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O financiamento público de campanha político-partidária e a crise de representatividade contemporânea.

Análise à luz de aspectos constitucionais

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Agenda 17/10/2011 às 08:20

4 O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS POLÍTICO-PARTIDÁRIAS

O partido político consubstancia a reunião de certa parcela da sociedade com as mesmas ideologias e visa organizar e instrumentar a vontade geral. Desta forma, tem a finalidade de influenciar a sociedade a adquirir o poder, poder de fazer cumprir, por meio do mandato de seus representantes, os seus anseios.

Na arena democrática, os partidos políticos têm a tarefa de realizar tão importante missão e, para tanto, necessitam de recursos para o financiamento de suas campanhas.

Dentro desse contexto se desenvolve este capítulo, que abordará primeiramente, as possibilidades de financiamento existentes, bem como seus possíveis reflexos na sociedade. Posteriormente, estudam-se as propostas de leis existentes atualmente para regularizar tal problemática.

4.1 Fundo partidário e acesso aos meios de comunicação

O fundo partidário é constituído a partir de conjunto de penas e multas eleitorais, recursos financeiros legais, doações espontâneas privadas, bem como dotações orçamentárias públicas e visa dar assistência aos partidos. Há também recursos oriundos de doações privadas, são pessoas físicas ou jurídicas que se identificam com as ideologias partidárias e, como observa De Plácido e Silva (1999), até com interesses obscuros a serem revelados no futuro.

Nos termos da Lei nº 9.096/95, tem-se que:

Art. 38. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por: 

I - multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas;

II - recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual;

III - doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário;

IV - dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995. (Lei 9.096/95).

O acesso aos meios de comunicação e o fundo partidário estão alicerçados na Constituição Federal. É o que se depreende do seu art. 17, §3º:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

§ 3º - Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

A Carta Magna, portanto, exalta o princípio do pluripartidarismo e com essa garantia os partidos políticos podem usufruir recursos públicos para funcionar e divulgar programas e propostas no processo eleitoral. Vale ressaltar que nada impede o partido político de disputar as eleições com recursos próprios.

No que tange ao uso dos meios de comunicação, a Lei nº 9.096/95, nos artigos 48 e 49, disciplina:

Art. 48. O partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral que não atenda ao disposto no art. 13 tem assegurada a realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de dois minutos.

Art. 49. O partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurado:

I - a realização de um programa, em cadeia nacional e de um programa, em cadeia estadual em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada;

II - a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais.

Outro aspecto alude ao fato de as emissoras de rádio e televisão poderem exigir compensação fiscal ao ceder minutos gratuitos para as propagandas eleitorais.

Nesse sentido, dispõe art. 1º do Decreto nº 5.331/05:

Art. 1º  As emissoras de rádio e televisão obrigadas à divulgação gratuita da propaganda partidária ou eleitoral poderão, na apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), excluir do lucro líquido, para efeito de determinação do lucro real, valor correspondente a oito décimos do resultado da multiplicação do preço do espaço comercializável pelo tempo que seria efetivamente utilizado pela emissora em programação destinada à publicidade comercial, no período de duração da propaganda eleitoral ou partidária gratuita.

A legislação ordinária define o quantum que deve ser repassado a cada partido político, uma maneira de cercear o crescimento dos partidos menores e fortificar as instituições já existentes. (SALGADO, 2001).

A lição de Orides Mezzaroba (2005, p. 60) aponta no seguinte sentido:

Todavia, tanto na distribuição dos recursos do fundo partidário quanto na distribuição do espaço de tempo no rádio e na televisão, a Lei nº 9.096/95 acabou instituindo duas classes de Partidos. A primeira composta por aqueles que possuem funcionamento parlamentar, em que estão incluídas as organizações partidárias que obtiveram, em eleições para a Câmara Federal, o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos válidos apurados, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles (art. 13 da Lei 9.096/95). E na segunda classe estão os Partidos que possuem registro no Tribunal Superior Eleitoral.

