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Justiça restaurativa: um novo modelo de Justiça

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Agenda 19/07/2011 às 15:00

3 Objetivos da Justiça Restaurativa

"Em vez de definir a justiça como retribuição, nós a definiremos como restauração. Se o crime é um ato lesivo, a justiça significará reparar a lesão e promover a cura. Atos de restauração – ao invés de mais violação – deveriam contrabalançar o dano advindo do crime. É impossível garantir recuperação total, evidentemente, mas a verdadeira justiça teria como objetivo oferecer um contexto no qual esse processo pode começar". [16]

A Justiça Restaurativa busca soluções pacíficas para resolução de conflitos, envolvendo todos aqueles que direta e indiretamente estejam ligados ao fato. Sendo de fundamental importância a participação da comunidade para a realização dos Círculos Restaurativos.

"O marco inaugural da regulamentação da Justiça Restaurativa pela ONU foi a Resolução 1999/26, de 28.7.99, que dispôs sobre o ‘Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e de Justiça Restaurativa na Justiça Criminal’, quando foi proposta formulação de padrões no âmbito das Nações Unidas. Seguiu-se a Resolução 2000/14, de 27.7.00, reafirmando a importância dessa tarefa." [17]

A Resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Cultural da Organização das Nações Unidas, do qual o Brasil faz parte, traz os princípios básicos para a utilização de Programas de Justiça Restaurativa em matéria criminal e se dispõe a estimular a adoção das práticas restaurativas por seus Estados Membros, é o que se vê no item 2: "Encorajar os Estados Membros a inspirar-se nos princípios básicos para programas de justiça restaurativa na área criminal". [18]

Em outros países como a Nova Zelândia e os Estados Unidos da América, as práticas restaurativas são utilizadas em diversos tipos de crimes, no entanto, no Brasil, restringe-se à aplicação na área da infância e juventude, conflitos nas escolas e contravenções penais e crimes de menor potencial ofensivo, de modo que ainda há uma certa resistência cultural da sociedade para entender a dinâmica das práticas restaurativas, pois a cultura brasileira é eminentemente retributiva, data venia, uma vez que é este o modelo utilizado no país, sendo, apenas, em lugares pontuais em que há a implementação da Justiça Restaurativa.

Com isso, o que se tem são obstáculos a serem ultrapassados, barreiras culturais, que com muito diálogo e apresentação das falhas e da crise do sistema atual, caminhar-se-á para nova percepção e aceitação das novas formas de fazer justiça, com quebra de paradigmas.

Não se quer dizer, contudo, que a Justiça Restaurativa seja a melhor ou única solução, mas é, hoje, a que se apresenta como algo novo que busca a mudança do cenário atual de total crise e falência do sistema que já é implantado há tanto tempo, sem eficiência, efetividade e eficácia. Os seres humanos devem sempre buscar renovação e evolução em seus pensamentos e formas de aplicação das leis. Se estas não estão produzindo seus efeitos pretendidos, deve-se buscar as mudanças necessárias e diferenciadas, com a observação que já tenham demonstrado resultados satisfatórios em sua implementação.

O objetivo claro desse novo modelo de Justiça é restaurar as relações quebradas. Essas relações nem sempre poderão ser restabelecidas por conta do caso concreto, mas a sociedade, a comunidade, aqueles envolvidos poderão ter a sensação de que algo foi feito para curar, para sanar, para restabelecer e entender o porque daquilo, porque aconteceu com aquela vítima, pois a vítima sempre se perguntará porque com ela e não com outra pessoa?, ou o porque daquele indivíduo chegar ao ponto de cometer aquele ato?

Todos esses e outros questionamentos são feitos tanto pela vítima, como pela sociedade e pela comunidade que a envolve. E, com relação ao ofensor, deve-se perguntar porque ele cometeu aquele ato?, a sociedade também deve procurar dar essa resposta e se disponibilizar a dar uma nova oportunidade, uma chance de futuro para esta pessoa. O ofensor irá cumprir sua pena imposta pela Justiça, mas após ser cumprida ele irá sair do cárcere e qual perspectiva de vida ele terá? Voltar a cometer delitos?

Cabe, portanto, ao Círculo Restaurativo estabelecer metas a cumprir, expectativas para este indivíduo, a comunidade deve acolhe-lo de oportunidades para que ele não volte a delinquir. O Estado deve cercar esse indivíduo de forma cultural, educativa, real, sem deixá-lo à margem da sociedade, pois a experiência que se teve em todos esses anos foi de um sistema de cárcere, que não ressocializa, que não se interessa com os infratores e, nem tampouco, com a vítima. A vítima do sistema é o próprio Estado.

