3. O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Após verificado o contexto de direito ambiental, fundamental de terceira geral, e ainda subjetivo público, tentaremos configurar a preponderância do desenvolvimento sustentável como direito fundamental próprio e não como mero princípio do primeiro.
Isso decorre, pelo fato dos direitos fudamentais não serem estáticos [140], vez que dependem da época e, até mesmo, da situação em que se encontram. Eles variam tanto no espaço como no tempo, surgindo daí a origem da expressão "proteção dinâmica dos direitos fundamentais", utilizada no Tribunal Constitucional Federal Alemão, o que corresponde a uma tutela flexível, móvel e aberta. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é necessariamente fundamental em outras épocas e em outras culturas.
Importante que se diga que independente da nomenclatura, ou da natureza jurídica dada ao desenvolvimento sustentável, tanto sua origem, como seu objeto não sofrem alterações. Ele procura conciliar no plano político, o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental.
O direito ao desenvolvimento [141] previsto na Resolução 41/128 de 04/12/1986, pela Assembléia Geral da ONU é considerado um direito humano inalienável, o qual pretende reforçar e aprofundar todos os demais direitos humanos. É a partir dele que a pessoa humana deixará de ser vista como fator de produção, tornando-se o sujeito central no processo de desenvolvimento [142].
Precisamente aí que reside a contradição entre o modelo atual de capitalismo e o desenvolvimento sustentável, o espaço ocupado pelo ser humano, como fim ou como meio da atuação econômica, respectivamente. Na década de 90, houveram vários fatos marcantes em termos de elevação do desenvolvimento sustentável à condição de direito. Citamos como exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que promoveu vários debates sobre a questão, entre estes o ocorrido em 1992, quando se realizou a Declaração do Rio, voltando a proclamar o direito ao desenvolvimento. Já em 1993, realizou-se a Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, na qual o direito ao desenvolvimento ocupou lugar privilegiado [143]. Além disso, pode-se destacar, em 1994, na Cidade do Cairo, a Conferência Internacional Sobre População e Desenvolvimento e, no ano seguinte, em Copenhague, a Cúpula sobre o Desenvolvimento Social.
Instituições e estratégias incorporam uma responsabilidade alargada. Esta pode ser construída na base de direitos das gerações futuras – direito sem sujeito (trata-se de um novo titular de direitos, o sujeito-geração), de deveres de hoje sem reciprocidade em direitos de amanhã ou de meros interesses das gerações futuras.
Assim, como já abordado em outros estudos [144], percebemos que o direito ao desenvolvimento [145], sendo um direito de meio e mais, pertecendo aos direitos subjetivos [146], consegue estabelecer a ligação entre o respeito à dignidade da pessoa humana e a promoção dos direitos do homem e da justiça social.
O direito ao desenvolvimento leva também em consideração a característica da indivisibilidade e da inter-relação dos direitos humanos, visto que uma categoria não é mais importante do que a outra, devendo haver, entre elas, complementaridade para reforçar os direitos humanos reconhecidos.
O desenvolvimento sustentável enfatiza a abordagem conjunta do direito ao desenvolvimento, como um direito humano, e do direito ao meio-ambiente, constituindo um importante instrumento para denunciar e substituir o modelo de desenvolvimento fundamentado exclusivamente no desenvolvimento econômico. Esse, além de ser injusto, social, ecológica e politicamente, é incapaz de persistir por muito tempo, sob pena de correr-se o risco de esgotamento dos recursos naturais. Somente a sustentabilidade permite colocar em prática o núcleo constitucional, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
Na própria conceituação deste direito a sustentabilidade se faz presente, uma vez que compreende a satisfação de necessidades econômicas, políticas, sociais e culturais indispensáveis à dignidade da pessoa humana e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. Por isso, o crescimento econômico deve ser entendido como, simplesmente, um meio para alcançar o desenvolvimento humano. Caso contrário, ocorrerá o desenvolvimento desequilibrado, erigido sob falsas estruturas que, inevitavelmente, desmoronarão, como vem ocorrendo nos dias atuais. Vale apontar que a própria ONU abandonou o conceito de desenvolvimento econômico.
