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Razão de Estado e a defesa da ordem política e social.

Arquitetura político-jurídica de Segurança Nacional no Brasil (1934-1938)

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Agenda 17/12/2011 às 12:10

5.O autoritarismo de 1937: restringindo direitos em nome da raison d’État

A Constituição de 1937 merece uma análise em apartado pela sua própria extensão. O repertório de ameaças é aumentado exponencialmente. Um capítulo atinente à "Defesa do Estado" é criado, além do outro sobre a "Segurança Nacional". Também, na Constituição de 1937, a noção de inimigo e de ameaça surge logo em seu intróito. As ameaças são várias, demandando uma rápida reforma institucional com vistas a assegurar a proteção da Pátria, como podemos observar no quadro que segue.

Quadro 5: Objetos de Referência e Ameaças no Preâmbulo da Constituição de 1937

Dispositivo Legal

Objeto de Referência

Ameaça

Preâmbulo, primeiro parágrafo;

"legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social"

"fatores de desordem" causados por "dissídios partidários"; "luta de classes" e "conflitos ideológicos"

Preâmbulo, primeiro parágrafo;

"Nação"

"funesta iminência da guerra civil"

Preâmbulo, segundo parágrafo

"País"

"infiltração comunista"

Preâmbulo, terceiro parágrafo

"defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo";

 

Preâmbulo, quarto parágrafo

"unidade [nacional]", "instituições civis e políticas"

 

Preâmbulo, quinto parágrafo

"Nação", "unidade", "independência", "regime de paz política e social", "segurança", "bem-estar" e "prosperidade"

 

Fonte: Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937); Elaboração do autor.

O comunismo, a luta de classes e a guerra civil por esses instigados são referências expressas, consolidando-se como ameaças à Nação e ao Estado. O direito à reunião também poderia ser restringido "em caso de perigo imediato para a segurança pública" (CF, 1937, art. 122, 10). O mesmo artigo, em outro versículo (15, "a"), prescrevia a censura prévia [13] como mecanismo para a garantia da tríade "paz", "ordem" e "segurança pública", avançando o direito penal prospectivo [14]. Em formulação ainda mais aberta, concedendo amplos poderes ao legislador seguinte, a Constituição estatuía que a lei poderia prescrever "providências destinadas à proteção do interesse público, bem-estar do povo e segurança do Estado" (CF, 1937, art. 122, 15, "c"). Consolidando a supremacia do Estado sobre os indivíduos, os direitos e garantias constitucionais teriam como limite "o bem público, as necessidades da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição" (art. 123).

Quadro 6: Seleção de Objetos de Referência e Ameaças na Constituição de 1937

Dispositivo Legal

Objeto de Referência

Ameaça

Art. 166

"paz pública"; "estrutura das instituições"; "a segurança do Estado ou dos cidadãos"

"ameaça externa ou iminência de perturbações internas ou existências de concerto, plano ou conspiração"

Art. 122, "17"

"a existência, a segurança e a integridade do Estado" e "economia popular"

"crimes"

Art. 141

"economia popular"

"crimes", equiparáveis aos "crimes contra o Estado"

Art. 165, parágrafo único

Indústrias em regiões fronteiriças

Integridade territorial e economia nacional

Fonte: Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937); Elaboração do autor.

Há ainda sensíveis modificações em dois itens, que merecem relevo. São (i) a competência para decretação de estado de sítio (como era chamado na Carta de 1934, ou estado de emergência, na terminologia de 1937), deslocadas do Legislativo para o Executivo, denotando a centralização política e (ii) a ampliação da interdição do uso de faixas de fronteiras (de 100 para 150 km) sem autorização do poder público.

Quadro 7: Comparativos entre as disposições sobre Estado de sítio/de emergência e sobre a faixa fronteiriça nos Textos Constitucionais de 1934 e 1937

Assunto

Texto Constitucional de 1934

Texto Constitucional de 1937

Estado de sítio/de emergência

Art 40 - É da competência exclusiva do Poder Legislativo:

d) aprovar ou suspender o estado de sítio, e a intervenção nos Estados, decretados no intervalo das suas sessões; j) autorizar a decretação e a prorrogação do estado de sítio;

Art 166 - Parágrafo único - Para nenhum desses atos será necessária a autorização do Parlamento nacional, nem este poderá suspender o estado de emergência ou o estado de guerra declarado pelo Presidente da República.

Uso da faixa de fronteira

Art 166 - Dentro de uma faixa de cem quilômetros ao longo das fronteiras, nenhuma concessão de terras ou de vias de comunicação e a abertura destas se efetuarão sem audiência do Conselho Superior da Segurança Nacional, estabelecendo este o predomínio de capitais e trabalhadores nacionais e determinando as ligações interiores necessárias à defesa das zonas servidas pelas estradas de penetração.

