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O passo-a-passo dos cálculos de pena para a possibilidade de arbitramento de fiança pelos delegados de polícia

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Agenda 29/07/2011 às 08:17

8) CONCURSO FORMAL DE CRIMES

8.1) FUNDAMENTO

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

8.2) PROCEDIMENTO NO CONCURSO FORMAL PERFEITO

Concurso formal perfeito é aquele em que o agente pratica dois ou mais crimes através de uma única ação, porém sem desígnios autônomos (o autor só quer um resultado). Pode ser homogêneo (infrações com penas iguais) ou heterogêneo (infrações com penas diferentes).

1º PASSO) Selecionar a pena máxima de qualquer das infrações (quando o concurso formal perfeito é homogêneo) ou a maior pena máxima entre os crimes (quando o concurso formal perfeito é heterogêneo);

2º PASSO) Aplicar o quantum máximo (a metade) à pena de um só dos crimes (se idênticas, isto é, no concurso formal perfeito homogêneo) ou a mais grave (se diversas, ou seja, no concurso formal perfeito heterogêneo) para encontrar o quantum de aumento de pena;

3º PASSO) Somar o quantum de aumento de pena à pena máxima;

4º PASSO) Se o valor final da pena obtido for igual ou inferior a quatro anos, o concurso formal se torna afiançável pelo delegado de polícia.

8.2.1) EXEMPLO: CONCURSO FORMAL PERFEITO HETEROGÊNEO

José, querendo forjar um acidente, desengata seu carro com a intenção de ferir Pedro, seu desafeto, que se encontra metros abaixo numa parada de ônibus. Ocorre que momentos antes de acertar Pedro, três crianças aparecem e também são atropeladas pelo carro desgovernado. Pedro e mais duas crianças sofrem lesões corporais leves, porém uma das crianças morre.

Capitulação penal dos crimes cometidos po José: a) Contra Pedro e duas crianças: lesões corporais leves (art. 129, caput, CP. Pena máxima: um ano de detenção); b) Contra a outra criança: homicídio culposo (Art. 121, § 3º, CP. Pena máxima: três anos de detenção).

1º PASSO) Selecionar a pena máxima de qualquer das infrações (quando o concurso formal perfeito é homogêneo) ou a maior pena máxima entre os crimes (quando o concurso formal perfeito é heterogêneo): o concurso formal perfeito é heterogêneo e o crime mais grave é o homicídio culposo, com pena de três anos.

2º PASSO) Aplicar o quantum máximo (a metade) à pena de um só dos crimes (se idênticas, isto é, no concurso formal perfeito homogêneo) ou a mais grave (se diversas, ou seja, no concurso formal perfeito heterogêneo) para encontrar o quantum de aumento de pena: a metade de três anos é igual a um ano e seis meses.

3º PASSO) Somar o quantum de aumento de pena à pena máxima: um ano e seis meses somado a três anos é igual a quatro anos e seis meses.

4º PASSO) Se o valor final da pena obtido for igual ou inferior a quatro anos, o concurso formal se torna afiançável pelo delegado de polícia: o resultado é superior a quatro anos, logo é inafiançável pelo delegado de polícia.

8.2.2) EXEMPLO: CONCURSO FORMAL PERFEITO HETEROGÊNEO

Carros atira uma pedra contra o carro de Pedro. A pedra quebra o vidro e alguns pedaços acertam Afonso, um transeunte, que sofre lesões leves.

Capitulação penal dos crimes cometidos: a) Contra o carro: dano simples (art. 163, CP. Pena máxima: seis meses de detenção). b) Contra Afonso: lesão corporal leve (art. 129, CP. Pena máxima: um ano de detenção).

1º PASSO) Selecionar a pena máxima de qualquer das infrações (quando o concurso formal perfeito é homogêneo) ou a maior pena máxima entre os crimes (quando o concurso formal perfeito é heterogêneo):

o concurso formal perfeito é heterogêneo e o crime mais grave são as lesões corporais leves, com pena de um ano de detenção.

2º PASSO) Aplicar o quantum máximo (a metade) à pena de um só dos crimes (se idênticas, isto é, no concurso formal perfeito homogêneo) ou a mais grave (se diversas, ou seja, no concurso formal perfeito heterogêneo) para encontrar o quantum de aumento de pena: a metade de um ano é igual a seis meses.

