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Os processos da Vara de Família e o anteprojeto do novo Código de Processo Civil

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Agenda 26/10/2011 às 10:03

Analisa-se o que o projeto de novo CPC, que tramita no Senado Federal, reserva ao operador do Direito de Família.

RESUMO: Análise do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil que tramita no Senado Federal, especificamente no que tange às propostas legislativas que tenham particular relevância para as ações que tramitam nas varas de família, a título de reflexão a respeito do que o direito projetado reserva ao operador do Direito de Família.

PALAVRAS CHAVE: processo civil; anteprojeto; ações de família; divórcio; união estável; alteração do regime de bens; inventário e partilha de bens; alimentos; cautelares; execução de alimentos; cumprimento de sentença.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Ações da vara de família; 2. Procedimento comum; 3. Tutelas de urgência e da evidência; 4. Procedimentos especiais; 4.1 Divórcio consensual; 4.2. União estável consensual; 4.3 Alteração do regime de bens; 4.4 Inventário e partilha de bens; 4.5 Outras situações consensuais; 5. Cumprimento de sentença de alimentos; 6. Ação de alimentos; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

Está em tramitação no legislativo o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil (NCPC). [01] É grande a expectativa da comunidade jurídica com o resultado dos trabalhos legislativos. Mesmo porque, grandes também são os propósitos da comissão de juristas responsável pela tarefa. Com efeito, os cinco objetivos que orientaram precipuamente os trabalhos da comissão são: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; 5) imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão. [02]

O texto que hoje se nos apresenta não é definitivo e poderá sofrer modificações. Não obstante, pretende-se neste artigo extrair dele as propostas que tenham particular relevância para os feitos que tramitam pelas varas de família - abstendo-se da abordagem dos aspectos que interessam ao processo civil em geral - a título de reflexão e análise do que o novo estatuto de processo civil anuncia ao operador do Direito de Família.


1. AÇÕES DA VARA DE FAMÍLIA

Nas varas de família tramitam, de regra, as ações que versam sobre os institutos típicos do Direito de Família. Destas ações, apenas as de alimentos são regidas por lei especial (Lei nº 5.478/68), ao passo que as demais seguem rito processual previsto no Código de Processo Civil. Tramitam pelo procedimento comum ordinário as ações de guarda, [03] de regulamentação de visitas, as relativas à paternidade, as declaratórias de existência de união estável, as de anulação e de nulidade de casamento, a ação de divórcio litigioso (Lei nº 6.515/77, art. 40, § 3º), também a de tutela. [04]

A ação de alteração do regime de bens do casamento segue procedimento especial de jurisdição voluntária (CPC, arts. 1.103/1112), assim como o divórcio consensual (CPC, arts. 1.120/1.124 c/c Lei nº 6.515/77, art. 40, § 2º), este com possibilidade de ser feito extrajudicialmente (CPC, 1124-A). O inventário e partilha de bens, quando litigioso, tramita por procedimento especial de jurisdição contenciosa (CPC, arts. 982/1.045).

As cautelares seguem rito próprio do processo cautelar (CPC, 796 e ss.). A cobrança de dívida de alimentos pode ser feita por execução de alimentos (CPC, art. 733) ou como cumprimento de sentença (CPC. 475-J e ss.). Já as situações de alienação parental seguirão pelo procedimento comum, quando autônomas, ou pelo rito da ação principal, quando incidentais, conforme prescrição do art. 4º, da Lei nº 12.318/10.

São ações que, de regra, demandam intervenção obrigatória do Ministério Público (CPC, 82, II) e que correm em segredo de justiça (CPC, 155, II).


2. PROCEDIMENTO COMUM

Na proposta legislativa, as ações que hoje tramitam pelo procedimento comum ordinário continuarão a seguir como tal, com a ressalva de que este não mais será diferenciado nos ritos sumário e ordinário. Haverá apenas um rito para esse procedimento, o que, de qualquer forma, não fará diferença para as ações da competência da vara de família, eis que nenhuma delas tramita pelo rito sumário (NCPC, 292 e ss.; CPC, 275, par. ún.).