Assim, uma das formas de resgatar as promessas não cumpridas (liberdade, igualdade e fraternidade), seria processar o desenvolvimento de maneira sustentável, por essa razão importa aprofundar a sua discussão conceitual. Para isso, ousamos estabelecer que o direito ao desenvolvimento sustentável, como direito fundamental subjetivo, possuindo característica de transindividual, possui natureza indivisível, sendo também de interesse difuso [147].
3.1 Base legal
3.1.1 Constituição da República Portuguesa
Sabemos que a classificação feita na Carta Maior estabelece que os direitos e garantias fundamentais elencados parte I, estando divididos como gênero em direitos e deveres fundamentais. E como espécie em direitos, liberdade e garantias e direitos e deveres económicos, sociais e culturais. Eles integram a essência do modelo estatal constitucionalmente positivado, constituindo o elemento nuclear da Constituição material.
Vigora em terras lusitanas, uma verdadeira "constituição ambiental" [148], tendo em vista o número e a importância das normas jurídico-constitucionais destinados a tutela do ambiente. Tal Carta ordena uma obrigação de tutela ou dever de proteção a cargo do Estado configurando os direitos fundamentais [149] como fins da atividade público-estadual na qual se compreendem as condições de exercício desses direitos e liberdades jusfundamentais, o que também ocorre com o direito ao desenvolvimento. Os direitos, liberdades e garantias são um conjunto de garantias estabelecidas pelo legislador constituinte para serem postas à serviço da autonomia e do livre desenvolvimento das pessoas na sociedade política [150].
E para que obtenhamos êxito neste tópico, inescusável é que atentemos ao fato de que o princípio fundamental da ordem jurídica dos direitos fundamentais não é o do postulado da unidade dos direitos e deveres fundamentais, mas o da prevalência dos direitos fundamentais sobre os deveres fundamentais [151].
Um dos aspectos em que o Estado de Direito [152] Democrático, como menciona o art. 2º [153] da Constituição da República Portuguesa, se baseia é no respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais . Além disso ser a base do atual Estado, é também considerado uma tarefa do mesmo, tendo em vista o positivado no art. 9º, b [154].
Ainda, no ordenamento jurídico em questão, o ambiente foi acolhido sob duas formas, sendo um fim do Estado, conforme o art 9 [155], "d" e "e" visando não apenas a abstenção do Estado como provocador de danos como lhe impõe uma atitude positiva na promoção do ambiente. E também como um direito fundamental, tendo em vista o positivado no art 66, nº 1 [156], o qual deve ser relacionado com o direito à tutela judicial efetiva.
Esta dimensão torna o direito ao ambiente um direito subjetivo fundamental, o que se torna claro com o art 52º, 3 [157]. Há quem sustente que inicialmente, o direito ao ambiente não parecia ser um direito fundamental de natureza análoga [158] e que o dever de defender o ambiente não parece decorrer da estrutura de direito negativo, pois nesse caso, não se justificaria a parte final do nº 1 do 66.
O legislador português adotou uma visão ampla de ambiente o que gera contradições, pois segundo alguns, a epígrafe possui uma visão antropocêntrica e no nº 1 e 2 ecocêntrica [159]. Após a revisão constitucional de 1997 com o acréscimo da alínea "d" é que houve um antropocentrismo alargado [160].
O ambiente é um bem susceptível de aproveitamento para satisfazer necessidades e comodidades do homem, mas deve ser preservado mais do que consumido. Não há dúvidas que a Constituição da República Portuguesa classifique o direito ao ambiente como um direito fundamental, autónomo relativamente a outros direitos como o direito à vida, à saúde por exemplo. A lei de bases do ambiente supre qualquer dúvida com relação a Portugal existir um verdadeiro direito subjetivo ao ambiente.