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O ilustre Howard Zehr (1990) apresenta em sua obra "Trocando as Lentes" dois principais objetivos da justiça restaurativa, quais sejam: reparação e cura para as vítimas e sanar o relacionamento entre vítima e ofensor.

Para o ilustre autor a vítima deveria ter o senso de recuperação, voltando a sentir que a vida faz sentido para ela, voltando a sentir-se segura, no controle. Já o ofensor deveria ser incentivado a melhorar, a evoluir enquanto ser, receber a chance de começar de novo. Seguindo as mesmas palavras do eminente Howard Zehr (1990), "a cura abarca um senso de recuperação e esperança em relação ao futuro".

Sanar o relacionamento entre vítima e ofensor significa a reconciliação, o arrependimento e o perdão. No entanto, não se deve crer que em todos os casos isso será possível, mas mesmo a cura parcial desses relacionamentos já leva a um primeiro passo para a cura individual. Os envolvidos não podem ser coagidos a conciliar, a justiça não pode forçá-los à conciliação. Deve ser dada a oportunidade para que o ofensor caminhe à cura, para que ele tenha novas expectativas após o cumprimento de sua pena, quando for o caso. Além da vítima e do ofensor, a comunidade também necessita de cura.

Os objetivos da Justiça Restaurativa são muito claros e apresentam-se, também como requisitos para a sua própria aplicação eficaz. De maneira que, sem os traços objetivos não há como se trilhar uma restauração baseada em uma concatenação de esforços, de atividades voltadas para os envolvidos e a própria sociedade, que tem papel ímpar nessa relação.


4 Modelo de Justiça utilizado atualmente no Brasil e seus efeitos

O modelo de Justiça que é adotado pelo Brasil é o retributivo. Para melhor entendê-lo faz-se necessária uma breve introdução sobre as teorias da pena para que se possa compreender de forma coesa e objetiva o porquê de se utilizar este modelo e a sua contextualização com os dias atuais.

No Estado absolutista o que se tinha era o poder soberano identificado com o divino, de modo que o poder era concedido através da vontade de Deus.

"De certa forma, no regime do Estado absolutista, impunha-se uma pena a quem, agindo contra o soberano, rebelava-se também, em sentido mais que figurado contra o próprio Deus". [19]

Nasce então, o Estado burguês, com base no contrato social, surgindo a divisão de poderes. Com isso, a pena deixou de ter como fundamento a identidade entre Deus e Soberano, Estado e religião, passando a ser compreendido como "a retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos homens e consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida. À expiação sucede a retribuição, a razão Divina é substituída pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens". [20]

Diante do cenário retributivo, tem-se a pena como a única forma de fazer Justiça. O mal realizado pelo autor do crime deve ser compensado com uma pena do tamanho do mal imposto.

Os maiores defensores das teses absolutistas e retributivas que se destacaram foram Hegel e Kant, os dois mais expressivos pensadores do idealismo alemão.

"Em síntese, Kant considera que o réu deve ser castigado pela única razão de haver delinquido, sem nenhuma consideração sobre a utilidade da pena para ele ou para os demais integrantes da sociedade. Com esse argumento, Kant nega toda e qualquer função preventiva – especial ou geral – da pena. A aplicação da pena decorre da simples infringência da lei penal, isto é, da simples prática do delito." [21]

Para Hegel a pena é a lesão, ou melhor, a maneira de compensar o delito e recuperar o equilíbrio perdido. [22]

O que se vê, hoje, é a utilização real dos ideais de Hegel e Kant camuflados por ideologias que visam a ressocialização daquele que será posto em cárcere, como se a aplicação da pena pura e crua fosse a solução para todos os problemas sociais que o Brasil enfrenta. Quando na verdade, o que se observa, é a falência do sistema implantado, onde se deve buscar novas soluções para a crise atual, com a quebra de paradigmas e evolução cultural.

A cultura brasileira é eminentemente retributiva, porque o brasileiro crê que quando aquele que cometeu um delito é preso, aí sim, está sendo feita a Justiça, sendo este um grande obstáculo para implantação da Justiça Restaurativa, pois a sede por justiça do brasileiro, ainda é ver o indivíduo "apodrecer" no cárcere, ser banido da sociedade.

Segundo o ilustre Howard Zehr (1990):

nós vemos o crime através da lente retributiva. O processo penal, valendo-se desta lente, não consegue atender a muitas das necessidades da vítima e do ofensor. O processo negligencia as vítimas enquanto fracassa no intento declarado de responsabilizar os ofensores e coibir o crime.

