 2010.
  10. RICHARDSON, Valerie. Zero tolerance=Zero Intelligence. Disponível em: <http://www.allsafedefense.com/news/Extremes/Zero%20Tolerance.htm>. Acesso em: 26 dez. 2010.
  11. URBINA, Ian. It’s a Fork, It’s a Spoon, It’s a Weapon? The NY Times. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2009/10/12/education/12discipline.html>. Acesso em: 12 dez 2010.

NOTAS:

  1. COSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a lei e a ordem. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 162.
  2. REYNOLDS CR, SKIBA, RJ, GRAHAM, S et al. Are Zero Tolerance Policies Effective in the Schools? An evidentiary review and recommendations. Disponível em: <http://psycnet.apa.org/journals/amp/63/9/852/>. Acesso em: 24 dez. 2010.
  3. REYNOLDS CR, SKIBA, RJ, GRAHAM, S et al.Are Zero Tolerance Policies Effective in the Schools? An evidentiary review and recommendations. Disponível em: <http://psycnet.apa.org/journals/amp/63/9/852/>. Acesso em: 24 dez. 2010.
  4. URBINA, Ian. It’s a Fork, It’s a Spoon, It’s a Weapon? The NY Times.Disponível em: <http://www.nytimes.com/2009/10/12/education/12discipline.html>. Acesso em: 12 dez. 2010.
  5. URBINA, Ian. It’s a Fork, It’s a Spoon, It’s a Weapon? The NY Times.Disponível em: <http://www.nytimes.com/2009/10/12/education/12discipline.html>. Acesso em: 12 dez. 2010.
  6. URBINA, Ian. It’s a Fork, It’s a Spoon, It’s a Weapon? The NY Times.Disponível em: <http://www.nytimes.com/2009/10/12/education/12discipline.html>. Acesso em: 12 dez. 2010.
  7. URBINA, Ian. It’s a Fork, It’s a Spoon, It’s a Weapon? The NY Times.Disponível em: <http://www.nytimes.com/2009/10/12/education/12discipline.html>. Acesso em: 12 dez. 2010.
  8. MCVICAR, Brian. Ionia kindergartner suspended for making gun with hand. Disponível em: <http://www.mlive.com/news/grand-rapids/index.ssf/2010/03/ionia_kindergartener_suspended.html>. Acesso em 27 dez. 2010.
  9. MCNEIL, Laura & DUNBAR JR, Christopher. Zero tolerance ineffective in schools. Disponível em: <http://news.msu.edu/story/7844/>. Acesso em: 29 dez. 2010.
  10. MCNEIL, Laura & DUNBAR JR, Christopher. Zero tolerance ineffective in schools. Disponível em: <http://news.msu.edu/story/7844/>. Acesso em: 29 dez. 2010.
  11. CAUCHON, Dennis. Zero tolerance policies lack flexibility. USA Today. Disponível em: <http://www.usatoday.com/educate/ednews3.htm>. Acesso em: 2 jan. 2010.
  12. CAUCHON, Dennis. Zero tolerance policies lack flexibility. USA Today. Disponível em: <http://www.usatoday.com/educate/ednews3.htm>. Acesso em: 2 jan. 2010.
  13. PARSONS, Dana. Tustin Schools' Zero Tolerance Adds Hypocrisy. Disponível em: <http://articles.latimes.com/1999/oct/08/local/me-20198>. LA Times. Acesso em: 18 dez. 2010.
  14. CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões sobre o combate ao Bullying no direito brasileiro e norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/17501. Acesso em: 5 dez. 2011.
  15. LAMB, Gina. Columbine High School. The NY Times. Disponível em: <http://topics.nytimes.com/top/reference/timestopics/organizations/c/columbine_high_school/index.html>. Acesso em: 12 dez. 2010.
  16. HAUSER, Christine & O’CONNOR, Anahad. Virginia Tech Shooting Leaves 33 Dead. The NY Times. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2007/04/16/us/16cnd-shooting.html>. Acesso em: 15 dez. 2010.
  17. RICHARDSON, Valerie. Zero tolerance=Zero Intelligence. Disponível em: <http://www.allsafedefense.com/news/Extremes/Zero%20Tolerance.htm>. Acesso em: 26 dez. 2010.
Sobre o autor
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele. "Zero tolerance".: Efetividade da aplicação de políticas de tolerância zero nas escolas norte-americanas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2751, 12 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18252. Acesso em: 22 dez. 2024.

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