Assim, após referirmos sobre direitos fundamentais, direito do ambiente, avançamos demonstrando que há vários dispositivos dentro da Carta Portuguesa que referem-se ao desenvolvimento. Portugal reconhece, desde logo, o direito dos povos e ao desenvolvimento e empenha-se para a obtenção do progresso econômico [161]. Tal assunto também é tratado como um direito aos trabalhadores [162]. Seguindo a ordem apresentação por esta Constituição o direito à proteção da saúde necessita de condições económicas, sociais, culturais e ambientais, o que coincidentemente ou não, referem-se as dimensões de sustentabilidades presentes no conceito de desenvolvimento sustentável [163].
Como sustentado por SOUZA E ALEXANDRINO [164] a expressão "o quadro de desenvolvimento sustentável" é apenas um meio para assegurar o direito do ambiente. Sendo um meio, e este satisfazendo os requisitos de um direito subjetivo público, podemos considerá-lo com um direito de meio no sentido de dar eficácia ao direito do ambiente, e mais como um direito fim, no sentido de conseguir dar significado efetivo ao valor axiológico da dignidade da pessoa humana.
Observamos que, como sempre a linguagem literal portuguesa prevalece à brasileira, vez que neste diploma legal há de forma expressa (art. 66) a designação do "desenvovlimento sustentável [165]". No nº 2 ela aparece, mas sem qualquer definição. Já alínea "d" do mesmo artigo, determina as formas pelas quais deve ocorrer e parece haver uma confusão com o princípio da solidariedade entre as gerações.
Outro fator a ser considerado é o fato da ligação entre desenvolvimento sustentável e ordem econômica (art. 81), a qual será vista posteriormente, e que não pode ser observado no Brasil.
3.1.2 Constituição da República Federativa do Brasil
Na Constituição Federal de 1988, a qual teve como inspiração a Constituição da República Portuguesa de 1976, motivo pelo qual foi tratada de forma secundária, o desenvolvimento é um objetivo e não uma tarefa do Estado. O problema que suscita é que em nenhum momento este diploma menciona como é que tal desenvolvimento deverá ocorrer!
No título I onde trata acerca dos princípios fundamentais, o art. 3º [166] determina que o desenvolvimento nacional é objetivo fundamental da República Federativa Brasileira. No Título VII acerca da ordem econômica financeira, no seu primeiro capítulo (art. 170º [167]) há um dos princípios gerais da atividade económica, acerca da defesa do meio ambiente. No próximo título referente à ordem social, há capítulo específico do meio ambiente onde o primeiro dos seus artigos o define (art. 225º [168]).
O desenvolvimento é direito fundamental elevado a constituição de objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. Percebe-se que não há uma classificação excludente ou uma locução alternativa.
4.ORDENS ECONÔMICAS
Antes de prosseguirmos com o estudo, necessário justificar o por que da escolha pela ordem econômica e não da organização do poder político (outra forma de organização encontrada na CRP) nem da organização política-administrativa, organização dos poderes, da nem ordem financeira, muito menos da social (como aparecem contempladas na CFB), assim como toda e qualquer ordem implícita nestes diplomas, cultural, por exemplo.
Embora poder-se-ia analisar cada dimensão da sustentabilidade com cada tipologia de ordem jurídica, o assunto seria demasiado amplo para um relatório. Ademais, a organização econômica que rege o modelo atual, onde prevalece o individualismo, é que mais se opõem aos princípios do desenvolvimento sustentável, marcado pela solidariedade. E por fim, é ela quem determina e obriga a submissão das demais ordens [169].
Toda e qualquer concepção de Estado de Direito Constituional articula-se com uma determinada orientação econômica [170]. Depois de todos os apontamentos feitos, podemos perceber que o capitalismo é o único sistema racional possível, embora na sua atual fase parece querer ignorar o Estado, fazendo da economia um assunto regulado pelas leis naturais do mercado [171], sendo este o único instrumento racional de afetação de recursos escassos e usos alternativos. Neste sistema, a soberania do consumidor [172] determina todas as escolhas feitas livremente no mercado por cada um dos indivíduos que nele atuam.