Seguirão, então, tramitando pelo procedimento comum, as ações litigiosas de guarda, de regulamentação de visitas, as relativas à paternidade, as declaratórias de existência de união estável, as de tutela e as de anulação e de nulidade de casamento. Como o projeto não traz regulamentação para o divórcio litigioso, a previsão é de que permaneça em vigor a regra do art. 40, § 3º, da Lei nº 6.515/77, que remete ao procedimento ordinário que, igualmente, será o procedimento comum. As situações de alienação parental não devem sofrer alteração quanto ao rito.

Dentre as modificações que o projeto pretende introduzir no procedimento comum, quando comparado à sistemática atualmente vigente, releva a priorização da fase conciliatória, que passará a anteceder o momento de oferecimento da defesa. Assim, a citação será feita não mais para oferecer defesa (CPC, 297), mas para comparecer à audiência de conciliação (NCPC, 323), sendo que o prazo para contestar será de 15 dias, contados da audiência de conciliação/sessão de mediação (NCPC, 324). [05] Por sua vez, na audiência de conciliação haverá a atuação necessária de um conciliador ou mediador, cujas funções estão especificadas nos arts. 144 a 153, do NCPC Há, ainda, previsão expressa de realização de mais de uma sessão de conciliação ou mediação, caso necessário à composição das partes, cuja pauta deve ser organizada separadamente e com prioridade em face das audiências de instrução e julgamento.

Referidas alterações afiguram-se favoráveis aos feitos que tramitam no foro da família. A contestação, como se sabe, é peça de defesa, vale dizer, quase sempre um ato de beligerância, que pode ter por efeito fomentar ainda mais o dissenso familiar. A proposta de a parte requerida comparecer à audiência de conciliação sem ter preparado e apresentado, previamente, sua contestação, implica na expectativa de que se tenha um clima menos litigioso, mais amigável, e, via de consequência, mais favorável e propenso ao acordo que é, em última análise, o modo preferencial de resolução de conflitos de natureza familiar.

A intimação do autor para comparecer à audiência de conciliação será facilitada, pois deverá ser feita na pessoa do advogado (NCPC, 323, § 4º), ao passo que o não comparecimento injustificado de qualquer das partes será penalizado como ato atentatório à dignidade da justiça, sancionado com multa de até dois por cento do valor da causa ou da vantagem econômica objetivada (NCPC, 323, §6º), tudo a apontar para a importância atribuída à fase conciliatória. Embora isso, há previsão de cancelamento de referida audiência no caso de uma das partes manifestar desinteresse na composição amigável (NCPC, 323, § 5º). Ainda assim, o juiz de família pode insistir na realização da conciliação, em virtude da natureza, relevância e especialidade das questões tuteladas. Até porque, a par da previsão de cancelamento por falta de interesse de uma das partes, consta norma que lhe impõe (ao juiz) o dever de tentar, prioritariamente e a qualquer tempo, compor amigavelmente as partes (NCPC, 118, IV).

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A intervenção do Ministério Público ocorrerá precipuamente na defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis (NCPC, 154), intervindo como fiscal da ordem jurídica nas causas que envolvam o estado das pessoas e o interesse de incapazes (NCPC, 156, II e III).

Tramitarão em segredo de justiça as causas que digam respeito a casamento, separação de corpos, divórcio, união estável, filiação, alimentos e guarda, assim, também, em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade (NCPC, 164, II e III).

Dentre outras alterações, interessa-nos que os recursos das sentenças terão, de regra, apenas efeito devolutivo (NCPC, 949), ressalvada a hipótese de o relator suspender a eficácia da decisão, para os casos que o projeto regula (NCPC, 949, § 1º).


3. TUTELAS DE URGÊNCIA E DA EVIDÊNCIA

No que tange ao processo cautelar, o projeto não prevê um livro próprio, tampouco contempla medidas cautelares típicas, como aquelas recorrentes nas varas de família (busca e apreensão, alimentos provisionais, arrolamento de bens, guarda provisória, dentre outras). Em contrapartida, oferece as tutelas de urgência (periculum in mora) e a da evidência (fumus boni iuris), qualquer delas podendo ser requerida antes ou no curso do processo principal, dele sempre dependentes, diferenciadas conforme tenham natureza satisfativa (de antecipação dos efeitos da tutela, no todo ou em parte) ou cautelares (visam afastar risco e assegurar o resultado útil do processo). Serão concedidas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, sujeitas às regras comuns (NCPC, 269/275) e específicas (NCPC, 276/277 e 278), estabelecido procedimento próprio, conforme sejam antecedentes (NCPC, 279/285) ou incidentais (NCPC, 286).

