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Teoria marxista do estado capitalista: uma comparação entre Gramsci e Poulantzas

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Capítulo 3 – Semelhanças e diferenças entre as teorias de Gramsci e Poulantzas acerca do Estado Capitalista:

Em relação às semelhanças, pode-se apontar as seguintes:

a) Ambos são críticos com referência à visão marxista instrumentalista do Estado capitalista, considerando que o aludido Estado representa mais do que o comitê executivo dos negócios da classe dominante, a burguesia, e que existe autonomia do Estado capitalista em relação às classes dominantes, embora os dois concordem que, a longo prazo, tal Estado defende os interesses das camadas sociais dominantes;

b)Tanto Gramsci quanto Poulantzas desenvolvem análises sobre a independência que o Estado capitalista pode assumir em relação às camadas dominantes (no caso de Poulantzas, em relação ao bloco no poder). Gramsci aborda este tema quando examina a questão da crise de hegemonia e da revolução passiva, e Poulantzas quando analisa a questão da autonomia relativa do Estado capitalista em relação ao bloco no poder, examinando a leitura de Marx sobre o episódio de Luís Napoleão na França, na metade do século XIX;

c)Poulantzas incorpora à sua análise o conceito de hegemonia de Gramsci, isto é, a capacidade que as classes dominantes possuem, no capitalismo, de fazer com que as camadas subalternas (o operariado principalmente), assumam como seus valores e crenças que na verdade são provenientes da burguesia. A noção gramsciana de hegemonia é central para o exame que Poulantzas faz sobre a função de unidade política exercida pelo Estado capitalista;

d)Em sua análise sobre a questão da autonomia relativa do Estado capitalista em relação ao bloco burguês no poder, Poulantzas utiliza o conceito de revolução passiva concebido por Gramsci.

Com referência às diferenças, pode-se apontar as seguintes:

a)Apesar de Gramsci também discorrer sobre o Estado Capitalista e seu funcionamento, a ênfase do marxista italiano é em relação à importância desempenhada pelos fatores superestruturais (os aspectos culturais, religiosos, ideológicos da vida social) na manutenção da hegemonia burguesa na sociedade capitalista, enquanto a ênfase de Poulantzas é sobre o funcionamento do Estado capitalista propriamente dito, suas funções estruturais de promoção da unidade política e de exercício da autonomia relativa, a questão da separação dos poderes, e também o relacionamento do funcionamento do mencionado Estado com as classes sociais que nele operam. Em resumo, pode-se dizer que Gramsci enfatiza em sua análise a sociedade civil, enquanto Poulantzas se concentra mais na questão do Estado propriamente dito;

b)A abordagem de Gramsci tem uma preocupação mais prática, mais voltada para a formulação de uma estratégia política de transição para o socialismo que seja eficiente e proporcione à classe operária a conquista da hegemonia e do consenso na sociedade civil, proporcionando ao proletariado a obtenção do poder de Estado em sociedades onde há equilíbrio de forças entre Estado e sociedade civil e onde a superestrutura burguesa é mais sólida. Por seu turno, Poulantzas desenvolve uma abordagem mais teórica, na qual procura explicar como o Estado capitalista consegue unificar na esfera política indivíduos que se encontram separados na esfera econômica das relações sociais de produção, além da análise da questão da autonomia relativa, o exame da burocracia entre outros temas;

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c)A formulação de Gramsci tem caráter estratégico, no sentido de que se preocupa em encontrar uma maneira de fazer com que o operariado se transforme na classe hegemônica da sociedade capitalista não por intermédio de um ataque frontal (guerra de movimento) ao Estado, mas sim mediante uma tática de persuasão e convencimento dos proletários não militantes de que os valores e crenças operários é que devem prevalecer. Ou seja, a contra hegemonia operária iria ser vitoriosa após a realização de uma guerra de posição contra a superestrutura burguesa, que seria transformada em superestrutura proletária. Tal caráter estratégico não está presente no pensamento de Poulantzas;

d) Poulantzas examina em sua análise a questão do totalitarismo, assunto que Gramsci não aborda;

e)Gramsci atribui aos intelectuais um papel central na guerra de posição a ser travada pelo proletariado pela conquista da hegemonia superestrutural na sociedade burguesa, ao passo que Poulantzas não se ocupa detidamente, como Gramsci, deste tema.


Capítulo 4 – Conclusão:

A conclusão a que se chega é que ambos os autores são fundamentais na renovação e no enriquecimento da teoria marxista acerca do funcionamento do Estado capitalista, além de convergirem para uma visão crítica no que se refere à concepção marxista instrumentalista sobre o Estado capitalista, pela qual este último seria um mero instrumento de promoção do poder e da preponderância da classe dominante, a burguesia. Ambos rejeitam este ponto de vista.

Gramsci desenvolve uma abordagem mais concentrada na análise da relevância da superestrutura (aspectos culturais, religiosos, ideológicos da vida social) para a existência da hegemonia burguesa na sociedade capitalista, e elabora uma teoria da ação política que visa proporcionar ao operariado a obtenção da hegemonia social no capitalismo, a ser conquistada por meio da realização de uma guerra de posição que culminará no estabelecimento da contra hegemonia operária na sociedade capitalista. Neste aspecto, a função a ser desempenhada pelos intelectuais é de extrema relevância na opinião de Gramsci.

Já Poulantzas concentra mais fortemente sua análise no funcionamento do Estado capitalista, relegando a sociedade civil e a superestrutura a segundo plano. Ele enfatiza as duas funções estruturais mais importantes desempenhadas pelo Estado capitalista: a unidade política e a autonomia relativa. A primeira consiste no fato de o referido Estado ser capaz de unificar, no âmbito político, no interior das instituições públicas nas quais o caráter de classe é abolido, burgueses e operários que, na esfera econômica das relações sociais de produção, encontram-se dissociados e situados em campos opostos. A segunda consiste na independência que o aludido Estado possui em relação ao bloco burguês no poder, e que é essencial à manutenção da hegemonia burguesa na sociedade capitalista, posto que, quando a referida hegemonia está ameaçada, o Estado capitalista faz concessões às classes subalternas, neutralizando seu potencial revolucionário e assegurando, desta maneira, a sobrevivência da hegemonia burguesa no capitalismo. Para realizar esta análise da unidade política e da autonomia relativa do Estado capitalista, Poulantzas lança mão de várias categorias formuladas por Gramsci, tais como hegemonia, crise de hegemonia, revolução passiva, entre outras.


Notas:

1 - A tradição economicista do marxismo ortodoxo é, segundo Taylor (in Marsh & Stoker, 1995:252) "uma variante do marxismo que superestima a determinação da vida social pela base econômica e, conseqüentemente, subestima a importância da ideologia e da ação política na formação da história".


Bibliografia:

Carnoy, Martin. Estado e Teoria Política. Campinas: Papirus, 1988;

Coutinho, C. N. Gramsci – Um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

Magalhães, José Antônio Fernandes. Ciência Política. Brasília: Editora Vestcon, 2.001;

Poulantzas, Nicos. Poder Político e Classes Sociais. São Paulo: Martins Fontes, 1977;

Taylor, George in Marsh, David e Stoker, Gerry. Theory and Methods in Political Science. Nove Iorque: St. Martin’s Press, 1995.

Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVERGA, Carlos Frederico Rubino Polari. Teoria marxista do estado capitalista: uma comparação entre Gramsci e Poulantzas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2853, 24 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18964. Acesso em: 6 mai. 2024.

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