Hoje, fala-se em "Estado econômico" tende em vista a imprescindível atuação econômica, que é reservada ao Estado em contraposição à teorias liberias que chegaram a sustentar uma espécie de "Estado mínimo", embora compartilhamos do posicionamento de que todo e qualquer Estado, é e terá sido interentor na economia, alterando apenas os diferentes graus de intervenção [173]. Tal intervenção estatal que pode ocorrer através de ordenação, intervenção ou actuação económica [174].
4.1 Relação necessária entre a economia [175] e o direito ao desenvolvimento sustentável
Tratar os problemas ambientais como um problema econômico já é um passo significativo no caminho certo [176]. A economia sempre surgiu ligada ao ambiente [177]. Isso ocorre porque toda a atividade econômica pressupõe a utilização e transformação de recursos naturais e energia.
Referimos que há quatro posições acerca da estabilidade ou não das políticas econômicas para a ocorrência do desenvolvimento sustentável: liberalismo tecnocêntrico, tecnocentrismo mitigado, ecocentrismo mitigado e extremismo ecológico [178].
A análise económica tem tomado o processo que vai da escolha de usos alternativos para os factores escassos até ao consumo dos bens produzidos como um sistema fechado.
O processo de atividade econômica deve ser perspectivado de forma mais ampla e integrá-lo ao meio ambiente em que vivemos [179], tendo sempre presente uma visão intergeracional baseada na solidariedade partilhada e na gestão de recursos de forma a aproveitar a todos, uma clara noção de que a atividade humana tem impacto sobre o ambiente, e que existe uma estreita ligação entre o desenvolvimento e o ambiente.
4.2 Organização econômica prevista na Constituição Portuguesa [180]
O ordenamento jurídico Português teve o texto do capítulo econômico elaborado no auge do processo revolucionário, resultando do acordo entre PS e PPD, o que para alguns foi considerado como um "equilíbrio à beira do abismo" [181].
Essa questão histórica e porque não dizer social, interferiu [182] de forma decisiva a respeito do modelo/regime [183] econômico consagrado pelo texto constitucional o que causou discussão doutrinária em estabelecer se o mesmo, devido a existência de características híbridas, seria capitalista [184], socialista [185] ou de transição [186] para o socialismo. Ao mesmo tempo que a Carta Portuguesa mantêm a livre iniciativa privada e a liberdade do mercado, pressupõe idéias de solidariedade e de justiça social.
O Estado surge como intervencionista e regulador simultaneamente, embora a Constituição não lhe confere poderes de intervenção ilimitados. Ele goza de uma grande liberdade de participação direta na atividade econômica e de regulação e fiscalização da atividade privada, desde que limitado no primeiro caso à existência do setor privado e no segundo caso ao funcioanemnto do mercado e da concorrência [187].
Concordamos com a doutrina que determina o modelo econômico português é um modelo de economia mista [188], coexistindo a liberdade econômica e a iniciativa privada e os poderes reguladores conferidos ao Estado. A questão crucial para o estudo ora realizado é que enquanto se afirmava a transição para o socialismo na teoria, marcava-se uma ordem eminentemente capitalista na prática.
O fato é que, devido a importância que foi disponibilizada a esta matéria, e a adesão de Portugal na União Européia [189], podemos afirmar a existência de uma constituição econômica [190]. Acima já referimos que dentro do texto da Constituição da República Portuguesa de 1976 [191], podemos encontrar Constituição Ambiental e agora ainda a Constituição Econômica. Tal conceito foi consagrado e amplamente desenvolvido pela doutrina alemã e resulta de uma maior intervenção do Estado na vida econômica, com a passagem do Estado liberal ao Estado Social.
A constituição econômica [192] indica em determinado momento histórico qual o modelo económico em vigor em uma determinada sociedade e constitui as bases fundamentais da ordem jurídico-política da economia. Ela, inevitavelmente possui relação com às opções políticas fundamentais da Constituição e os princípios que a compõem incluem-se no núcleo fundamental da Constituição. Exercendo uma função de barreira, funciona como limite de decisão política e de conformação legislativa.