Nesta proposta, então, é que deverão ser pleiteadas todas as medidas de natureza cautelar ou satisfativa que interessem aos litígios de família, na medida em que se enquadrem numa ou noutra hipótese normativa.


4. PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

No que concerne aos procedimentos especiais, a proposta traz inovações ao processo do divórcio consensual, aos acordos relativos à união estável, também à alteração do regime de bens.

4.1 DIVÓRCIO CONSENSUAL

O divórcio consensual, que atualmente tramita como procedimento especial de jurisdição voluntária (CPC, arts. 1.120/1.124-A, por força da prescrição do art. 40, § 2º, da Lei 6515/77), continuará a ser regido como procedimento especial, incluído no capítulo dos procedimentos não contenciosos.

Haverá, no entanto, uma diferenciação na forma de ser processado, conforme seja consensual e sem filhos incapazes, ou não. Sendo consensual e não havendo filhos menores ou incapazes, será realizado obrigatoriamente por escritura pública, da qual constarão as cláusulas do acordo no que concerne à descrição e partilha dos bens, bem como à pensão alimentícia entre os cônjuges (NCPC, art. 699, caput, c/c art. 697). O pacto relativo aos bens é de inclusão facultativa, uma vez que igualmente ao direito vigente, o fato de o casal não proceder a partilha neste momento não constitui obstáculo ao divórcio (NCPC, art. 697, par. ún.). A mudança importante aqui, é que o direito projetado traz a obrigatoriedade da forma extrajudicial para os casos de consenso e inexistência de filhos menores ou incapazes (NCPC, art. 699, caput - "serão realizados"), quando na atual legislação a hipótese é facultativa (CPC, art. 1.124-A – "poderão ser realizados").

Fica mantida a regra de que o divórcio, na forma pública, independe de homologação judicial – vale dizer, atribuindo-se à vontade do casal o efeito de dissolver o vínculo conjugal (NCPC, 699, § 1º), bem como que a respectiva escritura "constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem assim para levantamento de importância depositada em instituições financeiras" (NCPC, 699, § 1º). A redação atual é de que a escritura "constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis (CPC, 1.124-A, § 1º), donde se tem que a proposta amplia os efeitos do ato, de modo a lhe conferir eficácia mais abrangente. Mantém-se a exigência da assistência por advogado, além da ressalva da justiça gratuita aos hipossuficientes economicamente.

Nos demais casos consensuais, em que há filhos menores ou incapazes, deverá ser feito necessariamente pela via judicial, mantidas as exigências de (i) petição assinada por ambos os cônjuges, (ii) pacto relativo à descrição e partilha bens comuns, alimentos entre cônjuges, guarda, alimentos e visitas aos filhos; (iii) audiência de ratificação. A partilha dos bens permanece sendo facultativa (NCPC, art. 697, par. ún.).

A regra de a audiência de ratificação ser adiada por 15 ou 30 dias, na hipótese de o juiz não se convencer de que o divórcio é da vontade firme e refletida do casal (CPC, 1.122, § 1º, parte final), não mais existirá. Mesmo porque, com a redação dada ao art. 226, § 6º, da Constituição Federal pela Ementa Constitucional nº 66/2010, [06] entende-se que não remanescem requisitos, prazos ou outras cautelas legais a serem observadas no âmbito do direito material para a concessão do divórcio, que passou a ser direito potestativo dos cônjuges, sendo, portanto, de ser decretado tão somente diante da manifestação de vontade de qualquer deles, independentemente de verificação de culpa ou dos motivos que levaram à falência do casamento. [07]

E sob tal entendimento, é de se questionar se não seria a oportunidade de suprimir a exigência da audiência de ratificação para concessão do divórcio consensual, cujo objetivo maior é a expressão solene da manifestação de vontade do casal perante o juízo, que parece não mais se justificar ante os novos contornos do divórcio. Sem prejuízo, por evidente, das cautelas necessárias para proteção dos direitos dos filhos e até mesmo de qualquer dos cônjuges, se necessário e conforme o caso, tudo segundo o prudente arbítrio do juízo. [08]

