Introdução
É experiência extraída do meio forense o anseio de alguns atores da cena processual em ver aquele que ingressou com ação judicial usufruir no mundo empírico, de forma imediata, das vantagens derivadas do bem da vida perseguido.
A legislação nacional prevê o instituto da tutela antecipada, que "surgiu como resposta do legislador aos reclamos da sociedade em receber uma tutela jurisdicional efetiva e célere. Assim, (a) diante de prova inequívoca, (b) que convença o julgador da verossimilhança das alegações do requerente, em conjunto com (c1) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação – na hipótese de não fruição imediata do bem da vida perseguido –, ou (c2) abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, pode o juiz, a requerimento da parte, antecipar os efeitos da decisão final." [01].
A preocupação central do artigo está situada nos possíveis efeitos gerados a partir de uma antecipação dos efeitos da tutela não requerida pela parte autora, mas concedida pelo magistrado. Antes, porém, com todo o respeito a opiniões em contrário, algumas linhas evidenciam a impossibilidade da concessão ex officio da tutela antecipada.
Da necessidade de requerimento da parte
Inicialmente, o caput do artigo 273 do CPC é de clareza solar: "O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutelapretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:". Portanto, a não ser que essa necessidade seja declarada inconstitucional, não se vê outro caminho para afastá-la.
Registre-se: o artigo2° do CPC cristaliza o princípio da demanda, sinalizando a prestação jurisdicional, em regra, necessitar de pedido da parte ou interessado para iniciar-se, ou seja, o Poder Judiciário se move a partir do momento em que alguém busca a tutela para algum interesse, não sendo sua função política solucionar os problemas da sociedade como se fosse seu único gestor.
Já do artigo 460 do CPC dimana o princípio da congruência, segundo o qual, em linhas gerais, o dispositivo do édito judicialdeve cingir-se ao pedido formulado pela parte, sob pena de incorrer nos seguintes vícios formais: a) citra petita ou infra petita: deixa de apreciar algum pedido; b) extra petita: analisa matéria estranha à lide; c) ultra petita: ultrapassa os limites do pleito formulado.
Por sua vez, o artigo 128 do CPC veda a possibilidade de o juiz conhecer de questões não suscitadas no curso processual, cuja análise a lei exige iniciativa da parte. No caso em descortino, essa exigência, como visto, consta do caput artigo 273 do CPC.
Igualmente, não é de se confundir o poder geral de cautela (artigo 798 do CPC) com a antecipação de tutela. A medida acauteladora tem a finalidade de criar um estado ideal para o desenvolvimento do processo, tem, pois, cunho instrumental. A antecipação dos efeitos da tutela satisfaz o credor do bem postulado, significa a execução da sua pretensão, isto é, tem natureza substancial.
Outrossim, as medidas constantes do artigo 461 do CPC (astreintes), cujo deferimento pode ser ex officio, conforme seu parágrafo 3°, foram previstas para assegurar a efetividade da tutela concedida (antecipada ou não)– mais uma vez é de se ressaltar seu caráter instrumental. Exemplificativamente, pode-se cominar multa diária para forçar o cumprimento de determinada obrigação, o que é incabível é criar a obrigação com espeque nesse dispositivo.
Da revogação da tutela antecipada
É lição comezinha que a antecipação dos efeitos da tutela pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo (artigo 273, § 4°, do CPC), e que sua concreção obedece ao regime da execução provisória, de forma que o exequente está obrigado a reparar qualquer dano sofrido pelo executado (artigo 475-O, I, do CPC) e restituir as partes ao estado anterior, se sobrevier mudança no título executivo provisório(artigo 475-O, II, do CPC).
Foi exatamente essa a razão pela qual está expressamente exigido o requerimento da parte no caput do artigo 273 do CPC, afinal de contas, o credor, ao assumir os riscos da execução, deve estar ciente dos ônus e circunstâncias periféricas de uma decisão que, ao fim, pode não ser confirmada [02].
Logo, não obstante o espírito do magistrado esteja embebido das melhores intenções jurídicas ao antecipar de ofício a tutela pretendida, cria-se um ônus em desfavor do exequente, cujo peso não teve ele a intenção de suportar, caso contrário, haveria requerimento nesse sentido.
Por todas essas razões, conclui-se a antecipação de ofício dos efeitos da tutela não ser albergada pelo ordenamento jurídico, tendo em vista: (a) a prestação jurisdicional demandar iniciativa da parte, (b) haver vício forma (ultra petita) em concessão de bem da vida além do pedido, (c) o requerimento da parte ser exigência textual do artigo 273, caput, do CPC, e (d) ser vedado ao juiz conhecer de questões não levadas ao processo, cuja apreciação necessita de iniciativa da parte.
Notas
- CRUZ, Henrique Jorge Dantas da. Da devolução das verbas previdenciárias recebidas a título de tutela antecipada posteriormente revogada. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3002, 20 set. 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/20030>. Acesso em: 12 out. 2011.
- GAMA, Ricardo Rodrigues. Algumas Considerações sobre a Antecipação de Tutela. Revista Jurídica n° 266/15