É notório pois, que duas são as linhas que percorrem tal Constituição, quais sejam: o desenvolvimento econômico e controlo democrático da economia.
O princípio da subordinação do político ao poder democraticamente eleito; a coexistência do setor público, privado, cooperativo e social de propriedade dos meios de produção; a liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista; a propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção de acordo com o interesse colectivo; o planejamento democrático desenvolvimento económico e social; a proteção do setor cooperativo e social da propriedade dos meios de produção, além, é claro da participação das organizações representativas dos trabalhos e das organizações representativas das actividades econômicas na definição das principais medidas econômicas e social são os fundamentos da Constituição Econômica.
Acreditamos que a principal característica da Constituição Econômica [193], é o fato dela conferir idêntica garantia as três formações económicas: público, privado e cooperativo. A constituição não erige o setor económico privado (determinado pela propriedade privada de meios de produção e pela empresa privada) em princípio fundamental da constituição econômica. Ele não detêm qualquer função dominante no sistema económico constitucional. O sistema também é composto pelo setor público que baseia-se na propriedade coletiva dos meios de produção e na iniciativa económica pública, que não só é um setor garantido ao mesmo título que o privado (e o cooperativo) como goza de algumas garantias próprias [194].
A propriedade de meios de produção, deve ser relacionada nos três setores. A propriedade pública possui um limite mínimo, pois tem que abranger os principais meios de produção e solos, bem como os recursos naturais; e um limite máximo já que não pode ampliar-se tanto que prejudique a garantia dos restantes dos setores. Já, a propriedade privada sujeita-se a limites positivos (garantias) os quais implicam proibição de nacionalização e negativos (proibições) e estes implicam uma obrigação de nacionalização [195] e uma proibição de apropriação privada. A propriedade cooperativa tem como limites o saldo dos outros dois setores e da eventual reserva de propriedade colectiva de certas categorias de meios de produção.
Com relação à iniciativa econômica, necessário mencionar que a iniciativa pública não tem limite que não seja a garantia dos outros dois setores. Diferentemente, a iniciativa privada tem como limite além da reserva de iniciativa pública, o limite específico de proibição de empresas privadas em setores básicos da economia. Por fim, a iniciativa cooperativa não tem outros limites senão os resultantes de eventual reserva de empresa pública e nesta não há de forma expressa como há na iniciativa privada a possibilidade de intervenção direta do Estado na gestão das empresas cooperativas.
Ressaltamos, que a organização econômica encontra-se na PARTE II da Constituição da República Portuguesa de 1976. Inicialmente, o TÍTULO I já apresenta os princípios [196] que norteiam tal organização, os quais chamamos a atenção para o objeto estudado acerca dos recursos naturais, sendo considerado de propriedade pública e do planejamento democrático do desenvolvimento econômico e social, o que mostra a relação de pelo menos duas dimensões de desenvolvimento.
Ademais, nesta mesma parte encontra-se uma das incumbências [197] estatais referente a promoção do aumento do bem-estar social e econômico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, e sublinhe-se no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável.
Ordem econômica é aquela concebida como a expressão normativa do mundo do deve-ser, sendo a parcela do direito que regra normativamente as questões político-econômicas institucionalizadoras de determinada economia no Estado [198]. O conteúdo da ordem econômica constitucional está intimamente associado, na modernidade à questão da valoração dos chamados direitos sociais. Esta compreende as quatro liberdades econômicas fundamentais, a defesa da concorrência, as políticas comuns e a união econômica e monetária [199].
E como forma de dar efetividade à organização econômica, destacamos dois requisitos necessário, quais sejam, MERCADO, o qual coordena a economia [200] e PLANO [201] sendo este o instrumento de coordenação e orientação do processo econômico.
4.3 Ordem econômica prevista na Constituição Brasileira
A fim de clareamos a compreensão desta ordem econômica, destacamos que ordem jurídica difere de ordem econômica (a qual será abordada de forma a dar ênfase em seus fundamentos e princípios), bem como de atividade econômica.
