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PEC dos recursos

Agenda 13/06/2011 às 14:30

Um dos assuntos mais palpitantes no mundo jurídico brasileiro foi a sugestão do Presidente do Supremo Tribunal Federal, conhecida como a PEC dos recursos. A base da idéia, como afirma seu próprio autor, foi a de dar mais agilidade e efetividade às decisões do Judiciário brasileiro que provêm da primeira instância e dos Tribunais regionais. Como era de se esperar, logo após o conhecimento público da sugestão, várias opiniões têm sido formuladas pelos atuantes no mundo jurídico, alguns a favor e outros contra. Como profissional do Direito, resolvi participar do debate, no universo das especulações, dando minha singela opinião sobre o assunto, com lastro, exclusivo, de colaboração. Não existe nas minhas colocações nada além do que tentar colaborar com o debate, pois tal fato constitui a essencia do Estado Democrático de Direito.

Sou formado há 30 anos e exerço o magistério em Direito há 21 anos, e tenho visto ao longo desse tempo, tentativas de algumas mudanças no nosso sistema jurídico, principalmente para dar ao jurisdicionado a proteção da coisa julgada determinada em nossa Carta Magna. Entretanto, percebo que ao mesmo tempo em que tentam modernizar e atualizar o sistema, as pessoas que não conseguem ter um pensamento de vanguarda, como os olhos no futuro, logo se apressam a dar as mais esfarrapadas desculpas, para que as modificações não alcancem a mudanças da estrutura do sistema, ainda muita presa à cultura de privilégios pessoais, disfarçadas em prerrogativas de função, privilégios de prazo de setores públicos, não mais jutificáveis na atual ordem jurídica, e outras mazelas desse tipo.

Apresentaram uma proposta que foi batizada com o nome de "Reforma do Judiciário", mas não houve nada que pudesse ser considerado de caráter efetivo, como consequência de tais modificações. O Judiciário brasileiro continua emperrado, principalmente porque os responsáveis por modificações que pudessem realmente trazer melhorias no dia-a-dia da população, estão muito mais preocupados com votos, não importando como obtê-los, do que fazer com que o país tenha um sistema jurídico realmente efetivo, sem obstruir ou prejudicar os jurisdicionados.

Como minha área de atuação diz respeito exatamente às cadeiras do Direito conhecidas como Direito Público, quais sejam Constitucional, Administrativo, Previdenciário, Tributário e Penal, apressei-me em fazer um pequeno estudo do ponto nuclear da proposta do Ministro, em relação à prática, ao dia-a-dia nos vários setores do Poder Judiciário e encontrei alguns pontos que merecem uma melhor reflexão.

Considerando que os litígios no Poder Judiciário se concentram entre pessoas públicas e pessoas do mundo privado, jurídicas ou naturais, procurei estabelecer o ponto de equilíbrio nessas relações, que, para fins pedagógicos, prefiro destacdá-los, ponto a ponto, a saber:


1) NAS RELAÇÕES ENTRE A PESSOA PÚBLICA E O PARTICULAR NO CPC.

Nos processos entre os interessados acima indicados, verificamos que existem no âmbito do processo civil, duas normas que raramente são aplicadas pelos magistrados da 1ª instância e dos Tribunais Regionais: refiro-me aos artigos 16 e 17 da Lei Processual.

Sabemos que, no processo moderno, as partes devem ser tratadas em absoluta igualdade de condições ou não podemos falar em Estado Democrático de Direito. Este é um dos cernes do princípio do contraditório, que o legislador constituinte, por influência ou covardia, omitiu da redação do inciso LV da nossa Carta Magna.

Em sua redação original, a lei processual já previa no artigo 475 o duplo grau obrigatório nas sentenças do CPC que fossem contra a União, Estados e Município. Não vemos nenhuma surpresa na redação original, considerando-se que tal lei foi decretada e promulgada em 1973, período negro da ordem constitucional brasileira, em pleno regime militar de exceção. Até aí, tudo bem. Entretanto, a lei processual foi modificada, nesse particular, pela Lei nº 10.352 de 2001, já no novo ordenamento jurídico determinado pela Carta Magna, em que o legislador ordinário não respeitou o dispositivo constitucional acima indicado e, o que é pior, inceriou outras figuras com direito a tal privilégio, uma vez que, se a Constituição fala em igualdade, não cabe ao legislador infraconstitucional decretar normas que não estejam em consonância com os princípios e textos constitucionais, com o argumento escusatório da prerrogativa. Neste assunto, o que mais me intrigou foi o fato de que nenhum dos órgãos ou instituições legitimadas para arguir incostitucionalidade de lei obrou por fazê-lo em relação aos dispositivos acima mencionados.

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Neste particular, o Ministro Cesar Peluso não precisa tirar do jurisdicionado garantias que lhe foram outorgadas pela Carta Magna. Basta pedir ao legislador que decrete duas leis: a primeira, revogando o artigo 475 do CPC nas lides acima indicadas; e o segundo, prevendo a possibilidade da multa pecuniária prevista no artigo 18 do CPC para 50% (cinquenta por cento) do valor da causa, bem como do total da indenização prevista no §2º do mesmo artigo para 100% (cem por cento) do valor da causa.

