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Presunção de enriquecimento ilícito na Lei de improbidade administrativa

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Agenda 02/03/2011 às 17:12

4 MORALIDADE, PROBIDADE E CORRUPÇÃO

A legitimidade do Estado Democrático de Direito impõe a proteção da moralidade e da probidade administrativa nos atos administrativos em geral, exaltando as regras de boa administração e extirpando da gerência dos negócios públicos os agentes que ostentam inabilitação moral para o exercício de funções e atividades públicas (MARTINS Jr., 2001).

4.1 Moralidade e Direito

As regras morais são construídas pelos costumes, portanto, o conceito de moralidade está diretamente relacionado ao convívio social, uma vez que, para viver em harmonia são estabelecidos determinados padrões de conduta a serem observados pelos que fazem parte de uma determinada sociedade.

Os valores definidos por uma sociedade em uma determinada época são estudados pela ética, regulados pela moral e instrumentalizados pela moralidade.

Este conjunto de valores, aceito pelo corpo social, traz consigo a noção de ética e assim torna-se parâmetro para a orientação do comportamento social, pois exprime o que a sociedade entende como correto. Estes parâmetros de conduta se justificam em razão de sua função: a busca do bem estar social num mundo ideal. Neste sentido, a moralidade tem como parâmetro o que a sociedade define e entende como correto, o que o consenso social manifesta como valores e, consequentemente, o conteúdo axiológico inserido no sistema jurídico.

Em relação a estes valores bem leciona David Lyons (apud RANGEL Jr., 2001, p. 12): "(...) os valores (como se diz) não descrevem o mundo; eles expressam nossos desejos, esperanças, vontades, atitudes, ou preferências. Eles representam a maneira como desejamos que o mundo seja, não como ele é".

A moralidade é a qualidade do que é moral, e pode ser definida, segundo Rangel Jr. (2001, p. 10) como "o conjunto de mecanismos viabilizadores da eficácia das regras morais".

O Direito traz em si o sentido de moralidade em razão de sua própria natureza, pois sua finalidade é buscar a pacificação social e, consequentemente, o bem estar coletivo. As normas jurídicas já trazem consigo os limites entre o individual e o coletivo.

No entender de Barboza (2002, p. 62):

O direito, como um fenômeno, um acontecer lingüístico-argumentativo, se abre e se remete à argumentação moral sempre que a fundamentação é exigida. Isso decorre das insuficiências técnicas da forma e da linguagem do direito bem como da pretensão de correção e da necessidade de legitimação que ele mantém no contexto da tradição da modernidade (...). Aliás, a positivação de conteúdos morais ocorre mediante o emprego de expressões (dignidade, sociedade justa, lealdade, boa-fé) que continuam cobrando sentido na argumentação moral.

Hans Kelsen, ao distinguir moral e direito, já considerava que ambos constituíam-se como ordens normativas distintas e sujeitas, em caso de violação, a sanções de naturezas distintas, além de serem objetos de estudo de ciências distintas, quais sejam: Ética e Direito.

Neste sentido, Rangel Jr. (2001, p. 28) destaca que "a moralidade no Direito é a sancionabilidade que os princípios, normas e institutos jurídicos indicam para limitarem-se a subjetividade, individual, e a objetividade, coletiva, a que não sejam arbitrárias uma com a outra".

Há que considerar que, quanto mais próximo o Direito estiver da moral, tanto mais metódica será a sociedade, pois a aprovação das regras jurídicas, pelos indivíduos, confere maiores e melhores resultados do que sua mera exigência repressiva.

4.2Moralidade administrativa

A moralidade administrativa distingue-se da moralidade comum, pois esta é gênero da qual aquela é espécie.

Entende Meirelles (apud BARBOZA, 2002, p. 106) que "enquanto a moral comum é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum".

No mesmo sentido é a doutrina de Delgado (2007):

A moralidade comum se baseia em um conjunto sistemático de normas que orientam o homem para a realização de seu fim. Isto é, o do homem realizar, pelo exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza. O caráter de generalidade posto na moralidade comum é o traço marcante diferenciador da moralidade administrativa. Esta, ao contrário da moralidade comum, implica, tão-somente, na necessidade de que os atos externos e públicos dos agentes detentores de poder e de atribuições sejam praticados de acordo com as exigências da moral e dos bons costumes, visando uma boa administração.

