VII Princípio do Direito de Recusa Obreiro
Trata-se de princípio afinado e complementar ao princípio da indisponibilidade da saúde do trabalhador. Como já foi abordado, o princípio da irrenunciabilidade dos direitos da personalidade, neles incluídos o direito à vida e à integridade física e psíquica, constante do art. 11 do Código Civil Brasileiro, fortalece o entendimento sobre o princípio da indisponibilidade da saúde do trabalhador. Esses direitos são inatos, absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, impenhoráveis, inexpropriáveis e ilimitados.
Sabe-se que o contrato de emprego, com a subordinação que lhe é inerente, concentra no empregador um conjunto expressivo de prerrogativas voltadas ao direcionamento da prestação concreta de serviços, franqueando-lhe ainda prerrogativas concubstanciadoras do chamado poder diretivo ou poder de comando.
Essa situação jurídica oriunda do contrato não cria, contudo, um estado de sujeição do trabalhador ao empregador.
Nesse contexto, por certo, é valida e juridicamente protegida a recusa obreira a ordens ilícitas perpetradas pelo empregador na relação de emprego. O princípio do direito de recusa obreiro configura, assim, mais uma evidência do caráter dialético, e não exclusivamente unilateral desta relação.
A prática da recusa ao cumprimento de ordens ilícitas, neste caso, corresponde a ato praticado em legítima defesa da vida, conforme o art.188 do Código Civil Brasileiro, ao preconizar que "Não constituem atos ilícitos: I-os praticados em legítima defesa [...]".
Esta norma-princípio encontra-se plasmada no art.13 da Convenção n. 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, com a seguinte redação:
De conformidade com a prática e as condições nacionais, deverá ser protegido, de conseqüências injustificadas, todo trabalhador que julgar necessário interromper uma situação de trabalho por considerar, por motivos razoáveis, que ela envolve um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde. [65]
Todavia, o princípio do direito de recusa obreiro encontra-se, na prática, mitigado, em ordens jurídicas como a brasileira, uma vez que o risco do rompimento do contrato pelo empregador inibe eventual posição defensiva do empregado em face de determinações abusivas recebidas. [66]
Antes de se passar às conclusões deste estudo, vale resgistrar que, não obstante o item 10.14.1 da Norma Regulamentadora n.10 do Ministério do Trabalho e Emprego tratar do direito de recusa do trabalhador que interage com instalações e serviços elétricos interromper suas tarefas sempre que constatar evidências de riscos graves e iminentes para a sua segurança e saúde ou de outras pessoas, a norma-princípio do direito de recusa obreiro emana de norma supralegal plasmada em convenção internacional da OIT, e, portanto, não se aplica exclusivamente aos trabalhadores do setor elétrico, mas aos trabalhadores de todos os outros setores produtivos que eventualmente venham se encontrar na condição de risco grave e iminente. [67]
Assim sendo, é nas normas constitucionais e normas de direito internacional, ratificadas pelo Brasil, que se deve buscar efetivamente, em uma linguagem kelseniana, o fundamento de validade das normas nacionais de segurança e saúde do trabalhador.
De tudo que foi exposto, chega-se às seguintes conclusões:
a)a integridade física e psíquica do trabalhador é um direito fundamental, respaldado na Constituição Federal, art. 6º e art. 7º, XXII, em normas internacionais, Convenções da OIT, na CLT, Capítulo V, Título II, e, em inúmeras instruções normativas, Normas Regulamentadoras e portarias expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego;
b)os princípios apresentados neste estudo devem atuar como mandamentos de otimização do sistema, devendo consagrar-se, definitivamente, na doutrina, e, contribuir para que os operadores jurídicos compreendam o verdadeiro sentido do trabalho digno e saudável, sem riscos de lesões, doenças ou mortes de trabalhadores;
c) as normas legais de segurança e saúde do trabalhador precisam incorporar o avanço ocorrido no Direito Internacional do Trabalho, assimilar as inovações e os princípios da Constituição Federal de 1988 e disciplinar suficientemente a internalização das diretrizes estabelecidas nas Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil.
REFERÊNCIAS
>. Acesso em 20 set.2011.
- MELLO, Celso Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 922.
- PRINCIPIO. In: WIKIPÉDIA: a encyclopedia livre. Disponivel em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio>. Acesso em: 20 set. 2011.
- OLEA apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1978. p.31.
- SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 142.
- CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 5. ed. Niterói: Impetus, 2001, p.168-169.
- SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed., rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 34-36.
- WEIS, Carlos. O pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais. In: DIREITOS humanos: construção da liberdade e da igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria-Geral , 1998. p. 289-317.
- ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema global. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 5.
- RODRIGUEZ, Maria Helena. Os direitos econômicos, sociais e culturais: uma realidade inadiável. PROPOSTA: Revista Trimestral de Debate FASE, v. 31, n. 92, p.18-38, mar./maio 2002, p.19.
- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Métodos de proteção de direitos, liberdades e garantias. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 806, 2003. Número especial.
- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p.62 apud GLANZ, Aída. Os direitos sociais e a moderna teoria da constituição. Cidadania e Justiça, v. 5, n.12, p.109-114, jul./dez. 2002, p.113.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Antônio de Paulo (Ed.). 18. ed. Rio de Janeiro: DP &A, 2005. p. 20.
- SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed., rev. atual. e ampl. Porto alegre: Livraria do advogado, 2005. p.82-84.
- FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 206.
- LOBATO, Anderson Cavalcante. Os desafios da proteção jurisdicional dos direitos sociais, econômicos e culturais. Estudos jurídicos, Porto alegre, v. 32, n. 86, p.11-12, set./dez. 1999.
