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Justiça restaurativa: um novo modelo de Justiça

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Agenda 19/07/2011 às 15:00

5 Tratamento despendido à vítima de delitos

"O crime é uma violação do ser, daquilo que somos, daquilo que acreditamos, de nosso espaço privado" (ZEHR,1990).

No modelo de Justiça utilizado atualmente, a vítima dos crimes é o próprio Estado, onde aquele indivíduo que teve violado os seus direitos é posto em plano inferior diante do processo.

Para tanto, pergunta-se o que é preciso para que a vítima se sinta recuperada do trauma que sofreu? Um trauma que vai além do físico e do material, que atinge a alma!

É certo que as vítimas precisam de ressarcimento por suas perdas, pois a indenização contribui para a recuperação. Não obstante, precisam, também, de respostas sobre o que aconteceu com elas, o por que aconteceu, por que aquele indivíduo cometeu aquele ato e justamente com ela. A vítima irá se questionar todos os dias, irá repassar inúmeras cenas sobre sua mente das diversas formas que poderia ter agido para evitar o ocorrido, muitas vezes se culpando pelo o que aconteceu. Sem essas respostas o caminho para a cura é mais tortuoso.

Além disso, as vítimas necessitam de oportunidades para que possam externar seus sentimentos de dor, raiva, revolta, medo, sendo estes sentimentos naturais da reação humana quando essa vítima é violada por um crime, quando violado o seu ser. Essa vítima precisa de um espaço para ser ouvida sem cobranças, sem julgamentos, para que ela apenas externalize aquilo que a corroe todos os dias, as perguntas que merecem respostas, no entanto, essas respostas, muitas vezes, somente poderão ser dadas por ela mesma, através desse momento de externalização.

O retorno do sentido de empoderamento, faz-se mister, para que esse indivíduo volte a se sentir com poder sobre si mesmo, com sua autonomia restabelecida. Pode-se citar, como exemplo, os casos de crimes de violência doméstica contra a mulher, em que essa vítima deixa de se sentir no comando de sua vida, sendo posto em estado de submissão em uma relação familiar, o que dilapida todo o sentido de empoderamento sobre si mesma.

Para Howard Zehr (1990, p. 28), "como parte integrante da experiência de justiça, as vítimas precisam saber que passos estão sendo tomados para corrigir as injustiças e reduzir as oportunidades de reincidência."

Howard Zehr (1990, p. 29) esclarece com muita propriedade, ainda, que "ser vítima de uma outra pessoa gera uma série de necessidades que se satisfeitas, podem auxiliar no processo de recuperação. No entanto, a vítima desatendida poderá ter muita dificuldade para recuperar-se, ou ter uma recuperação incompleta."

Outro fato que acaba por colocar a vítima em plano inferior é o processo judicial. Não levar a vítima a sério acaba gerando medo, suspeita, raiva e culpa, conduzindo esses indivíduos a um sentimento de vingança, formando estereótipos, estimulando, por sua vez, os preconceitos de raça e classe social (ZEHR, 1990).

Destarte, na Justiça Restaurativa a vítima é colocada em plano central, onde será ouvida, terá seu espaço para falar, para ouvir as respostas do ofensor, na tentativa de restaurar a relação que foi quebrada, encontrando uma saída para o seu sofrimento e para a cura. Deste modo, o Estado deixa de ocupar, nesse modelo de Justiça, o papel de vítima primária.


6 Forma de aplicação da Justiça Restaurativa no Brasil e outras situações em que se pode aplicar esse modelo

Atualmente, no Brasil, a Justiça Restaurativa vem sendo aplicada no âmbito da infância e juventude, nos crimes de menor potencial ofensivo e nas contravenções penais, além de ser implementada no âmbito escolar.

A Justiça Restaurativa surgiu formalmente no Brasil no ano de 2005, por meio da Secretaria da Reforma do Judiciário/Ministério da Justiça, que elaborou o projeto Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro, e, juntamente com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD, apoiou três projetos-piloto de Justiça Restaurativa. Um destes projetos é realizado no Estado de São Paulo, na Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Caetano do Sul; os outros dois foram implementados no Juizado Especial Criminal de Bandeirante, em Brasília/DF, e na 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre/RS, com competência para executar as medidas socioeducativas [25]. E, recentemente, no dia 04 de fevereiro de 2010, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia inaugurou seu primeiro Núcleo de Justiça Restaurativa, implantado na extensão do 2° Juizado Especial Criminal, com aplicação referente aos delitos de menor potencial ofensivo. Desse modo, o que se tem é o avanço das implantações pelo país, através de diversas iniciativas, que são impulsionadas pela Justiça.

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A Justiça Restaurativa pode ser aplicada em diversas áreas em que apresentem problemas de conflito entre as pessoas, como as escolas, o ambiente de trabalho, a família, dentro das comunidades e no âmbito da Justiça Criminal.