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3º PASSO) Somar o quantum de aumento de pena à pena máxima: um ano somado a seis meses anos é igual a um ano e seis meses.

4º PASSO) Se o valor final da pena obtido for igual ou inferior a quatro anos, o concurso formal se torna afiançável pelo delegado de polícia: o resultado é inferior a quatro anos, logo é afiançável pelo delegado de polícia.

8.3) CONCURSO FORMAL IMPERFEITO

Concurso formal imperfeito é aquele em que o agente pratica dois ou mais crimes através de uma única ação, porém com desígnios autônomos (o agente quer todos os resultados). Pode ser homogêneo (infrações com penas iguais) ou heterogêneo (infrações com penas diferentes).

Neste caso aplica-se a regra do cúmulo material, ou seja, somam-se as penas. O concurso formal imperfeito é concurso formal só no nome, vez que como as penas das infrações penais são somadas, ocorre um verdadeiro concurso material de penas.

Para evitar o enfaro da repetição, remetemos o leitor ao item 6, onde é delineado o procedimento aplicável no caso de concurso material.


9) DA ZONA CINZENTA DA FIANÇA POLICIAL: SITUAÇÕES ONDE CABE A RECUSA DO ARBITRAMENTO DA FIANÇA PELO DELEGADO DE POLÍCIA

A seguir apresentamos algumas situações onde, sempre se levando em conta o tempo exíguo para a comunicação do flagrante ao juiz (vinte e quatro horas, art. 306, § 1º, CPP), a robustez da interpretação do fato delituoso ou do lastro probatório que permitiriam a concessão da fiança ficam ameaçadas.

São, em nosso sentir, algumas das possibilidades de recusa de arbitramento da fiança pela autoridade policial. Reputa-se, nesses casos, mais prudente deixar a cargo da autoridade judiciária a decisão acerca do arbitramento do benefício. Aliás, a vontade da lei é idêntica. Havendo recusa do delegado, cabe ao juiz arbitrar a fiança (art. 335, CPP).

Todavia, caso seja possível suprir a deficiência técnica ou probatória a tempo, nada obsta que a autoridade policial possa conceder a fiança. É o caso, por exemplo, do estelionatário que devolve espontaneamente a vantagem ilícita ainda na seara policial, fazendo jus assim ao reconhecimento da redução de um terço da pena máxima em face do arrependimento posterior (pena máxima final é igual a 3 anos e 6 meses, logo afiançável pelo delegado de polícia).

São as seguintes hipóteses:

Arrependimento posterior

Art. 16, CP - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

Erro sobre a ilicitude do fato

Art. 21, CP - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Semi-imputáveis. Redução de pena

Art. 26, Parágrafo único, CP - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Embriaguez

Art. 28, § 2º, CP - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Regras comuns às penas privativas de liberdade

Art. 29, § 2º, CP - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Crime continuado (específico)

Art. 71, parágrafo único, CP - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.


10) CRIMES PUNIDOS COM PENAS DE RECLUSÃO E DETENÇÃO COMETIDOS EM CONCURSO MATERIAL, SOMATÓRIO DAS PENAS PARA CONCESSÃO DE FIANÇA. POSSIBILIDADE

Dúvida interessante é a que tange sobre o que deve fazer a autoridade policial quando se depara com situação em que há concurso material de crimes punidos com penas de reclusão e detenção?

Havia duas correntes:

1ª CORRENTE) POSIÇÃO DO STJ: No caso de concurso material, a cumulação das penas de reclusão e detenção é impossível, logo tudo se torna inafiançável:

PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO. FIANÇA. CONCURSO MATERIAL.- SOMA DAS PENAS MÍNIMAS COMINADAS. EMBORA ASSENTADA A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS AO PROPÓSITO DESSA SOMA, DELA NÃO HÁ COGITAR-SE NO CASO DE CRIME A QUE, RESPECTIVAMENTE, COMINAM-SE RECLUSÃO E DETENÇÃO (CPP, ART. 323, I), RHC 1461/SP – STJ, 5ª T., j. 16/10/91.

Ocorre que essa corrente se sustentava na súmula 81, STJ (observe que o acórdão fala em soma das "penas mínimas" cominadas) que foi prejudicada pela entrada em vigor da Lei 12.043/11.