Por outro lado, a atividade pública deve observar as regras de boa administração voltada para o bem comum, deste modo, é evidente que também deve atender aos princípios ético-sociais. Segundo Brandão (1951, p. 454) é necessário que:

O exercício do senso moral com que cada homem é provido, a fim de usar retamente, - para o bem, entenda-se, - nas situações concretas trazidas pelo quotidiano, os poderes jurídicos e os meios técnicos; e, por outro lado, exige ainda que o referido bom uso seja feito em condições de não violar a própria ordem institucional, dentro da qual eles terão de atuar, o que implica, sem dúvida, uma sã noção do que a Administração e a função administrativa são.

O termo "moralidade administrativa" foi empregado pela primeira vez em 1917, por Maurice Hariou, membro do Conselho de Estado Francês, no julgamento de um caso concreto. Para este jurista, a referida expressão está diretamente relacionada à idéia de "boa administração", caracterizada pelo atendimento satisfatório do interesse coletivo tutelado pelas normas jurídicas e com fundamento no combate ao desvio de poder, como forma de limitar a discricionariedade administrativa, relacionando a conduta do agente aos fins previstos por sua própria função.

A noção de moralidade administrativa encontra-se inserida nos valores que regulam a vida em sociedade, mas, por sua vez, abrange somente aqueles que dizem respeito à Administração pública e ao interesse coletivo. Assim, os valores éticos figuram como limitadores da arbitrariedade administrativa.

O conceito de moralidade é inerente à função administrativa, pois esta tutela os interesses sociais e, como bem observa Fazzio Jr. (2008, p. 15), "interesse social sem moral social é conceito vazio".

No Brasil, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a maior parte da doutrina entendia a moralidade como conceito integrado ao princípio da legalidade, no entanto, este entendimento foi perdendo força, pois não é apenas a lei que define o que é ou não moral; o Direito também está sujeito à moral crítica.

Assim, o princípio da moralidade, na Administração pública, adquiriu o status de principio autônomo ao exigir do agente público qualidades essenciais, tais como: lealdade e boa-fé para com a sociedade, aspectos estes que dizem respeito à ação interior do homem. Também incorporou a idéia de finalidade pública, através da apreciação dos motivos e do objeto do ato pretendido pelo agente público.

Segundo o entendimento de Delgado (2007):

A moralidade tem a função de limitar a atividade da Administração. Exige-se, com base nos postulados, que a forma, que o atuar dos agentes públicos atenda a uma dupla necessidade: a de justiça para os cidadãos e de eficiência para a própria administração, a fim de que se consagrem os efeitos-fins do ato administrativo consagrados no alcance da imposição do bem comum. Não satisfaz às aspirações da Nação a atuação do Estado de modo compatível só com a mera ordem legal. Exige-se muito mais. Necessário se torna que a Administração da coisa pública obedeça a determinados princípios que conduzam à valorização da dignidade humana, ao respeito à cidadania e à construção de uma sociedade justa e solidária.

Com o passar do tempo, o entendimento acerca do conceito e alcance do princípio em questão foi se delineando e, nos dias atuais, passou a ser visto como princípio informador de todos os outros princípios, além de estar implicitamente presente em todas as regras positivadas, pois é responsável pelo "preenchimento" das lacunas da lei.

Se a lei for omissa, a moralidade surge para auxiliar em sua interpretação, bastando somente que, diante de determinadas questões seja feita a seguinte indagação: é de interesse público? O ato é imparcial? Se a resposta for positiva o ato é moral e, se negativa, imoral.

"O princípio da moralidade vai corresponder ao conjunto de regras de conduta da Administração que, em determinado ordenamento jurídico, são consideradas os standards comportamentais que a sociedade deseja e espera" (FIGUEIREDO, 2001, p. 45).

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A mesma autora acrescenta que:

A moralidade administrativa é pois, princípio jurídico que se espraia num conjunto de normas definidoras dos comportamentos éticos do agente público, cuja atuação se volta a um fim legalmente delimitado, em conformidade com a razão de Direito exposta no sistema normativo (FIGUEIREDO,2001, p. 45).

