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A governança corporativa e a pós-modernidade

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Agenda 22/10/2011 às 13:30

O complexo de “novos direitos” expresso nos mercados diferenciados da Bovespa desde 2000 e na Lei 10.303/2001, derivados da positivação de faculdades políticas, patrimoniais e de informação advindas uma disciplina transdisciplinar consistente na “governança corporativa”.

RESUMO: O artigo tem como objetivo declarar um complexo de "novo direitos" – expresso nos mercados diferenciados da Bovespa desde 2000 e na Lei 10.303/2001 – derivados da positivação de faculdades políticas, patrimoniais e de informação advindas uma disciplina transdisciplinar consistente na "governança corporativa". Além de declarar esse "novo direito" o trabalho busca demonstrar que seus mecanismos e valores fundamentais são compatíveis com a proposta de conciliação da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas; consistindo, então, em um Direito da Pós Modernidade. O Trabalho inicia sua missão expondo as sistematizações consagradas dos valores e características das perspectivas conhecidas como "modernidade" e "pós-modernidade" nas Teorias das Organizações; e, em sequência, busca a tipificação do fenômeno da adoção da governança corporativa sob os paradigmas descritos. Como não há muitos exemplos práticos de organizações, estratégias ou ações que possam ser diretamente fundamentadas nos valores pós-modernos – sejam críticos ou radicais – este texto ousa assumir uma missão revolucionária: verificar se os fundamentos e valores intrínsecos à estratégia de adoção de graus de governança corporativa encontram-se embasados nas premissas funcionalistas (positivistas); ou, ao contrário, se encontram suas bases em axiomas pós-modernos.

PALAVRAS-CHAVE: Direito à informação; governança organizacional; governança corporativa; Pós-modernidade; Teoria da Ação Comunicativa; Habermas.

ABSTRACT: This article aims to declare a complex of "new rights" – expressed in the differentiated markets since 2000 in the Bovespa and in several Brazilian laws – resulting from legislative reception of political, property and information rights resulting in a consistent transdisciplinary discipline called "corporate governance". In addition, beyond declaring those "new rights", the work seeks to demonstrate that its mechanisms and core values derive from the Theory of Communicative Action; consisting, then, in a Post Modernity Law. The work begins his mission exposing the systematization – considering values and characteristics – of the concepts known as "modernity" and "postmodernity"; and, after, trying to archive a typification at the characterization of the phenomenon of adoption of corporate governance under the paradigms described. The various critical positions and positivists are heavily referenced - including the theory of organizations - but not many practical examples of organizations, strategies or actions that may be directly grounded in postmodern values - are critical or radical. The job search this way, checking if the foundations and values intrinsic to the strategy of adopting degrees of corporate governance are grounded in the functionalist assumptions, or, rather, are their bases in postmodern axioms.

KEY-WORDS: Informational rights; organizational governance; corporative governance; Post modernity; Communicative Action Theory; Habermas.


1. INTRODUÇÃO:

Schwenck (2002, p.01) explica que os novos direitos são aqueles que "objetivam assegurar a todos garantias antes não reconhecidas, dentro da impensável convivência social, necessárias à sobrevivência da sociedade organizada"; e, completa que esses direitos derivam do fato que "as regras, princípios e estruturas jurídicas, que muito nos serviram no passado, são hoje absolutamente impotentes para enfrentar as incríveis ocorrências contemporâneas".

De fato, as faculdades previstas nos mercados diferenciados da Bovespa – como mais importante estatuto da governança corporativa no paíssurge no alvorecer do século XXI como consequência da pulverização dos investidores graças a mecanismos de negociação eletrônica como o Home Broker – em outras épocas tão inconcebíveis quanto a extinção do pregão de negociação presencial ou em viva voz com os gritos e gestos ainda encontrados na BM&F [01].

Embora os códigos de governança, em sua maioria, sejam apenas soft-law – por serem regras criadas por entres privados sem poder executivo direto não derivando da soberania do Estado – sua eficácia e execução são garantidas pela lex mercatoria, característica peculiar do Direito Mercantil (antes Comercial e agora Empresarial) de funcionar de maneira indutiva, sempre em busca da solução mais eficiente – a ponto de haver doutrina que já enuncie o "soberano supra estatal privado" (CAPELLA, 2002). No caso dos mercados diferenciados há, inclusive, possibilidade de punições em caso de descumprimento dos compromissos vez que há pacto contratual para ingresso.

