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O esquecido caráter pedagógico das condenações de dano moral brasileiras

Agenda 04/11/2011 às 16:03

No Brasil, desrespeitar uma lei federal, mesmo o CDC, que é norma cogente, consubstanciada pelo manto constitucional, não é grave, não é nada demais, pois as empresas sabem que pagarão um preço muito pequeno por eventual desrespeito.

No Brasil, as empresas se acostumaram a cometer atos ilícitos. Elas violam leis federais diariamente, em plena luz do dia, e mas especificamente a lei 8.078/90, ou seja, nosso Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor é norma cogente, de aplicação imediata, expressamente prevista na CF, no seu artigo 5º, XXXII, portanto, norma revestida pelo manto constitucional e consubstanciada como direito fundamental da pessoa humana.

Violar uma lei desta grandeza não poderia nunca ficar impune e muito menos serem aplicada sanções irrisórias, que não representem um valor expressivo para os responsáveis.

Mas na prática, infelizmente, não se observa nenhum respeito a nossas normas federais. A omissão do judiciário brasileiro é a causa determinante de tal fenômeno. O juiz no Brasil não consegue cumprir o seu papel fundamental, ou seja, mostrar a supremacia da norma. Os próprios brasileiros falam de nossas leis em tom jocoso, visto que somos o único país do mundo, que temos leis que "pegam" e outras que não.

Mesmo cientes do teor das normas do CDC, as empresas brasileiras estão habituadas a transgredi-lo! Tomo como exemplo, uma sustentação oral que fiz, em vão, aqui em Fortaleza, na 4ª turma recursal, processo nº 32.2009.920.159-5, em um recurso de uma funcionária que teve 3 meses de salários bloqueados por atos ilícitos cometidos pelo Banco do Brasil e a juíza de 1º grau, apesar de reconhecer os danos inequívocos, só condenou o Banco em R$2.000,00.

O Banco, neste caso concreto, cometeu uma série de atos ilícitos contra a Recorrente, que apenas desejava abrir uma simples conta salário. E ao invés disto, o Banco criou erroneamente contas correntes irregulares, que cobravam altas taxas, e acabaram por bloquear 3 meses e meio de salários da Recorrente após repetidos erros de sistemas!

Nos autos, ficou provado que o BANCO cometeu uma série de negligências em seu sistema, inclusive emitindo extratos bancários com valores divergentes, o que comprovou-se pelos extratos incluídos pelo próprio BANCO.

Buscando majorar a condenação para um valor mais expressivo, em minha sustentação oral, enfatizei uma pesquisa que fiz, com base em publicações do site G1, que informou recentemente, o lucro líquido do Banco do Brasil no ano de 2010, que assim como no ano 2009, bateu todos os recordes de arrecadação da história do sistema financeiro nacional, alcançando em 2010 o recorde histórico de 11,703 BILHÕES DE REAIS.

LUCRO DO BANCO DO BRASIL EM 1010

Anual:

R$ 11,703 Bilhões

Mensal: R$ 975,25 milhões

Dia: R$ 32,508 Milhões

Hora (8 horas p/dia): R$ 4,063 Milhões

Minuto: R$ 67.716,00

Segundo: R$ 1.128,00

Realizei um cálculo bem simples, baseado neste incrível valor de arrecadação anual de R$11,703 Bilhões de reais: Dividindo-se este valor por 12, temos que o Banco faturou por MÊS, aproximadamente 1 Bilhão de reais, isso dá um lucro líquido DIÁRIO de R$ 32,508 milhões. Indo um pouco mais longe, bastando dividir-se por 8 horas diárias, chega-se facilmente ao valor de R$4,063 milhões, que corresponde à arrecadação por HORA deste banco, finalmente, dividindo por 60, podemos descobrir que por MINUTO, este banco ganha R$67.716,00 reais!! O que por segundo representa R$1.128,00 reais!

Ou seja: Enquanto eu falava naquela sustentação oral de poucos minutos, o Banco do Brasil acabara de arrecadar mais R$338.580,00 reais de lucro líquido!

Comparando estas informações com o pífio dano moral concedido, constata-se facilmente que o banco arrecada o mesmo valor em 1,7 segundos! Por isto, nem recorreram dos R$2000,00, de tão insignificante que era!

Será que este valor de condenação realmente foi pedagógico? Será que realmente irá coibir práticas semelhantes?

No acórdão, que conforme o costume, já veio impresso de casa, a relatora apenas leu seu voto, citando Caio Mário da Silva Pereira, que diz que:

"a soma não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento nem tão pequena que se torne inexpressiva. Os excessos e as mitigâncias só levam à desmoralização do instituto, restando necessário que se considere os princípios da proporcionalidade, da equidade, razoabilidade, e principalmente o bom senso do julgador".

Ora, parece mais do que visível, que o julgador brasileiro só consegue ler o começo da frase do nobre doutrinador: "a soma não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento", esquecendo-se de ler o restante: "nem tão pequena que se torne inexpressiva".

Se olharmos para o direito comparado, não possuímos ainda maturidade para compreender aquelas condenações milionárias que escutamos falar nos países de 1º mundo.

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Todo brasileiro que viaja para os EUA volta de lá impressionado com a forma que as empresas tratam seus consumidores. O respeito é supremo: caso algum consumidor se arrependa de uma compra, devolvem seu dinheiro sem questionar; se o produto possui vício de qualidade, trocam sem burocracia. Tudo isto não acontece por acaso, lá as empresas sabem que as leis americanas devem ser respeitadas, sob pena de pagarem muito caro por eventual descumprimento.

Já no Brasil, desrespeitar uma lei federal, mesmo o CDC, que é norma cogente, consubstanciada pelo manto constitucional, não é grave, não é nada demais, pois as empresas sabem que pagarão um preço muito pequeno por eventual desrespeito, daí é muito mais lucrativo pra elas ignorarem as leis, cometendo atos ilícitos, e caso alguém procure o poder judiciário, elas sabem que o Brasil ainda está longe de aplicar qualquer sansão realmente pedagógica, como as aplicadas nos EUA. Ora, aqui no Brasil, sequer chamamos uma lei de âmbito nacional de lei federal, chamamos ela de "lei ordinária", ou seja, até o nome já deprecia nossa lei federal!

É chegada a hora de tomarmos uma providência mais severa, na altura dos atos ilícitos cometidos por empresas que insistem em não cumprir o código de defesa do Consumidor e outras leis federais. O caráter pedagógico precisa estar presente nas sentenças condenatórias, e deve ser usado como política educacional para coibir efetivamente reincidências da mesma conduta ilícita, e não apenas ser usado como ficção jurídica ensinada nas faculdades de direito, pois a função social de uma condenação inibitória eficaz é inquestionável, visto que pode efetivamente trazer mudanças positivas na sociedade, que terá empresas obedientes às nossas normas, com condutas mais respeitosas ao consumidor, diante do respeito real às leis!

Cabe a nós, operadores do direito, mudarmos nossa postura, não apenas os juízes, mas principalmente nós, advogados, devemos exaltar as leis brasileiras e incentivar condenações monetárias expressivas contra os violadores de normas federais, e esquecer de vez este mito do "enriquecimento sem causa", pois violar lei federal por acaso não é causa suficiente?

Para frente Brasil!

Sobre o autor
Claudio Cavalcante Salmito

Advogado e Analista de Sistemas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALMITO, Claudio Cavalcante. O esquecido caráter pedagógico das condenações de dano moral brasileiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3047, 4 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20356. Acesso em: 22 nov. 2024.

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