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A não incidência de imposto de renda sobre o abono de permanência

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III – Da impossibilidade de incidência de IR sobre o abono de permanência

A incidência do imposto de renda, de competência da União, encontra guarida no art. 153, III da CR/88 e no art. 43 do CTN, que possuem as seguintes redações:

SEÇÃO III

DOS IMPOSTOS DA UNIÃO

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

III - renda e proventos de qualquer natureza;

SEÇÃO IV

Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

O imposto em tela, como o próprio nome demonstra, incide sobre "renda e proventos de qualquer natureza", acrescidos ao patrimônio do contribuinte, ou seja, toda "renda" ou "provento" que gere acréscimo patrimonial, em virtude do trabalho ou produto de capital, é tributável.

Nesta senda, o fato gerador em pauta é a renda do contribuinte proveniente de um acréscimo patrimonial, como bem acentua Hugo de Brito Machado:

(...) podemos afirmar que, no sistema jurídico brasileiro, (a) a expressão renda e proventos de qualquer natureza só abrange os fatos que possam ser considerados como acréscimo patrimonial; e (b) o legislador ordinário não pode definir como acréscimo patrimonial aquilo que evidentemente não o seja, na linguagem comum; e, finalmente, (c) cabe ao Poder Judiciário, e em última instância ao Supremo Tribunal Federal, dizer o que se há de entender como acréscimo patrimonial, declarando a inconstitucionalidade do dispositivo de lei que estabelecer conceito diverso. [02]

Tem-se, portanto, que a incidência do imposto de renda está adstrita ao conceito de "acréscimo patrimonial" proveniente de trabalho ou capital, havendo evidente ilegalidade no desconto sobre verbas que não se encaixem em tal conceituação, como o caso do abono de permanência ora discutido.

O mencionado abono, conforme cabalmente demonstrado alhures, é indenizatório, prestando-se a reparar o servidor que abriu mão de sua imediata aposentadoria voluntária, que lhe é garantida. Sendo assim, não há acréscimo patrimonial propriamente dito, uma vez que o montante pertinente às contribuições previdenciárias não é fruto do trabalho do agente, mas tão somente uma compensação por permanecer em atividade.

Logo, não é possível vislumbrar a ocorrência do fato gerador que justifique a incidência do imposto em pauta.

Entender o abono de permanência como parcela remuneratória, e consequente, acréscimo patrimonial, implica em manifesta violação à finalidade precípua do instituto, qual seja, incentivar o agente a permanecer em exercício, haja vista que antes mesmo de adquirir condições para requerer aposentadoria, o servidor público já paga o imposto em tela sobre os seus vencimentos, abarcando-se, inclusive, a parcela referente à contribuição previdenciária. Ao atender as exigências para a aposentadoria voluntária e optar por permanecer em exercício, o agente público terá a base de cálculo de seu imposto de renda acrescida do montante referente ao abono de permanência.

Tal situação torna-se inaceitável tendo em vista que a vantagem a ser percebida como uma forma de incentivo para compensar o prolongamento no exercício público acaba sendo tributada, mitigando o benefício advindo com a permanência na atividade.

Caracteriza-se, assim, desarrazoado aumento na base de cálculos do imposto de renda, em manifesta contradição à finalidade precípua do instituto.

Portanto, não resta dúvida de que o abono de permanência, pelo fato se configurar como uma parcela compensatória, não gera acréscimo patrimonial nos termos do art. 43 do CTN, motivo pelo qual não há incidência do imposto de renda.

Em situações análogas, referentes ao pagamento de férias não gozadas e ao pagamento de licença-prêmio, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça reconheceu a natureza indenizatória e afastou a incidência do imposto de renda, conforme os enunciados das súmulas 125 e 136. In verbis:

Súmula 125: o pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito a incidência do imposto de renda.

Súmula 136: o pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade do serviço não está sujeito ao imposto de renda.

O entendimento supra consagra a mitigação dos princípios da generalidade da universalidade ao imposto em tela de modo a corroborar a eficácia restringível do art. 153, §2º do texto constitucional que assim dispõe:

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Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

[...]