Todo o arcabouço teórico da Justiça Restaurativa apresenta a possibilidade de sua aplicação em um país em crescente desenvolvimento como o Brasil, apesar de apresentar problemas pontuais a ser solucionados, como a evolução cultural para receber uma nova visão de Justiça.

Com isso, o ordenamento jurídico brasileiro precisa abrir espaço para esse novo modelo, inserindo-o na legislação para que sua implementação seja ainda mais efetiva.

A experiência realizada em São Caetano do Sul é voltada para os conflitos que ocorrem nas escolas, evitando, assim, a estigmatização do jovem envolvido em algum conflito, apresentando uma alternativa para assumir o erro, saber repará-lo juntamente com a vítima, atendendo às necessidades da mesma e do próprio ofensor, que muitas vezes é vítima no seio familiar de algum tipo de violência, seja ela psíquica ou física.

Já em Porto Alegre a aplicação da Justiça Restaurativa se dá no âmbito da infância e da juventude, integrando sua atuação com políticas de Segurança Pública, Assistência Social, Educação e Saúde. Estas práticas são realizadas pela 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude, que tem significativa atuação no âmbito da Justiça Restaurativa, disseminando este tema através de cursos, palestras, desenvolvendo materiais para divulgação, realizando cursos de capacitação de pessoas para os Círculos de Construção da Paz, sendo extremamente atuante no que tange a propagação e efetiva implementação deste novo modelo de justiça, que foi impulsionado pelo projeto Justiça para o Século 21, fruto do Programa Criança Esperança.

A forma de aplicar os Círculos que se mostra diferenciada das duas apresentadas, quanto ao seu objeto, é a de Brasília aplicada no Fórum do Núcleo de Bandeirante, que tem como alvo de implementação os infratores adultos, que cometeram crimes de menor potencial ofensivo ou contravenções penais a serem julgados perante o Juizado Especial Criminal.

Estes são os locais em que de forma principal é aplicada a Justiça Restaurativa. No entanto, em outros Estados já existem iniciativas para esta implantação, mas que não são, ainda, como as aplicadas nestes três pólos principais. Demonstrando, assim, o avanço deste novo modelo de Justiça, que é alvo da curiosidade e do fascínio daqueles que têm sede de coisas novas, de visões diferentes, que enxergam o novo, o que se mostra mais eficiente após a aplicação de séculos de um sistema retributivo.

Além das áreas citadas acima (infância e juventude, escolas, crimes de menor potencial ofensivo e contravenção penal) destaque-se a esfera da violência doméstica, disciplinada pela Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340 de 7 de agosto de 2006) que seria plenamente viável a utilização dos Círculos Restaurativos para solucionar os conflitos existentes entre as partes, ofensor e vítima, já que, fundamentalmente esta lei trata de relações de cunho emocional, de violência doméstica e familiar contra a mulher. De modo que esta Lei tem como objetivo garantir a proteção e procedimentos policiais e judiciais humanizados para as vítimas, trazendo aspectos conceituais e educativos, qualificando-a como uma Lei avançada e inovadora, demonstrando, portanto, uma sintonia com a aplicação da Justiça Restaurativa para a resolução dos conflitos.


7 A Justiça Restaurativa é eficaz?

Diante da política criminal brasileira e dos projetos de Justiça Restaurativa que vem sendo implementados no país, acredita-se em sua eficácia. Eficácia esta, presente em países como Nova Zelândia e Estados Unidos da América.

Vale ressaltar, assim, que ainda há muito que se evoluir no que tange à política de conflitos e ao que toca o lado cultural do povo.

A aplicação da Justiça Restaurativa ocorre, em sua maioria, nos países desenvolvidos, com uma história cultural diversa da brasileira.

As cidades que estão implementando este novo modelo de Justiça em temas pontuais são aqueles, presentes em Estados com uma cultura diferenciada de outros do restante do país, sem fazer comparativos preconceituosos, destacando-se Porto Alegre como grande difusor desse modelo.

Há diversas barreiras para se transpor até que a Justiça Restaurativa seja aplicada integralmente em todo o território nacional, sendo este um dos objetivos do Conselho Nacional de Justiça, que vem incentivando a conciliação pelo país através de campanhas Movimento pela Conciliação. As barreiras históricas de Justiça puramente retributiva, da cultura do cárcere, da falta de diálogo e de uma política que não prioriza a resolução dos conflitos que deve ser quebrada, através de muito diálogo, de fóruns apresentando o tema, conscientizando a população da importância de uma comunidade bem estruturada e engajada nos seus problemas e na sua responsabilização.

A comunidade deve estar plenamente envolvida e estar consciente de que para se ter Justiça é necessário participar para que ela aconteça, contribuir de algum modo para que a tenha ou que, ao menos, chegue-se perto do seu alcance. A sociedade política deve apresentar subsídios que permitam a aplicação nas escolas, nas comunidades, no âmbito da Justiça.

