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Atuação do CADE na defesa da concorrência (Lei nº 8.884/93)

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Agenda 07/07/2011 às 15:31

SANCIONAMENTO DA CONDUTA

Diferentemente do que ocorre com a identificação do ilícito (competência vinculada, não existindo margem de atuação do agente estatal), o sancionamento da conduta descrita pelo legislador como ilícita permite uma atuação discricionária do CADE, que poderá atenuar ou mesmo deixar de aplicar uma sanção dependendo do caso concreto.

A doutrina de direito econômico diferencia, neste aspecto, dois sistemas: um primeiro sistema, denominado de teoria da concorrência-condição, toma a concorrência como um fim em si mesma, abstraindo qualquer outro aspecto econômico relacionado com a pratica concorrencial. Para o segundo sistema,teoria da concorrência-meio, a concorrência é considerada como um dos diversos bens da estrutura do livre mercado, de modo que a repressão das práticas anticoncorrenciais fica condicionada ao prejuízo ao interesse geral.

O direito brasileiro, conforme se denota da própria redação do art. 170 da Constituição Federal, adota o segundo sistema, elencando diversos aspectos do livre mercado, todos assegurados de forma equivalente pelo dispositivo constitucional.

Assim, a atuação discricionária do CADE justifica-se ante essa dinâmica da economia, que envolve os mais diferentes fatores, assegurados, ao lado da livre-concorrência, de igual forma pela Constituição Federal.

Sendo assim, o jogo de interesses envolvidos em determinada conduta deve ser levado em conta pelo agente estatal, para que a aplicação mecânica do texto legal não se mostre como entrave ao desenvolvimento econômico nacional, prejudicando o incremento de postos de trabalho, a melhoria de produtos e serviços ao consumidor, etc.

Portanto, ainda que identificada uma conduta infracional, a aplicação ou não de medidas sancionadoras deverá levar em consideração todos os efeitos gerados pela prática anticoncorrencial, benéficos ou prejudiciais.


INSTRUMENTALIZAÇÃO DA ATUAÇÃO REPRESSIVA DO CADE

A atuação do CADE é concretizada por meio de processo administrativo cujo trâmite encontra-se previsto na Lei nº 8884/94 e em normas administrativas expedidas pelo conselho, observados os parâmetros constitucionais do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, da publicidade, etc.

O processo administrativo está previsto nos artigos 30 e seguintes da Lei nº 8884/94.

Primeiramente, cuida a lei das averiguações preliminares, que não constituem propriamente o processo administrativo, sendo um procedimento preparatório deste. É um procedimento de competência da SDE, quando não houver indícios suficientes da infração. Após essa fase, havendo indícios, será instaurado o procedimento administrativo. Agora, se vencido o prazo (que é de sessenta dias contados da instauração) e não existirem indícios de infração, poderá a autoridade arquivá-lo, ou, ainda assim, optar pela instauração do procedimento administrativo.

Optando pela instauração, esta deverá ocorrer no prazo do artigo 32 (oito dias a contar do conhecimento do fato, da representação, ou do encerramento das averiguações preliminares), por despacho fundamentado do Secretário da SDE, no qual deverão ser especificados os fatos a serem apurados.

O representado (pessoa a qual se imputa a prática infracional) será notificado para a defesa, podendo apresentá-la no prazo de 15 dias, sob pena de confissão.

Inicia-se a instrução processual, em dois âmbitos simultâneos: colheita de provas no interesse da Administração (realizada pela SDE, num prazo de 45 dias, prorrogável, por meio de requisições de informações, esclarecimentos ou documentos) e a colheita de provas do representado (no mesmo prazo de 45 dias, no qual poderão ser juntados documentos, serem ouvidas testemunhas – até 3, a princípio)

No processo administrativo, haverá a possibilidade de manifestação da Secretaria de Acompanhamento Econômico, já que a repressão a infração contra a ordem econômica deve se harmonizar à política econômica do governo.

Encerrada a instrução, o representado será notificado para, querendo, apresentar alegações finais em 5 dias.

Após o transcurso desse prazo, o processo será relatado pelo Secretário de Direito Econômico, concluindo-se pelo arquivamento do expediente (hipótese em que haverá recurso de ofício) ou pela remessa ao CADE para julgamento. Dessa decisão, não cabe recurso ao superior hierárquico (Ministro da Justiça e Presidente da República).

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Recebido o processo administrativo pelo CADE, será possibilitada a manifestação da Procuradoria sobre a regularidade formal do processo, eventuais prescrições e sobre o mérito, enfrentando as questões de fato e de direito, ou mesmo suscitando matéria não ventilada nos autos administrativos.

Após a manifestação da Procuradoria, distribuídos os autos ao Conselheiro-relator, este poderá discordar da conclusão do Secretário de Direito Econômico, instaurando uma instrução extraordinária, com diligências e requisições complementares.