A busca pela eficiência consiste em meta tão significante no Direito – e, mais específicamente, nos estudos de Direito e Economia – que chegasse a propugnar pela "Teoria da Justiça como Eficiência" [02] como única alternativa à extinção da Humanidade; ou, pelo menos, como alternativa para seu progresso material. Muitos dos "novos direitos" derivam de mecanismos das teorias de Direito e Economia; tal como o Teorema de Coase [03] de internalização das externalidades que deu origem ao princípio do poluidor-pagador.

Nem uma sociedade empresarial é juridicamente obrigada a aderir a padrões de governança; as que o fazem buscam sanções premiais – no ganho em relação a sua imagem de maneira imediata; e, enfim, na retribuição financeira pela valorização de seus ativos. Porém, uma vez adotando os referidos padrões, eles passam a ser juridicamente exigíveis como parte de seu estatuto social e dos contratos assumidos publicamente.

A regulação da governança corporativa – como os outros ramos considerados como "novos direitos" tais como o Direito Ambiental; o Direito do Consumidor; do Direito Comunitário; e, o Biodireito – apresentam fundamentos e mecanismos novos; e, muitos deles, ainda não completamente compreendidos – como os dispositivos que são objeto desse artigo.

A regulação da governança corporativa não é classificada dentre os "novos direitos" apenas por derivar de demanda contemporânea consequente da tecnologia da informática; mas também, por representar uma espécie de direito a informação; assim como, por consistir em um Direito Especial a certos sujeitos – no caso os sujeitos particulares seriam os acionistas minoritários, ou não controladores, porém suas estipulações de organização moral beneficiam todos os stakeholders da empresa.

A regulação da governança corporativa – como Direito Especial estatuindo proteções em relações onde há delegação e desequilíbrio de poder – constituti matéria transdiciplinar, pois suas investigações integram várias ciências – tais como a Macroeconomia, a Engenharia Econômica, o Direito Econômico; e as Finanças – indo além dos seus limites, criando uma nova unidade do conhecimento, conciliando ciências exatas e sociais (RODRIGUES, 2008). E é exatamente nessa conciliação de padrões de racionalidade que será investigada a existência de mecanismos jurídicos novos, identificados com a pós-modernidade.

Desta maneira, em preliminar, é demonstrado que no Direito Mercantil também há espaço para "transdisciplinariedade"; para "novos direitos"; e para mecanismos de conciliação revolucionários – permeando de maneira muito mais rápido as estruturas privadas do que as públicas [04].

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2. DESENVOLVIMENTO:

2.1 MODERNIDADE E PÓS MODERNIDADES:

Definindo a problemática da epistemologia dos estudos organizacionais de maneira crescente em complexidade, inicia-se com o modo mais simples exposto por Kelm (2004, p.88) ao afirmar que: "há a concepção positivista, quando o paradigma está ligado ao conhecimento para controle tecnológico, e antipositivista, quando está ligado ao conhecimento para compreensão mútua e emancipação".

Alvesson e Deetz (1998, p. 227), em seu texto "Teoria crítica e a abordagem pós-moderna para estudos organizacionais", começam por considerar que a "discurso modernista trabalha na base do controle, da crescente racionalização e colonização progressiva da natureza e das pessoas, enquanto trabalhadores, consumidores potenciais ou sociedade". E, em seqüência, considera as duas tendências (com seus pontos de convergência e divergência) como pós-modernas [05], mesmo que particularmente críticas (como as ligadas à Escola de Frankfurt [06] e exemplificadas neste artigo pelo trabalho de Habermas) ou extremistas (céticos como os ligados a idéias da hiper-realidade, por exemplo; e exemplificadas neste texto com a obra de Foucault).

De maneira oposta, o modernismo visava à instrumentalização das pessoas e da natureza, pelo uso do conhecimento científico para realizar resultados previsíveis, medidos por produtividade, visando ganhos econômicos e sociais, por meio de acumulação de riquezas. A teoria crítica e as demais tendências pós-modernistas se baseiam no desenvolvimento da relação poder/conhecimento, construcionismo não dualista, teoria do conflito e do sujeito complexo. (ALVENSON e DEETZ, 1998, p. 231).

Ainda segundo Alvesson e Deetz (1998, p. 227), a teoria crítica e o pós-modernismo, nas suas contribuições para os estudos organizacionais, apresentam semelhanças e diferenças. Em relação às suas semelhanças ambas as abordagens são baseadas nas construções social, histórica e política do conhecimento, nas pessoas e nas relações sociais; assim como, compartilham da visão de que a dominação é construída e, se negligenciada esta construção, as pessoas e as organizações perdem muito graças a alienação. Quanto às diferenças, enquanto a teoria crítica caracteriza o raciocínio comunicativo como condutor a autonomia, o que leva a escolhas que satisfazem as necessidades humanas, a abordagem pós-modernista rejeita tal reflexão. (ALVENSON e DEETZ, 1998, p. 256/257).