2ª CORRENTE) POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS DOS ESTADOS: é possível a somatória das penas de reclusão e detenção para efeitos de concessão de fiança nos casos de concurso material.

"Eliana responde a ação penal pela prática de crimes apenados com detenção. Joneir responde a processo por crimes apenados com detenção, com exceção da violação do artigo 230 do C. Penal que é apenado com reclusão (...).

A soma das penas mínimas cominadas pela violação dos artigos 132, 230 e 246, ambos do Código Penal e 232 da Lei n° 8.069/90 atinge o montante de 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de detenção (neste ponto o acórdão se refere a JONEIR).

(...) Concede-se, por esses motivos, a ordem para colocar Joneir de Souza Estanqueiro e Eliana Cristina Cordeiro Marques em liberdade provisória sem fiança, sob condição de comparecimento a todos os atos do processo, convalidando-se a liminar" (HC 0157428.70.20088.26.0000, TJSP, 2ª Cam., j. 17/04/2009).

Cremos mais acertada a última posição. Para efeitos de concessão de fiança, devem ser somadas todas as penas, pouco importando se são de reclusão ou detenção, distinção que, aliás, não faz sentido algum quando não se está falando de regime penitenciário inicial. Neste sentido, o escólio de NUCCI (Código Penal comentado, p. 410), que apesar de extenso, mostra-se de insofismável precisão:

"A inutilidade dessa disposição é evidente, na medida em que não existe diferença, na prática, entre reclusão e detenção. Na mesma ótica, confira-se a lição de Paulo José da Costa Júnior: "Em realidade, todavia, a disposição é inútil, pois as diferenças outrora existentes, entre reclusão e detenção, foram praticamente abolidas" (Comentários ao Código Penal, p. 238). O que importa, para o condenado, na realidade, é o regime no qual foi inserido (...). Portanto, quando o julgador aplicar o concurso material, fixando, por exemplo, três anos de reclusão e dois anos de detenção, não pode fazer a somatória em cinco anos pela diversidade de espécies de penas privativas de liberdade. Para a fixação do regime e demais benefícios, especialmente quando se cuidar de delitos dolosos, no entanto, deve levar em conta o total (cinco anos de prisão)".

Por fim, a nova redação do art. 322 do CPP não distingue qualquer das espécies de pena a que pode conceder fiança a autoridade policial.

Seguindo esta linha de raciocínio, é dizer, a de que a autoridade policial pode afiançar quando ocorre concurso material de crimes punidos com pena de reclusão e detenção e a somatória das penas não ultrapassa quatro anos, propomos um último exemplo.

10.1) EXEMPLO: CONCURSO MATERIAL DE CRIMES

José está a espancar Pedro com uma perna manca. Marcos, um transeunte, resolve se meter para acabar com a surra. José chama Marcos de "preto safado". Pedro se recupera dos ferimentos em 29 dias.

Capitulação penal dos crimes cometidos: a) Contra Marcos: injúria qualificada (art. 140, § 3º, CP. Pena máxima: três anos de reclusão), e; b) Contra Pedro (art. 129, caput, CP. Pena máxima: um ano de detenção).

1º PASSO) Selecionar a pena máxima comum às infrações (quando o concurso material é homogêneo) ou as penas máximas de cada um dos crimes (quando o concurso material é heterogêneo): trata-se de um concurso material heterogêneo sui generis (penas e espécies de penas diferentes), com uma pena de um ano de detenção e uma pena de três anos de reclusão.

2º PASSO) Somar as penas máximas para encontrar o valor final da soma das penas máximas: a somatória das penas de detenção e reclusão é igual a quatro anos.

3º PASSO) Se o valor final da soma das penas máximas obtido for igual ou inferior a quatro anos, o concurso material se torna afiançável pelo delegado de polícia: A soma é igual a quatro anos, o concurso é afiançável pelo delegado de polícia.

Sobre o autor
Ivens Carvalho Monteiro

Delegado de Polícia Civil do Estado do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Ivens Carvalho. O passo-a-passo dos cálculos de pena para a possibilidade de arbitramento de fiança pelos delegados de polícia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2949, 29 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19643. Acesso em: 22 dez. 2024.

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