Para administrar o Estado é necessária uma ordem jurídica. Dessa forma, esta atuaria como gênero de toda e qualquer espécie de ordem. Ordem econômica é uma parcela da ordem jurídica (mundo do dever-ser), sendo o conjunto de normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica (mundo do ser) [202].
Toda norma constitucional [203] pressupõe poder normativo, significando imposição de obrigações. O título da ordem econômica explicita que o desenvolvimento das riquezas [204] e bens de produção nacionais deve ser compatível com o ganho de qualidade de vida de toda a população, posta na perspectiva de labutar em condições de igualdade com outras camadas sociais.
O tema da ordem econômica adquiriu dimensão jurídica quando as constituições passaram a discipliná-la sistematicamente, o que teve início com a Constituição Mexicana [205] de 1917. Em relação ao Brasil, foi, como já se apontou, a Constituição de 1934 a primeira a consignar princípios e normas sobre a ordem econômica, embora sob a influência da Constituição alemã de Weimar [206].
Há quem defenda [207] inclusive o direito fundamental ao desenvolvimento económico, tipicamente latino-americano, de economias e instituições democráticas incipientes e em aperfeiçoamento. Utiliza-se para isso também a visão já vista, de desenvolvimento como liberdade. Este tipo de desenvolvimento por óbvio, tráz consequências no planejamento do setor público e demonstra que um dos fatores constituintes é a democracia.
O desenvolvimento econômico é a garantia de um melhor nível de vida coordenada com um equilíbrio na distribuição de renda e das condições de vida mais sustentáveis. Não é quantidade dos bens produzidos ou criados, mas a qualidade da distribuição deles no meio social que caracteriza o desenvolvimento.
O sistema econômico é informado por um regime de mercado, optando pelo tipo liberal do processo econômico, ou seja, só admite intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, sempre na defesa da livre iniciativa, sendo este o princípio norteador da ordem econômica brasileira, tendo como subprincípios os da subsidiariedade e da abstenção [208].
Assim como a Constituição Lusitana, a Constituição Brasileira repudia o dirigismo económico, acolhendo porém o intervencionismo econômico com a fiscalização, incentivo e planejamento [209].
Os princípios fundamentais do Estado brasileiro, bem como os fundamentos da ordem econômica são a livre iniciativa e valor do trabalho humano.
Livre iniciativa refere-se a propriedade privada, liberdade de empresa (que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade económica), livre concorrência (faculdade de o empreendedor estabelecer seus preços hão de ser determinados pelo mercado) e liberdade de contratar. Tal princípio sujeita-se a atividade reguladora e fiscalizadora do Estado [210]. É com a livre iniciativa que se possibilita agir sem influência externa [211].
Com efeito, o fim último da atividade econômica é a satisfação das necessidades da coletividade, por isso há o fundamento da existência digna. Mas, assegurar a todos existência digna não será tarefa fácil num sistema de base capitalista [212]. No que se refere à justiça social, esta consiste na possibilidade de todos contarem com o mínimo para satisfazer às suas necessidades fundamentais [213].
Tendo em vista que o destinatário principal ser a iniciativa privada, o papel de Estado se realiza com a preservação e promoção dos princípios de funcionamento e implementação de programas para a realização dos princípios-fins. Fiscalizar, estimular e planejar são funções a serviço dos fundamentos da ordem conforme seus princípios e nunca funções que em nome dos princípios destruam seus fundamentos [214].
O que se extrai da leitura despida de senso crítico dos textos constitucionais, é a indicação de que o capitalismo se transforma na medida em que assume novo caráter social. Isso ocorre porque em seu art. 170 [215] tal expressão é usada não para conotar o sentido que supunha nele divisar (isto é, sentido normativo), mas sim para indicar o modo de ser da economia brasileira, a articulação do econômico, como fato (isto é, ‘ordem econômica’ como conjunto das relações econômicas). Destarte, a forma correta para proceder a leitura deste dispositivo é substituindo a expressão "ordem econômica" por "relações econômicas", ou até mesmo "atividade econômica".