Rocha (1994, p. 191) considera extremamente importante a observação deste princípio para que seja realizada justiça:

[...] a moralidade administrativa não é uma questão que interessa prioritariamente ao administrador público: mais que a este, interessa ela prioritariamente ao cidadão, a toda a sociedade. A ruptura ou afronta a este princípio, que transpareça em qualquer comportamento público, agride o sentimento de Justiça de um povo e coloca sob o brasão da desconfiança não apenas o ato praticado pelo agente, e que configure um comportamento imoral, mas a Administração Pública e o próprio Estado, que se vê questionado em sua própria justificativa.

E, na sequência, a mesma autora conclui:

A moralidade administrativa tornou-se não apenas Direito, mas direito público subjetivo do cidadão: todo cidadão tem direito ao governo honesto. O intervencionismo do Estado na ordem econômica e sua presença constante na ordem social impuseram que a operacionalização de suas novas atividades se comportasse segundo valores éticos coerentes com a definição moral da sociedade (ROCHA, 1994, p. 191).

Outros colocam a moralidade acima, até mesmo, dos demais princípios, como Martins Jr. (2001, p. 31):

O enfoque principal é dado ao princípio da moralidade na medida em que ele se constitui verdadeiro superprincípio informador dos demais (ou um princípio dos princípios), não se podendo reduzi-lo a mero integrante do princípio da legalidade. Isso proporciona, porém destituído do necessário elemento moral. A moralidade administrativa tem relevo singular e é o mais importante desses princípios, porque é pressuposto informativo dos demais (legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação), muito embora devam coexistir no ato administrativo.

No mesmo sentido é preleciona Barboza (2002, p. 142):

O princípio da moralidade administrativa se coloca, em nosso sistema, como um superprincípio, que manifesta a substância do regime jurídico administrativo, iluminando-o e reforçando-o. Mas se coloca, igualmente, por outro lado, como um princípio autônomo, a exigir da Administração Pública um comportamento ético.

Consoante com o entendimento jurisprudencial, Rocha (1994, p. 213) observa que:

O princípio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. Assim, o que se exige, no sistema de *estado democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa.

Assim, entende-se que, como todo princípio, a moralidade não necessita ser positivada, pois se assim o fosse, as condutas ofensivas a estas normas passariam a ferir o princípio da legalidade, como ressalta Martins Jr. (2001, p. 35):

O princípio da moralidade administrativa não precisa ter seu conteúdo definido ou explicado por regra expressa em lei. Ele se estabelece objetivamente a partir do confronto do ato administrativo (desde a pesquisa de seus requisitos, com destaque ao motivo, ao objeto e à finalidade, até a produção de seus efeitos, ou seja, perquirindo-se a validade e a eficácia) ou da conduta do agente com as regras éticas tiradas da disciplina interna da Administração (e que obrigam sempre ao alcance do bem comum, do interesse público), em que se deve fixar uma linha divisória entre o justo e o injusto, o moral e o imoral (e também o amoral), o honesto e o desonesto.

Resta demonstrado então, que o Direito tem buscado se pautar no caráter ético da conduta administrativa. Esse fenômeno tem se destacado quando os julgadores fazem referência aos princípios morais para fundamentar suas decisões, mostrando assim, uma visão valorativa das relações jurídicas.

Nesta acepção, o princípio deixa de ser apenas informador do caráter axiológico para adquirir força normativa vinculante, aplicável ao caso concreto.

4.3 Probidade Administrativa

A palavra probidade é originária do latim probus, que significa crescer retilíneo, termo que era aplicado às plantas. Em sentido moral traduz o sentido de honestidade, honradez e integridade de caráter.

No entanto, na seara administrativa, revela a idéia de honestidade e competência no exercício da função administrativa.

A honestidade, assim, expressa uma forma de a subjetividade individual não prevalecer sobre a objetividade coletiva, uma predisposição de, no mínimo, não causar prejuízo a outrem.

O princípio da probidade significa a retidão no trato da res pública, sob pena de o agente público incorrer nas sanções cabíveis e ainda, na proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios, incentivos ou subvenções.

