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A proteção jurídica do sossego no condomínio edilício

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Agenda 09/03/2011 às 11:12

8 – EXCESSO DE SENSIBILIDADE:

O excesso de sensibilidade pode ser conceituado como sendo o sentimento de incômodo exagerado demonstrado por alguém diante de situações que a população média consideraria como de incômodo ínfimo ou irrelevante.

Ao analisar esse tema, Manoel Carlos da Costa Leite informa que "já tem a jurisprudência decidido que ficará a critério do juiz a apreciação de cada caso de perturbação, quer do trabalho, quer do sossego, não se devendo levar em conta o excesso de suscetibilidade do queixoso, mas sim a sensibilidade média dos cidadãos"16. Assim, as reclamações exageradas de condômino sobre determinado ruído não devem prosperar, se provenientes de uma sensibilidade exacerbada, que não seja compartilhada pelos demais condôminos afetos ao mesmo ruído.


9 – A LEGISLAÇÃO REGULADORA:

São várias as normas que regulamentam a proteção do sossego. O Código Civil obriga o morador a não utilizar seu imóvel de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais, sob pena de multa. O parágrafo único do artigo 1337 dispõe que o condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.

A Lei 9.605/98 prevê no artigo 54 a pena de reclusão de um a quatro anos, e multa para quem causar qualquer tipo de poluição que resulte ou possa resultar em danos à saúde humana. A Lei das Contravenções Penais considera contravenção:

"Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:

I – com gritaria ou algazarra;

II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;

III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis".

As leis municipais também cumprem papel importante na proteção do sossego. Como exemplo, a Lei 0071/48 do Município de Belo Horizonte estabelece no artigo 2º, exemplificativamente, os ruídos e sons que podem incomodar:

"Constitui infração da presente lei todo e qualquer som, que, pela duração ou estridência, perturbe o sossêgo público, após as 22 horas, e os excessos, a qualquer tempo, especialmente os provenientes :

a) de motores de explosão desprovidos de abafadores eficientes, bem como de escapamentos abertos;

b) de buzinas, claxons, tímpanos, campainhas ou quaisquer outros aparelhos de alerta, propaganda ou chamada ;

c) de matracas, cornetas e outros instrumentos de convite dos negociantes a ambulantes ;

d) de bandas, tambores, fanfarras e alto-falantes destinados a propaganda e, quando instalados em veículos, não poderão funcionar em qualquer local da cidade depois das 20 horas e antes das 7 horas da manhã.

e) de alto-falantes, rádios, gramofones, radiolas e aparelhos congêneres, seja qual fôr o objetivo do seu emprêgo, mesmo diversão doméstica, desde que se façam ouvir fóra do recinto onde se acham;

f) de morteiros, bombas, rojões, foguetes e fogos ruidosos em geral;

g) de apitos, sereias, máquinas e motores que se escutem fora dos respectivos recintos ;

h) de cães, pássaros e outros animais que incomodem a vizinhança;

i) de anúncios ou pregões em voz estridente.

Parágrafo único - Fica terminantemente proibido o uso de businas em frente aos estabelecimentos hospitalares e nas suas imediações.".

Interessante notar que a lei proíbe todo e qualquer som que perturbe o sossego após as 22h, mas proíbe ainda os sons produzidos antes desse horário, se incômodos. Assim, mesmo antes das 22h não é permitido barulho além de uma intensidade aceitável, como muitos pensam. O que deve-se levar em conta é o grau do incômodo e não o horário em que se realiza.

Há, ainda, a NBR 10151/2000 da ABNT, que avalia o nível de ruído em áreas habitadas para o conforto da comunidade. A referida norma define como limite para a área urbana estritamente residencial 50 dB (A) durante o dia e 45 dB (A) durante a noite, e nas áreas mistas predominantemente residenciais sobe para 55 dB (A) durante o dia e 50 dB (A) durante a noite.