Art 165 - Dentro de uma faixa de cento e cinqüenta quilômetros ao longo das fronteiras, nenhuma concessão de terras ou de vias de comunicação poderá efetivar-se sem audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional, e a lei providenciará para que nas indústrias situadas no interior da referida faixa predominem os capitais e trabalhadores de origem nacional.

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Fonte: Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934) e Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937); Elaboração do autor.

Finalmente, destaca-se a equiparação de crimes contra a economia com os crimes contra o Estado, a serem julgados por Tribunal específico [15].

A montagem constitucional de segurança é completada pelo Decreto-Lei 431, de 1938 (que Define crimes contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado e contra a ordem social). Um breve parêntese: a regulamentação sobre segurança foi instituída por Decreto-Lei [16], expedido pelo Executivo, ao invés de lei proposta, debatida e aprovada pelo Legislativo. Per se, isso já denota a maneira autoritária e concentradora de poder da norma.

Quadro 8: Seleção de Objetos de Referência e Ameaças no Decreto-Lei n. 431/1938

Dispositivo Legal

Objeto de Referência

Ameaça

Art. 1º

"ordem política"; "a estrutura e a segurança do Estado, e a ordem social"; "ao regime jurídico da propriedade, da família e do trabalho, à organização e ao funcionamento dos serviços públicos e de utilidade geral"

Crimes contra os objetos de referência

Art. 2º, 1

"território da nação"; integridade territorial

Submissão à soberania de Estado estrangeiro

Art. 2º, 2

"unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania"

Atentados de nacionais com auxílio/subsídio de "Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional"

Art. 2º, 3

Integridade territorial

"movimento armado" que tente o desmembramento territorial

Art. 2º, 4 e 5

Subversão "da ordem política e social"

"com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de carater internacional"; subversão "por meios violentos" com vistas ao "estabelecimento da ditadura de uma classe social"

Art. 2º, 6

Poderes do Estado

Insurreição armada

Art. 2º, 8

"a segurança do Estado e a estrutura das instituições"

"devastação, saque, incêndio, depredação ou quaisquer atos destinados a suscitar terror"

Art. 2º, 9

Presidente da República

Ameaças contra sua vida, incolumidade ou liberdade

Art. 3º, 1

Modificação da Constituição ou a forma de governo

Violência para alteração dos objetos de referência

Fonte: Decreto-Lei n. 431, de 18 de maio de 1938; Elaboração do autor.

O caráter ainda mais repressor dessa legislação (o Decreto-Lei 431, de 1938) se comparada à anterior (a Lei n. 38, de 1935) pode ser visto com a punição mais rigorosa em tempo de prisão para os variados crimes e cabendo, inclusive, a pena capital, castigo não previsto no regramento antecedente.

Já temor ao comunismo era nítido, não só como expressão constitucional, como mencionamos, mas também presentes no Decreto-Lei. Além das reiteradas menções quanto ao recebimento de auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou de organização de caráter internacional (o que poderia caracterizar a URSS e/ou a Internacional Socialista), a lei delineou proibições quanto ao "estabelecimento da ditadura de uma classe social [17]" e ao incitamento "ódio entre as classes sociais" ou sua luta [18], expressões/terminologias comuns ao PCB.


6.Considerações finais

Ameaças à economia capitalista passaram a ser criminalizados como ataques ao Estado e à Nação. Criminaliza-se a organização e o planejamento (ex ante ao delito), punindo não a prática, mas a suposta intenção de fazer. A Segurança Nacional serviu ao propósito de expandir a lógica capitalista, punindo aqueles que tentassem a essa se opor. Na dinâmica da violência simbólica e física, o período demonstra uma propagação de instrumentais normativos capazes de criminalizar as classes trabalhadoras, instituindo uma gramática própria, dotada de terminologias adequadas a tipificar as condutas contestatórias. Estava em defesa o Capital, transmutado como Estado/Nação/Pátria e, mascarado pelos véus do desenvolvimento de um capitalismo autônomo, ignorava-se que, ainda assim, tratava-se do modo de produção capitalista. Para sua proteção, o Estado armava-se contra as movimentações das classes trabalhadoras, com a vultosa normatização de Segurança Nacional, e cooptando-as com a retórica nacionalista.


Referências

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Sobre o autor
Vinicius Valentin Raduan Miguel

Advogado. Mestre em Direitos Humanos e Política Internacional pela Universidade de Glasgow. Professor de Direitos Humanos e Hermenêutica Jurídica da Faculdade Católica de Rondônia. Professor Substituto/Auxiliar do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Rondônia, onde é coordenador da Pós-Graduação em Segurança Pública e Direitos Humanos. Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/RO. Representante da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIGUEL, Vinicius Valentin Raduan. Razão de Estado e a defesa da ordem política e social.: Arquitetura político-jurídica de Segurança Nacional no Brasil (1934-1938). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3090, 17 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20652. Acesso em: 22 dez. 2024.

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