A probidade administrativa, enquanto princípio, segundo Martins Jr. (2001, p. 101) "colabora para o direito administrativo na diminuição da insindicabilidade do ato administrativo discricionário", pois veda os atos desleais praticados contra a Administração Pública. Neste sentido, a probidade é expressão da moralidade institucional, uma vez que cuida das situações que as arbitrariedades vitimizam o próprio Estado.

Por sua vez, o dever de probidade exige que o agente público execute uma "boa" administração e aja com decência, fazendo valer a relação de confiança inerente à relação entre ele e o Estado.

Para Mukai (apud FAZZIO Jr., 2008, p. 39):

O dever de probidade ou de honestidade no trato da coisa decorre do dever constitucional de agir conforme os princípios da moral na Administração Pública, isto é, com boa-fé, fidelidade à verdade, respeito a toda pessoa humana, sem causar danos a quem quer que seja, sem dilapidar o patrimônio público, sem usar do cargo ou função apenas para benefício próprio ou extrair vantagens egoísticas.

Em conseqüência dos aspectos decorrentes deste dever, impõe-se ao agente público, segundo Caetano (apud, MARTINS Jr, 2001, p. 106), "uma conduta de absoluta isenção, de modo a que não seja suspeito de prevaricar, de deixar-se corromper ou de por outro modo ser infiel à entidade servida".

A probidade desempenha papel garantidor dos princípios que norteiam a atividade administrativa e está intrinsecamente ligada à moralidade administrativa, de forma que, em consequência disso, assume uma "função instrumentalizadora da moralidade administrativa e, no aspecto repressivo, significa a imoralidade administrativa qualificada ou agravada pelo resultado" (MARTINS JR., 2001, p. 111).

Esse resultado pode significar a ofensa a qualquer dos demais princípios administrativos explícitos ou implícitos que se encontram no ordenamento jurídico pátrio.

Quanto à relação entre probidade e moralidade, há aqueles que entendem estar aquela inserida nesta, a exemplo de Figueiredo (apud FERNANDES, 1997):

Entendemos que a probidade é espécie do gênero moralidade administrativa a que alude, v.g., do artigo 37, caput e seu § 4º da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao principio maior da moralidade administrativa, verdadeiro norte à administração em todas as suas manifestações. Se correta estiver a analise, podemos associar como o faz a moderna doutrina do direito administrativo, os atos atentatórios à probidade como também atentatório á moralidade administrativa. Não estamos a afirmar que ambos os conceitos são idênticos. Ao contrário, a probidade é peculiar e especifico aspecto da moralidade administrativa.

Por sua vez, outros entendem que a moralidade é espécie de improbidade, como o faz Fernandes (1997):

De nossa parte, divergindo dos que assim pensam, entendemos: a) moralidade e probidade administrativas são noções bem claramente distintas, que se não podem confundir ante os textos legais que, a partir da Constituição Federal, a elas se referem; b) por esses mesmos textos, é forçoso reconhecer, que a probidade é que é gênero, do qual a moralidade é espécie, haja vista a maior amplitude e o maior alcance emprestados à primeira, pela Constituição Federal e pela legislação ordinária.

Uma análise sistemática do ordenamento pátrio permite concluir que, como princípios, tanto a moralidade quanto a probidade têm o mesmo sentido, qual seja: a honestidade para com a Administração Pública.

Como termos independentes, a maior parte da doutrina entende que a moralidade está inserida no conceito de probidade, pois, a exemplo da Lei 8.429/92, a violação à moralidade administrativa configura uma das espécies de ato ímprobo.

Nessa esteira, todo ato imoral é também ímprobo, todavia, o inverso, em regra, não o seria, como preleciona Fernandes (1997): "Em suma, podemos dizer que todo ato contrário à moralidade administrativa é ato configurador de improbidade. Porém, nem todo ato de improbidade administrativa representa violação à moralidade administrativa".

Importa, no entanto, destacar que tanto o dever de probidade, quanto o de moralidade, mesmo tendo natureza jurídica diversa, devem ser sempre observados, pois são inerentes ao desempenho de qualquer função ou atividade pública.

4.4 A corrupção no Brasil

Já dizia o Barão deMontesquieu: "A corrupçãodosgovernantes quase sempre começacoma corrupçãodos seus princípios."

A partir da afirmação acima é possível concluir que a corrupção está relacionada à inobservância do conteúdo principiológico que rege todo o sistema normativo de um Estado.