Em seu estudo, PIMENTEL-SOUZA17 esclarece quais os níveis de ruído seriam ideais para uma noite agradável de sono:

"já em 1981, Vallet (1982) demonstrou que um índice da qualidade fisiológica para o sono, combinando o tempo total de sono, duração de estágios profundos III, IV e V e tempo passado despertado, só era preservado abaixo de nível médio de 40 dB(A) para ruído de trânsito. Juntando-se ao incômodo e mudanças de estágios por ruído de vôos de aviões este valor caia para 35 dB(A) Vallet (1982), dando origem à primeira recomendação da OMS de que o nível médio (Leq) de ruído para sono de qualidade deveria ser no máximo de 35 dB(A) (WHO, 1980). (...) Pesquisas mais recentes revistas para a OMS chegaram à conclusão que os níveis de ruído nos quartos de dormir deveriam ser ainda 5 dB(A) mais baixos em relação à recomendação anterior, portanto média de 30 dB(A), valor contínuo, e máximo de 45 dB(A) de pico (Bergland & Lindvall, 1995), baseados em trabalhos como de Terzano et al (1990). Estes são valores que deveriam servir de referência para a jurisprudência do código civil, direito de propriedade, das leis de contravenções penais e ambiental no Brasil, para garantir ao cidadão o direito à tranqüilidade no lazer e no trabalho (Muller, 1956; Oliveira, 1995) e para estabelecimento de legislação municipal pertinente e normas expedidas pelo IBAMA, introduzindo conseqüências punitivas intermediárias, como multas crescentes, para garantir recuperação física, mental e psicológica, condições necessárias para potenciar devidamente a capacidade do cidadão para o trabalho moderno."

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Alguns ruídos cotidianos foram medidos por Armando Paiva de Lacerda18, que encontrou: Voz segredada - 10 a 20 db ; Murmúrio - 20 a 30 db; Conversação corrente - 50 a 60 db; Barulho de rua - 50 a 70 db; Trânsito intenso - 80 a 90 db.

No Brasil, os condôminos anti-sociais estão propensos apenas a multas, punição irrelevante e sem força educativa, principalmente para os mais abastados. O Professor João Batista Lopes se posiciona favorável a punições mais severas aos condôminos anti-sociais. Ele argumenta que "(...) seria cogitável a inserção de disposições mais rigorosas, a exemplo do que ocorre em outros países, pondo os condôminos a salvo da presença indesejável de indivíduos nocivos à tranquilidade geral"19.

Para Ivan de Hugo Silva, "havendo utilização da unidade para fim diverso do previsto, sendo usada de forma nociva ou perigosa ao sossego, salubridade e a segurança dos demais condôminos, tanto o proprietário quanto o inquilino podem impedir a violação com força no disposto do artigo 554, do código civil. A ação a ser intentada é sumaríssima, com amparo na letra j, do inciso II, do artigo 275, combinado com o artigo 287, do código de processo civil"20.

O CPC não prevê mais a alínea "j" no inciso II do artigo 275, mas o pedido de antecipação de tutela que reza o artigo 287 tem aplicação às hipóteses de uso nocivo da propriedade do condômino, juntamente com o artigo 461, §§ 4º e 5º, que dispõem que o juiz pode impor multa diária em hipótese de descumprimento da tutela antecipada e poderá, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias ao seu cumprimento, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.


10 – AS SANÇÕES NO DIREITO ESTRANGEIRO:

O direito estrangeiro é mais profícuo que o brasileiro no que tange à punição ao condômino anti-social. A legislação argentina permite o sequestro dos apartamentos cujos titulares procedam de forma nociva, por até 20 dias. Entretanto, essa sanção apenas se aplica ao inquilino, e não ao proprietário. No Uruguai, a lei 10751/64 autoriza o despejo dos ocupantes nocivos, mas também apenas dos inquilinos. A legislação suíça permite a exclusão do condômino autor de faltas graves e a venda judicial da sua unidade, no artigo 649 do Código Civil. É essa também a posição da lei alemã, que permite a venda compulsória do apartamento pertencente ao condômino nocivo.

A lei mexicana admite que o condômino que descumpra reiteradamente suas obrigações seja obrigado a alienar seu apartamento em hasta pública, com preferência da aquisição pelos demais condôminos. A Lei 6071/63 do Chile dispõe no artigo 51 que o condômino pode pleitear em juízo o arresto do apartamento pelo prazo de 15 dias, e assim sucessivamente, enquanto perdurar o comportamento prejudicial à tranquilidade dos demais moradores.

O doutrinador Nascimento Franco informa ainda que, na Europa e nos Estados Unidos, tem-se admitido que a ocupação de um apartamento seja condicionada à aprovação prévia da maioria dos condôminos21.


