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Ensaio sobre a parceria público-privada (PPP) da nova arena esportiva Fonte Nova

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Empreende-se uma análise da PPP firmada entre o Governo do Estado da Bahia e o consórcio OAS/Odebrecht para a construção, operação e manutenção da Arena Esportiva Fonte Nova.

SUMÁRIO:1. INTRODUÇÃO; 2. MARCO REGULATÓRIO DA PPP NO BRASIL; 3. DEFINIÇÃO DE PPP; 4. PPP EM ESTÁDIOS DE FUTEBOL; 5. A PPP DA FONTE NOVA; 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 7.REFERÊNCIAS.


RESUMO

O presente trabalho discute os limites e possibilidades do recurso à PPP (parcerias público-privada) para viabilizar a construção de equipamentos esportivos (Estádios de Futebol), tendo como contexto a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de futebol em 2014. O caráter recente da adoção das PPP no país faz com que sejam poucas as experiências em curso, justificando seu estudo de forma aprofundada. Em paralelo, o volume de recursos a ser investido para a realização da Copa do Mundo em 2014 enseja o exame minucioso das formas a serem utilizadas pelos governos para viabilizar a infraestrutura necessária. Assim, por meio de uma pesquisa empírica, empreende-se uma análise da PPP firmada entre o Governo do Estado da Bahia e o consórcio OAS/Odebrecht para a construção, operação e manutenção da Arena Esportiva Fonte Nova. Nossa análise revela que muito embora o recurso à PPP tenha sido uma escolha adequada, os riscos assumidos pelo operador privado foram aquém do necessário, contribuindo assim para uma sobrecarga demasiada do governo estadual.

PALAVRAS-CHAVE: PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA; PPP; ESTÁDIOS; FUTEBOL; FONTE NOVA; COPA.


1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos formas alternativas à provisão estatal vêm sendo invocadas para a provisão de serviços de utilidade pública. Da provisão privada total, passando pela terceirização, pela concessão e, mais recentemente, pelas Parcerias Público-Privadas (PPP). As novas modalidades possuem como traço comum a entrada em cena de novos atores em papéis anteriormente desempenhados por entes estatais, sobretudo em função das restrições orçamentárias dos governos.

A escolha do Brasil como sede de grandes eventos esportivos tais como: Copa das Confederações em 2013, Copa do Mundo de Futebol em 2014, Copa América em 2015 e Jogos Olímpicos em 2016, demanda, evidentemente, uma série de investimentos tanto em equipamentos esportivos quanto em serviços de infraestrutura (aeroportos, transporte público de massa, serviços de saúde, por exemplo). Diante do expressivo volume de recursos necessários à organização desses eventos nos padrões estipulados pelos organizadores, nada mais natural que entes privados sejam invocados a participar dos esforços para materialização da estrutura correlata.

Nesse sentido, o presente trabalho busca compreender os limites e possibilidades das PPP para a construção de estádios de futebol, tomando como base a experiência concreta da PPP da Fonte Nova, orquestrada pelo Governo do Estado da Bahia. Para tanto, após essa introdução, analisa-se a a lei nacional de PPP (Lei nº 11.079/04), cotejando-a com a Lei do Programa de PPP do Governo do Estado da Bahia, Lei nº 9.290, de 27 de dezembro de 2004. Em seguida, discute-se as vantagens e desvantagens dessa forma híbrida de provisão de serviços públicos, tendo como suporte construtos teóricos caros ao campo teóricos conhecido como economia das organizações, o qual tem sido empregado em estudos da área da análise econômica do direito, também conhecido como Law and Economics (ZYLBERZSTAJN e STAJN, 2005). Na sequencia, examina-se as características e potencialidades da PPP firmada entre o Governo do Estado da Bahia e o consórcio OAS/Odebrecht para a construção, operação e manutenção da Arena Esportiva Fonte Nova. Vale ressaltar que o presente estudo não examinará o contexto histórico do surgimento das PPPs no Brasil ou no Direito comparado, tampouco as objeções a sua implementação no Brasil, pois parte-se do pressuposto de sua constitucionalidade. Ademais, recorrendo ao uso da primeira pessoa, no nosso entender não vislumbramos nada que acrescentar a este debate, frequentemente pautado por argumentos calcados em juízo de valor e em convicções ideológicas de defensores e contrários ao modelo. Assim, em meio a uma perspectiva positiva, procuramos examinar a realidade e a partir dela tecer considerações que possam servir de subsídio a teóricos da área de direito e a formuladores de políticas públicas.