III - renda e proventos de qualquer natureza;

[...]

§ 2º - O imposto previsto no inciso III:

I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;

No que tange a não incidência do IR sobre o abono de permanência propriamente dita, a colenda Corte já se posicionou da seguinte forma:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ABONO PERMANÊNCIA. CF, ART. 40, § 19. IMPOSTO DE RENDA. NÃO INCIDÊNCIA. CPC, ART. 535. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. CPC, ART. 273. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULA 211/STJ.

I - Não ficou demonstrada a alegada violação ao art. 535, do Código de Processo Civil.

II - Não está prequestionada a matéria atinente aos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela (CPC, art. 273), sendo inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo (Súmula 211/STJ).

III - O constituinte reformador, ao instituir o chamado "abono permanência" em favor do servidor que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária, em valor equivalente ao da sua contribuição previdenciária (CF, art. 40, § 19, acrescentado pela EC 41/2003), pretendeu, a propósito de incentivo ao adiamento da inatividade, anular o desconto da referida contribuição. Sendo assim, admitir a tributação desse adicional pelo imposto de renda, representaria o desvirtuamento da norma constitucional. IV - Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1021817 / MG 2008/0003609-9. Rel. Min. Francisco Falcão – Primeira Turma. Julgado em 19/08/2008, publicado em 01/02/2008 – sem grifo no original).

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ABONO PERMANÊNCIA CONCEDIDO AOS AGENTES PÚBLICOS. ART. 40, § 19, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSTO DE RENDA. NÃO INCIDÊNCIA. DECISÃO COM BASE EM MATÉRIA CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 126 DO STJ.

1. Não obstante a existência de fundamentos constitucional e infraconstitucional, o Recorrente não interpôs o imprescindível recurso extraordinário, de modo a atacar fundamento suficiente, por si só, para a manutenção do acórdão.

2. Nesse contexto, mostra-se inviável o conhecimento do presente recurso especial, a teor da Súmula n. 126/STJ, que assim dispõe: "É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário."

3. O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

4. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1081904 / PE
2008/0183667-7. Rel. Min. Benedito Gonçalves – Primeira Turma. Julgado em 25/08/2009. Publicado em 03/09/2009 – sem grifo no original).

PREVIDENCIÁRIO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - ART. 535, DO CPC - ABONO DE PERMANÊNCIA EM SERVIÇONATUREZA COMPENSATÓRIA - ERRO E OMISSÃO INEXISTENTES.1 - O abono de permanência em serviço é benefício de natureza compensatória, com vistas a incentivar o segurado, que tendo direito a aposentadoria por tempo de serviço, opta por prosseguir em atividade laboral.2 - Embargos conhecidos, porém, rejeitados" (grifos nossos).(STJ – 5ª Turma, EDcl no REsp 283962/SP, rel. Min. Jorge Scartezzini. j. 05/03/2002. DJ 29/04/2002, p. 276).

Não obstante, é importante destacar o equívoco cometido por algumas vertentes jurisprudências no que tange a não incidência de imposto de renda no abono de permanência. Para tanto se invoca o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1198536 externado nos seguintes termos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DE RENDA. ABONO DE PERMANÊNCIA. SÚMULA Nº 126/STJ. INCABIMENTO. QUESTÃO JULGADA SOB O RITO DOS REPETITIVOS. TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO. DESNECESSIDADE.

[...] 2. "Sujeitam-se incidência do Imposto de Renda os rendimentos recebidos a título de abono de permanência a que se referem o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional 41/2003, e o art. 7º da Lei 10.887/2004. Não há lei que autorize considerar o abono de permanência como rendimento isento." (REsp nº 1.192.556/PE, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, in DJe 6/9/2010, sob o rito dos recursos repetitivos). (AgRg no REsp 1198536 / RS. Rel. Min. Hamilton Carvalhido – Primeira Turma. Julgado em 04/11/2010. Publicado 13/12/2010 – sem grifo no original).

O julgado supra afirma que o imposto de renda deve incidir sobre o abono de permanência haja vista a ausência de lei que confira isenção ao referido rendimento.