O desafio desse artigo é exemplificar uma tendência de regulação que pode ser relacionada aos valores e práticas defendidos pela pós-modernidade crítica, delineada e caracterizada na obra referenciada (ALVESSON e DEETZ, 1998, p. 237) naquela que tivesse como objetivo "criar sociedades e lugares de trabalho livres de dominação, em que todos os membros têm igual oportunidade para contribuir com a produção de sistemas que venham ao encontro das necessidades humanas".

A princípio, a obra dos autores situados na epistemologia soa puramente como discurso ideológico, a ponto de justificar um trabalho como esse buscando suas aplicações práticas – como outros com objetivo semelhante a seguir referenciados (tal como Kelm, 2004). Isso ocorre, porque ambas as tendências pós modernas, seja crítica ou cética, não se encontram sistematizadas nem são capazes de substituir o paradigma funcionalista em muitas questões – exatamente na situação do "Kuhn fail", em que falhas do paradigma vigente (positivismo) são evidentes e inaceitáveis, mas suas alternativas não são capazes de responder mais perguntas do que o vigente.

Habermas é rotulado por Burrel (1994) como "último dos modernos", pois segundo o doutrinador propõe um modelo para salvar o modernismo – saneando suas debilidades. O modelo proposto por Habermas, o da ação comunicativa, não é simples, como será demonstrado, depende do entendimento de várias racionalidades, da adoção de uma ética universal; e, do consenso pela informação e conscientização. Apesar de todas as críticas ao positivismo, o mérito em buscar seu saneamento reside na inexistência de alternativas viáveis, como ilustra sua compleitude o próprio Burrel (1994):

If modernism relies upon organizations for its system of organization then, equally, organization theory relies upon modernism for its justification. The logic resembles this; modernism -- organizations ~ organization theory - technicist solutions - the final solution. It is not a logic which leaves one untouched. (p.13)

Desta maneira, mitigações práticas ao discurso normativo – identificado com positivismo – são possíveis e desejáveis, tanto na gestão pública quanto na privada, como tentativas de evitar o "raciocínio técnico instrumental" (na expressão de Habermas) ou "performatividade" (no conceito de Lyotard) que são expressamente identificadas nas ações de "responsabilidade social e ambiental" das organizações – realizando os "axiomas e imperativos" pós-modernos (Robert Chia, 2003, p.128) – inclusive tentando mudar o mundo a partir da empresa fazendo "organization as [world making]" (CHIA, 2003, p.136) ao forjar valores, percepções e perspectivas particulares – metas subjetivas – em vez de mecanismos objetivos de controle.

Buscar a ampla conciliação através da racionalidade e da ação comunicativa em nome da resistência e emancipação parece, à primeira vista, um discurso ideológico e puramente teórico. Podia ser em sua gênese, mas esse discurso na atualidade já tem conseqüências práticas dentro dos padrões éticos e procedimentais que previu: primeiro, pode-se observar uma nova ética da imagem, com o apelo a organização com consciência "social", "étnica" e "ambiental"; e, depois, com os padrões de governança surgindo uma nova estrutura orgânica, com novas relações de poder internas.

2.2 GOVERNANÇA CORPORATIVA E SEUS FUNDAMENTOS:

A governança corporativa é, cada vez mais, um tema central – tanto na esfera legal quanto na das finanças – como meio para viabilizar o sucesso e a perenização das organizações. Obras de Engenharia Econômica, como de Samanez (2009); assim como de finanças como o de Assaf Neto (2008) consideram adoção de padrões de governança como uma forma de baratear captação ao reduzir riscos e elevar a eficiência da gestão – em nome da geração de valor para o acionista. Assaf Neto (2008, p.178) afirma categoricamente essa visão no trecho:

[...] o papel da governança corporativa é fundamental na definição de políticas e estratégias que busquem, em seu conjunto, a criação de valor aos acionistas da empresa. Uma empresa governada preocupa-se, principalmente, com que suas decisões sejam eficazes, com a identificação de maior quantidade de novas estratégias, e vinculem, ainda, a remuneração ao desempenho de riqueza". (p.178)

Esse artigo busca demonstrar como um tema estudado por disciplinas onde os valores positivistas-funcionalistas são absolutamente predominantes pode apresentar aspectos concretos da pós-modernidade.