É de fundamental importância que toda a comunidade acredite que todos tem participação e podem ajudar de algum modo a refazer algo que foi destruído em sua escola, em seu bairro, em seu Estado e em seu país. A técnica do banimento, do estereótipo de delinquente há muito se mostrou ineficaz e vicioso. De sorte que, aquele que foi encarcerado um dia sairá da prisão e sem respostas, sem oportunidade, poderá voltar a delinquir. A criança e o adolescente que carregar o estereótipo de "marginal", com algum tempo podem passar a acreditar realmente que eles podem ser um bandido, já que todos os apontam como tal, sem nada melhor à fazer, e agir plenamente desta maneira: como um "marginal".

Para o alcance da paz social, de um país diferente do que é hoje, que deixa perguntas ao ar a todo o tempo, deve haver a quebra de paradigmas, pois sem essa quebra não há como transpor as barreiras. A Justiça Restaurativa não tem como objetivo a impunidade, ao contrário, ela encoraja a punição justa para o aprendizado daquele que delinquiu, porquanto, somente com a consciência da responsabilização este indivíduo poderá compreender o mau que fez, compreender o erro cometido, buscando a restauração, vendo em si o potencial de se responsabilizar pelos danos e consequências do delito, participando direta e ativamente no processo restaurativo, interagindo com a vítima e a comunidade, tendo a oportunidade de se desculpar com a vítima e de se sensibilizar com seu trauma, podendo contribuir para a decisão do processo restaurativo.

Há que se destacar que a implantação da Justiça Restaurativa no Brasil, só é possível, data venia, em casos pontuais, em determinados delitos e situações conflituosas que se desenvolvem no âmbito escolar, na comunidade, no ambiente de trabalho, como também nos casos que envolvam crianças e adolescentes, nos casos de infrações de menor potencial ofensivo e nas contravenções penais, que já são aplicadas, atualmente, no país em quatro Estados (Brasília, Bahia, Porto Alegre, São Paulo) destacando-se, também, como sugestão de implantação a área de violência doméstica contra a mulher.

Os crimes de homicídio, de estupro, de sequestro e outros de maior potencial ofensivo, em tese, parecem não se encaixar na dinâmica restaurativa, hoje no Brasil. Entretanto, merece ressaltar que nos Estados Unidos, a Justiça Restaurativa é aplicada a esses tipos de delito, inclusive o de estupro.

Todo o discurso da Justiça Restaurativa para muitos soa como algo utópico, mas não o é. A mudança de paradigma somente ocorrerá quando cada indivíduo compreender que é fundamental para a auto-responsabilização e a mudança das pessoas que o cercam. Acreditar que o indivíduo que cometeu um crime deve ser banido sem acesso a nenhuma expectativa de mudança e que, ainda assim, sairá do cárcere e terá "aprendido a lição" e não cometerá mais delitos, parece mais utópico.

Além de preparar toda a sociedade para esse novo modelo de Justiça, deve-se criar mecanismos legais que o abarquem, pois o que ocorre hoje é a adaptação do que já existe na Lei, através da Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995, que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990). São argumentos que devem ser levados em consideração pelo legislador que permita a aplicação da Justiça Restaurativa e que essa se dê de forma positivada, plena e eficaz, como um novo modelo de Justiça participativa e humanizada.


8 Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo geral sobre a Justiça Restaurativa, dando uma visão ampla sobre o tema, sua aplicabilidade. Sendo que, esse novo modelo de Justiça busca a pacificação social através da restauração consensual da relação dissolvida entre as partes direta e indiretamente envolvidas em um conflito.

Traçou-se como objetivos específicos a definição da Justiça Restaurativa, de modo a apresentar sua evolução histórica de maneira sucinta; demonstrar quais são os seus objetivos; analisar o tipo de tratamento despendido às partes envolvidas no conflito e em um processo, identificar as formas restaurativas e sua aplicabilidade no Brasil, a sua eficácia; e, ainda, fazer um contraponto com o tipo de Justiça já aplicado no país, qual seja, o modelo retributivo.

A conclusão final é a de que para a aplicação desse novo modelo de Justiça é preciso quebrar paradigmas e, além disso, difundir o tema através de fóruns, discutir o assunto, disseminando a importância do envolvimento da comunidade para que o processo restaurativo aconteça plenamente, bem como apresentar à sociedade a necessidade de novas formas de se fazer Justiça, questionando-se sempre o modelo imposto atualmente, que culmina em uma Justiça, na sua maioria, cruel e violenta.

Resta claro que a aplicação desse novo modelo de Justiça é mais uma tentativa de mudança de visão e de cenários de criminalidade que atormentam a sociedade, e que somente através de medidas educativas, socializantes, com o fim de querer restaurar as relações entre as pessoas que se poderá obter resultados de pacificação social e garantia dos Direitos Humanos, com respeito a dignidade da pessoa humana.

Sobre a autora
Mila Loureiro de Castro Amancio

Advogada. Pós-graduanda em Direito Público pelo Instituto Excelência Ltda - JUSPODIVM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMANCIO, Mila Loureiro Castro. Justiça restaurativa: um novo modelo de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2939, 19 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19579. Acesso em: 5 nov. 2024.

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