11 – CONCLUSÃO:

A prática tem demonstrado que as sanções existentes no direito brasileiro não tem surtido os efeitos desejados pela população. Os condôminos reiteradamente anti-sociais não são intimidados pela sanção prevista no Código Civil, usando as unidades autônomas e as unidades comuns ao seu alvedrio. Entendemos que, ao menos quanto aos condôminos não proprietários, deva ser pensada com mais atenção a possibilidade de inclusão de previsão legal de sua exclusão do condomínio, respeitada a ampla defesa e o contraditório. Quanto aos condôminos proprietários, entendemos que, ainda que não possam ser excluídos do condomínio, devem ter alguns de seus direitos de propriedade restringidos, em hipóteses nas quais se perceba que reiteradamente exponham os demais condôminos a risco de vida, integridade física ou saúde. Entender de outra maneira seria privilegiar a mantença da cizânia em detrimento da harmonia da coletividade.


NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:

1 - MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Malheiros Editores. 8. ed. São Paulo: 2000. p. 596-597.

2 - PIMENTEL-SOUZA, Fernando. Efeitos do ruído no homem dormindo e acordado. XIX ESBA, SOBRAC, 2000, Belo Horizonte.

3 - NIEMTZOW, RC. - Loud Noise and Pregancy. Military Medicine,

Association of Military Surgeons of U.S, 1993, vol 158 apud FERRI, Giovana. A gestante exposta ao ruído: efeitos auditivos para o feto. 1999. 35f. Dissertação (Especialização em Audiologia Clínica) – Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica, Porto Alegre, 1999.

4 – LOPES, João Batista. Condomínio. Editora RT. 5. ed. São Paulo: 1996. p. 21.

5 – PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. Editora Forense. 10. ed. Rio de Janeiro: 1997. p. 60.

6 – PEREIRA. op. cit., p. 62.

7 – ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Lumen Juris. 3. ed. Rio de Janeiro: 2006. p. 509-510.

8 – GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. vol. V. São Paulo: 2006. p. 370.

9 - MACHADO. op. cit. p. 374.

10 - MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. Editora RT. 4. ed. São Paulo: 2005. p. 468.

11 - ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992. p. 72 apud OLIVEIRA, Gustavo Paschoal Teixeira de Castro; THEODORO, Silvia Kellen da Silva. A evolução da função social da propriedade. Encontrado em: <http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_16.pdf>. Acesso em: 08 maio. 2008.

12 - MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Editora Atlas, 19. ed., São Paulo: 2006, p. 42.

13 – TARTUCE, Flávio. Das penalidades no condomínio edilício. Análise das inovações do Código Civil de 2002. Encontrado em <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos.asp>. Acesso em 08 de maio de 2008.

14 – VENOSA, Silvio de Salvo. Revista Valor Econômico. 19/02/2002. p. E2 apud FRANCESCHET, Júlio. O condomínio edilício sob a perspectiva civil constitucional.Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery. n.3. Jul-dez. 2007.

15 - RUGGIERO, Antonio Biasi. Questões imobiliárias. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 90 apud SOARES, Deise Mara. Direito de vizinhança e comportamento anti-social . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 654, 22 abr. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6584>. Acesso em: 12 maio 2008.

16 - LEITE, Manoel Carvalho da Costa. Manual das Contravenções Penais. Editora Saraiva. São Paulo: 1962, p.166.

17 - PIMENTEL-SOUZA. Op. Cit.

18 – LACERDA, Armando Paiva de. O ruído e seus efeitos nocivos sobre o organismo humano. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v.37, 3.ed., set-dez, 1971.

19 – LOPES. op. cit., p. 159.

20 – SILVA, Ivan de Hugo. Comentários à lei de condomínio em edificações. AIDE, São Paulo. 1987.

21 – FRANCO, J. Nascimento. Condomínio. Editora RT, 3. ed. São Paulo: 2001. p. 199.

Sobre o autor
André Pataro Myrrha de Paula e Silva

Analista Jurídico do Ministério Público de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, André Pataro Myrrha Paula. A proteção jurídica do sossego no condomínio edilício. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2807, 9 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18647. Acesso em: 18 dez. 2024.

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