Quanto ao regramento a respeito das visitas nos acordos de divórcio, resume-se a proposta a que sejam expressamente pactuadas na petição inicial (NCPC, 697, III, final), não havendo previsão semelhante à norma contida no art. 1.121, § 2º, do CPC (que especifica no que consiste o regime de visitas). [09] A supressão afigura-se acertada, na medida em que o direito de visitas é decorrente do próprio poder familiar, concebido como extensão da função parental de ter o filho em sua companhia (CC, 1.634, II), consistindo figura de direito material, de modo que não deve mesmo ser tratada em sede processual. [10] Tanto é, que o Código Civil, em seu art. 1.589, contém regramento a respeito, ainda que não tão detalhado como a atual norma do art. 1.121, § 3º, do CPC. De qualquer forma, é no direito material que a questão deve ser resolvida, e não no processo.

4.2 UNIÃO ESTÁVEL CONSENSUAL

Novidade importante é que a mesma forma pública prevista para o divórcio consensual sem filhos incapazes deverá ser adotada nos acordos declaratórios de existência união estável, das quais não tenha, igualmente, resultado filhos menores ou incapazes (NCPC, art. 699). Assim, aqueles expedientes de homologação de acordo de união estável tão recorrentes nas varas de família e que incidam na hipótese (consensual e sem filhos incapazes), serão necessariamente processados pela via extrajudicial, observados os mesmos requisitos e cautelas do divórcio, no que forem aplicáveis. Trata-se de economia doméstica entre as partes, sem maior interesse estatal. Os demais casos de união estável, com filhos menores ou incapazes (nisso o interesse estatal), se consensuais, deverão ser processados pela via dos procedimentos não contenciosos, previstos para os casos em que não se estabelece procedimento especial (NCPC, art. 685), uma vez que não há regulamentação expressa no projeto a respeito. É o que se faz atualmente, pela via dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária (CPC, 1.103).

Registra-se, aqui, a impropriedade terminológica contida no caput, do art. 699, do NCPC, quando refere a "extinção da união estável", uma vez a formalidade prevista na regra projetada não tem por efeito, tecnicamente, a extinção da união estável. Consistindo a união estável num fato jurídico qualificado (CC, 1.723), sua dissolução se opera no mundo dos fatos e tão somente pela vontade das partes. Portanto, a rigor, a hipótese será de mera escritura pública declaratória da existência de referida união, no tempo e com a duração informados pelo casal, não tendo o ato notarial em questão efeito constitutivo (extinção) da união, como é o caso do divórcio. Terá efeito meramente declaratório de fato pretérito.

4.3 ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS

A alteração do regime de bens do casamento, que atualmente tramita como procedimento especial de jurisdição voluntária, por não haver disciplina processual específica (CPC, arts. 1.103/1112), passará a ser regida por regra própria, contida no art. 700, do NCPC, inserta na seção que trata do divórcio e da união estável consensuais. Embora a novidade da inserção no código, o regramento proposto pouco acrescenta ao processamento dos expedientes de modificação do regime de bens. A par da exigência de petição assinada por ambos os cônjuges (que não havia anteriormente), refere à observância dos requisitos legais, motivação do pedido, razões que justificam a alteração e ressalva a direitos de terceiros – tudo já constante na norma de direito material (CC, 1.639, § 2º). O pedido, por sua vez, à míngua de regra processual expressa, deverá ser processado na forma do art. 685 e ss., do NCPC, que se aplica aos procedimentos regulados no mesmo capítulo, devidamente instruída a petição inicial e com regular intervenção do Ministério Público.

4.4 INVENTÁRIO E PARTILHA DE BENS

O inventário e a partilha de bens, na hipótese de ser litigioso, prossegue com disciplina própria. Previsto no Código de Processo Civil para tramitar como procedimento especial de jurisdição contenciosa (arts. 982/1.045, combinado com o art. 1.121, § 1º), a proposta é que passe a ser regido nos procedimentos especiais, arts. 633/644, do NCPC, conforme remete o art. 697, parágrafo único, do projeto, com suas respectivas modificações.

4.5 OUTRAS SITUAÇÕES CONSENSUAIS

Aquelas situações consensuais, em que os interessados comparecem em juízo objetivando apenas a homologação de acordo já concluído - muito comum entre casal de pais, para regulamentar alimentos, guarda e visitas para filhos havidos fora do casamento -, deverão tramitar como procedimentos não contenciosos, seguindo-se de conformidade com a proposta do art. 685 e ss., do NCPC.


5. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE ALIMENTOS

A cobrança de dívida de alimentos originados no Direito de Família, no processo vigente, pode ser feita de duas formas: (i) como ação autônoma, pela via do art. 733, do CPC, utilizada para cobrar parcelas com caráter de urgência alimentar, sob pena de prisão; (ii) em sede de cumprimento de sentença, pela via do art. 475-J, do CPC, que se presta para cobrança das parcelas tidas como pretéritas, quais sejam, aquelas que perderam o caráter de urgência alimentar, sob pena de penhora de bens. [11]

No projeto, a proposta é de que a atual execução de alimentos pela via da prisão seja processada como cumprimento de sentença, regulamentada no capítulo Do cumprimento da obrigação de prestar alimentos (NCPC, 514 a 517). Não mais se terá, portanto, uma ação autônoma de execução de alimentos, mas nova fase dentro do processo de conhecimento, destinada aos alimentos estabelecidos judicialmente, em sentença ou decisão interlocutória (NCPC, 514, caput), definitivos ou provisórios, independentemente de sua origem.

É a previsão do art. 517, do NCPC, que inova ao admitir, expressamente, que os alimentos de origem civil (decorrentes do ato ilícito, a exemplo da situação prevista no art. 948, inc. II, do Código Civil), sejam cobrados pela via da prisão. No direito vigente, apenas se tem admitido a cobrança pela via extrema dos alimentos legítimos, ou seja, daqueles derivados de relação de natureza alimentar. [12]

Ainda, digno de registro que o projeto, inadvertidamente, não incluiu na hipótese normativa os alimentos decorrentes de pacto formalizado por escritura pública, para o ex-cônjuge e/ou ex-companheiro, nos casos de divórcio e de união estável consensuais, em que não haja filhos menores ou incapazes, conforme a proposta constante no art. 699, caput, do NCPC. É a mesma lacuna do atual código, mas que se agrava um pouco mais ante a impossibilidade (no projeto) de que os acordos de divórcio sem filhos menores ou incapazes sejam processados pela via judicial (a previsão é de que a via extrajudicial seja obrigatória, diversamente do atual código, na qual é facultativa).

Numa visão oblíqua, a questão poderia até ser resolvida na cisão das pretensões, de divórcio e de alimentos, processando-se a primeira pela via extrajudicial (porque obrigatória) e a segunda judicialmente, para constituir título judicial e, assim, valer-se da prerrogativa de promover o cumprimento do acordo pela via extrema da coerção pessoal. Não sendo assim, o credor de alimentos constituídos por escritura pública, na ótica do direito projetado, somente poderia cobrar seu crédito mediante ação de execução, com base no título executivo extrajudicial constituído (NCPC, art. 730 e art. 743, II).

A despeito disso, o certo é que a jurisprudência já abriu espaço para admitir a prisão civil na hipótese de inadimplemento de dívida de alimentos que não tenham sido constituídos necessariamente por sentença judicial, mas decorrentes de mero acordo. Nesse sentido, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1117639/MG, no qual a Min. Nancy Andrighi, em voto-vista, firma entendimento de que "a execução pela coerção pessoal, disciplinada no art. 733, do CPC, decorre da natureza da obrigação, sendo irrelevante a espécie do título executivo que representa o crédito alimentar". [13] Sem dizer - consoante o mesmo julgado -, da melhor interpretação que se deve dar ao art. 19, da Lei nº 5.478/68, que permite expressamente ao juiz, para execução de sentença ou de acordo (que, gize-se, não pressupõe homologação judicial, porquanto um acordo homologado constitui sentença), tomar as providências necessárias para o cumprimento (do julgado ou do acordo), inclusive a decretação da prisão do devedor - posicionamento este que deverá se consolidar ainda mais no caso de persistir a omissão no projeto a respeito.