2. DEFINIÇÃO DE PPP

A PPP é uma forma híbrida de provisão de serviços públicos, ou seja, um arranjo organizacional no qual há a participação conjunta e coordenada entre o Poder Público e atores privados para a consecução de um fim tipicamente público (CABRAL, 2006). Serviço público, por sua vez, segundo Marçal Justen Filho (2005, p. 478):

é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público

A PPP, contudo, não é o único arranjo híbrido possível no sistema legal brasileiro. É apenas o mais novo. Podemos citar, além das PPPs, as concessões comuns e as terceirizações. Como demonstra a figura 1 abaixo, o que distingue cada um desses arranjos organizacionais é o grau de transferência do Poder Público para o particular dos direitos de propriedade, direitos de decisão e também a receita proveniente da operação (CABRAL e SILVA Jr, 2009, p.3).

 

Envolvimento do operado provado

               
   

 

             

Privatização

 

Alto

 

               
   

 

         

PPP

   
   

 

               
 

Médio

 

     

Concessão

       
   

 

               
 

Baixo

 

 

Terceirização

           
   

 

               
 

Nulo

Gestão Direta

               
   

 

               

Propriedade

Pública

 

Pública

 

Pública

 

Privada

 

Privada

Duração dos direitos de propriedades do operador

-

 

Curto

 

Médio

 

Médio/Longo

 

Perpétuo

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Figura 1 – Principais formas de provisão de serviços de utilidade pública

Fonte: Adaptação de Huet e Saussier (apud CABRAL, 2006, p.34)

A figura acima não esgota as possibilidades de arranjos envolvendo governo e iniciativa privada, mas tão somente apresenta as formas mais importantes, segundo à classificação utilizada pela ciência jurídica. Percebe-se que, entre a provisão governamental direta e a privatização, existem outros arranjos cujas características podem situá-los mais próxima da gestão direta ou mais próxima da privatização.

A PPP apresenta inúmeras vantagens. Utilizando-se delas, o Poder Público pode comprar o serviço de um operador privado ao invés de investir recursos próprios, o que garante a realização dos fins do Estado sem comprometer o orçamento público (CABRAL e SILVA Jr, 2009, p.3). Acrescente-se, ainda, a vantagem de o serviço público delegado ao particular conserva sua legitimidade conferida pelo setor público somado ao potencial de gestão (flexibilidade e agilidade) do setor privado (CABRAL e SILVA Jr, 2011).

Tomando-se por base a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, considerada como o marco regulatório da PPP no Brasil (ANDRADE, 2011, p. 10), no que diz respeito às características do contrato, precisa é a lição de Paulo Sérgio Souza Andrade (2011, p.2) a seguir transcrita. Para ele, uma análise interdisciplinar, com base na Análise Econômica do Direito (Law & Economics):

"Em linhas gerais [a PPP] também é uma concessão de serviço público, diferindo da concessão comum pelo maior prazo do contrato para viabilizar investimentos maiores em ativos destinados à provisão de serviços de utilidade pública tradicionalmente oferecidos diretamente pelo Poder Público. O prazo da concessão não será inferior a 05 (cinco) anos nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, ou seja, de médio a longo prazo, enquanto que nas concessões comuns o prazo é curto o que inviabiliza investimentos maiores. O investimento mínimo é de R$ 20 milhões. A PPP funciona da seguinte forma: o operador privado pode investir recursos próprios para a construção de um dado ativo para a provisão de um serviço público de forma autônoma ou conjunta com o ente estatal. Em retribuição ao seu aporte financeiro, o ente privado adquirirá a concessão para explorar o serviço por prazo determinado, compatível com o valor do investimento. Tal período compreende o tempo necessário à amortização do investimento, além de considerar a realização de uma margem de lucro compatível a atividade empresarial, que seja igual ou superior ao custo de oportunidade do ator privado. Os contratos de PPP ainda poderão prever, adicionalmente, a repartição de riscos e lucros entre o Poder Público contratante e o particular contratado. Ao final do contrato, quando acabam as obrigações do operador privado, o ativo originalmente construído por esse será revestido para o patrimônio público. A partir de então, o Poder Público será o titular dos direitos de propriedade e terá a faculdade de explorar o serviço diretamente, por sua conta e risco, ou cometê-lo à particulares nos termos e condições previstos na Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispões sobre as permissões e concessões comuns de serviços públicos."

