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Matrícula na universidade sem conclusão do ensino médio: impossibilidade

Agenda 15/09/2011 às 16:27

A vedação à referida matrícula não se trata de capricho da universidade, mas de se adotar a melhor política pública de educação voltada para o completo desenvolvimento do adolescente.

Sumário:1. Introdução. 2. Vinculação ao edital e princípio da isonomia. 3. Constitucionalidade do art. 44 da LDB. 4. Conclusão. 5. Referências.


1. Introdução

É recorrente o ajuizamento de ações nas quais candidatos aprovados em exame vestibular, mas que ainda não concluíram o ensino médio, pedem que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) aceitem as suas matrículas nos cursos superiores para os quais foram aprovados.

A judicialização da questão ocorre porque as Universidades e Institutos Federais de Educação indeferem administrativamente os pedidos de matrícula desses candidatos que não concluíram o 3º ano do ensino médio, sob a alegação de que falta um requisito essencial à matrícula – justamente o certificado de conclusão do ensino médio.

Nas ações judiciais, os estudantes fundamentam seus pedidos em suposta inconstitucionalidade do art. 44 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), decorrente de violação do art. 208, inciso V, da Constituição Federal.

O objetivo do presente artigo é discutir o tema, com foco na jurisprudência dos tribunais, e apresentar uma solução para o problema.


2. Vinculação ao edital e princípio da isonomia

A despeito de os candidatos em questão serem aprovados nos vestibulares realizados pelas IFES, não podem efetivar suas matrículas nos cursos de graduação pretendidos, porque não apresentam o certificado de conclusão do ensino médio, conforme previsto nos editais que regulam o processo de ingresso nas universidades.

Como é de conhecimento geral, por ser lição básica do direito administrativo, o edital é a "lei interna" do concurso, e vincula tanto a Administração quanto os candidatos que se inscrevem para postular uma vaga. Ao se inscreverem no vestibular, os candidatos aderem às normas do certame, sujeitando-se às regras do edital. Portanto, não lhes é dado, posteriormente, pretender tratamento especial e diferenciado em relação aos demais candidatos, violando norma expressa e pública da lei interna a que se obrigam.

Registre-se que essas regras editalícias foram elaboradas para todos os candidatos, sem qualquer distinção, pois observam os princípios do direito administrativo, com respeito à necessária igualdade de condições e tratamento.

Os editais de abertura de processo seletivo de quase todas as universidades deixam claro que o registro acadêmico, isto é, a matrícula do candidato selecionado é assegurado somente se este cumprir o procedimento necessário. Os referidos editais também apontam a forma como deve ser feito esse registro, sempre destacando a necessidade de apresentação, entre outros documentos, do certificado de conclusão de ensino médio.

Verifica-se, pois, nesses casos, que os candidatos não preenchem um dos requisitos exigidos no edital para todos os candidatos. Assim, apesar do sucesso no processo seletivo, falta-lhes o necessário certificado de conclusão do ensino médio. Caso contrário estaria sendo violado claramente o princípio da isonomia consagrado na Constituição Federal, art. 206, inciso I:

"Art.206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I- igualdade de condições para acesso e permanência na escola";(grifo nosso)


3. Constitucionalidade do art. 44 da LDB

Como apontado linhas acima, o argumento central das ações dos estudantes que não concluíram o ensino médio contra as universidades é uma suposta inconstitucionalidade do art. 44 da 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB), por lesão ao art. 208, inciso V, da Constituição Federal.

O dispositivo da LDB citado preceitua:

Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

I - cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino;

I - cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio ou equivalente; (Redação dada pela Lei nº 11.632, de 2007).

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;

III - de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino;

IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino.

Parágrafo único. Os resultados do processo seletivo referido no inciso II do caput deste artigo serão tornados públicos pelas instituições de ensino superior, sendo obrigatória a divulgação da relação nominal dos classificados, a respectiva ordem de classificação, bem como do cronograma das chamadas para matrícula, de acordo com os critérios para preenchimento das vagas constantes do respectivo edital. (Incluído pela Lei nº 11.331, de 2006)

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Por sua vez, preceito da Constituição citado diz:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