Ainda segundo o ilustre Howard Zehr (1990), há a distinção entre os dois modelos de justiça que são dicotômicos. Define a Justiça Retributiva como sendo aquela que considera o crime como uma violação contra o Estado, definida pela desobediência à lei e pela culpa. De modo que, a Justiça determinará a culpa e infligirá dor no contexto de uma disputa entre ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas. Conquanto que a Justiça Restaurativa vê o crime como uma violação de pessoas e relacionamentos. Ela cria a obrigação de corrigir os erros. Este modelo de Justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade, na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.

Ao contrário, o modelo de Justiça Retributiva tem como vítima o próprio Estado, definindo o comportamento danoso como violação de regras e considera irrelevante o relacionamento entre vítima e ofensor. [23]

Já o modelo de Justiça Restaurativa, por sua vez, estabelece como vítimas as pessoas, reconhecendo as suas dimensões interpessoais como algo central e o crime como violador de pessoas e relacionamentos.

Para que a diferença entre os modelos de Justiça fique bem definida, tem-se abaixo uma tabela comparativa que se encontra no livro "Trocando as Lentes", do eminente autor, sempre citado, Howard Zehr (1990).

Lente Retributiva

Lente Restaurativa

O crime é definido pela violação da lei

O crime é definido pelo dano à pessoa e ao relacionamento (violação do relacionamento)

Os danos são definidos em abstrato

Os danos são definidos concretamente

O crime está numa categoria distinta dos outros danos

O crime está reconhecidamente ligado a outros danos e conflitos

O Estado é a vítima

As pessoas e os relacionamentos são as vítimas

O Estado e o ofensor são as partes no processo

A vítima e o ofensor são as partes no processo

As necessidades e direitos das vítimas são ignorados

As necessidades e direitos das vítimas são a preocupação central

As dimensões interpessoais são irrelevantes

As dimensões interpessoais são centrais

A natureza conflituosa do crime é velada

A natureza conflituosa do crime é reconhecida

O dano causado ao ofensor é periférico

O dano causado ao ofensor é importante

A ofensa é definida em termos técnicos, jurídicos

A ofensa é compreendida em seu contexto total: ético, social, econômico e político.

Tabela 1

A partir do estudo desta tabela apreende-se todo o ideal objetivo da Justiça Restaurativa, voltado sempre para a mudança de olhares diante do crime, de atos ofensivos ao homem, de maneira a fazer reparar esse dano através do reconhecimento, da avaliação dos danos causados e sofridos por cada pessoa, tornando cada uma delas parte essencial para a resolução do conflito, sendo o todo analisado a partir de uma visão ética, social, econômica e política, que envolve toda a sociedade indiretamente.

No entanto, apesar de não ter sido encontrada bibliografia vasta sobre críticas ao modelo de Justiça Restaurativa, o autor do trabalho "O Paradigma do Encontro", Renato Sócrates Gomes Pinto, apresentou claramente as críticas tecidas a este novo modelo de Justiça, quais sejam: afirma-se que há desvio do devido processo legal, das garantias constitucionais e normas infraconstitucionais; que a Justiça Restaurativa representa o retorno ao período da Vingança Privada;que banaliza certos crimes; que não há como restaurar a ordem jurídica lesada pelo crime, nem tampouco a vítima; que é uma forma de privatização do Direito Penal com a desjudicialização da Justiça Criminal; e que este novo modelo só serve para beneficiar o infrator e promover a impunidade.

O autor rebate com clareza e precisão cada uma das críticas feitas à Justiça Restaurativa, com argumentos que dispensam oposição, de sorte que:

não há desvio do devido processo legal, uma vez que o acordo restaurativo terá validade e eficácia quando homologado judicialmente, ouvido o Ministério Público e com a participação dos advogados das partes se assim desejarem; o que há com a aplicação desse novo modelo é o resgate de valores culturais perdidos; para que haja o encontro restaurativo é imprescindível a anuência das partes, a voluntariedade; a Justiça Restaurativa é um procedimento complementar ao sistema, que tem como objetivo recompor a ordem jurídica e as relações quebradas entre as partes envolvidas, trazendo resultados para a vítima e para o ofensor; apresentando-se como um sistema constitucional e legalmente sustentável, com a utilização da mediação, conciliação e transação já previstas em lei, a partir da metodologia restaurativa; se apresentado como uma alternativa para o modelo atual que está em crise. [24]

Sobre a autora
Mila Loureiro de Castro Amancio

Advogada. Pós-graduanda em Direito Público pelo Instituto Excelência Ltda - JUSPODIVM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMANCIO, Mila Loureiro Castro. Justiça restaurativa: um novo modelo de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2939, 19 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19579. Acesso em: 5 nov. 2024.

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