Sobre a repartição do fundo partidário, tem-se a seguinte disciplina da Lei nº 9.096/95, litteris:

Art. 41. O Tribunal Superior Eleitoral, dentro de cinco dias, a contar da data do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo aos seguintes critérios:

I - um por cento do total do Fundo Partidário será destacado para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral; 

II - noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário serão distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.

Art. 41-A.  5% (cinco por cento) do total do Fundo Partidário serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral e 95% (noventa e cinco por cento) do total do Fundo Partidário serão distribuídos a eles na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. (Lei 9.096/95).

A prestação de contas é obrigatória no sistema eleitoral atual. A legislação eleitoral, abrangendo a prestação de contas, apareceu pela primeira vez na Lei nº 4.740/65, seguida pela Lei nº 5.682/71. (SCHLICKMANN, 2008, p. 130).

Para gerenciar os gastos, é obrigatória a criação de comitês financeiros, bem como deve ser dada total publicidade sobre os gastos realizados, sendo necessária, inclusive, abertura de conta bancária específica para administrar os gastos da campanha.

Nesse sentido, a legislação brasileira define, na Lei das Eleições 9.504/91:

Art. 19. Até dez dias úteis após a escolha de seus candidatos em convenção, o partido constituirá comitês financeiros, com a finalidade de arrecadar recursos e aplicá-los nas campanhas eleitorais.

§ 1º Os comitês devem ser constituídos para cada uma das eleições para as quais o partido apresente candidato próprio, podendo haver reunião, num único comitê, das atribuições relativas às eleições de uma dada circunscrição.

§ 2º Na eleição presidencial é obrigatória a criação de comitê nacional e facultativa a de comitês nos Estados e no Distrito Federal.

Art. 22. É obrigatório para o partido e para os candidatos abrir conta bancária específica para registrar todo o movimento financeiro da campanha.

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Apesar da grande contribuição que a Carta Magna trouxe para o sistema eleitoral, este acaba sofrendo alguma limitação por leis ordinárias, quando não se proporcionam as mesmas oportunidades de publicidade e de arrecadação de fundos. Esse fato favorece instituições já estabelecidas e com representação parlamentar importante e, por outro lado, inibe a formação de novas agremiações político-partidárias. Com isso, dificulta-se a democracia porque se impede o surgimento de novos pensamentos, sejam eles manifestados em movimentos sociais ou oriundos do próprio corpo da sociedade.

4.2 Financiamento privado

O financiamento privado, como antes mencionado, vem de doações de pessoas físicas e jurídicas. No caso das pessoas jurídicas, geralmente, as doações são proporcionadas por setores que sofrem maiores intervenções estatais.

Os segmentos do setor privado que mais financiam as campanhas eleitorais são: financeiro, construção civil e a indústria pesada. (SAMUELS apud SOARES; RENNÓ, 2006).

As doações são regulamentadas e estabelecidas em lei. É o que se extrai da Lei nº 9.504/97, em seu art. 17-A, a seguir transcrito:

Art. 17-A.  A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade. (Lei 9.504/97).

As doações de pessoas físicas estão disciplinadas no art. 23 da lei supracitada, que recentemente teve sua redação modificada. Além de estabelecer limites para as doações, referida lei ainda determina que a doação deve ser feita mediante recibo ou qualquer forma de autenticação relativa ao valor doado.

Art. 23.  Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:

I - no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;

II - no caso em que o candidato utilize recursos próprios, ao valor máximo de gastos estabelecido pelo seu partido, na forma desta Lei.

§ 2º  Toda doação a candidato específico ou a partido deverá ser feita mediante recibo, em formulário impresso ou em formulário eletrônico, no caso de doação via internet, em que constem os dados do modelo constante do Anexo, dispensada a assinatura do doador.