O julgamento será realizado em sessão, onde poderão se manifestar o Procurador-Geral do CADE e o representado, ou seu advogado. Após, será proferido o voto do relator e a decisão do Conselho, por maioria absoluta, com presença mínima de 5 membros.

A decisão poderá cominar multa ou impor obrigação de fazer ou não fazer. Com efeito, a tutela dos interesses denominados transindividuais (dos quais, conforme será oportunamente mencionado, faz parte a proteção da ordem econômica) deve ser realizada de forma mais específica possível.

Deste modo, o principal escopo da tutela dos interesses transindividuais é imposição de fazer ou não fazer, a fim de evitar que o dano ocorra. Se o dano já estiver configurado, caberá a imposição da obrigação para que, na medida do possível, restaurar o status "quo ante". A imposição desta obrigação deve ser acompanhada de instrumento coativo, qual seja. a imposição de multa cominatória (astreites, prevista no art. 25 da Lei nº 8884/94). Apenas se não for possível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente é que a obrigação se converterá em perdas e danos.

No caso da decisão do CADE, a existência de infração à ordem econômica constitui ilícito administrativo de modo que a sua verificação, além da imposição da obrigação de fazer ou não fazer (com a instituição de multa cominatória), ensejará, ainda, a imposição de multa como sanção à infração praticada, conforme previsão do art. 23 da Lei concorrencial.

As decisões são dotadas de definitividade administrativa, já que não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo. Serão executadas de imediato sendo o seu cumprimento fiscalizado tanto pela SDE (art. 14, XII), como pelo próprio CADE (art. 47).

Em caso de inadimplemento pelo representado, a decisão poderá ser executada judicialmente, já que constitui título executivo extrajudicial. A execução em sede judicial, contudo, seguirá dois caminhos diversos: o primeiro, referente à execução da obrigação de fazer ou não fazer, com a possibilidade, inclusive, da intervenção judicial na empresa, ou a execução do valor correspondente às perdas e danos; o segundo, referente às multas impostas, que serão destinadas Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) e seguirão o trâmite previsto para as execuções fiscais.

No decorrer do processo administrativo, poderão ser determinadas algumas medidas para assegurar o resultado prático da decisão administrativa proferida.

A primeira que se destaca é a ordem de cessação, a ser determinada, em caráter liminar, pelo Secretário da SDE ou pelo Conselheiro-relator, por iniciativa própria ou por requerimento do Procurador-Geral do CADE, a adoção de medidas preventivas, se houver indício ou fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao mercado. Essa medida consistirá numa ordem de cessação e na reversão à situação anterior, quando possível.

Além disso, a lei confere a possibilidade de, no decorrer do processo administrativo, ser firmado o compromisso de cessação, em que o representado assume formalmente a obrigação de cessar determinada prática empresarial, satisfazendo o objeto do processo instaurado. A assinatura desse compromisso suspende a tramitação do processo administrativo, e constituirá título executivo extrajudicial.


CONTROLE PREVENTIVO

Conforme já destacado, a atuação preventiva do CADE consiste no controle dos atos de concentração.

Tradicional é a classificação desses atos previstos no art. 54 da Lei nº 8884/91 em: 1) "cooperação" entre agentes econômicos; e 2)"concentração" entre eles. Essa diferenciação revela o tratamento diverso conferido a estas categorias pelas legislações antitruste, notadamente em razão dos diferentes efeitos econômicos produzidos.

A cooperação empresarial é caracterizada pela uniformização de certos comportamentos ou pela realização de certa atividade conjunta, sem interferir com a autonomia de cada empresa, que permanece substancialmente independente daqueles aspectos de atividade não sujeitos ao acordo. Para que ocorra uma concentração empresarial, ao contrário, é fundamental que as empresas possam ser consideradas como um único agente do ponto de vista econômico para todas as operações por elas realizadas [36]


COOPERAÇÃO EMPRASARIAL

Conforme destaca Paula A. Forgioni, o sistema jurídico brasileiro, "desde que nele foram introduzidas normas para garantir a livre concorrência e reprimir o abuso de poder, determinou a ilicitude dos acordos empresariais que fossem nocivos, em seu objeto ou efeito, à concorrência" [37].

Os acordos empresariais, configurados na uniformização de condutas ou realização de atividades conjuntas, sem qualquer alteração estrutural das empresas envolvidas, são tradicionalmente divididos em dois âmbitos: acordos verticais e acordos horizontais.

Os "acordos verticais disciplinam relações entre agentes econômicos que desenvolvem suas atividades em mercados relevantes diversos, muitas vezes complementares" [38]. Envolvem, assim, as diversas fases de produção e da comercialização de determinado produto.

A realização de acordos verticais pode produzir efeitos: a) no mercado relevante em que atua o produtor do bem ou serviço; b) no mercado relevante em que atuam os distribuidores; ou c) no mercado dos fornecedores de bens para o produtor.