Todavia, não é possível, sob pena de uma inaceitável interpretação seccionada do texto constitucional, apresentar uma resposta ao problema aqui discutido sem observar o teor normativo dos arts. 205 e 207 também da Constituição. Os referidos artigos enunciam:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Anote-se, desde logo, que o art. 208, inciso V, da Constituição não é norma de eficácia plena, cujo conteúdo normativo precisa ser explicitado por lei ordinária. Especialmente o conceito indeterminado "capacidade de cada um", previsto na norma citada, precisa ter o seu conteúdo aclarado. E foi justamente para cumprir esse papel regulamentador que foi editada a LDB [01][02]. No exercício da regulamentação da Seção I do Capítulo III do Título VIII da Constituição, e especialmente o art. 208, inciso V. Dessa forma, a referida lei legitimamente regulamentou que somente candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo (vestibular) é que estão aptos a ingressarem no ensino superior.

É isso o que já registrou o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APROVAÇÃO EM VESTIBULAR SEM A CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO. MATRÍCULA EM ENSINO SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE. CONSTITUCIONALIDADE DO INCISO II DO ART. 44 DA LEI 9.394/96. NÃO-APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO.

(...)

3. Não há falar em inconstitucionalidade do inciso II do art. 44 da Lei 9.394/96, porquanto o inciso V do art. 208 da Lei Maior não tem eficácia plena, necessitando, pois, de complemento, para que seja especificado o que vem ser a chamada "capacidade de cada um", referida na aludida norma constitucional. Desse modo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação apenas cumpriu essa tarefa, estatuindo que somente o aluno classificado em processo seletivo e que concluiu o ensino médio está capacitado a ingressar no ensino superior.

(...)

(AMS 2002.34.00.025114-7/DF, TRF 1ª Região, 5ª Turma, Rel. Juiz Federal Manoel José Ferreira Nunes (conv.), DJ de 12/05/2005, p.19)

Não se pode tomar o ensino médio como mero instrumento de acesso ao ensino superior, mas como estágio essencial para a formação intelectual e social dos adolescentes. Por isso, foi muito feliz o constituinte quando expressamente estipulou que a educação do adolescente visa "ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (art. 205). Ou seja, o ensino tem que ser pensado e praticado com a ideia de formação mais ampla possível, e não de forma reducionista, como mero degrau ou trampolim para ingresso em uma universidade.

O terceiro ano do ensino médio tem papel fundamental na formação integral do adolescente, no sentido de permitir uma revisão e consolidação de conhecimentos das mais variadas matizes, essenciais à vida digna [03] do estudante, nas suas dimensões de desenvolvimento pessoal [04], exercício de cidadania e qualificação para o trabalho. Existem conhecimentos que precisam ser adquiridos no terceiro ano, e que, apesar de eventualmente não serem ou não terem sido cobrados numa prova de vestibular, são essenciais para a formação do jovem. Além disso, a própria convivência escolar por mais um ano gera um natural e necessário amadurecimento ao jovem, e não apenas intelectual, mas também emocional.

Não foi outra a conclusão de recente julgado o Superior Tribunal de Justiça, conforme trecho do Informativo STJ n. 481:

INSCRIÇÃO. SUPLETIVO. MENOR. IDADE. APROVAÇÃO. VESTIBULAR.

A quaestio úris debatida no caso versa sobre a inscrição em curso supletivo de aluno menor de idade que pretendia obter certificado de conclusão do ensino médio e, assim, ingressar em instituição de ensino superior em cujo exame de admissão, vestibular, logrou êxito. O Min. Relator ressalvou que não compartilha do entendimento de que a aprovação no exame vestibular antes do término do ensino médio seria uma prova hábil a demonstrar a capacidade já atingida pelo estudante para iniciar curso superior, conforme o disposto no art. 208, V, da CF/1988, que assegura acesso aos níveis mais elevados de ensino conforme a capacidade de cada um. Ainda, segundo o Min. Relator, tal entendimento enfoca o ensino médio como mera ferramenta de acesso aos cursos superiores, desfazendo todo o planejamento concebido pelo legislador e implementado pela Administração para proporcionar aos cidadãos seu crescimento, a tempo e modo definidos, de acordo com o desenvolvimento próprio e intelectual do ser humano. Assim, ressaltou que, diante da importância do ensino médio no ambiente macro, a aprovação de um estudante em exame vestibular para uma das centenas de milhares de vagas oferecidas a cada ano no País não é capaz de demonstrar, por si só, que foram aprendidas todas as habilidades programadas para serem desenvolvidas no ensino médio. Logo, a inscrição de menor de 18 anos no exame supletivo subverte sua concepção, pois ele busca promover cidadania ao facilitar a inclusão educacional daqueles que não tiveram oportunidade em tempo próprio. Resp 1.262.673-SE, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 18/8/2011.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região vai na mesma linha:

PROCESSUAL CIVIL. ENSINO SUPERIOR. APROVAÇÃO EM VESTIBULAR SEM A CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO. IMPOSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DO CERTIFICADO DE CONCLUSÃO ANTES DO INÍCIO DO PERÍODO LETIVO DO CURSO SUPERIOR. MATRÍCULA. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. DESCABIMENTO.