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

O grande problema do financiamento privado de campanha eleitoral seria, então, a possibilidade de haver troca de favores entre financiador e representante eleito. O fato é que existem lacunas no ordenamento jurídico relativamente à previsão de sanções quando configurado o uso abusivo de poder econômico no processo eleitoral.

Nessa linha de entendimento:

Além de não se ter certeza dos valores declarados pelos candidatos, em vista da possibilidade de desvio dos montantes recebidos ou da necessidade de esconder a identidade do doador para não evidenciar futuros favorecimentos, a competição pode ter se tornado extremamente desigual, gerando um efeito anticompetitivo. De fato, os partidos com maior financiamento privado teriam melhores chances de conquistar mais lugares no Congresso, tornando-se, por conseqüência, mais atraentes ao financiador privado, que, por sua vez, novamente os financiaria, garantindo a manutenção do status quo da divisão política. (BUGARIN; PORTUGAL, 2002, p.4).

Assim, milhões de reais são doados por empresas com o intuito de alcançar a vitória de certo candidato. Este, quando chegar ao poder, poderá vir a facilitar licitações ou cobranças de impostos, por exemplo, em prol daqueles que o financiaram. Fica a dúvida se o candidato eleito saberá discernir se o seu trabalho deve visar ao interesse dos eleitores que o elegeram ou daqueles que o financiaram. Nesses casos, não há que se falar em financiamento, mas sim de investimento. E aquele que investe, obviamente, quer retorno. O resultado é que os representantes estarão, na verdade, subordinados não ao partido político, mas àqueles que investiram em sua candidatura. (SAMUELS apud SOARES; RENNÓ, 2006).

Não obstante, a história comprova que os valores gastos em campanha estão intimamente ligados ao sucesso final obtido no pleito. Não é sem razão que no Código Eleitoral de 1965 já se falava em poder econômico: "Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos."

A interferência do poder econômico, seja ela por meio de doações ou de maior tempo de exposição na mídia tem influência sobre a decisão de voto do cidadão. Bem por isso, há de se buscar a proteção da liberdade de voto. Por mais amena que seja a interferência econômica, há cerceamento dessa liberdade.

Vem bem a propósito lembrar os conhecidos recursos para financiamento de campanhas oriundos dos "caixas-dois" das empresas. Diante da falta de fiscalização adequada, os partidos políticos, não raro, anunciam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) valores inferiores aos que efetivamente foram gastos em determinada campanha. Os recursos não declarados aos tribunais eleitorais são provenientes do citado "caixa-dois". (ARAUJO, 2004).

Dois exemplos ocorridos na história político-partidária brasileira são emblemáticos: o "Esquema PC-Farias", no governo de Collor, e o "Mensalão", envolvendo o publicitário Marcos Valério e o Partido dos Trabalhadores (PT). No primeiro caso, o tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, recebia dinheiro de empresários em troca da facilitação em licitações públicas para aqueles que ajudaram a eleger o Presidente Collor. Impulsionado pela mídia e pelo movimento dos "Caras-Pintadas", capitaneado por estudantes, o escândalo desaguou no impeachment do então Presidente Fernando Collor de Mello. (SPECK, 2003).

A respeito, Backes (2005, p.5) analisa:

Após a CPI que analisou as atividades do tesoureiro do presidente Collor, onde ficaram claros os elevadíssimos aportes financeiros via caixa dois, a legislação optou por permitir as doações, em busca de maior transparência. As evidências demonstram, contudo, que mesmo sendo possíveis doações legais por parte de empresas, uma grande parte, talvez até a maioria, opta por contribuir de forma ilegal, não contabilizada.

No segundo caso, o publicitário Marcos Valério apareceu como intermediador de empréstimos para o PT, com os respectivos recursos levantados junto a bancos e contratos com instituições públicas, além de agraciar parlamentares com o chamado "Mensalão".

Coury (2003) noticia que o nome "Mensalão" foi como ficou conhecido o esquema denunciado, em 2005, pelo Deputado Federal Roberto Jefferson/PTB, sobre o pagamento feito, de forma continuada, a deputados, em troca de apoio ao governo federal.