O termo "corrupção" é derivado do latim corruptione, que significa corrompimento, deterioração, decomposição, depravação, suborno, enfim expressa uma conduta que rompe com o código moral ou social vigente numa sociedade, em determinada época, e representa um problema relacionado ao desvio ético da conduta de um indivíduo.

Neste sentido a corrupção pode ser definida como o emprego do poder ou da autoridade com objetivo de auferir vantagens pessoais, atitudes estas que se fazem presentes no exercício do monopólio estatal e no poder discricionário do Estado.

Ao abordar o tema, Filgueiras (2009) destaca que:

A corrupção, dessa forma, pode ser compreendida levando-se em consideração aspectos morais que estão pressupostos na prática social ordinária. É fundamental considerar os aspectos normativos envolvidos no tema da corrupção e o modo como a construção de sua significação social depende de valores que circulam no plano da sociedade (...). Por esse postulado, a corrupção deve ser analisada em uma dimensão sistêmica que considere, de um lado, a existência de valores e normas que tenham uma conformação moral e, de outro lado, a prática social realizada no âmbito do cotidiano de sociedades.

Para determinar o que é ou não corrupção faz-se necessário ter como ponto de partida os valores pré-concebidos pela sociedade no plano moral. Por conseguinte, a análise do tema é delineada pelo conteúdo normativo de moralidade, a partir do que é feito acerca de uma determinada ação.

Os sintomas da corrupção são observados, segundo Filgueiras (2009), "quando perdemos os valores fundamentais e uma concepção mínima de bem comum que fundam a comunidade".

No Brasil, existem duas principais correntes de pensamento que tratam da origem da corrupção: a primeira parte do pressuposto de que a corrupção brasileira é uma herança do patrimonialismo ibérico, a segunda vê a ausência de uma história feudal como elemento justificador da ausência de separação clara entre as esferas pública e privada.

A colonização brasileira, diferente da norte-americana, tinha como característica o extrativismo, peculiaridade esta que despertava a cobiça e levava à prática da corrupção. Assim, retroceder na história e buscar as raízes do problema é um importante exercício para entender o porquê de a corrupção ser tão latente no Brasil, vez que o Direito não está alienado em relação a essa realidade.

Os primeiros lusitanos que aqui aportaram trouxeram consigo seus hábitos de convívio com a realeza, assim serviam-se da função pública para acumular fortuna pessoal de forma a lesar a Coroa, sem constrangimento algum. Não tinham intenção de aqui se fixar para trabalhar na terra, pois isto, na época, era uma condição considerada mais apropriada a escravos e não a homens livres.

Uma das práticas que os que aqui habitavam tinham como hábito era a obtenção de vantagens pessoais em detrimento do bem-estar coletivo, como observa Habib (1994, p. 11):

O código moral da época da colonização era nenhum, não havia dignidades preestabelecidas nem valores de princípio (...). Implantava-se desde essa época a lei da vantagem, que passaria a fazer parte da cultura brasileira, e que, em vários momentos de nossa história, teria aplicação, conquanto condenável.

Nesse contexto, não havia compromisso algum com a ordem pública e a ética; cada um que aqui chegava tinha como objetivo enriquecer rapidamente para voltar à terra natal, aproveitando-se do desinteresse da Coroa em estabelecer uma organização político-administrativa na colônia.

O governo português controlava todo o comércio de riquezas extraídas da Colônia, mas, em razão da distância, muitos dos que aqui estavam viam na oportunidade uma forma de burlar a fiscalização para auferir vantagens, como registra Biason (2010):

O caso mais freqüente era de funcionários públicos, encarregados de fiscalizar o contrabando e outras transgressões contra a coroa portuguesa e ao invés de cumprirem suas funções, acabavam praticando o comércio ilegal de produtos brasileiros como pau-brasil, especiarias, tabaco, ouro e diamante. Cabe ressaltar que tais produtos somente poderiam ser comercializados com autorização especial do rei, mas acabavam nas mãos dos contrabandistas. Portugal por sua vez se furtava em resolver os assuntos ligados ao contrabando e a propina, pois estava mais interessado em manter os rendimentos significativos da camada aristocrática do que alimentar um sistema de empreendimentos produtivos através do controle dessas práticas (BIASON, 2010).