Do ponto de vista da Law & Economics, a PPP, enquanto arranjo híbrido, pode ser caracterizada sob a égide da teoria da agência (CABRAL, 2006, p.68). Em resumo, haverá a presença do Estado na qualidade de principal, em nome de quem a outra parte, o operador privado ou agente, executará tarefas e tomará decisões. Nesse arranjo, o principal delega tarefas a um agente e espera que este último empreenda o máximo de esforço para a consecução do fim almejado (JENSEN e MECKLING, 1976). Entretanto, os interesses dos atores envolvidos podem não estar perfeitamente alinhados. Deste modo, para que o principal consiga determinar o comportamento do agente, faz-se preciso instituir um sistema de incentivos (punições e recompensas) adequado ao fim pretendido (CABRAL e SILVA Jr, 2009). O design dos sistemas de incentivos é uma questão central na economia das organizações. A idéia é que as partes irão trabalhar melhor se forem recompensadas pelos seus resultados. A ocorrência de incentivos, por seu turno, demanda um eficaz sistema de monitoramento e controle para que não se cometam injustiças nem com as premiações nem com as punições (ROBERTS, 2010). Além das responsabilidades, a delegação entre agente e principal requer a transferências dos riscos. Sob a ótica da eficiência econômica, os riscos devem ser alocados às partes que possuam melhor condições para gerenciá-los ao menor custo (CABRAL e SILVA Jr, 2009, 2011).

O grande problema envolvendo incentivos reside em seu desenho, por vezes não trivial, e na própria reação dos atores econômicos e sociais a sua existência. Segundo John Roberts (2010, p.125):

The problem is that people respond just as strongly to badly designed incentives as they do to well- structured ones. And when those badly designed incentives are strong, they can lead to really egregious forms of behavior, and the results then can be horrendous. [01]

Além do que foi dito até aqui, as PPPs também estão sujeitas aos mesmos males a que são acometidos os contratos administrativos em geral. Há sempre, v.g., o risco de colusão entre os atores envolvidos, em detrimento do bem estar coletivo (CABRAL, LAZZARINI e AZEVEDO, 2010). Partido desse pressuposto, andou bem o legislador pátrio quando condicionou a contratação na modalidade de PPP à submissão da minuta de edital e de contrato à consulta pública, mediante publicação na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, que deverá informar a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato, seu valor estimado, fixando-se prazo mínimo de 30 (trinta) dias para recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos 7 (sete) dias antes da data prevista para a publicação do edital (Lei de PPP, art. 10, inciso VI).

No caso da PPP da Fonte Nova temos um exemplo de tentativa de controle social que merece nota. O Ministério Público do Estado da Bahia tem se destacado pela atuação controladora e por sucessivas ações visando a fiscalização do empreendimento e a observação de aspectos relacionados ao financiamento, da concessão de licenças ambientais. Além do MP, entidades profissionais, ambientalistas e sociais da Bahia, manifestam-se, por meio de manifesto público, contrárias especialmente à proposta de demolição integral do Complexo Esportivo da Fonte Nova [02], sob o argumento, dentre outros, de que o estádio era perfeitamente recuperável e reaproveitável a baixo custo. Sem julgar a pertinência ou não dos clamores, é fato concreto que as PPP possibilitam o controle social, aumentando as chances de preservação de interesses da sociedade.

De fato, acerca do controle popular dos atos praticados pela Administração Pública, Marçal Justen Filho (2005, p, 732) fez uma brilhante observação, a seguir transcrita:

o controle da atividade administrativa depende de instrumentos jurídicos adequados e satisfatórios. Mas nenhum instituto jurídico formal será satisfatório sem a participação popular. A democracia é a solução mais eficaz para o controle do exercício do poder. A omissão individual em participar dos processos de controle do poder político acarreta a ampliação do arbítrios governamental

E, em seguida, conclui que "os instrumentos que prevêem a participação popular na atividade administrativa representam, por isso, a solução mais satisfatória e eficiente para promoção dos direitos fundamentais" (JUSTEN FILHO, 2005, p, 732). As palavras de Marçal, de clara intelecção, são suficientes por si só, dispensando, assim, qualquer comentário.

Sobre os autores
Paulo Sérgio Souza Andrade

Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBa.

Sandro Cabral

Doutor em Administração e Professor da Escola de Administração da UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Paulo Sérgio Souza; CABRAL, Sandro. Ensaio sobre a parceria público-privada (PPP) da nova arena esportiva Fonte Nova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2912, 22 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19385. Acesso em: 23 nov. 2024.

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