5.2 Da alternativa brasileira para produção de provas da embriaguez
Conforme amplamente explanado no trabalho, verifica-se que a nova redação atribuída ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro retirou o antigo termo "sob a influência de álcool" para a "comprovação de 0,6 (zero vírgula seis) decigramas de álcool por litro sangue", para fins de configuração do crime de embriaguez.
No entanto, tem-se que tal alteração não colheu melhor sorte ao exigir prova técnica para configuração da conduta penal, em razão de impossibilitar a utilização da prova testemunhal, que é o único meio de comprovar a embriaguez do condutor que se recusa aos testes de alcoolemia.
A título ilustrativo, cite-se as palavras de Eduardo Luiz Santos Cabette:
Não há outra conclusão a não ser que o legislador foi muito infeliz ao substituir a velha fórmula da "influência de álcool" pela dosagem de 0,6 g/l de álcool no sangue ou mais, tornando o outrora utilíssimo exame clínico praticamente inútil para as situações de suposta embriaguez etílica.[76]
No mesmo sentido, Fernando Célio de Brito Nogueira:
O legislador não poderia ter sido mais infeliz. Ao estabelecer, para infração penal do art. 306 do Código de Trânsito, uma elementar baseada em número, para quantificação do teor de álcool no sangue do agente, a primeira conseqüência prática que da infeliz elementar resulta é a obrigatória realização de exame de sangue, para que se comprove a prática da infração penal. E ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.[77]
E continua:
Mas, como no campo penal, o legislador não poderia ter sido mais infeliz e melhor seria se o art. 306, do Código de Trânsito, mantivesse a redação antiga (conduzir veículo pela via pública sob a influência do álcool ou substância de efeitos análogos), pois a exigência numérica do art. 306, com a redação dada pela Lei n. 11.705/08, em vigor no dia 20 de junho de 2008 (seis decigramas ou mais de álcool, por litro de sangue), acarretará dificuldade de cabal comprovação material da infração penal em relação àquelas pessoas que não se submetam etilômetro e não autorizem a retirada de sangue para o exame de alcoolemia, sabedoras de que, entre nós, ninguém pode ser obrigado a produzir ou permitir que se produza prova contra si próprio. E o exame clínico não poderá concluir, de forma taxativa, que o indivíduo tinha 6(seis) decigramas ou mais de álcool por litro de sangue.[78]
Sendo assim, considera-se que a intenção do legislador foi ótima em buscar maior penalização ao condutor embriagado, no entanto, do ponto de vista prático, não foi feliz ao estabelecer uma dosagem técnica de 0,6 (zero vírgula seis) decigramas para configuração da infração penal.
A infelicidade do legislador trouxe como conseqüência a impossibilidade de utilização da prova testemunhal para confirmação da alcoolemia do motorista, nos casos de recusa aos testes de alcoolemia, por ser incapaz de comprovar a concentração numérica de álcool no sangue, conforme consta do artigo 306 do CTB.
Nestes termos, a solução que melhor se nota para a incriminação penal do condutor embriagado, é substituir a quantificação de 0,6 (zero vírgula seis) decigramas trazida pela Lei Seca, para o antigo termo "sob influência de álcool", tornando-se plenamente possível a utilização da prova testemunhal.