- RODRIGUEZ, Maria Helena. Os direitos econômicos, sociais e culturais: uma realidade inadiável. PROPOSTA: Revista Trimestral de Debate FASE, v. 31, n. 92, p.25, mar./maio 2002.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Editado por Antônio de Paulo. 18. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 20.
- BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários ns. 466.343 e 349.703, bem como dos Habeas Corpus ns. 87.585 e 92.566. Diário Oficial da União 5 jun. 2009.
- OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: LTr, 2010. p.74.
- DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010. p.145.
- SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 10, p. 2, jan. 2002.
- BARCELOS, Ana Paula de . Eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 59.
- BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 923.
- MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTR, 1995. p. 63.
- BARRETO, Amaro. Tutela geral do trabalho. Rio de janeiro: Edições Trabalhistas, 1964. v. I, p. 19.
- CHAGAS, Gustavo Luis Teixeira. Legislação de direito internacional do trabalho e da proteção internacional dos direitos humanos. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 220.
- FERRARI, Irany; MARTINS, Melchiades Rodrigues. CLT: doutrina – jurisprudência predominante e procedimentos administrativos: segurança e medicina do trabalho artigos 154 a 201.São Paulo: LTr, 2007. p. 15.
- DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do trabalhador. 2. ed. São Paulo: LTr,1999. p.163-165.
- CLT acadêmica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 78.
- AMORIM JUNIOR, Cléber Nilson Ferreira. O embargo de obra e a interdição de estabelecimento, de máquinas e de setor de serviço previstos no art.161 da CLT. Considerações jurídicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2791, 21 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18541>. Acesso em: 15 set. 2011.
- OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5. ed. rev. e ampl. e atua. São Paulo: LTr, 2010. p.112.
- LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 8. ed. rev. atual. e ampl. são Paulo: Método, 2005. p.470.
- BRASIL. Novo Código Civil comentado. Ricardo Fiúza (Coord.). 3.ed. atual. São Paulo. Saraiva, 2004. p. 23.
- OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 5. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: LTr, 2010. p.124.
- CHAGAS, 2010, p. 220.
- CORRÊA, Márcia Angelim Chaves; SALIBA, Tuffi Messias. Manual prático de avalição e controle de gases e vapores: PPRA. 3. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 31.
- SALIBA, Tuffi Messias. Manual prático de avaliação e controle de poeira e outros particulados: PPRA. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 40.)
- CHAGAS, 2010. p. 207.
- SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. CLT comentada. 43. ed. atual. rev. amp. São Paulo: LTr, 2010. p. 325.
- AMORIM JUNIOR, Cléber Nilson Ferreira. A inspeção do trabalho e sua competência para autorizar a prorrogação da jornada de trabalho em atividades insalubres. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2473, 9 abr. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14656>. Acesso em: 20 set. 2011.
- OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 5.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: LTr, 2010. p.124.
- CHAGAS, 2010, p. 207.
- SALIBA, Tuffi Messias. Manual prático de avaliação e controle do ruído: PPRA. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 75-79.
- SALIBA, Tuffi Messias. Curso básico de segurança e higiene ocupacional. São Paulo: LTr, 2004. p.268-270.
- CHAGAS, 2010, p. 278.
- Ibid., p. 249-250.
- Ibid., p. 220.
- KARWOWSKY, W. Ergonomics and human factors. Ergonomics, v. 48, n. 5, p. 436-463, 2005 apud SOARES, Marcelo: DINIZ, Raimundo Lopes. Proteção contra riscos ergonômicos. In: MATTOS, Ubijara; Aluizio de Oliveira; MÚSCULO, Francisco Soares. Higiene e segurança do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. cap. 14, p. 325.
- SOARES, Marcelo: DINIZ, Raimundo Lopes. Proteção contra riscos ergonômicos. In: MATTOS, Ubijara; Aluizio de Oliveira; MÚSCULO, Francisco Soares. Higiene e segurança do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. cap. 14, p. 326.
- INSTRUÇÃO. In: DICIONÁRIO informal. Disponivel em <http://www.dicionarioinformal.com.br/definicao.php?palavra=instru%E7%E3o&id=2070>. Acesso em 20 set. 2011.
- CHAGAS, 2010. p. 206.
- Ibid., p. 207-208.
- Ibid., p. 220, 230.
- Ibid., p. 250.
- GONÇALVES, Edwar Abreu. Manual de segurança e saúde no trabalho. 3. Ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 568-569.
- CHAGAS, 2010, p. 246.
- HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raizes do Brasil. Disponivel em:< http://www.revistacontemporaneos.com.br/n3/pdf/sergiobuarque.pdf
- NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do Direito. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p.29-30.
- TORÁ: a lei de Moisés e as Haftarót. Tradução do rabino Meir Matzliah Melamed. São Paulo: Sêfer, 2001. p. 214-215.
- CHAGAS, 2010, p. 208.
- Ibid., p. 229.
- Ibid., p. 220-222.
- Ibid., p. 247.
- PORTO, Marcelo Firpo de Souza; MILANEZ, Bruno. Proteção contra riscos químicos. In: MATTOS, Ubijara; Aluizio de Oliveira; MÚSCULO, Francisco Soares (Org.). Higiene e segurança do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. cap. 9, p. 200-201.
- CHAGAS, 2010. p. 222.
- DELGADO, Mauricio Goldinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005.p. 1003.
- BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 598, de 7 dez. 2004. Norma Regulamentadora nº 10 sobre segurança em instalações de serviços em eletricidade. Diário Oficial da União, 8 dez. 2004.