Para Silveira (2005, p.13) governança significa padronização dos processos decisórios nas corporações – desde o direito político de votar até o direito orgânico de gerir. Como não há um padrão universal de governança será adotado como padrão de estudo os mercados diferenciados da Bovespa. Dessa maneira, na definição operacional adotada para os funcionalistas, ter governança no Brasil é sinônimo de aderir a um dos mercados diferenciados – e não fatos sem poder heurístico nem prescritivo (como códigos ou regulamentos internos ou práticas mesmo que reiteradas) – sob pena de incluir neste rótulo discursos vazios e sem conteúdo fático.

A teoria e prática da governança corporativa é relativamente recente, sendo ainda um campo aberto. Segundo Bettarello (2008, p.19) o primeiro livro a conter a expressão em seu título é de 1995 e o primeiro código de práticas a adotar a expressão foi escrito em 1992.

Como exemplifica Bettarello (2008), a própria definição constitutiva doutrinária da governança é plural; além dos conjuntos conceituais funcionalistas (que consideram a governança como um conjunto de sistemas normativos ou como modelo empírico), há acepções que tangenciam por nuances de modernas teorias da filosofia da ciência, tais como: a) como conjunto de direitos e sistemas de relações; b) como sistema de governo e estrutura de poder; e, c) como valores e padrões de comportamento.

A governança como conjunto de direitos e sistema de relações pode ser compreendida a partir da teoria dos sistemas de Nicklas Luhmann e é a acepção adotada por aqueles que tem ênfase nos conflitos de agência – e, conseqüentemente, consideram que os padrões de governança existem para maximizar os interesses dos sócios e minimizar a influência dos interesses subjetivos dos administradores na tomada de decisão social [07].

O grupamento conceitual que considera a governança como sistema de governo e estruturas de poder é expresso no próprio Cadbury Report (APUD LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, p.28), à saber: "Corporate governance is the system by which companies are directed e controlled". Neste caso, considerando a governança como uma estrutura de poder ao definir os papéis dos atores sociais, ao estabelecer as regras de convivência e os processos decisórios – servindo como instrumento de controle e monitoramento – objeto de estudo de pós-modernos céticos como Foucault (1977 e 2001).

A terceira conceituação da governança, considerando-a como sistema de valores e padrões de comportamento, faz referência a quatro valores fundamentais encontrados desde os primeiros diplomas codificados sobre o tema – e pacificamente referenciados na doutrina como em Betarello (2008, p.28) e em Rodrigues (2009, p.111): "fairness", "disclosure", "accountability", e "compliance" – estas expressões significam respectivamente: senso de justiça apresentado como equidade e respeito às minorias; transparência das operações; prestação responsável de contas; e, conformidade no cumprimento das normas reguladoras (internas ou externas).

Foi identificado um trabalho que fez um paralelo entre os valores fundamentais da governança e os princípios de ação comunicativa de Jürgen Habermas [08], trata-se da doutrina de Fernandes et. al. (2009, p.3) – que traduz seus valores como compreensibilidade, confiabilidade, sinceridade e legitimidade.

A legitimidade tem diferentes conceitos disciplinares, desde a Sociologia até a Filosofia Política; mas, neste caso, os códigos de governança expressam "legitimidade" com conteúdo semelhante a "compliance" – como legalidade ampla e obediência das regras determinadas interna e externamente.

A sinceridade está absolutamente abrangida na definição de "disclosure"; a confiabilidade está contida na "accountability"; e, a compreensibilidade na "fairness" – que embora signifique a princípio equidade em inglês, nesse caso traduz também o respeito as minorias.

Trata-se claramente de uma tendência de impor as pessoas jurídicas a moral das pessoas naturais em sociedade – mas não apenas isso; é a imposição de uma ética particular com fins pragmáticos – a moralização da mais complexa das instituições privadas para a promoção de valores universais através da democracia acionária; mas uma nova democracia acionária onde as minorias detêm tutelas especiais (mesmo que tenham que pagar por elas).

2.3GOVERNAÇA ORGANIZACIONAL E AÇÃO COMUNICATIVA:

Kelm (2004, p.08) no artigo "Governança Organizacional e Contabilidade" resume a obra de Habermas e sua influência na implantação e concepção dos sistemas de governança. De fato, ilustra a nova postura de Habermas em face da racionalidade ao afirmar que: "Habermas propõe, em sua teoria crítica, que se compreenda a sociedade como uma unidade constituída de sistema e mundo da vida [09], contemplando, ao mesmo tempo, os domínios da razão instrumental e da razão comunicativa" [sic] – como ilustra em um simples esquema silogistico (KELM, 2004, p.08): o modelo de racionalidade cognitivo/instrumental situa-se no paradigma filosófico da "Filosofia da Consciência" e produz o agir estratégico (sobre a natureza com fins pré-estabelecidos); enquanto que o modelo de racionalidade comunicativo situa-se no paradigma filosófico da "Filosofia da Linguagem"; e, produz o agir comunicativo (simbólico e intersubjetivo).