Com relação aos princípios da ordem econômica, frisamos que o princípio da soberania nacional é de carta forma redundante [216] a denominação dada pelo constituinte, uma vez que a soberania será sempre nacional. Soberania é a situação do Estado que não está submetido a outro. Sabe-se que hoje não existe soberania absoluta, pois todos os Estados são interdependentes.
Já o princípio da propriedade privada também é considerado um dos direitos fundamentais, assegurando ser a propriedade simultaneamente propiciadora de gozo e fruição pelo seu titular e geradora de uma utilidade coletivamente fruível [217]. Essa fruição deve compatibilizar-se com fins sociais mais amplos, tendo em vista o princípio da função social da propriedade.
A livre concorrência é indispensável para o funcionamento do sistema capitalista, pois com esta ocorre a competitividade que força as empresas a um constante aprimoramento na procura de condições mais favoráveis ao consumidor [218]. Pode-se dizer que em um primeiro momento, não é a preocupação com o consumidor que fará o empresário produzir, mas sim a possível obtenção de lucro.
Podemos agrupar tais princípios [219] em dois grupos básicos. Um deles trata-se de princípios de funcionamento da ordem económica, que visam estabelecer os parâmetros de convivência básicos que os agentes da ordem econômica deverão obedecer (aqui se encontra a defesa do meio ambiente [220]) e o outro, denominado princípios-fins, quais descrevem realidades materiais que o constituinte deseja sejam alcançadas. (por exemplo: existência de vida digna para todos) [221].
A atividade econômica (em sentido amplo) deve ser considerada como gênero, que possui como espécies o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito [222]. Gramaticalmente pode-se perceber que a palavra "econômica" é um adjetivo de "atividade". Por outro lado, se ela é considerada uma atividade, por óbvio possui um fim, uma vez que não se implementam ações para se chegar ao nada. Assim, vale destacar que "o objetivo final da atividade econômica é o de possibilitar os meios para que as necessidades sejam satisfeitas" [223].
Com isso, pode-se concluir que, se tanto os princípios (forma abstrata), quanto as regras jurídicas (forma concreta) não funcionarem de forma harmônica (característica idêntica quando se fala em tripartição de poderes) e, mais, se os elementos do sistema econômico não forem garantidos, não haverá uma forma de efetivamente organizar a economia. Acreditamos ser esse o motivo pelo qual o Brasil é considerado apenas um país em desenvolvimento e, ainda, em desenvolvimento insustentável. Embora o desenvolvimento nacional esteja contido dentro dos dispositivos da ordem econômica e não da ordem social, não se pode estabelecer que tal desenvolvimento deverá ser apenas econômico.
4.4.O Desenvolvimento Sustentável e as Constituições Econômicas
Como o direito busca também responder aos anseios sociais, devemos encontrar soluções [224] para crise que estamos vivenciando e dentre tantas possibiltar uma maneira de desenvolvimento que não seja apenas econômico, pois este possibilita o processo da exclusão social, e que possa ser passada como um legado às futuras gerações.
Não há como admitir que o desenvolvimento sustentável seja passível de implementação sem falar sobre o direito ao desenvolvimento sustentável, sendo este uma situação sem a qual a pessoa humana não sobrevive, e que, além de ser reconhecido, deve ser efetivado, por meio de políticas públicas e com auxílio da população em geral. Até porque, tal direito é um direito meio para se chegar ao fim, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
Entendemos que a perspectiva de inadmissibilidade do direito ao desenvolvimento sustentável no rol dos direitos humanos, deve-se ao fato deste afetar no mundo real os interesses dos países desenvolvidos, ou seja, os interesses de grupos dominantes no modo de produção capitalista. Tal direito baseia-se no princípio da solidariedade, o que não ocorre com a ordem econômica, baseada no sistema capitalista e na acumulação privada de recursos.