A título de ilustração, tem-se que em Portugal o condutor que se recusar aos testes de alcoolemia será punido por crime de desobediência, e, na França, será punido com prisão por um ano mais a multa. Cite-se:
O Código da Estrada de Portugal (Decreto-lei nº265-A/2001) em seu art. 158, dispõe em sentido semelhante, havendo previsão de punição de desobediência para quem se recusar a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de embriaguez. O Code des Débits de Boison e dês Mesures contre l’Alcoolisme, em França, estabelece a pena de prisão por um ano e multa de 25.000 francos para quem se recusar à verificação da embriaguez[79]
Já no sistema inglês é previsto a pena privativa de liberdade, conforme leciona Cássio Mattos Honorato:
Assim, segundo a legislação inglesa, se o ofensor conduz um veículo, em via pública, sob efeito de álcool ou substância entorpecente (ofensa descrita pelo RTA 1988, s. 4, e pelo RTA 1991, s. 3) poderá ser acusado por uma única conduta ilícita, cabendo à Court (nesse caso à Magistrates’Court) a imposição das seguintes sanções: pena privativa de liberdade (imprisonmeent), de até seis meses; a disqualication e o endorsement são obrigatórios neste caso; e quatro penalty points serão atribuídos à licença para dirigir (RTOA 1988, anexo dois).[80]
Nota-se que a legislação inglesa estabelece punição é mais severa que no Brasil ao condutor que dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, sendo certo que não há exigência de uma quantidade de álcool no sangue para aplicação das penalidades cabíveis.
Por fim, verifica-se que a melhor forma de incriminar o condutor nas sanções penais do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, será alterar novamente a legislação para retirar a exigência de quantidade mínima de álcool sangue e, por conseguinte, permitir a utilização da prova testemunhal nos casos de recusa aos testes de alcoolemia.
6 CONCLUSÃO
O trabalho acima exposto permite concluir que a alteração no Código de Trânsito Brasileiro havida com a edição da Lei 11.705 de 19 de junho de 2008, almejou como finalidade a redução do número de acidentes no trânsito causado por motoristas embriagados, porém a legislação em regência albergou normas e meios de incriminação passíveis de discussão na esfera judicial.
As infrações administrativas e penais relacionadas ao consumo de álcool, configura-se pela quantidade de álcool encontrada no sangue do condutor, que, conforme o caso, é possível que seja aplicada a penalidade de detenção de seis meses a três anos, além de multa, suspensão ou proibição de permissão ou habilitação do direito de dirigir.
Com relação aos meios de prova da embriaguez, a norma traz a possibilidade de confirmação da embriaguez do condutor através do aparelho ar alveolar pulmonar (etilômetro ou bafômetro); exame de sangue e o exame clínico do instituto de medicina legal (IML).
A medicina legal é crítica quanto a forma de utilização dos testes de alcoolemia, justamente por que o policial não tem capacidade técnica de afirmar com certeza se o motorista efetivamente se encontrava embriagado, pois a pessoa capaz de confirmar tal circunstância seria somente um médico, que avaliará a quantidade de álcool do sangue do condutor com outros aspectos clínicos.
Outrossim, tem-se que a Constituição Federal confere direitos ao condutor de se recusar aos testes de alcoolemia, sem que sofra qualquer punição administrativa, vez que está por exercer um direito de cunho fundamental.
Sendo assim, a disposição trazida pela Lei Seca acerca da punição administrativa ao condutor que se recusar aos testes de alcoolemia acaba por ser ilegal, em razão dos princípios Constitucionais da não auto-incriminação e presunção de inocência.
Em que pese à existência dos princípios acima mencionados que amparam o direito individual do condutor de se recusar aos testes de alcoolemia, verifica-se que a Lei Seca pautou-se num bem jurídico de proteção ao direito coletivo, ou seja, veio amparar a segurança no trânsito, o direito a vida e outros.
Por isto, verifica-se que diante de um conflito de princípios e normas de direito individual com os de direito coletivo, torna-se necessária a aplicação do princípio dos princípios, isto é, o princípio da Proporcionalidade, que, por sua vez, ampara o direito a coletividade em detrimento do direito individual, restando devida a obrigatoriedade do condutor em se submeter aos testes de alcoolemia.
Ao final, demonstrou que a Lei Seca não foi feliz ao estabelecer uma tipificação numérica da quantidade de álcool no sangue do condutor, para fins de configuração da infração penal, posto que impossibilitou a comprovação da embriaguez nos casos de recusa do motoristas aos testes de alcoolemia.
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