Tenho certeza, Sr. Ministro, que tais providencias iriam diminuir, e muito, a quantidade de recursos não somente para para os Tribunais Superiores, mas também para os próprios Tribunais Regionais.


2) NAS RELAÇÕES ENTRE OS PARTICULARES NO CPC.

Neste assunto, Sr. Ministro, não vou fazer ninguém perder tempo em leituras de argumentos que já conhecem, talvez bem melhor do que eu, e simplesmente afirmo que, nas relações entre particulares, se a litigância de má-fé for aplicada com discernimento pelos magistrados no âmbito da competência originária, os recursos aos Tribunais Superiores iriam diminuir de forma não apenas considerável, mas drástica.

O raciocínio é o mesmo que mencionei com relação ao artigo 18 do CPC e seu parágrafo segundo. No que diz respeito ao advogado militante, o que temos visto de postulações de caráter eminentemente protelatório é simplesmente assustador.


3) NAS RELAÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PARTICULAR NO CPP.

Verifiquei em suas declarações que o Senhor afirma que a maioria das condenações penais são confirmadas pelo Supremo.

Até aí, Sr. Ministro, nada de mais. Apenas humidemente peço que o Senhor faça um esforço de imaginação hipotética e tente raciocinar no lugar de réu nos processos acima indicados. Qual seria a última oportunidade, no caminho processual normal, que uma pessoa teria de ver revertido o resultado de uma condenação?

Independente de suas afirmações, nem que houvesse apenas uma decisão reformada, seria exatamente esta decisão o alicerce de esperança para quem foi condenado sem um processo regular ou sem um conjunto probatório que autorizasse um decreto condenatório. E esse fato é constatado, Sr. Ministro, pelos advogados que militam nessa área de Direito e que são inúmeras vezes discriminados pelos próprios Órgãos do Poder Judiciário, do qual V. Exa. preside a Corte Maior.

Não sei se o Senhor já é avô, mas se a resposta for positiva, imagine se tirarem um doce da boquinha do seu neto? Seria doloroso. É exatamente o efeito análogo que o Senhor conseguiria no processo penal, se os nossos legisladores, mais uma vez, optarem por fazer média com uma Autoridade, ao invés de legislarem em favor da sociedade.


4) CONCLUSÃO.

Independente de qualquer solução que se possa ter no assunto, afirmo, e me reservo ao direito de mudar minha posição diante de argumentos jurídicos normativos irrefutáveis, que Sua proposta ofende frontalmente os dispositivos do artigo 5º da nossa Carta Magna que tratam do acesso às diversas instâncias do Poder Judiciário e é, exatamente neste ponto, que reside minha angústia como jurista e cidadão: como é que um Ministro do nosso Pretório Excelso, que deu uma verdadeira aula de processo quando de sua sabatina perante o Senado Federal, teve a idéia de propor o texto de uma PEC, em que agride frontalmente uma das garantias fundamentais conquistadas a duras penas pelo povo brasileiro? O Senhor mesmo revelou que sofreu discriminação quando de sua promoção a desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Imagine se naquela época, e lembre-se que era regime militar, se o Senhor não pudesse ter acesso às instâncias superiores para fazer valer o seu direito?

Senhor Ministro, para quem opera em instâncias inferiores e que tem por hábito fazer um trabalho correto e amparado apenas no âmbito técnico do exercício da profissão, é absolutamente lastimável ver tal fato ocorrer, que, queiramos ou não, representa uma afronta e agrassão ao texto constitucional.

Não se acanhe em reformular seu posicionamento. Não se acanhe em mudar de opinião publicamente. Somente ocorre com os grandes homens. Todo aquele que tem uma postura pública se ser o dono da verdade é, na realidade, um psicótico com grande complexo de inferioridade. Quero continuar a admirá-lo e ao Tribunal que V. Exa. preside. Quero continuar a dizer aos meus alunos que o Poder Judicário é na realidade o grande baluarte e sustentáculo da democracia brasileira. Sr. Ministro, o senhor não precisa pedir votos, o senhor tem como retrato de cidadania, uma reputação ilibada e um passado irretocável. Lembra-se que o Senhor foi obrigado, como Relator da ação em que se questionava o texto da Emenda 41 de 2003, a ensinar ao legislador como deve ser redigido uma mudança de texto constitucional?

Não jogue tudo isso na lata de lixo. Não entristeça aqueles que aprenderam a admirá-lo.

Sobre o autor
Sérgio Mário Sampaio Antunes

Advogado e Professor de Direito.Pós-graduação em 05 (cinco) cadeiras de Direito Público: Constitucional, Administrativo, Penal, Processual Penal e Tributário, professor universitário e de vários cursos preparatórios para concursos públicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Sérgio Mário Sampaio. PEC dos recursos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2903, 13 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19331. Acesso em: 22 dez. 2024.

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