De fato, a corrupção no sistema eleitoral interfere diretamente na liberdade de voto e, por isso, não há que falar em democracia e avanço social.

4.3 Financiamento público

O financiamento público configura uma forma de subsídio cujo recurso é proveniente da arrecadação de tributos, ou seja, parte do dinheiro dos contribuintes é direcionada para os partidos políticos e suas campanhas nos pleitos eleitorais.

Marcos Cintra (2009, p. 02) entende que:

Ao excluir o financiamento privado, as campanhas se tornariam mais baratas, o poder econômico perderia força eleitoral e os controles de custeio de campanha seriam coletivos, em benefício de todos os candidatos da legenda. Os partidos seriam mais solidários, mais coesos em seus interesses. A proibição de financiamento privado de campanhas faria os lobbies econômicos, a corrupção e o tráfico de influência perderem importante instrumento de ação na vida pública.

Nesse tipo de financiamento, somente o dinheiro disponibilizado pelo TSE aos partidos poderia ser aplicado. Não se aceita, assim, doação privada, qualquer que seja a sua natureza. Essa seria uma forma de diminuir o abuso do poder econômico e a desigualdade dos partidos na condução das campanhas eleitorais.

Ao Estado cumpriria fornecer os recursos, na forma da lei, igualitária ou proporcionalmente ao número de representes com cadeiras no parlamento, ficando os partidos responsáveis pela publicidade dos gastos.

Os recursos adviriam dos contribuintes, quando do pagamento dos tributos, além do montante que já integra o Fundo, como multas e penalidades pecuniárias. Certo é que:

Entre vários recursos que integram referido fundo incluem-se dotações orçamentárias da União. Certo que, depois de transferidos ao Fundo Partidário e principalmente depois que os recursos do fundo são rateados e entregues aos partidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, [...], deixam de ser públicos para de transformarem em recursos privados, na medida em que os partidos são pessoas jurídicas de Direito Privado. Mesmo assim, porém, cabe reconhecer que, sendo de origem pública parte dos recursos integrantes do fundo, ao menos em parte o financiamento das campanhas eleitorais já pode contar com suporte de dinheiro de origem pública. O mesmo raciocínio vale também para multas e penalidades pecuniárias aplicadas a Justiça Eleitoral, que também integram o Fundo Partidário. (DECOMAIN, 2006, p.26).

O gasto desnecessário dos partidos políticos em campanhas e a utilização de dinheiro público para estes fins são temas que causam grandes controvérsias.

Para Augusto N. Sampaio Angelim (2005, p.1):

[...] prevalecendo o sistema atual de controle da Justiça Eleitoral sobre as prestações de contas das campanhas e o atual processo eleitoral, com possibilidades de realização de showmícios, carreatas, distribuição em massa de camisas, panfletagem, utilização da mídia de outdoor, da caríssima, editoração dos programas de televisão e intensa utilização de jatinhos pelos candidatos aos cargos mais importantes do país, o dinheiro público será utilizado apenas para complementar os recursos privados e de origem duvidosa. [...]

A legislação poderia, também, prever penas mais rigorosas para os políticos e partidos que descumprissem a legislação do financiamento público das campanhas, com punições que possibilitassem cassações de registros, suspensão de direitos políticos e perda dos cargos.

Outra questão levantada dá conta de que tal ação não inibirá a criação dos "caixas-dois", podendo dar azo a novas formas de burlar a lei e, consequentemente, enganar o cidadão.

A solução apresentada pelo ex-deputado Marcos Sintra é a de que deveria haver uma parceria entre o TSE e o Tribunal de Contas para atuar na fiscalização. Para punir os infratores, entretanto, esses dois órgãos têm de estar alicerçados em uma legislação.