Em relação à cultura de obtenção de vantagens Habib (1994, p. 20) leciona que:

É que, ao contrário de outras monarquias – a inglesa, v.g. – não era de nossa tradição a existência de uma realeza, com genealogia puramente brasileira, resultando a concessão de títulos honoríficos, as mais das vezes, numa oportunidade para a obtenção de vantagens do servidor público, do comerciante, do magistrado (que também é servidor público), etc., o que, frequentemente, gerava pronunciamentos acalorados na câmara dos deputados.

Com a proclamação da independência, em 1822, e a instauração da República no Brasil, as práticas corruptas passaram a adquirir outras formas, tais como: corrupção política e de concessão de obras públicas. No entanto, uma das características comumente observadas em todos os períodos da História é a tolerância às práticas corruptas, num ponto de vista em que o Estado torna-se uma extensão do próprio sujeito, e não uma nação em que o interesse coletivo vem à frente de todos os demais interesses.

A tolerância à corrupção é produto da contradição do brasileiro em relação a valores e práticas sociais. Segundo Filgueiras (2009), "o brasileiro, de um modo geral, pensa as questões do interesse público e da coisa pública associados ao Estado e não à sociedade ou comunidade".

As diversas concepções de corrupção são elencadas por Mendieta (apud SANTOS, 2001, p. 107-108):

Em primeiro lugar, existem as definições vinculadas ao abuso de cargo público e ao descumprimento de normas jurídicas por parte dos agentes públicos. Sob esse ângulo, corrupta seria toda conduta do agente público que, no exercício das suas funções, se desvia das obrigações juridicamente postas, para satisfazer interesse privado, em troca de benefícios pecuniários ou de situações favoráveis. Existem também definições baseadas numa análise econômica da corrupção, pois corrupto seria o funcionário que utiliza seu cargo como negócio, em busca de maximizar resultados; quanto maior a demanda do público, maiores serão seus ganhos. Em terceiro lugar, vêm as definições baseadas no interesse geral e que, por conta disso, precisam ser vistas com bastante sutileza. O agente público é corrupto quando, em razão de vantagens financeiras ou de outra ordem legalmente inadmitidas, favorece os seus protetores, ainda que implementando programas de política pública que vão aproveitar a parcela significativa da sociedade. Por fim, alguns autores repelem uma definição pronta e acabada de corrupção, argumentando que o conceito deve ser formulado a partir de uma análise histórica e sociológica, sendo certo que os critérios utilizados pelos ingleses ou americanos para examinar o fenômeno da corrupção poderão mostrar-se insuficientes ou supérfluos para analisar o tráfico de influência nos países africanos, por exemplo: ressaltando-se, por igual, que condutas atualmente consideradas corruptas já foram aceitas e defendidas. Essa última forma de apreciação da corrupção leva os autores a falar em corrupção negra, cinza e branca. A negra inclui todas as condutas condenadas tanto pelas elites como pelos cidadãos comuns; a cinza corresponde às situações ambíguas ou duvidosas, sobre as quais não há consenso, ou seja, que podem ser condenadas pela elite e aprovadas pelo povo, ou vice-versa; a corrupção branca é tolerada pelo conjunto da sociedade, não recebendo oposição cerrada. Dependendo do momento histórico um caso de corrupção branca pode passar a ser cinza ou negra (MENDIETA, apud SANTOS, 2001, p. 107-108, grifo nosso).

No mundo contemporâneo, a corrupção é um mal que afeta o Estado Democrático de Direito, portanto é assunto constantemente debatido pelas organizações internacionais.

Segundo o economista North (apud PEREIRA, 2005):

Podemos afirmar, portanto, que a corrupção surge como um dos delitos mais característicos do mundo globalizado. Foi esse fenômeno que levou os órgãos supranacionais a criarem nos últimos tempos diversos instrumentos, com a finalidade de estabelecerem estratégias comuns nesse campo. No âmbito europeu, por exemplo, destacam-se as diversas iniciativas da União Européia (UE) e o Convênio do Conselho da Europa Contra a Corrupção, de 27/1/1999. As práticas de corrupção, portanto, não são privativas dos países em desenvolvimento, visto que elas se encontram arraigadas, em maior ou menor grau, também nos países desenvolvidos. A diferença está na origem da corrupção e na dimensão do problema. Nos países desenvolvidos, a corrupção decorre de falhas nos sistemas democráticos, enquanto nos países em desenvolvimento a corrupção surge em decorrência das debilidades das instituições.