Quanto ao procedimento para a cobrança de alimentos pela via da coerção pessoal, a proposta é de que o devedor seja intimado (não mais citado, pois agora se trata de cumprimento de sentença) pessoalmente para, no prazo de três dias, pagar as "parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo" (NCPC, 514, caput). A intimação, como se vê, é prevista para ser feita pessoalmente, embora regra diversa tenha sido proposta para o cumprimento de sentença em geral (intimação por publicação, conforme art. 500, § 2º, I, do NCPC), o que se justifica na natureza da obrigação e pela conseqüência do desatendimento do comando judicial (prisão).

No que diz respeito à dívida que autoriza a pretensão, deverá ser compreendida como aquela referente às três últimas parcelas anteriores ao ajuizamento do pedido de cumprimento de sentença (e não da execução, como equivocadamente consta no texto proposto do art. 514, do NCPC), assim como é atualmente. Sendo a cobrança penalizada com a constrição pessoal, entende-se que não poderão ser cobrados alimentos pretéritos, há muito tempo vencidos e não reclamados, sob pena de constrangimento ilegal. É entendimento devidamente consolidado na doutrina e na jurisprudência, sob a égide da legislação atual, inclusive sumulado, [14] que não deve sofrer modificação, em virtude da similaridade da hipótese sobre a qual versa a proposta legislativa.

O prazo concedido para o devedor é o mesmo da regra atual (três dias), sendo que a ele são facultadas as mesmas três ações: pagar, provar que pagou, justificar a impossibilidade de efetuar o pagamento. Também é o mesmo o prazo previsto para a prisão caso não haja pagamento ou não seja acolhida a justificativa – um a três meses, ficando igualmente a critério do julgador, conforme o caso concreto, o tempo de duração da custódia (NCPC, 514, § 1º; CPC, 733, § 1º).

Da mesma forma que o direito atual, o cumprimento da pena de prisão sem que se tenha feito o adimplemento integral não exime o devedor do pagamento (NCPC, 514, § 2º; CPC, 733, § 2º), devendo a cobrança da dívida em aberto, neste caso, ser feita pela via do cumprimento definitivo da sentença condenatória em quantia certa (NCPC, 509 e ss.).

De forma semelhante à regra do art. 734, do CPC, há previsão de desconto dos alimentos em folha de pagamento (NCPC, art. 515), com o diferencial de que a diligência deve se dar a requerimento da parte (a interpretação da norma vigente é de que o juiz age de ofício). A norma projetada igualmente especifica o conteúdo do ofício que determina os descontos em folha, que deve conter, dentre outros, o termo inicial dos descontos, sob pena de responder, a autoridade pública, a empresa ou empregador, pelo crime de desobediência - o que consiste em inovação ao direito vigente (NCPC, 515, §§ 1º e 2º). A despeito de a norma referir à prática de crime de desobediência por empresa, por evidente que se deve entender que eventual responsabilidade criminal somente poderá ser daquele que for responsável concretamente pelo ato ilícito, uma vez que a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de crime.

No mais, o projeto pretende a revogação dos artigos 16 a 18, da Lei de Alimentos, que tratam tanto de referidas medidas, como da hipótese de as prestações de alimentos serem cobradas de alugueres ou rendimentos do devedor.

Por fim, a cobrança dos alimentos pretéritos, sob pena de constrição patrimonial, deve seguir conforme as prescrições estabelecidas para cumprimento definitivo da sentença condenatória em quantia certa, previsto no art. 509 e ss., do NCPC e nos termos do que remete o art. 516, do NCPC.

Tem-se, assim, que não obstante as modificações para a cobrança forçada dos alimentos da competência do juízo de família, deve ser mantida a fundamental diferenciação quanto aos ritos, conforme se trate de alimentos urgentes (pena de prisão) ou alimentos pretéritos (pena de penhora).

Sobre a autora
Denise Damo Comel

Doutora em Direito, Juíza de Direito da 1ª Vara da Família e Anexos da Comarca de Ponta Grossa, Professora na Escola da Magistratura do Paraná, Núcleo de Ponta Grossa, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Especialista em Psicologia da Educação. Autora das obras "Do Poder Familiar" (São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003) e “Manual prático da Vara de Família : roteiros, procedimentos, despachos, sentenças e audiências” (Curitiba : Juruá, 2010)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COMEL, Denise Damo. Os processos da Vara de Família e o anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3038, 26 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20297. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Artigo originalmente publicado na Revista Síntese de Direito de Família. São Paulo. IOB, v. 66, jun.-jul/2011. p. 98/109.

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