Valente (2003, p.218) analisa esse aspecto:

O financiamento público, de fato, se feito com seriedade e com responsabilidade, no sentido de realmente destinar o dinheiro público para evitar o financiamento privado e, conseqüentemente, as alianças de conveniências, consiste num verdadeiro instrumento no combate à corrupção e ao abuso do poder econômico, os quais, inclusive, situam-se como dois dos pressupostos para o aforamento da ação de impugnação de mandato eletivo.

Portanto, seria necessária a total publicidade de gastos e uma legislação eficiente, de modo a punir quem omitisse informações no ato de prestação de contas e, para garantir a lisura do processo eleitoral.

Nessa direção é a análise de Denise Goulart Schlickmann e Heloisa Helena Bastos Silva Lübke (2008, p. 137):

A conduta típica definida pelo dispositivo consiste em omitir dados nas prestações de contas de campanha eleitoral e nas prestações de contas anuais, dos partidos políticos, ou seja, deixar de submeter à Justiça Eleitoral informações por ela exigidas referentes às contas em questão. Trata-se de crime omissivo próprio, não admitindo, portanto, tentativa.

Apesar de o Brasil ser considerado um país em desenvolvimento, ainda há um grande déficit de políticas publicas básicas, relativamente à habitação, à saúde, à educação, à segurança, entre outros. Esse déficit é justificado com a falta de recursos financeiros. Ora, se há falta de dinheiro para sanar as carências mais básicas, fica difícil pensar em financiamento público de partidos políticos. (PREZOTTO, 2008). Além disso:

[...] há que se ter em mente a relativa fragilidade institucional dos partidos em nosso País e a simétrica força dos seus dirigentes, o que levará ao favorecimento abusivo de alguns candidatos em detrimento de outros. Pode-se argumentar que hoje isso já ocorre. Com efeito, só que sem a legitimação expressa pela via do dinheiro público, que passaria a ser utilizado para reproduzir essa iniqüidade (TRINDADE, 2004 p. 07).

Um dos obstáculos encontrados nos projetos de lei que se destinam ao financiamento público é o que mantém a desigualdade de distribuição de recursos, isto é, disponibilizam-se recursos conforme as bancadas, mantêm-se as velhas agremiações políticas e se dificulta o surgimento das novas. Assim:

Na medida em que os recursos são distribuídos aos partidos na proporção das respectivas bancadas, se estará contribuindo para a manutenção do status quo vigente onde uma vez mais a disputa ficará restrita entre os grandes partidos permitindo a eleição daqueles políticos que dominam a máquina partidária. [...]

A utilização de recursos públicos para financiar as campanhas eleitorais somente se justifica se observado princípio da igualdade na distribuição desses recursos. (PREZOTTO, 2008, p. 296).

Quadra registrar, ainda, que o financiamento público poderia ser uma solução importante para aperfeiçoar o sistema eleitoral brasileiro. Antes, porém, precisam ser curadas as chagas da corrupção e da impunibilidade. O remédio é a adequação da legislação para não tornar clandestinas as doações privadas, não fortificar as instituições já dominantes e tampouco alimentar os corruptos vorazes.

4.4 Financiamento misto

O financiamento misto, como o próprio nome diz, traz em seu seio as duas modalidades de financiamento: pública e privada.

Sobre o financiamento misto, atente-se para a seguinte lição:

Ao adotar o ‘financiamento misto de campanhas’ torna-se muito difícil um controle permanente e eficaz. Utilizam-se verbas públicas e privadas, com as primeiras sujeitando-se às rubricas orçamentárias de origem, com compensação tributária para os prestadores de serviço, enquanto a última, é gargalo sem fim, com facilidades estimuladoras do ‘caixa-dois’. (SOUTO, 2006, p.209-210).

Esse tipo de financiamento coexiste no sistema eleitoral brasileiro atual. É público porque os partidos recebem ajuda financeira dos fundos partidários (CF/88, art. 17, §3º), bem como têm acesso gratuito aos meios de comunicação, recebendo a compensação fiscal do Estado. É privado enquanto abre a possibilidade de pessoas físicas ou jurídicas doarem (ou investirem) recursos próprios em partidos ou representantes.