Para entendermos como ocorre a atividade econômica capitalista, é importante ressaltarmos que ela existe em função do investidor (proprietário), uma vez que este precisa auferir maior lucro, mas existe, principalmente, em relação ao consumo da sociedade, pois é esta a responsável pela circulação de mercadorias. É impossível estabelecer ou antever um limite para as necessidades humanas. "ou seja, elas podem ser vistas como tendentes a se multiplicarem ao infinito" [225]. Sabe-se que a lógica estabelecida entre os recursos naturais e as necessidades humanas é inversa na medida em que, em oposição ao que ocorre com as primeiras, os segundos apresentam-se finitos e severamente limitados.
A economia capitalista é louvada por sua inigualável eficiência na produção de bens (riquezas), porém ela também se sobressai por sua capacidade de produzir males sociais e ambientais.
Assim, a ordem econômica material torna-se reflexo do modelo capitalista instaurado, estando esta baseada na acumulação de capital, e isso é fato! Por esse motivo, não é possível, porém imprescindível, a preocupação com a sustentabilidade do desenvolvimento.
A sustentabilidade das condições de vida baseia-se na redução de desperdícios, na reciclagem de materiais, no emprego de recursos e energias renováveis, na eficiência econômica e na redução das desigualdades sociais, como meio de se impedir que o futuro seja um prolongamento do presente.
E mais, o próprio Relatório da Comissão de Bruntland referiu ainda, a outros importantes aspectos destinados a auxiliar na promoção de padrões de desenvolvimento viáveis, como a participação efetiva dos cidadãos, o fortalecimento dos direitos humanos, o acesso regulado aos recursos humanos, a cooperação internacional, a obtenção de justiça social [226].
A transição para o desenvolvimento sustentável começa com o gerenciamento de crises, que requer uma mudança imediata de paradigma [227], passando-se do crescimento financiado pelo influxo de recursos externos e pela acumulação de dívida externa, para o do crescimento baseado na mobilização de recursos internos, pondo as pessoas para trabalhar em atividades com baixo conteúdo de importações e para aprender a viver com o que podem obter do seu trabalho. Até porque não temos o direito de sacrificar a geração presente em prol de um futuro radiante para aqueles que virão depois de nós, da mesma forma que não temos o direito de privar as gerações futuras de herdarem um planeta habitável.
Com este modelo de desenvolvimento abre-se a possibilidade de uma estratégia de desenvolvimento que seja ambientalmente sustentável, economicamente sustentado e socialmente includente, vale dizer, capaz de perfazer o princípio maior "dignidade da pessoa humana.".
Outro aspecto para que o desenvolvimento sustentável seja considerado como um direito fundamental é o fato da aplicabilidade de tais normas nos ordenamentos estudados. No âmbito brasileiro, dentro do enquadramento das normas diretamente aplicáveis, ou normas que exigem e aguardam uma posição legislativa no âmbito brasileiro, podemos dizer que as normas que dizem respeito ao DDEN (direito ao desenvolvimento econômico nacional) precisam ser cobradas do Poder Público com mais força, o que envolve a participação da sociedade na gestão das verbas públicas e a atuação de organismos de controle e cobrança, na preservação da ordem jurídica e consecução do interesse público vertido nas claúsulas constitucionais.
No texto constitucional português, o art 18º denominado "força jurídica", nº 1 da CRP/76 determina a aplicabilidade direta dos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, vinculando as entendidas tanto públicas quanto privadas, claro que com as consideraçãos feitas no itme 3.3.1 deste trabalho.
Garantir o reconhecimento dos direitos dos cidadãos vem a ser o começo para o resgate da dignidade de todos os indivíduos frente a um mundo tão excludente, até porque nada mudará o modelo econômico positivado nas Cartas Magnas analisadas. Enfim, caminhos existem para que o direito ao desenvolvimento se efetive de forma sustentável, pois somente nesta modalidade é que os demais direitos humanos serão, também, concretizados e poder-se-á estabelecer uma medida controladora para a atual fase do capitalismo neoliberal e globalizado.