A Transparência Internacional, órgão que se dedica ao estudo da corrupção, publica anualmente um índice de percepção da corrupção que abrange cerca de 130 países. Aqueles que recebem maior pontuação no índice de percepção da corrupção têm menor índice de corrupção percebida na nação.

Segundo o ranking divulgado pela instituição em 2010, o Brasil ocupa atualmente a 69ª colocação, com índice de 3,7; ao lado de países como Cuba, Montenegro e Romênia. No ano passado, o país apareceu na posição de número 75 da classificação criada pela organização não governamental. Este índice mostra a percepção do grau de corrupção e vai de zero, considerado o índice máximo de corrupção, a 10, nota máxima da transparência.

Dinamarca, Nova Zelândia e Cingapura dividem a primeira posição com índice de 9,3; seguidos por Finlândia e Suécia, enquanto Iraque, Afeganistão, Mianmar e Somália ocupam as últimas posições. Na América Latina, o Chile é o melhor país, na 21ª posição, seguido por Uruguai (24ª), Porto Rico (33ª) e Costa Rica (41ª).

Para Habib (1994, p. 26):

A corrupção não é sinal característico de nenhum regime, de nenhuma forma de governo, mas decorrência natural do afrouxamento moral, da desordem e da degradação dos costumes, do sentimento de impunidade e da desenfreada cobiça por bens materiais, da preterição da ética e do exercício reiterado e persistente da virtude, substituindo-se pelas práticas consumistas e imediatistas tão caras ao hedonismo.

A corrupção é um mal universal, mas que, no Brasil, foi construída de tal modo que a sociedade passou a tolerá-la como prática corriqueira e a certeza da impunidade acabou por tornar-se um atrativo para pessoas oportunistas e sem compromisso algum com a moral e a ética. Neste sentido, a corrupção no Brasil encontra-se tão aferrada que, parece até mesmo, fazer parte de sua cultura.

Martins Jr. (2001, p. 2) descreve essa tolerância da sociedade em relação à cultura da improbidade:

Essa cultura da improbidade foi fomentada, anos e anos, não só com o incentivo passivo da própria população espoliada [...] como, também, com a confortável impunidade dos autores dos maiores atentados à moralidade que deve presidir os negócios públicos. [...] Tão arraigada na cultura popular brasileira, produziu uma imagem do malbaratamento da coisa pública como regular alicerce do próprio Estado.

Adiante, o mesmo autor, complementa que:

Na essência, a cultura da improbidade atribuiu ao patrimônio público, isto é, aos bens, direitos e interesses e valores materiais e morais da sociedade, uma absurda condição de res nullius ou quiçá de res dereclita, quando em verdade se trata de incontestável res omnius. [...] Por isso, a adoção de um sistema composto de meios eficientes para salutar prevenção e exemplar punição dos culpados nas mais variadas instâncias é providência útil para a sagração da credibilidade da democracia e da confiança nas instituições, de forma a remodelar na sociedade brasileira um grau de respeito à coisa pública (MARTINS Jr., 2001, p.10).

O combate à corrupção deve ser permanente, pois a busca pela transparência exige a criação de instituições capazes de controlar o uso dos bens públicos e garantir a moralidade administrativa. Nesse sentido, revela-se de suma importância o reconhecimento de que atitudes ilegais e ou imorais desrespeitam os princípios e as instituições democráticas.

Neste contexto, a Lei de Improbidade Administrativa é um importante instrumento de combate à corrupção que ocorre em todas as esferas do governo. Para tanto, sua correta interpretação é fundamental para que seja aplicada de maneira eficaz.

Sobre a autora
Karline dos Santos Nascimento Paié

Funcionária pública. Licenciada em Pedagogia. Bacharel em Direito. Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil. Bacharelanda em Administração Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIÉ, Karline Santos Nascimento. Presunção de enriquecimento ilícito na Lei de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2800, 2 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18607. Acesso em: 23 dez. 2024.

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