Dispõe a Lei nº 9.504/97, Lei das Eleições, no art. 23, in verbis:

Art. 23.  Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:

I - no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;

II - no caso em que o candidato utilize recursos próprios, ao valor máximo de gastos estabelecido pelo seu partido, na forma desta Lei.

Para se adotar qualquer tipo de financiamento de campanha, faz-se necessário criar normas que definam parâmetros, controlem e fiscalizem as doações, bem como a prestação e a publicidade de contas.

Na avaliação de Pedro Roberto Decomain (2006, p. 22):

O que a Constituição pretendeu, ao dizer, que a normalidade e a legitimidade das eleições não deveriam ser maculadas pela influência do poder econômico - entendida a palavra no sentido já anteriormente apresentado -, está longe de ser alcançado, levado em consideração o sistema legal de financiamento de campanhas eleitorais hoje em vigor.

Não havendo limite legalmente traçado para despesas com as candidaturas, abrem-se portas para a influência da maior abundância de recursos financeiros com que determinado partido ou determinado candidato possa contar.

As regras atinentes ao financiamento de campanhas vêm expressas nos arts. 30 usque 44 da Lei nº 9.096/95. Do art. 36, especificamente, extrai-se:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

II - no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano;

III - no caso de recebimento de doações cujo valor ultrapasse os limites previstos no art. 39, §4º, fica suspensa por dois anos a participação no fundo partidário e será aplicada ao partido multa correspondente ao valor que exceder aos limites fixados.

Até 1993 o financiamento misto não era concebido no sistema brasileiro. Mas, diante do escândalo do "Caso PC-Farias", que veio à tona no governo Collor, as doações privadas passaram a ser admitidas, isto para impedir a clandestinidade das doações para fins eleitorais.

A Lei nº 9.504/97 também estabelece critérios sobre doações de campanhas eleitorais. De acordo com referida lei, são permitidas doações de empresas e de indivíduos diretamente a partidos e candidatos. Os limites para essas doações são de até dois por cento do faturamento bruto, para pessoas jurídicas, e de até dez por cento para pessoas físicas. Entretanto, nem sempre os candidatos divulgam o real valor gasto em suas campanhas. (TREZEDINI, 2003).

Ainda, no que tange ao financiamento misto, o Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da Republica disserta:

Podemos dizer que, no Brasil, o financiamento de campanha é misto, na medida em que há o Fundo Partidário provido pelo Tesouro, o acesso gratuito ao rádio e à televisão para o processo eleitoral e a possibilidade de descontos tributários por parte das redes de rádio e televisão que veicularem as propagandas. É evidente que temos uma gama de recursos públicos embutidos em toda campanha eleitoral, só que não é exclusivamente financiada por recursos públicos.

Permite a lei, como o Dr. Torquato Jardim já mencionou, o financiamento privado e, mais do que isso, ilimitado na prática; ou seja, não há limites para a contribuição, na medida em que, primeiro, quem fixa o teto do gasto é o partido ou a coligação, ao registrar o candidato ou a candidata; e, segundo, não se veda, inclusive, a readequação desse teto ao longo do processo eleitoral. (TOFFOLI, 2005, p.1).

Como se vê, a legislação atual busca a perfeição ou pelo menos procura diminuir o risco de corrupção no financiamento de campanhas, questões tão discutidas na pauta da pretendida reforma política. Entre acertos e erros, o financiamento misto ainda é utilizado, isto por demonstrar aparente equilíbrio entre as agremiações político-partidárias concorrentes.

Sobre a autora
Caroline Vargas Barbosa

Advogada, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SC e pos-graduanda da Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC, em Processo Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Caroline Vargas. O financiamento público de campanha político-partidária e a crise de representatividade contemporânea.: Análise à luz de aspectos constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3029, 17 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20234. Acesso em: 24 dez. 2024.

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