Ora, o que ocorre é a inexistência de fato gerador que justifique a incidência do imposto sob exame, ou seja, em que pese a falta de lei que confira isenção ao abono de permanência, não se vislumbra acréscimo patrimonial decorrente desta parcela indenizatória, o que extirpa a incidência do IR. De acordo com esta posição, eis o julgado proferido pela Oitava Turma deste TRF 1. Veja-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ABONO DE PERMANÊNCIA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA.

1. O abono de permanência instituído pelo art. , § 1º, da EC 41/2003, o qual acrescentou o § 19 ao art. 40, II, da CF, tem natureza indenizatória, tendo o legislador, no uso do poder constituinte reformador derivado, o intuito de incentivar a permanência em atividade e recompor o patrimônio do servidor que, em condições de se aposentar, continua trabalhando, obstaculizando o gasto, cumulativo, entre provento da inatividade e remuneração do novo servidor.

2. Afastada a alegada violação ao art. 111 do Código Tributário Nacional e art. 150, § 6º, da Constituição, visto que não se está tratando de isenção do Imposto de Renda, mas de mera não incidência do referido Imposto em razão da natureza indenizatória do abono de permanência.

3. Estando os contribuintes sujeitos ao desconto do indevido Imposto sobre os rendimentos necessários à sua sobrevivência e de natureza eminentemente alimentar, resta presente o periculum in mora a ensejar a antecipação dos efeitos da tutela requerida.

4. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 22983 DF 2009.01.00.022983-0. Rel. Juiz Federal. Osmane Antônio dos Santos – Oitava turma. Julgado em 07/08/2009. Publicado em 28/08/2009 – sem grifo no original).

Portanto, na esteira da correta interpretação do art. 40, §19º da Constituição República e do art. 7º da Lei nº 10.887/04, o abono de permanência deve ser visto como verba indenizatória e, como tal, há de ser excluída da base de cálculo do IRPF. Logo, não estar-se diante de uma isenção tributária, mas sim diante da ausência de fato gerador que justifique a atuação do fisco.

Nesta esteira, o desconto retido na fonte a título de imposto de renda é ato que demanda reparo pelo Poder Judiciário, por ferir o art. 153, III da Constituição Federal e o art. 43 do Código Tributário Nacional, os quais determinam expressamente a incidência do tributo tratado tão-somente sobre a renda proveniente de acréscimo patrimonial.


V – Conclusão

A finalidade do abono de permanência previsto no art. 40, §19º da CR/88 e no art. 7º da Lei nº 10.887/04 é a de compensar o servidor público pela postergação de seu direito à aposentadoria voluntária. Logo, a presente parcela possui inquestionável natureza indenizatória, incompatível, portanto, com acúmulo patrimonial que justifique a incidência do imposto de renda.

Nesta monta, não há fato gerador do imposto de renda, de modo a afastar a incidência do art. 150, III da Constituição e do art. 43 do CTN.


VI – Referências bibliográficas

ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 14. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

MACHADO, Hugo de Brito. Comentário ao Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999.


Notas

  1. ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. Pág. 268.)
  2. Comentário ao Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999. p. 91- sem grifo no original
Sobre os autores
Leonardo Pereira Rezende

Advogado Formado em Direito na Universidade Federal de Viçosa; Mestre em Extensão Rural na Universidade Federal de Viçosa com pesquisa em Licenciamento Ambiental de Hidrelétricas; Sócio-Diretor do escritório Leonardo Rezende Advogados Associados; Professor de Direito Ambiental da ESUV (Escola de Estudos Superiores de Viçosa); Ex-Presidente da 91ª Subseção da OAB/MG (Viçosa); Conselheiro Estadual da OAB/MG.

Gabriel Gori Abranches

Advogado formado em direito na Universidade Federal de Viçosa e membro do escritório Magalhães&Rezende Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Leonardo Pereira; ABRANCHES, Gabriel Gori. A não incidência de imposto de renda sobre o abono de permanência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3005, 23 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20066. Acesso em: 25 dez. 2024.

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