Relacionando a governança organizacional às teorias de Habermas, Kelm (2004, p.87) explica que os problemas combatidos pela governança – como todos aqueles surgidos de delegação de autoridade ou associação – surgem de falhas na racionalidade comunicativa, in verbis:

Inicialmente vale lembrar que os problemas ligados à governança decorrem de um comportamento tipicamente estratégico, na acepção de Habermas, de ação sobre a outra parte e não de busca de um acordo consensual.(p.87)

Ou, em outras palavras, a Teoria da Ação Comunicativa serviria perfeitamente para combater os conflitos e custos de agência – como os existentes entre os sócios e os administradores de empresas – exatamente pela implantação de regras axiológicas análogas as existentes nos códigos de governança corporativa.

Inicialmente vale lembrar que os problemas ligados à governança decorrem de um comportamento tipicamente estratégico, na acepção de Habermas, de ação sobre a outra parte e não de busca de um acordo consensual. As causas de tal fenômeno estão ligadas majoritariamente à existência de assimetrias informacionais causadas pela falta de informação por uma das partes ou, como é bastante comum, pela incapacidade de uma parte para processar adequadamente as informações disponíveis nos contextos pertinentes, não havendo assim um mundo cognitivo partilhado. Em muitas organizações, mesmo havendo uma homogeneidade de interesses não se concede possibilidades simétricas a todos os participantes do discurso de escolherem e exercerem atos de fala comunicativos.

Nos estudos organizacionais, a finalidade do pós modernismo (e também da teoria crítica onde Habermans se localiza) é o reconhecimento da dominação nas organizações (como em qualquer relação social) e a necessidade de desenvolvimento de uma visão crítica e uma atitude emancipatória – para que os membros tenham oportunidades iguais (base da ética dessa Escola). Dessa maneira, a teoria advoga que os arranjos organizacionais sejam capazes de satisfazer as necessidades humanas para o desenvolvimento da sociedade como um todo – e não simplesmente para servir aos interesses de acionistas ou diligentes.

Este objetivo ético pode ser observado nas primeiras aplicações da lógica da pós-modernidade na defesa de grupos considerados socialmente oprimidos – como mulheres e negros – assim como agora, em uma segunda etapa, defendendo proprietários não controladores como acionistas minoritários.

Ainda segundo Burrel (1994), na obra de Habermas, a ação comunicativa é uma forma de criar convicções comuns orientadas para o mesmo objetivo definidos por todos previamente – combatendo privilégios de grupos particulares. Essa seria a forma de legitimação da mais alta forma de racionalidade: a racionalidade comunicativa.

Essa ética convencional não é uma figura abstrata como a paz perpetua de Kant, mas sim, uma consciência crítica evidenciada na atualidade com preocupações sociais – em relação ao respeito às minorias ou ao meio ambiente – que convencem sociedades e estados a proibir, inclusive o beneficio de indivíduos e grupos em prol de minorias ou do futuro da humanidade (como nas Leis Ambientais) – e, concretizada nas organizações pela adesão de sociedades a mercados diferenciados – limitado o poder dos grupos outrora soberanos.

Quanto às críticas as propostas de Habermas, se pode enumerar que: a) não há nos textos referenciados (BURREL, 1994 e WILLMOT, 2003) lições concretas de como instrumentalizar o consenso de Habermas – essa foi a missão para os autores posteriores; b) autores pós modernos céticos – que suspeitam até das suspeitas como alega o Burrel (1994) – vêem nesse consenso a inviabilidade do pluralismo e a imposição de uma dominação uníssona; e, conseqüentemente, débil; e, c) quanto ao papel dos intelectuais como defensores de uma ética determinada

Ora, todos os sistemas e métodos têm aspectos para aperfeiçoar, mas o que resta deste breve texto é que a teoria da ação comunicativa como meio e no consenso como fim tem aplicações práticas, úteis e necessárias no ambiente organizacional expressas pelos padrões de governança gradativamente mais adotados.

Sobre o autor
Renato Amoedo Nadier Rodrigues

Graduado em Direito (UFBA) e Engenharia de Produção Civil (UNEB); Mestre em Direito Privado e Econômico (UFBA); e doutorando do Programa de Pós Graduação em Administração (Finanças Estratégicas) da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Renato Amoedo Nadier. A governança corporativa e a pós-modernidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3034, 22 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20251. Acesso em: 23 dez. 2024.

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