1. A Lei n. 9.394/96 é clara ao exigir, para o ingresso em curso de graduação, que o estudante já tenha concluído o ensino médio ou equivalente.

2. A jurisprudência deste Tribunal tem adotado posição no sentido de assegurar direito à matrícula do estudante aprovado em vestibular que, em razão de trâmites burocráticos, fique impossibilitado de apresentar o certificado de conclusão do ensino médio. Não encontra amparo, porém, a situação da impetrante, que não concluiu o ensino médio até o início do período letivo do curso superior pretendido. Precedentes.

3. Apelação a que se nega provimento (AC 2008.33.00.001743-7/BA, 5ª Turma, Rel. Desemb. Fed. João Batista Moreira, e-DJF1 de 10.12.2008, pág. 452).

Para além desse ponto, é imperioso apontar que a exigência de comprovação da conclusão do ensino médio, ao lado de não representar qualquer ilegalidade na sua previsão legal, também decorre da autonomia universitária consagrada constitucionalmente (art. 207), que é de ser exercida pela IFES e observada pelos estudantes, quando não contraria a lei (como é o caso da questão em discussão, no qual a exigência editalícia apenas regulamenta sem inovar a previsão legal).


4. Conclusão

Como demonstrado, não é lícita a matrícula em IFES de candidato que não tenha concluído o ensino médio, por força da previsão expressa do art. 44, inciso II, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, preceito este sem qualquer pecha de inconstitucionalidade, por respeitar e atender, entre outros, aos arts. 205, 207 e 208 da Constituição.

A vedação à referida matrícula, pois, não se trata de capricho da universidade, mas de se adotar a melhor política pública de educação voltada para o completo desenvolvimento do adolescente, com enfoque no seu pleno desenvolvimento intelectual e social.


5. Referências

ATIQUE, Andraci Lucas Veltroni. A educação superior e os princípios constitucionais. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. V. 18, p. 62, Jul/2006.

GARCIA, Maria. A nova Lei de DIretrizes e Bases da Educação Nacional. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 23, p. 59, Abr/1998.

PERES, Pedro Pereira Dos Santos. O direito à educação e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 417, 28 ago. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5633>. Acesso em: 13 set. 2011.

RAMAL, Andrea Cecilia. A nova LDB: destaques, avanços e problemas. Salvador: Revista de Educação CEAP, ano 5, no. 17, junho de 1997, p. 05-21.


Notas

  1. RAMAL, Andrea Cecilia. A nova LDB: destaques, avanços e problemas. Salvador: Revista de Educação CEAP, ano 5, no. 17, junho de 1997, p. 05-21.
  2. GARCIA, MAria. A nova Lei de DIretrizes e Bases da Educação Nacional. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 23, p. 59, Abr/1998.
  3. PERES, Pedro Pereira Dos Santos. O direito à educação e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 417, 28 ago. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5633>. Acesso em: 13 set. 2011.
  4. Aqui há uma diferença clara em relação ao objetivo da educação superior, que tem por "finalidade da educação superior é estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e o pensamento reflexivo" (ATIQUE, Andraci Lucas Veltroni. A educação superior e os princípios constitucionais. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. V. 18, p. 62, Jul/2006).
Sobre o autor
Geraldo de Azevedo Maia Neto

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB. Especialista em Direito Constitucional pelo IDP/UNISUL. Procurador-Geral do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Foi Subprocurador-Geral do Instituto Chico Mendes (ICMBio). Foi Subprocurador-Regional Federal da 1ª Região. Foi membro da Câmara Especial Recursal do CONAMA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA NETO, Geraldo Azevedo. Matrícula na universidade sem conclusão do ensino médio: impossibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2997, 15 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19998. Acesso em: 22 dez. 2024.

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