Os acordos verticais podem ser verificados na imposição/sugestão dos preços de revenda, na divisão do mercado, na exclusividade ("há exclusividade quando o distribuidor está obrigado a vender apenas os produtos provenientes de certos fornecedores" [39]), ou nas vendas casadas (ou trying arrangements).

Por outro lado, os acordos horizontais correspondem a acordos realizados entre agentes atuantes no mesmo mercado relevante geográfico e material, visando neutralizar artificialmente a concorrência, com as práticas previstas no art. 20 da lei antitruste (os denominados cartéis).


CONCENTRAÇÕES EMPRESARIAIS

As concentrações empresariais estão configuradas nas fusões ou incorporações de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle da empresa ou qualquer forma de agrupamento societário.

Estão previstas basicamente no § 3º do art. 54 da Lei 8884/94 e, conforme conclui-se da própria redação do texto legal, constituem espécies dos atos previstos no "caput" do mesmo artigo.

O art. 54, "caput", contém hipótese ampla de controle, englobando tanto as formas de concentração (especificadas no § 3º do artigo), como as formas de cooperação econômica, determinando que devem se submeter ao CADE os atos (e contratos) que possam levar à dominação dos mercados ou que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência.

Deste modo, a submissão da concentração à apreciação do CADE, em que pese à redação específica prevista no art. 54, § 3º da Lei nº 8884/94, não se limita à hipótese deste parágrafo, sendo certo que, ainda que não compreendido na especificidade do §3º, mas inserida no conceito mais abrangente de "atos", será a conduta submetida ao CADE, nos termos do art. 54, "caput" do mesmo diploma

Essas concentrações são classificadas pela doutrina em horizontais, verticais e conglomerados.

As concentrações horizontais, assim como os acordos horizontais, envolvem agentes econômicos que atuam no mesmo mercado relevante, do mesmo modo que as concentrações verticais envolvem agentes concatenados no processo produtivo ou de distribuição do produto.

As concentrações conglomerados, terceira espécie de concentração, podem ser definidas por um conceito residual, ou seja, aquelas que não são nem verticais, nem horizontais. São aquelas que envolvem empresas que atuam em mercados relevantes completamente apartados, podendo ser divididas conforme seu objetivo ou efeito, em:

a) conglomerados de expansão de mercado / market extension: envolvem empresas que produzem o mesmo tipo de produto, mas atuam em mercados relevantes geográficos diversos;

b) conglomerados de expansão do produto / product extension: envolvem empresas produtoras de bens complementares;

c) conglomerados de diversificação ou puras: envolvem empresas cujos produtos não guardam qualquer relação de concorrência ou complentariedade. Neste caso, a repressão à prática se justifica ante ao potencial formação de um poder alternativo, apto a condicionar a atuação dos poderes políticos, utilizando-se das forças econômicas deste novo agente.

Tais concentrações empresariais são almejadas pelos agentes econômicos em razão das vantagens que dela podem decorrer [40]. E essas vantagens, para que sejam lícitas, devem se harmonizar com o interesse da sociedade em geral, de modo que se torna indispensável a análise do impacto da concentração para determinação de sua repressão ou não.

Analisar referidos impactos envolve, num primeiro momento, a delimitação o mercado relevante a ser atingido; posteriormente, envolve a identificação da cota detida pelas empresas antes e depois da concentração, assim como o grau de concentração do mercado nesses momentos (tomando-se em consideração, para tanto, diversos fatores, tais como a existência de barreiras à entrada de novos concorrentes, prejuízo à dinâmica da concorrência naquele mercado relevante, prejuízo à concorrência potencial).

Nota-se, portanto, que a configuração de concentração a ser reprimida mostra-se deveras abstrata, variando a cada caso concreto.

Visando diminuir o grau de insegurança e de imprevisibilidade decorrente desta abstração, foi editada a Portaria Conjunta estabelecendo o procedimento a ser adotado para a elaboração dos pareceres da SDE e SEAE sobre as concentrações horizontais: definição do mercado relevante, determinação da parcela de mercado sob controle das empresas requerentes, exame da probabilidade de exercício de poder de mercado, exame das eficiências econômicas geradas pelo ato e avaliação da relação entre custo e benefícios derivados da concentração.

Percebe-se, assim, que as concentrações empresariais, ao mesmo tempo em que devem ser reprimidas em certas ocasiões pelo sistema (quando acarretam a existência), são indispensáveis ao progresso e eficiência do sistema produtivo.

Por isso, ao mesmo tempo em que dispõe sobre a repressão das condutas, o sistema prevê as chamadas "válvulas de escape" a fim de impedir que a repressão das condutas em termos restritos configure um entrave ao desenvolvimento econômico brasileiro.

Sobre a autora
Adriana Mecelis

Procuradora Federal. Professora universitária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MECELIS, Adriana. Atuação do CADE na defesa da concorrência (Lei nº 8.884/93). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2927, 7 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19498. Acesso em: 23 dez. 2024.

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